Incra vai investir em assentamentos na Bacia do Xingu no Mato Grosso

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vai investir em obras de infra-estrutura nos assentamentos de reforma agrária da Bacia do rio Xingu no Mato Grosso. Nos próximos meses, deverão ser liberados R$ 190 mil para construção e recuperação de estradas, R$ 200 mil para a instalação de um viveiro de mudas e outros R$ 80 mil para obras diversas em Água Boa, cerca de 700 quilômetros a nordeste de Cuiabá. Pelo menos esta foi a promessa feita pelo presidente do Incra, Rolf Hackbart, em um encontro realizado na cidade sobre agricultura familiar, entre segunda e terça-feira, dias 21 e 22 de novembro.

O evento faz parte da campanha Y Ikatu Xingu, que tem o objetivo de proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do rio Xingu no Mato Grosso, e também serviu para divulgar e atualizar as informações sobre a mobilização, além de identificar as principais demandas da agricultura familiar na região e tentar firmar uma agenda de compromissos sobre o tema com o governo federal. Estiveram presentes quase cem representantes de trabalhadores rurais, associações, sindicatos, organizações não-governamentais e governamentais de 20 municípios mato-grossenses.

“É inadmissível que sejam implantados assentamentos nesta bacia sem respeito ao meio ambiente. Temos de mudar esta situação porque o mundo está de olho no Brasil”, disse Hackbart. Ele garantiu que as ações e diretrizes definidas no evento serão apoiadas pelo Incra e que existem mais recursos disponíveis que podem ser aplicados na região. Hackbart lembrou que o órgão assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para recuperar o passivo ambiental nos assentamentos, desenvolver projetos de educação ambiental entre os assentados e estabelecer critérios ambientais para a concessão de crédito agrícola.

“Não existe desenvolvimento rural sustentável sem parcerias entre governo federal, estadual, prefeituras e sociedade civil. Saiam daqui buscando caminhos juntos e não o contrário”, afirmou Hackbart. Ele garantiu que o Incra está sendo fortalecido e lembrou que, nos próximos meses, deverá ocorrer o segundo concurso do órgão no governo Lula, com abertura de vagas para mais 1,3 mil funcionários. Além disso, a autarquia teria adquirido, neste ano, 300 caminhonetes e 1,3 mil computadores. Hackbart repetiu a promessa de que o presidente Lula irá chegar ao fim de seu mandato com a marca de 400 mil famílias assentadas.

No encontro, foram apresentados alguns resultados preliminares de um diagnóstico sócio-econômico e ambiental sobre 26 assentamentos da região, que está sendo desenvolvido pelo Incra a partir de articulações realizadas por organizações que fazem parte da campanha Y Ikatu Xingu. Entre outras conclusões, o estudo aponta que os moradores dos assentamentos locais não têm acesso a redes de água e energia elétrica, serviços de saúde, transporte e crédito rural. Os assentados também não conseguem escoar a sua produção e carecem de assistência técnica.

Durante a abertura do encontro, o prefeito de Água Boa, Maurício Cardoso Tonhá (PPS), lamentou o abandono de vários dos assentamentos. “Simplesmente instalar os assentamentos da maneira que tem sido feito até agora, acho que é um problema”, afirmou. O prefeito disse que para enfrentar o desafio de conciliar desenvolvimento econômico e conservação ambiental é preciso ter a maturidade suficiente para deixar de lado radicalismos e também defendeu a união entre governo e sociedade. “Ao preservarmos, temos de garantir a sobrevivência dos grandes e pequenos produtores, precisamos ter a consciência da necessidade do desenvolvimento econômico também”.

Projetos aprovados

“Temos dezenas de organizações que estão apoiando nossa mobilização. Tendo muita clareza de que cada segmento deve fazer a sua parte para atingirmos nosso objetivo comum, que é a recuperação e proteção das nascentes e matas ciliares”, afirmou Márcio Santilli, coordenador da campanha ‘Y Ikatu Xingu. Ele fez um breve resumo sobre os resultados obtidos até agora pela mobilização no primeiro dia do encontro. Santilli informou que já foram aprovados por instituições de pesquisa e fomento nove projetos, que deverão ser executados nos próximos três anos na região e somam R$ 3 milhões, envolvendo temas relacionados à questão das nascentes e matas ciliares e elaborados por organizações integrantes da mobilização.

Santilli citou ações na área de pesquisa e extensão rural que deverão ser desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), iniciativas de ordenamento e gestão territorial, cursos de formação de agentes socioambientais, experiências-piloto de recuperação e monitoramento ambiental. Ele também lembrou que, além do diagnóstico sobre os assentamentos, outro sobre o saneamento básico em 14 cidades da região já foi concluído e mais um sobre a situação da agricultura familiar também está sendo realizado a partir de articulações feitas no âmbito da campanha.

No final do evento, os participantes entregaram ao presidente do Incra, Rolf Hackbart, uma carta com uma série de reivindicações para melhoria das condições de vida dos assentamentos de reforma agrária na Bacia do Xingu no Mato Grosso. O documento expressa a disposição dos participantes do encontro em se unirem e se organizarem para viabilizar os assentamentos da região e cobra apoio do governo em áreas como recuperação ambiental, infra-estrutura, crédito agrícola e assistência técnica.

Impasse no Conama mostra que resolução sobre APP não estava pronta para ser votada

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) apenas iniciou a votação das emendas à resolução que vai regulamentar os casos excepcionais em que será permitido o desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APPs) para realização de empreendimentos e atividades econômicas. Na última reunião do colegiado, realizada em Brasília, nos dias 8 e 9 de novembro, os conselheiros conseguiram aprovar somente sete emendas, mas não chegaram a um consenso sobre as 74 restantes. A discussão sobre a resolução, que regulamenta alguns tópicos do Código Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771/1965), caso do desmate em APPs, já se arrasta há pelo menos três anos e foi o primeiro item da pauta das últimas três reuniões do Conama. No dia 1º de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma liminar concedida ao Ministério Público Federal (MPF) que paralisou o debate ao suspender os dispositivos do Código que permitiam a supressão de vegetação em APPs (saiba mais).

A APP é a faixa mínima de vegetação necessária à proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade e do solo. Ela é delimitada às margens dos cursos d´água (nascentes, córregos, rios, lagos), onde ocorre a chamada mata ciliar, ou no topo de morros, em dunas, encostas, manguezais, restingas e veredas.

Depois de uma difícil negociação, os integrantes do Conselho aprovaram a parte do texto relativa à mineração, tema considerado o mais polêmico da votação. A pesquisa e extração mineral passaram a ser consideradas atividades de “utilidade pública” e, portanto, poderão ser realizadas nas APPs, inclusive em nascentes. A pressão e o trabalho de articulação dos ambientalistas no plenário resultou na definição de algumas exceções, mesmo para os casos de “utilidade pública”: os remanescentes de floresta de mata atlântica primária (ainda inalterada), mangues, veredas, restingas e dunas não poderão ser afetados pela exploração mineral em hipótese alguma.

As organizações da sociedade civil com assento no Conselho conseguiram garantir também que as atividades de retirada de areia, argila, saibro e cascalho, de alto impacto ambiental e realizadas em praticamente todos os municípios no País, serão classificadas como de “interesse social” e, assim, não poderão ocorrer em área de nascentes e também naqueles cinco casos. A aprovação deste último item foi considerada um conquista parcial pelos representantes de ambientalistas e do Ministério Público, que sempre defenderam a discussão de uma resolução específica para mineração, dando tratamento diferenciado para as diferentes categorias de minérios.

