Seca prejudica pecuária e provoca morte de animais silvestres no Pantanal

A estiagem está causando sérios problemas no Pantanal, como a morte do gado e de animais silvestres como capivaras e jacarés. Além disso, o rio Paraguai, o principal da bacia que leva seu nome, está atingindo níveis cada vez mais baixos desde outubro, diminuindo praticamente dois centímetros em média a cada dia. No dia 14, o nível do rio na cidade de Ladário (MS) era de 1,16 metro e a probabilidade de atingir menos de um metro é de 77%, segundo método probabilístico desenvolvido por técnicos da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária na região, a Embrapa Pantanal.

Segundo Sérgio Galdino, pesquisador da Embrapa Pantanal, a navegação é a primeira atividade afetada quando os níveis são baixos. O nível de alerta oficial é de um metro, mas o pesquisador alerta para a situação crítica da região, em função da pouca oferta de água. "Quando chega a 1,20, é praticamente inviável a navegação comercial", observa. Grandes embarcações responsáveis pelo transporte de cargas como minério, grãos e combustível diminuem a carga quando o volume do rio está em tais condições. Há impacto também em outra atividade de importância sócio-econômica para a região, o turismo, com a redução no número de embarcações que levam turistas ao Pantanal, atraídos principalmente pela pesca.

A pecuária também sofre os efeitos da seca no Pantanal. Com a redução na oferta de água, o pantaneiro já recorre a um sistema parecido com o dos açudes do Nordeste, que é a construção de pilhetas. São tanques de aço inoxidável circulares, instalados em cavas de quatro a cinco metros de profunidade, que recebem água do lençol freático, por bombeamento. "Não é o ideal, pode até ter conseqüências negativas, como a redução do volume de águas subterrâneas, mas o fato é que, assim, o pantaneiro não só está salvando sua atividade econômica, mas contribuindo também para a manutenção da vida silvestre", atesta Galdino.

É comum bois e vacas disputarem com jacarés e capivaras a água das pilhetas. Em outras regiões, como várias lagoas secaram, o jacaré é uma das espécies mais ameaçadas, porque precisa ficar submerso até se deslocar a locais ideais para reprodução e alimentação. Alguns, fracos devido à redução do estoque de água, não conseguem se deslocar e morrem.

Chuvas

Embora a ocorrência de chuvas no Pantanal seja entre outubro e março, até agora não choveu. Curiosamente, o Pantanal atravessa o que os pesquisadores chamam de ciclo de cheias. Esse último começou em 1974 e já completa 29 anos. Segundo Sérgio Galdino, da Embrapa, é possível que esteja começando um ciclo de seca, mas é cedo para o fim do ciclo de cheia. Os pesquisadores já haviam previsto que em 2001 se interromperia o atual ciclo de cheia. O nível máximo não passou de 4,66 metros, considreado de cheia pequena, nos anos de 1998, 1999 e 2000. Na seqüência, em 2001, o pico de cheia foi de 3,15 metros e o rio Paraguai chegou a atingir, em outubro daquele ano, apenas 90 centímetros.

Em maio de 2002, o nível voltou a subir e cehgou a 5,10 metros. Por isso, segundo a metodologia desenvolvida por técnicos da Embrapa Pantanal, o atual ciclo de cheia continua e, com seus 29 anos de duração, é o maior de que se tem registro. Desde 1900, o normal é que os ciclos de cheia e de seca se intercalem, num intervalo aproximado de 20 anos. O ciclo anterior de cheia durou de 1942 a 1963. Para efeito de comparação com a situação atual, houve cinco anos de seca. No entanto, o nível média da régua de Ladário foi de 2,54 metros. Isso leva os pesquisadores da unidade de pesquisa a classificarem de atípico o atual ciclo de cheia.

Um das teorias que explicariam esse ciclo atípico do Pantanal é a ocorrência de um maior volume de chuvas na bacia e a expansão da atividade humana nos planaltos adjacentes, cujos efeitos mais marcantes são o desmatamento e a erosão. Em estudos desenvolvidos na região, pesquisadores da Embrapa Pantanal constataram que a área desmatada nesses planaltos em 1976 era de pouco mais de 10 mil quilômetros quadrados, ou 4,83% de sua superfície. A partir da década de 70, houve expansão da fronteira agrícola, o que resultou no aumento da área desmatada para 46,22% das terras do planalto da bacia do Alto Taquari, registrado em 1994. A atividade agropecuária no planalto do Alto Taquari ocasiona também perda do solo, devido à falta de vegetação, e conseqüente erosão e assoreamento do leito do Taquari. No baixo curso do Taquari, verifica-se já uma inundação em sua vasta planície.

O Pantanal como um todo está localizado numa planície, caracterizada por baixas declividades. Depois que as águas enchem as cabeceiras da bacia do Alto Paraguai, de outubro até março, começa o escoamento. O pico do volume de água ocorre a partir de abril, no máximo até julho. Quanto mais chove nas cabeceiras, mais rápido se dá o pico. Essa é a explicação para a cheia registrada em maio desse ano. Se o volume de chuva é pequeno, a água demora mais a percorrer a planície e o pico se dá mais tarde. Galdino atribui o fato de as cheias ocorrerem cada vez mais cedo ao desmatamento provocado pelo crescimento da atividade agropecuária.

O nível de 5,10 registrado em maio deste ano é o ideal para a manutenção da biodiversidade no Pantanal e também do ponto de vista sócio-econômico, na visão do pesquisador da Embrapa, que desenvolve estudos hidrológicos no Rio Paraguai há alguns anos. Juntamente com outros pesquisadores, ele acompanha a variação do nível do rio Paraguai no posto de medição de Ladário, cidade localizada na porção sudoeste do Pantanal. A preocupação, agora, é com a estiagem que está impondo uma seca atípica num ciclo de cheia e prejudicando atividades econômicas e manutenção da biodiversidade.

O posto de medição que mais dispõe de dados de toda a rede instalada na Bacia do Alto Paraguai é o de Ladário, porque tem registros diários, sem uma interrupção sequer, desde 1900. A régua de medição está instalada no 6º Distrito Naval da Marinha do Brasil. Além disso, é representativo também, porque a maioria do volume dágua da bacia, 81% da vazão média de saída do território brasileiro, passa pelo posto.