Para os dois setores, vários dos critérios e conceitos incluídos na resolução não estão claros, precisam ser detalhados e aprimorados. A completa falta de consenso sobre os principais pontos da resolução seria uma prova de que ela ainda não está madura para ser votada.

Logo no início da votação, a polêmica sobre a emenda apresentada pelo MPF para retirar a mineração do inciso que define o que são atividades de “utilidade pública” deixou patente a oposição entre sociedade civil e Ministério Público, de um lado, e o setor empresarial, de outro. A proposta foi rejeitada em votação nominal por 46 votos a quinze, sobretudo em virtude da ação dos conselheiros da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com apoio decisivo de vários setores do governo, em especial do Ministério de Minas e Energia (MME).

Daí em diante, as divergências sobre outros pontos da resolução continuaram e a votação emperrou. Ao final do segundo e último dia de reunião, o plenário resolveu aceitar a sugestão da mesa de criar uma comissão de negociação. O grupo irá se reunir nas próximas duas semanas para tentar diminuir as discordâncias sobre os principais tópicos da proposta, que deverão ser votados na próxima reunião do Conselho, nos dias 29 e 30 de novembro.

Impasse

O empresariado e o MME consideram que todo o tipo de mineração deveria ser autorizada em APPs por sua importância estratégica, sobretudo por ser a base de várias cadeias produtivas, provendo a matéria-prima de inúmeros outros setores econômicos, como a construção civil, a siderurgia e a metalurgia. Argumentam ainda que o licenciamento ambiental resolveria o problema relacionado a medidas mitigadoras e compensatórias para os impactos decorrentes de empreendimentos econômicos em APPs. Segundo os dois segmentos, de 80% a até 100% de vários minérios estariam localizados nessas áreas. Além disso, a mineração ocuparia menos de 1% do território nacional.

“Nossa idéia era proibir qualquer tipo de atividade empresarial em APP e permitir apenas aquelas que têm comprovadamente interesse público, realizadas pelo Estado e que se destinam ao bem estar da comunidade”, defende Paulo Vasconcelos Jacobina, Procurador Regional do MPF. Ele considera que o governo e os empresários ainda não apresentaram dados que comprovem a informação de que mais de 80% dos minérios estariam em APPs. “Foram usados alguns argumentos ‘terroristas’ de que a indústria de mineração iria desaparecer do País se restringíssemos as intervenções em APPs. Não vamos aceitar este tipo de justificativa”.

A discrepância de opiniões entre os dois grupos leva a disputas sobre detalhes de redação do texto que podem parecer sem importância, mas que refletem, na verdade, a tentativa de flexibilizar ou restringir as intervenções em APP. O último impasse envolve a votação do principal tema que começou a ser votado na terça-feira, mas ficou pendente.

A Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap) da Presidência da República apresentou uma emenda para incluir como de “utilidade pública” obras para captação e condução de água. A proposta tem o objetivo de retirar, principalmente das áreas de mangue, tanques e represas utilizados na criação de camarão (carcinicultura) e de peixes (piscicultura), empreendimentos de alto impacto ambiental. Para isso, é preciso captar e transportar água para outros locais fora das APPs. O problema é que, com a redação do jeito que está, a emenda abre a possibilidade de que outros empreendimentos de alto impacto ambiental que precisam realizar obras de captação e condução de água possam ocorrer em APPs. Enquanto ambientalistas e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) defenderam que a emenda deveria deixar claro que se destinava apenas à carcinicultura e à piscicultura, os representantes da CNI queriam manter a redação original da proposta da Seap.

“Não vamos aceitar, em hipótese alguma, que sejam realizadas outros tipos de atividades econômicas, industriais ou agrícolas, de alto impacto ambiental em mangues, restingas ou dunas”, rechaçou o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco. Ele lembrou as palavras da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que a resolução está sendo elaborada para proteger as APPs e não o contrário. Capobianco também afirmou que outros tipos de empreendimentos de baixo impacto ambiental continuam permitidos naquelas áreas.

“Apesar de todas as negociações, a proposta de resolução não está madura. As consultas públicas regionais ocorridas por solicitação dos ambientalistas demonstraram que há inúmeros temas que ainda carecem de esclarecimentos e discussão técnica”, argumenta o advogado André Lima, do ISA, que representa as ONGs no Conama, em nível nacional. Ele cita como exemplos, a conceituação de “baixo impacto” ou a necessidade de vinculação de certas atividades altamente impactantes à instrumentos de ordenamento territorial. Segundo Lima, as entidades ambientalistas temem que alguns setores da economia estejam querendo aproveitar a decisão sobre a resolução para resolver seus passivos ambientais de décadas atrás. “O Conama está discutindo uma norma que não pode se afastar da realidade. Precisamos recuperar as APPs e confirmar o que está n

a legislação brasileira, ou seja, seu uso é exceção e não regra. Se cada setor da economia se julgar de utilidade pública ou de interesse social, as APPs vão se tornar uma raridade e a sociedade pagará caro por isso”.

Seminário em Sinop vai discutir políticas para saneamento na Bacia do Xingu

No dia 21 de outubro, em Sinop (MT), 500 quilômetros ao norte de Cuiabá, acontece um seminário para apresentar e discutir o diagnóstico promovido pelo Ministério das Cidades que constatou que é bastante precária a situação do saneamento básico em 14 municípios da Bacia do Xingu no Mato Grosso. O evento vai apresentar as conclusões do estudo e debater propostas e possíveis estratégias comuns para resolver o problema. Estarão presentes representantes do Ministério das Cidades, do Ministério do Meio Ambiente, da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), da Agência Nacional de Águas (ANA) e do governo estadual, além de prefeitos, técnicos e integrantes de entidades da sociedade civil.

A pesquisa foi articulada por organizações que participam da campanha ‘Y Ikatu Xingu, que tem o objetivo principal de proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do rio Xingu no Mato Grosso, e pode ser considerada um dos primeiros resultados concretos da mobilização. Na região, sobretudo no Parque Indígena do Xingu, já foram registrados casos de intoxicação e mortandade de peixes por contaminação da água dos rios. Daí a preocupação da campanha com o problema do saneamento.

Iniciado em junho, o estudo abarcou, além de Sinop, mais treze municípios com sede urbana dentro da Bacia, abrangendo uma população de cerca de 207 mil pessoas: Canarana, Querência, Feliz Natal, São José do Xingu, Santa Cruz do Xingu, Marcelândia, Cláudia, Santa Carmem, Santo Antônio do Leste, União do Sul, Gaúcha do Norte, Nova Ubiratã e Ribeirão Cascalheira.

Entre outras conclusões, a pesquisa revela que só uma cidade, Sinop, possui aterro controlado para lixo, e mesmo assim ele é deficiente. Os outros municípios fazem a coleta, mas depositam seus detritos a céu aberto e sem nenhum procedimento especial. Além disso, em apenas três localidades – Gaúcha do Norte, Nova Ubiratã e Ribeirão Cascalheira – está sendo implantado sistema de tratamento de água. Somente em Cláudia existe rede de esgoto, mas a sua manutenção foi considerada inadequada. Para todos os municípios, foi indicada a necessidade de melhorias físicas e capacitação do corpo técnico dos servidores responsáveis pelo sistema de saneamento básico.

Norte do Mato Grosso ganha sua primeira Unidade de Conservação particular

Proprietários privados começam a fazer parte do esforço para proteger a região das nascentes do rio Xingu no Mato Grosso. O norte do Estado vai ganhar, em breve, a sua primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) estadual: a Terra Verde. Com cerca de 7 mil hectares, a área fica localizada na divisa dos municípios de Feliz Natal, Santa Carmen e União do Sul, quase 600 quilômetros ao norte de Cuiabá, e é atravessada pelo rio Arraias, um dos formadores do Xingu.

A idéia de criar a reserva partiu dos fazendeiros José Peixoto de Oliveira e Rosely Quissini, que resolveram ceder parte de suas propriedades. No dia 9 de setembro, os dois assinaram um protocolo de intenções com o secretário estadual do Meio Ambiente, Marcos Machado. O governo mato-grossense tem 180 dias para finalizar o processo de criação da UC. Segundo Oliveira e Quissini, o local abriga inúmeros animais silvestres e espécies raras de árvores que precisam ser preservadas, como o cedrinho, a itaúba, a peroba e a sucupira. O Mato Grosso possui apenas uma RPPN estadual, a Vale do Sepotuba, no município de Tangará da Serra. Existem outras 14 RPPNs federais no Estado, totalizando 172 mil hectares protegidos (a maior área em termos absolutos entre todas as unidades da Federação).

Incêndio de ponte impede o trânsito de 3 mil pessoas na festa da homologação da Raposa-Serra do Sol

Os presidentes do Incra e da Funai estão participando das comemorações. O Ministério da Justiça proibiu a entrada de mais convidados na área por medida de segurança. A suspeita é de que o incêndio tenha sido provocado pelo mesmo grupo que destruiu o Centro de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, no último sábado. O Conselho Indígena de Roraima vinha recebendo ameaças de que sua sede em Boa Vista também seria incendiada.

O incêndio parcial da ponte que atravessa o rio Urucuri e dá acesso à aldeia Maturuca, a cerca de 290 km de Boa Vista, capital de Roraima, praticamente paralisou o trânsito de mais de 3 mil pessoas na Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol. O fogo ocorreu na madrugada de hoje, quinta-feira, 22 de setembro, segundo dia das comemorações pela homologação da TI, assinada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em abril deste ano. Eram esperadas para o evento cerca de 8 mil pessoas. O Ministério da Justiça proibiu a entrada de mais convidados na área por medida de segurança. Segundo a Polícia Federal (PF), há condições de tráfego reduzido pela ponte. O Exército já teria sido acionado para recuperá-la e a expectativa é que esteja consertada até amanhã, sexta-feira.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, e a subprocuradora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, Débora Duprat, estão participando da festa. Uma senadora italiana também estaria no local.

A PF deslocou 65 policiais de outros Estados para garantir a segurança das autoridades. Desde a semana passada, a instituição divulgou que estava preparando um esquema especial de segurança para as comemorações com a participação de cerca de cem homens. Até ontem, quarta-feira, apenas um pequeno grupo composto por integrantes do serviço de inteligência da instituição e de outros agentes que acompanham os representantes do governo federal estava no local.

“Não houve falha da PF. Acho que as coisas estão se desenvolvendo a contento. O Estado é muito grande e não há agentes para cobrir todo o seu território”, garantiu Ivan Herrero, superintendente interino da PF em Roraima. Ele não informou com precisão o número de policiais federais lotados no Estado, mas disse que o órgão, em todo o País, depende do deslocamento de novos contingentes em casos semelhantes. “Já abrimos um inquérito para apurar tudo o que está acontecendo”. Herrero disse ainda que a Superintendência em Roraima está recebendo todo apoio do diretor-geral da PF, Paulo Fernando da Costa Lacerda, que está sensibilizado com a "situação caótica" na região.

O superintendente afirmou que teve acesso a informações de que poderia haver seqüestro de pessoas durante a festa, mas que a ameaça não se confirmou. Em maio, a PF desativou a barreira de fiscalização que mantinha próxima à ponte, logo após o desfecho pacífico do seqüestro de quatro policiais federais. Entre 22 e 30 de abril, eles foram mantidos reféns por moradores da aldeia Flechal como uma forma de protesto contra a homologação em área contínua da Terra Indígena.

A assessoria de imprensa da Superintendência afirmou à reportagem do ISA que o clima na região é de “tranqüilidade e de normalidade” e também negou a existência de ameaça de queima de outras pontes.

Nos últimos dias, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) vinha recebendo ameaças de que sua sede em Boa Vista também seria incendiada. No início da semana, a organização fez o seguro de suas instalações, temendo por prejuízos.

Existe a suspeita de que o incêndio da ponte no rio Urucuri tenha sido provocado pelo mesmo grupo que destruiu parcialmente o Centro de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, antiga Missão Surumu, na comunidade do Barro, também localizada na Raposa-Serra do Sol, no último sábado, dia 17 de setembro. Cerca de cem homens encapuzados ou pintados, entre índios e não-índios, armados de espingardas, facões e cacetetes, invadiram, queimaram e depredaram as instalações da escola, entre elas a igreja, o hospital, dormitórios, refeitórios, secretaria e salas de aula. De acordo com a PF, quatro pessoas ficaram feridas. Uma ambulância que saía do local na hora também foi danificada (saiba mais).

Segundo informações colhidas no local pelo CIR, o ataque do sábado teria sido coordenado por Anísio Pedrosa, vice-prefeito de Pacaraima, município localizado na TI São Marcos, ao lado da TI Raposa-Serra do Sol. Genilvaldo Macuxi, vereador e tuxaua (liderança indígena) da aldeia de Contão, também teria participado da invasão. Os dois seriam ligados ao prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (PDT), maior produtor de arroz da região. Quartiero foi denunciado pelo MPF como um dos líderes de outro ataque, realizado contra as aldeias de Homologação, Brilho do Sol, Jawari e Lilás, em novembro de 2004 (confira).

As ações seriam uma represália à homologação da Terra Indígena em área contínua decretada em abril deste ano. A grande maioria dos mais de 16 mil indígenas que moram na região é favorável à medida, mas há grupos aliados de políticos, fazendeiros e empresários que discordam e defendem que alguns trechos de território sejam excluídos da TI. Com o reconhecimento oficial definitivo do direito dos índios, grandes produtores rurais, principalmente de arroz, terão de deixar a área.

Governo pretende criar quase 7,4 milhões de hectares em Unidades de Conservação no Pará

O sudoeste do Pará deverá ganhar mais oito Unidades de Conservação (UCs) nas próximas semanas, totalizando cerca de 7,4 milhões de hectares protegidos na região, segundo proposta do governo federal anunciada na quarta-feira, dia 14 de setembro. Estão previstas sete UCs na área de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) que está sob regime de “limitação administrativa provisória”, desde fevereiro deste ano. Deverá ser implantada também a Floresta Estadual do Iriri, na região da Terra do Meio, na altura do município de Altamira (veja abaixo a lista completa das UCs). O Parque Nacional da Amazônia, na divisa do Pará com o Amazonas, deverá ainda ser ampliado em mais 173 mil hectares.

As medidas são conseqüência direta das ações lançadas pelo governo federal em resposta à seqüência de assassinatos de lideranças sindicais e trabalhadores rurais ocorridos no Pará, em fevereiro, em especial à morte da freira missionária Doroty Stang. No dia 17 de fevereiro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou o maior “pacote ambiental” da história do País, com a criação de mais de 5,2 milhões de UCs em toda a Amazônia e a interdição de 8,2 milhões de hectares, para estudos e possível criação de novas áreas protegidas, no sudoeste do Pará, ao longo da BR-163 (confira). A maior parte das UCs anunciadas agora são resultado desta última medida.

Nesta sexta-feira, dia 16 de setembro, às 16h, em Belém, começa uma série de consultas públicas no Estado sobre a criação das áreas. As outras consultas ocorrem no dia 20, em Novo Progresso, às 9 h, na Igreja Matriz Santa Luzia; no dia 22, em Itaituba, às 9 h, na Área de Lazer dos Cabos e Soldados; e no dia 23, ás 14 h, no auditório da prefeitura de Jacareacanga.

O governo resolveu deixar de fora deste novo pacote de medidas a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da BR-163, que se estenderia numa faixa ao longo da rodovia, desde a Reserva Biológica da Serra do Cachimbo, ao sul, na divisa com o Mato Grosso, até o Parque Nacional (ou Estadual) do Jamanxim, ao norte. “Segundo o acordo feito entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o governo paraense, esta discussão será encaminhada futuramente”, conta Maurício Mercadante, diretor do Programa Nacional de Áreas Protegidas do MMA. Ele explica que a insistência em criar a APA, neste momento, poderia dificultar as negociações que resultaram na criação das UCs. A região comporta uma intensa atividade econômica, centralizada no município de Novo Progresso, local onde ocorreram, no início deste ano, uma série de protestos de produtores rurais e madeireiros motivados por medidas de regularização fundiária do governo federal e que interromperam o tráfego de veículos na BR-163 por vários dias (saiba mais).

Mercadante explica também que as únicas áreas de proteção integral que deverão ser criadas nas próximas semanas pelo governo federal – os parques do Jamanxim e do Rio Novo – terão a função de corredores ecológicos. O primeiro, ao norte, vai estabelecer uma ligação do conjunto de áreas protegidas da Terra do Meio com as UCs propostas agora e o segundo, ao sul, fecha o polígono destas UCs, criando um mosaico próprio de áreas protegidas na margem oeste da rodovia BR-163. Todas as outras UCs anunciadas, a APA do Tapajós e as Florestas Nacionais (ou Estaduais), são de uso sustentável, ou seja, nelas são permitidas o manejo florestal e o extrativismo, por exemplo. Mercadante avisa que a proposta do governo federal, prevendo, inclusive, a existência de uma Reserva Garimpeira, respeita as atividades econômicas legalizadas já em curso na região.

Segundo estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), pelo menos no ano passado, a criação de áreas protegidas e a interdição da região da BR-163 teriam contribuído para a diminuição do desmatamento na Amazônia. De acordo com os dados do Sistema de Detecção em Tempo Real (Deter) do Inpe divulgados no final de agosto, nas áreas abrangidas por UCs federais, os índices de desmates teriam caído 84%, para o período que vai do final de agosto de 2004 ao final de julho de 2005. O corte indiscriminado de árvores teria diminuído 90% na região da Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio e 91% na área interditada ao longo da rodovia Cuiabá-Santarém, para aquele mesmo período (para saber mais, clique aqui).

O governo Lula criou até agora mais de 8,913 milhões de hectares em UCs federais em todo o País, o equivalente a 21,6% do total. Em oito anos, segundo informações do MMA, a administração Fernando Henrique Cardoso teria criado mais de 9,455 milhões de hectares (24,1%). O ministério e o governo paraense ainda estão discutindo sob qual jurisdição, se federal ou estadual, ficará cada uma das novas áreas, fora a Floresta Estadual do Iriri. Após esta definição, o governo Lula pode chegar ao fim ostentando o título de campeão da criação de hectares protegidos por UCs.

Mosaico da Terra do Meio continua incompleto

A criação de novas UCs na Terra do Meio, localizada bem no centro do Pará, vem sendo aguardada com ansiedade pelo movimento socioambientalista. A região abriga áreas ainda bem conservadas e de grande biodiversidade. Apesar disso, lá também está localizada uma das frentes mais dinâmicas de desmatamento e de grilagem de terras da Amazônia. A região é palco de um intenso conflito fundiário que opõe grandes fazendeiros, grileiros e madeireiras irregulares, de um lado, e famílias de ribeirinhos e extrativistas, de outro (leia mais). Recentemente, a Justiça Federal interditou na região aquela que pode ser a maior área grilada do País, segundo denúncia do Ministério Público Federal(veja também). A intenção do governo ao criar UCs é justamente tentar impedir a ação dos comerciantes ilegais de terras e regularizar a situação das comunidades tradicionais locais.

No pacote de fevereiro, foram criados a Esec da Terra do Meio, a maior do planeta, com 3,3 milhões de hectares, e, contígua a ela, ao sul, o Parque Nacional da Serra do Pardo, com 445 mil hectares. Em novembro de 2004, já havia sido criada a Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, com cerca de 736 mil hectares (confira). As UCs formam um mosaico de áreas protegidas que foi proposto em um estudo realizado, em 2002, pelo ISA, sob encomenda do MMA. O trabalho revelou que a região, além de ser uma das menos conhecidas do País, é também uma das menos povoadas e apresenta cerca de 98% de seu território bem preservado. No total, até agora, foram criados na Terra do Meio cerca de 4,4 milhões de hectares em UCs.

O governo está finalizando o processo de criação de mais duas Resex no local: do Xingu, com 301 mil hectares, e do Iriri, com aproximadamente 396 mil hectares, ambas na altura do município de Altamira. Em junho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o MMA, o governo paraense, o Ministério Público Estadual, a prefeitura de Altamira, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP) realizaram uma expedição ao longo do rio Iriri para cadastrar as famílias da região, emitir documentos civis para os moradores e realizar atendimentos de saúde. Em outubro, deve começar uma expedição semelhante na região da futura Resex do Xingu. Restaria ainda ser criada uma APA estadual, com 1,7 milhão de hectares, ao sul do Parque Nacional da Serra do Pardo.

“O fato de o governo ter criado essas áreas contribuiu imensamente para coibir ações de grilagem de terras e a exploração madeireira ilegal, mas ainda há muito a fazer no que se refere à consolidação das UCs já criadas e em fase de criação”, avalia Cristina Velásquez, assessora do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS), do ISA. Ela lembra que é fundamental, além da instituição formal das UCs, um conjunto de políticas locais e regionais que possam garantir a sua efetiva

implantação e que incluam ações de esclarecimento da população local e operações de fiscalização. “Alguns fazendeiros têm se valido da demora na efetivação dessas ações para amedrontar e expulsar famílias, causando um clima de tensão e revolta”.

"O preço da terra já baixou e a ação de grileiros e madeireiros está diminuindo. Isto é cosequência da criação das UCs", concorda Tarcísio Feitosa, coordenador do projeto Terra do Meio, da CPT. Ele adverte, no entanto, que o governo precisa ouvir as comunidades locais antes de propôr qualquer coisa. "Não dá para criar novas áreas com base apenas em imagens de satélites. No caso da Floresta Estadual do Iriri, as famílias que moram lá são de agricultores. Eles queriam que fosse criado ali um tipo de UC mais adequado a esta realidade, como as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS)". As Florestas Nacionais ou Estaduais formam uma categoria de UC que autoriza o manejo florestal, mas não a agricultura. Feitosa diz que as famílias que moram na região não têm nenhuma informação sobre a criação da Floresta do Iriri ou sobre as consultas públicas.

O grande mosaico do Xingu

Cristina Velásquez lembra ainda que a complementação do mosaico da Terra do Meio com os trechos de território restantes que ainda devem ser protegidos poderá significar a constituição de um outro grande mosaico contínuo de áreas protegidas, estendendo-se por quase toda a Bacia do rio Xingu, desde o Parque Indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso, passando pelas Terras Indígenas (TIs) Capoto-Jarina, Menkragnoti e Kayapó, no sul do Pará, até o arco de TIs ao norte da Terra do Meio (Arara, Kararô, Koatinerno, Trincheira/Bacajá etc). “Estamos falando daquilo que pode vir a ser o maior mosaico de áreas protegidas do Brasil e talvez do mundo, com cerca de 26 milhões de hectares, identificados como de altíssima prioridade para conservação da biodiversidade”. O que significa um grande desafio para o governo em relação à gestão integrada de TIs e UCs. “Será preciso conciliar mecanismos de participação social e estratégias de proteção dessas áreas. Além disso, esse grande mosaico fortalece a idéia de que as TIs desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade amazônica”.

O governo diz que está investindo na implantação das UCs. Em julho, o Ibama iniciou uma série de operações de fiscalização na Terra do Meio com o apoio da Polícia Federal e do Exército que devem estender-se até meados de outubro. Como resultado da ofensiva, já teriam sido lavrados R$ 50 milhões em multas por desmatamentos ilegais. Além disso, o fazendeiro José Dias Pereira foi preso acusado de desmatar uma área de mais de 6,8 mil hectares dentro da Esec e derrubar e queimar cerca de 2 milhões de árvores. Pereira, que continua detido em Santarém, a 710 quilômetros de Belém, foi multado em R$ 20 milhões. No ano passado, ele já havia sido autuado em R$ 3 milhões por desmatar e queimar 2 mil hectares de floresta. No total, em um ano, o produtor rural foi responsável pela destruição de uma área equivalente a 10 mil campos de futebol.

No último dia 12 de julho, foi criado na Assembléia Legislativa paraense um Grupo de Trabalho (GT) para combater a grilagem de terras com participação do governo estadual, do Ministério Público Estadual, da Seção do Pará da Ordem dos Advogados do Brasil, da Polícia Federal, da CPT, da Federação dos Trabalhadores da Indústria da Construção (Fetracompa) e de representantes das comunidades do interior paraense. O grupo deverá elaborar indicadores sobre a situação fundiária no Estado.

Decisão inédita do STJ responsabiliza penalmente empresa por dano ambiental

Jurisprudência pode ser firmada a partir de agora. Denúncias contra empresas que cometam crimes ambientais devem ser fortalecidas.

Em uma decisão inédita, no mês de junho, a Quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou uma denúncia do Ministério Público Estadual de Santa Catarina para responsabilizar penalmente uma empresa por danos cometidos contra o meio ambiente. Com a deliberação, o Auto Posto 1270, de Videira (SC), a 450 km de Florianópolis, e dois de seus administradores poderão ser condenados por derramar resíduos de graxas, óleo, produtos químicos, areia e lodo no Rio do Peixe. A decisão abre caminho para que seja firmada jurisprudência sobre o tema.

A Constituição Federal e a Lei nº 9.605/98 (dos crimes ambientais) prevêem sanções penais também para pessoas jurídicas que cometam crimes contra o meio ambiente, mas os tribunais e juristas brasileiros teimavam em não reconhecer o instrumento legal. A Justiça catarinense aceitara a denúncia apenas contra os empresários Mário Elói Hackbarth e Salete Maria Gevasso Borges Consta, mas a rejeitou em relação ao estabelecimento. O juiz de primeira instância não acatou a denúncia entendendo que a empresa não poderia figurar no pólo passivo da ação penal.

"A referência às pessoas jurídicas [na Lei] não ocorreu de maneira aleatória, mas como uma escolha política, diante mesmo da pequena eficácia das penalidades de natureza civil e administrativa aplicadas aos entes morais", afirmou o relator da matéria no STJ, ministro Gilson Dipp, em seu voto. E continua: "É sabido, dessa forma, que os maiores responsáveis por danos ao meio ambiente são empresas, entes coletivos, através de suas atividades de exploração industrial e comercial. A incriminação dos verdadeiros responsáveis pelos eventos danosos, no entanto, nem sempre é possível, diante da dificuldade de se apurar, no âmbito das pessoas jurídicas, a responsabilidade dos sujeitos ativos dessas infrações".

Dipp considerou em seu voto que a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais deve ser encarada como forma não apenas de punição, mas também de prevenção da prática de tais crimes, função essencial da política ambiental. "O caráter preventivo da penalização, com efeito, prevalece sobre o punitivo. A realidade, infelizmente, tem mostrado que os danos ambientais, em muitos casos, são irreversíveis, a ponto de temermos a perda significativa e não remota da qualidade de vida no planeta". O ministro argumentou também que países como Inglaterra, Estados Unidos, Venezuela, México, Colômbia, Holanda, Dinamarca, Japão e China, entre outros, já permitem a responsabilização penal da pessoa jurídica, "demonstrando uma tendência mundial no sentido de admitir a aplicação de sanções de natureza penal às pessoas jurídicas pela prática de ofensas ao meio ambiente".

“Acho que é um grande avanço. Você vai fortalecer as denúncias contra pessoas jurídicas”, explica Juliana Santilli, promotora de Justiça do Distrito Federal e autora do livro Socioambientalismo e Novos Direitos. Ela conta que, até hoje, a questão nunca havia sido discutida de forma específica pelo STJ, que é o tribunal responsável por padronizar a jurisprudência sobre as Leis Federais. “Muitos juízes argumentam que não é possível aplicar sanções penais às empresas, mas a própria Lei de Crimes Ambientais deixa claro algumas alternativas.” A promotora lembra que as punições impostas podem ser: proibição de participar de licitações públicas, proibição de receber subsídios, suspensão de atividades e até prestação de serviços à comunidade.

Audiência na Câmara dos Deputados serve como palanque contra homologação em área contínua da TI Raposa-Serra do Sol (RR)

Em meio a uma enxurrada de críticas ao processo de demarcação da área, deputados e governador de Roraima aumentam a pressão pela transferência ao patrimônio estadual de terras de domínio da União. Gabeira considera argumentos apresentados contra a homologação “papo furado”.

O que era para ser uma audiência pública com o fim de discutir e avaliar as conseqüências do processo demarcatório da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR) transformou-se em palanque contra a sua homologação em área contínua. O debate foi realizado ontem, dia 11 de maio, durante reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, convocada pelo deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).

A composição da mesa deixou margem à suspeita de que a audiência seria na verdade um espaço aberto para que políticos contrários à homologação se manifestassem livremente. De um lado, o governador de Roraima, Ottomar Pinto (PTB), o presidente da Associação dos Produtores de Arroz de Roraima, Luiz Fernando Faccio, o presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), José Novaes, e o ex-prefeito de Boa Vista (RR) e perito da Justiça Federal, Hamilton Gondim. De outro, o diretor de Assuntos Fundiários da Fundação Nacional do Índio (Funai), Artur Nobre Mendes, e o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Marinaldo Justino Trajano. Quatro contra dois. O mediador da discussão foi o presidente da CMADS, Deputado Luciano Castro (PL-RR), que já ingressou em juízo para contestar a demarcação da Terra Indígena.

Além disso, os expositores escolhidos para defender a homologação foram colocados para falar em primeiro lugar, cabendo o restante de tempo à “acusação”, o que contraria as regras elementares de qualquer debate. Passaram pela audiência 14 parlamentares, grande parte da bancada de Roraima. Todos os deputados que se manifestaram condenaram a homologação em área contínua, com exceção de Babá (PT-PA) e Gabeira.

Por sugestão do deputado do PV do Rio de Janeiro será nomeada uma comissão externa de parlamentares para acompanhar o trabalho do grupo interinstitucional criado pelo presidente Lula com representantes dos governos federal e estadual para discutir e implementar as medidas compensatórias à homologação anunciadas pelo governo federal. São elas: destinar 150 mil hectares de terras da União para implantação de pólos agropecuários no Estado; o Incra vai cadastrar e assentar famílias não-indígenas que estão na TI e regularizar 10 mil propriedades, que assim terão acesso a crédito rural; concluir a avaliação das benfeitorias construídas na região; nenhum ocupante de boa fé será retirado da área sem indenização e sem um local para seu reassentamento.

A classe política de Roraima considera que a garantia dos direitos territoriais dos índios da região vai implicar atraso no desenvolvimento econômico do Estado e vem exigindo uma “compensação” maior que as medidas anunciadas pelo governo pela demarcação da área.

Homologação é irreversível

“A homologação foi amadurecida durante dois anos e não há disposição do governo em rever a decisão,” sentenciou Mendes. Ele apontou que as medidas compensatórias propostas pelo Palácio do Planalto já estão em curso e que elas serão capazes de “reconciliar” as facções políticas existentes no seio das comunidades indígenas e apoiar o desenvolvimento econômico de Roraima. “Já disponibilizamos R$ 1 milhão para as indenizações. Até o final deste mês, 28 proprietários que já haviam concordado com a retirada serão indenizados. A partir de junho, vamos concluir o levantamento das ocupações restantes.”

“A reserva Raposa-Serra do Sol é um fato irreversível. O que se discute é a possibilidade de atenuar a dureza da medida, como por exemplo, deixando as quatro comunidades [não indígenas] que vivem lá há muitos anos e também preservando o polígono dos arrozais,” insistiu Ottomar Pinto. Ele voltou a afirmar que a homologação em área contínua não tem “suporte antropológico” e também reivindicou a transferência para o seu Estado de uma área equivalente à da TI – 1,7 milhão de hectares – para ser destinada à produção agropecuária. O decreto homologatório assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 15 de abril, incluiu no território da TI todas as ocupações não indígenas, com exceção da sede urbana do município de Uiramutã, e deixou de fora o leito das rodovias que cortam a região, aparelhos públicos (escolas e linhas de transmissão) e a base do Exército localizada na área. (Saiba mais).

“Ao contrário do que se diz, a homologação não vai prejudicar o desenvolvimento do Estado. O que prejudica o desenvolvimento são os desvios de dinheiro público que lá ocorrem. Somos brasileiros também, respeitamos as leis e o Estado Democrático e também queremos o desenvolvimento com respeito ao meio ambiente”, defendeu Marinaldo Trajano. Ele citou os problemas de contaminação de rios e desmatamento descontrolado existentes nas áreas ocupadas pelos rizicultores. Trajano também lembrou que os índios favoráveis à homologação em área contínua são a imensa maioria na região e que eles vêm defendendo isso de forma pacífica há mais de 30 anos.

Em resumo, contra a homologação da TI Raposa-Serra Sol em área contínua foram repisados os mesmos velhos argumentos de que ela prejudicaria o desenvolvimento econômico de Roraima, de que parte considerável dos índios seria contrária à medida e de que ela ameaçaria a segurança nacional ao esvaziar a região e impedir a presença do Poder Público. Em relação a este último ponto, as ONGs com atuação local voltaram a ser acusadas de defender uma suposta “internacionalização” da Amazônia e os interesses de grandes potências sobre os recursos naturais do País.

Luiz Fernando Faccio classificou de “forjado” o laudo antropológico que baseou o processo de demarcação da TI. “Estamos entregando mais de 1,7 milhão de hectares para uma população ‘mínima’ de indígenas, que não deve passar de 9 mil pessoas, porque os dados da Funai extrapolam”, atacou. As estimativas mais recentes apontam a existência de mais de 16 mil índios na área. Faccio sugeriu que haveria um plano arquitetado por organizações indígenas e indigenistas de criar um “novo país” em Roraima com a aglutinação de várias TIs.

O próprio deputado Fernando Gabeira qualificou de “papo furado” o discurso da “internacionalização” e as acusações contra as ONGs. Segundo o parlamentar, sua intenção ao pedir o debate foi de tentar resolver o conflito político em Roraima da maneira mais pacífica possível. “Não estou satisfeito com a situação. Precisamos negociar, avaliar as medidas compensatórias propostas pelo governo federal e as reivindicações de Roraima para chegarmos a um consenso”, afirmou. Questionado sobre a composição da mesa do evento ele respondeu que ela havia sido alvo de “negociações políticas” conduzidas pelo presidente da CMADS, Luciano Castro. ”É um espaço para se espernear," disse Gabeira.

Situação do desmatamento no Xingu é crítica, mas já existem várias iniciativas que pretendem revertê-la

Apesar do quadro de devastação, ações em educação ambiental e recuperação – algumas delas articuladas no âmbito da campanha ´Y Ikatu Xingu – poderão servir de exemplo para outras intervenções em toda a bacia. Também estão previstos para a região projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) pelos quais poderão ser negociados no mercado financeiro certificados de áreas reflorestadas ou experiêcias de diminuição das emissões de gás metano do rebanho bovino.

Excluídas as áreas protegidas por lei, 33,2% da cobertura vegetal original da bacia do Rio Xingu, no Mato Grosso, já foram derrubados. De 1994 a 2003, a área desmatada na região duplicou de tamanho: de 2,38 milhões de hectares passou para 4,56 milhões. Na porção leste-sudeste da bacia, rios importantes como o Curisevo, o Culuene e o Suyá-Miçu já apresentam problemas de diminuição de seu volume hídrico. No lado oeste, só no município de Cláudia, sete nascentes secaram. Em 2003, todo o Estado do Mato Grosso perdeu 18 mil quilômetros quadrados de florestas e cerrado – 5 mil deles ilegalmente.

Apesar disso, estão em andamento várias iniciativas da sociedade civil que pretendem reverter o quadro de devastação na região. Essas ações já têm algum tipo de impacto e podem servir de modelo para outras experiências. Em Cláudia, por exemplo, o Grupo Agroflorestal e Proteção Ambiental (Gapa) faz o monitoramento de uma Área de Proteção Permanente (APP) urbana e tem projetos de educação ambiental voltados a escolas e à formação de lideranças e agentes comunitários. A entidade também mantém viveiros de mudas para reflorestamento, experiências alternativas de cultivo ("plantio em sete andares") e uma usina de produção de adubo orgânico, em parceria com a associação local das indústrias madeireiras.

Em Água Boa, um grupo de 40 profissionais de saúde, biólogos, agrônomos, técnicos e professores tenta barrar o desmatamento indiscriminado com ações educativas destinadas a estudantes, trabalhadores rurais e assentados. Trata-se da Organização Não-governamental Ambientalista Roncador-Araguaia (Ongara), que ministra palestras e cursos sobre conservação ambiental, crédito agrícola e alternativas agroflorestais. Em parceira com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Água Boa e com o Instituto Socioambiental (ISA), a entidade começa, em junho, um projeto de formação, diagnóstico ambiental e recuperação das nascentes do assentamento Jaraguá, a 70 km de Água Boa. A intenção é reflorestar as margens dos cursos de água com espécies nativas que possam dar algum tipo de retorno econômico, como o pequizeiro. Os recursos são do Projeto de Alternativas ao Desmatamento e Queimadas (PADEQ) do governo federal.

A entidade The Nature Conservancy (TNC) também pretende desenvolver projetos na bacia envolvendo o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) previsto pelo tratado internacional Protocolo de Kioto, que visa diminuir as emissões de gases poluentes em todo o planeta. O MDL vai funcionar mediante a comercialização dos chamados créditos de carbono pelos quais uma determinada área reflorestada ou alguma experiência que baixe emissões de metano do gado receberão um certificado que, por sua vez, poderá ser negociado no mercado financeiro logo em breve. Em parceria com o ISA, a TNC já está realizando um estudo para identificar áreas onde poderão ser desenvolvidos projetos de MDL.

O Gapa, a Ongara, a TNC e o ISA fazem parte da campanha ´Y Ikatu Xingu – “água limpa, água boa”, na língua Kamaiurá – que pretende preservar e recuperar as nascentes e as matas ciliares do Rio Xingu. Trata-se de uma iniciativa de dezenas de ONGs, movimentos sociais, povos indígenas, sindicatos, federações, universidades, órgãos públicos e diversas organizações civis do Mato Grosso e do Brasil. A mobilização foi lançada no Encontro Nascentes do Rio Xingu, realizado em Canarana, de 25 a 27 de outubro de 2004. O evento reuniu 340 representantes de instituições como o Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), a Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso (Famato), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Amaggi Exportação e Importação, a Unemat, o WWF e a Associação Terra Indígena Xingu (Atix).

Fórum lança manifesto contra política indigenista do governo Lula e anuncia “Abril Indígena”

O Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) – formado por sete organizações indígenas e indigenistas, entre elas o ISA – apresentou um manifesto e lançou o “Abril Indígena”, uma série de protestos que deverão ocorrer durante todo o mês, contra a política indigenista do governo Lula. A mobilização contará com atos públicos e manifestações, em vários pontos do País, e com um grande acampamento indígena, de 24 de abril a 3 de maio, na Esplanada dos Ministérios – os índios pretendem se unir à marcha de trabalhadores rurais, que chega à Brasília no dia 3. O anúncio foi feito em uma entrevista coletiva realizada, ontem, quinta-feira, dia 31 de março, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

As entidades integrantes do FDDI criticam o que consideram o “descaso e continuísmo” da política indigenista oficial e denunciam vários casos emblemáticos, entre eles o agravamento do problema da saúde indígena e a demora na homologação da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol. O documento apresentado aos jornalistas aponta ainda a incapacidade do governo em estabelecer programas diferenciados que levem em conta a pluralidade étnica do País e aquilo que classifica como uma “remilitarização” da questão indígena. “O número de terras declaradas como de posse indígena é, no governo Lula, o pior desde o fim do regime militar”, prossegue o texto (confira abaixo).

“A política do governo Lula para o setor indígena é vergonhosa e decepcionante”, afirmou, durante a entrevista, Jecinaldo Cabral Saterê-Mawé, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab). Ele avaliou que o maior problema para os povos indígenas brasileiros, hoje, é a ausência de políticas públicas eficazes, o que se traduz, principalmente, na dificuldade do Poder Público em garantir o direito dos índios as suas terras. “Não se trata apenas de dificuldade para reconhecer e demarcar os territórios, mesmo depois de homologadas, as áreas sofrem todo o tipo de pressão. Por causa disso as populações indígenas não conseguem alcançar a sua sustentabilidade. O Estado está totalmente desorganizado para lidar com o problema”.

O representante do ISA presente à entrevista, Márcio Santilli, confirmou que o atendimento às demandas indígenas piorou durante o governo petista. “Comparando com os governos Collor e até FHC, a administração Lula fez pouco pelos índios”, reforçou. Questionado por um repórter, Santilli qualificou o leilão de diamantes dos índios Cinta-Larga, da Terra Indígena Roosevelt, em Rondônia, como uma medida “tópica”, tomada a reboque dos acontecimentos e sem condições de resolver o problema mais amplo da mineração em territórios indígenas. Autorizada por uma Medida Provisória editada pelo governo, a venda das pedras preciosas foi feita recentemente, depois do assassinato de 29 garimpeiros na área, em abril de 2004.

O FDDI é composto pelo ISA, pela Coiab, Conselho Indígena de Roraima (CIR), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Comissão Pró-Yanomami (CCPY). O manifesto e o “Abril Indígena” também são apoiados pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e por algumas entidades da sociedade civil como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

FDDI contesta explicações do governo sobre relatório da Anistia Internacional

Os representantes do Fórum também contestaram as explicações dadas pelo governo em resposta ao documento “Estrangeiros em nosso próprio País”: Povos Indígena do Brasil, divulgado pela Anistia Internacional, na terça-feira, dia 29. O vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, disse que é “mentiroso” o número apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), no dia anterior, de que o governo Lula teria declarado 43 TIs. Feitosa afirmou que, com base no próprio Diário Oficial, o número de territórios declarados na atual administração é de 13. Os integrantes do FDDI confirmaram o número de 48 TIs homologadas pela atual administração (confira o quadro completo de demarcações de Terras Indígenas, clicando aqui).

O representante do Cimi disse que o relatório produzido pela Anistia Internacional é confiável e tem informações fidedignas, coletadas nas próprias comunidades, nas organizações indígenas, em audiências públicas e com pesquisadores. O estudo denuncia que os povos indígenas brasileiros continuam sofrendo com a violência, a pobreza, a fome, a discriminação e o conflito de terras, entre vários outros problemas. A Anistia Internacional recomenda ainda que “o governo brasileiro deve dar prioridade urgente à definição de políticas claras e estratégias específicas para tratar das persistentes questões de direitos humanos e de problemas relativos à terra que afetam a população indígena brasileira”. Para mostrar que não estão sendo cumpridas várias das promessas eleitorais feitas aos povos indígenas pelo então candidato Luís Inácio Lula da Silva, o relatório traz como apêndice trechos dos textos de campanha “Compromisso com os Povos Indígenas do Brasil” e “Programa de Governo 2002 – Coligação Lula Presidente”.

A nota da Funai, por sua vez, traz outras informações consideradas vagas e genéricas pelos representantes do FDDI. Por duas vezes, o texto relaciona o crescimento da população indígena acima da média nacional como resultado de uma política de Estado consistente para as populações indígenas. Acontece que a tendência já tem quase três décadas. A Funai também destaca que o governo estaria trabalhando para garantir a “presença permanente no panorama social, cultural e político” da população indígena e cita o aumento do número de índios na direção de algumas prefeituras e nas Câmaras de Vereadores, além do sistema de cotas adotado em algumas universidades. “Isso é resultado da mobilização da sociedade civil. Ao contrário disso, o governo Lula se recusa a dialogar com o movimento indígena”, criticou Feitosa.

Manifesto contra a política indigenista do Governo Lula

Mais um mês do “índio” chega e, como em tantos outros, são esperadas as costumeiras comemorações oficiais e seus pacotes de abril. O governo Lula em apenas meio mandato foi capaz de surpreender três vezes. Primeiro não apresentou o novo prometido aos povos indígenas em campanha. Aguardou-se o primeiro ano de mandato, quando se constatou o descaso e o continuísmo. Ao fim da metade do mandato, nova e surpreendente constatação: configura-se um governo antiindígena.

Esse governo demonstrou incapacidade de lidar com a pluralidade étnica do nosso país. Há uma enorme dificuldade em se estabelecer políticas públicas diferenciadas.

Na ausência de uma nova política indigenista, foram tomando espaço os interesses contrários aos dos povos indígenas. A política indigenista foi remilitarizada. O Gabinete de Segurança Institucional adquiriu importância sem precedentes nos assuntos indígenas. Velhos e superados conceitos de segurança e soberania nacional, por mais equivocados que sejam, voltaram a operar com intensidade. Agora manejados não apenas pelos setores militares, mas também pelas mais retrógradas oligarquias rurais que encontraram neles oportunidade para defender seus interesses mais imediatos.

Nesse diapasão, o governo Lula não honrou o compromisso de homologar em área contínua a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Esse compromisso foi submetido ao preconceituoso juízo local e negociado por votos no Congresso Nacional, enquanto invasores continuam usando dos mais vis métodos de coação e violência contra os índios. A demora para a homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol levou os indígenas a denunciarem o Brasil à OEA (Or

ganização dos Estados Americanos), que recomendou ao governo brasileiro medidas cautelares para a proteção à vida dos habitantes dessa terra.

O Poder Judiciário brasileiro, nesses e em outros casos, tem atuado de forma parcial. Interpretado a lei de modo monocultural, privilegiando os valores culturais brancos/colonialistas. Fazendo prevalecer a propriedade privada sobre a coletiva, o econômico sobre o social, o único sobre o plural e o poder sobre o justo.

A velha ordem latifundiária, sob a máscara do agronegócio, é que está determinando a cadência das demarcações das Terras Indígenas. O sojicultor Blairo Maggi, Governador de Mato Grosso, solicitou ao Governo Federal uma ilegal e imoral moratória de demarcações no Estado que administra e, surpreendentemente, foi atendido. As demarcações de Terras Indígenas em Santa Catarina foram condicionadas a uma também ilegal comissão estadual. A Terra Indígena Baú, dos Kaiapó, foi reduzida em 320 mil hectares por ato do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Fez-se líder do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado o Senhor Delcídio Amaral, autor do Projeto de Lei que visa obstruir as demarcações de Terras Indígenas, submetendo direitos territoriais indígenas ao julgamento político da bancada ruralista no Congresso Nacional.

O ritmo histórico de reconhecimento dos territórios indígenas, conquistado pelo movimento indígena, foi quebrado pelo atual governo e condicionado a um projeto neoliberal/desenvolvimentista, etnocêntrico e genocida, cuja governabilidade está sendo negociada junto a setores da oligarquia rural brasileira, a mesma que historicamente impediu a paz e a democracia no campo. O número de terras declaradas como de posse indígena é, no governo Lula, o pior desde o fim do regime militar. O governo Lula declarou a média de 6 terras indígenas por ano. O governo FHC, também indiferente à matéria, declarou a média de 14 terras indígenas por ano de mandato, mais que o dobro do governo Lula. Terras Indígenas viraram moeda de troca na barganha política com governadores de alguns estados.

O órgão indigenista, formatado para tal projeto, proclama, por meio do seu presidente Mércio Gomes, o “fim das demarcações”, cujo prazo por ele definido coincide com o fim do mandato do atual governo. Ao mesmo tempo a Funai reduz progressivamente o número de Grupos Técnicos para identificar Terras Indígenas e se recusa a reconhecer aquelas áreas indevidamente excluídas das terras já demarcadas. Do mesmo modo, se nega a aplicar a Convenção 169 da OIT, obstruindo na prática o reconhecimento de povos indígenas resistentes a 500 anos de colonialismo e repressão. Objetiva-se assim, por meios políticos e administrativos, minimizar e reprimir as demandas dos povos indígenas ao invés de atendê-las. As propostas e promessas de incluir os povos indígenas e a sociedade civil na definição dos rumos da política indigenista sucumbiram diante do reavivamento da velha prática tutelar, autoritária e clientelista, que hoje domina a Funai e o governo.

A saúde indígena é um escândalo! Milhões são gastos pela Funasa com seminários e reuniões enquanto crianças indígenas morrem por subnutrição, a exemplo do que está acontecendo em Mato Grosso do Sul. As medidas emergenciais ora adotadas são paliativas. O problema requer a coordenação das ações de governo, hoje inexistente, e políticas públicas diferenciadas para os povos indígenas.

A última fronteira colonial avança rapidamente nesse governo sobre os conhecimentos dos povos indígenas, pondo em risco suas culturas e benefícios a que têm direito. O Projeto de Lei discutido junto às organizações indígenas, que garantia repartição justa e eqüitativa de benefícios pelo uso de seus conhecimentos, foi alterado na Casa Civil ao ser submetido aos interesses das empresas multinacionais de biotecnologia, hoje abusivamente defendidas pelos ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Indústria e Comércio, que estão impedindo a efetivação dos direitos à repartição de benefícios e anuência prévia previstos na Convenção da Diversidade Biológica (ECO 92) aos povos indígenas e populações locais.

Desse modo, o Brasil vem sendo denunciado internacionalmente em diferentes instâncias por desrespeito aos direitos humanos, a exemplo das denúncias na OEA, pelo Conselho Indígena de Roraima, pelo MPF-MG e na ONU pelo Relator para o Direito Humano ao Meio Ambiente. Desponta nessas denúncias a violação dos direitos dos povos indígenas no Brasil, expondo à opinião pública internacional o descaso e a incapacidade do Estado brasileiro em cumprir suas responsabilidades sociais e legais. Contraditoriamente, todos os compromissos financeiros internacionais estão sendo cumpridos à risca.

O movimento indígena organizado e a sociedade civil abaixo assinados consideram fundamentais:

1) Criar o Conselho Nacional de Política Indigenista com a efetiva participação indígena e da sociedade civil em sua composição.

2) Que o Ministro da Justiça declare imediatamente como de posse indígena as terras: 1. Morro dos Cavalos (SC), 2. Las Casas (PA), 3. Aldeia Condá (SC), 4. Toldo Imbu (SC), 5. Piaçaguera (SP), 6. Toldo Pinhal (SC), 7. Yvy-Katu (MS), 8. Cachoeirinha (MS), 9. Batelão (MT) e 10. Balaio (AM). Que a TI Raposa Serra do Sol seja homologada em área contínua.

3) Rejeitar a PEC n.º 38/1999 e o PLS n.º 188/2004 dos Senadores Mozarildo Cavalcante e Delcídio Amaral, bem como outras iniciativas legislativas que visem obstruir ou impedir o reconhecimento dos territórios indígenas. Que os direitos indígenas sejam regulamentados dentro do Estatuto das Sociedades Indígenas e não de forma isolada.

4) Garantir em Lei os mecanismos previstos na Convenção da Diversidade Biológica, de repartição justa e eqüitativa de benefícios e anuência prévia e informada, para o acesso aos conhecimentos dos povos indígenas e das populações locais.

Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)

Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI):

Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Comissão Pró-Yanomami (CCPY)
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Instituto Socioambiental (ISA)

Propostas em tramitação no Congresso ameaçam direitos indígenas e meio ambiente

Uma verdadeira enxurrada de projetos em tramitação no Congresso Nacional está ameaçando os direitos indígenas e as leis de proteção ao meio ambiente. Entre vários outros pontos, as propostas pretendem limitar a criação de novas áreas protegidas, dificultar o processo de criação de Terras Indígenas (TIs) e flexibilizar a legislação florestal. O perigo também está presente em proposições bem intencionadas de autoria do governo, mas que podem acabar sendo usadas para modificar leis já consagradas como conquistas da cidadania.

O risco é ainda maior se for considerada a atual correlação de forças internas dentro do Congresso. Desde a eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara, o parlamento consolidou uma forte tendência conservadora, presente desde o início das alianças políticas estabelecidas pelo governo Lula. A aprovação da Lei de Biossegurança e a crescente influência da bancada ruralista e do setor do agronegócio sobre o Palácio do Planalto podem ser apontados como sinais claros do fenômeno. Saiba mais.

Alguns dos projetos – caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/99, que pretende dificultar a criação de novas TIs ao atribuir ao Senado a responsabilidade de aprovar as demarcações – podem ser votados a qualquer momento. “Com o cenário que existe hoje, essas propostas dão margem à perda de alguns direitos”, confirma Ricardo Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Ele explica que vários dispositivos jurídicos que podem ser modificados nem chegaram a ser regulamentados. “Além da posição negativa que o Congresso assumiu para a concessão de direitos, a Constituição não tem mecanismos específicos que possam impedir a sua retirada”.

Verdum avalia que os povos indígenas correm mais perigo em virtude da fragilidade política de suas organizações. “A maior ameaça é a tentativa de dificultar a criação de novos territórios indígenas e até de diminuí-los”, comenta. Ele considera que é preciso haver uma aliança estratégica entre entidades ambientalistas, mais organizadas e influentes, e o movimento indígena.

A força dos grupos de interesse no Congresso

As principais propostas contra os direitos indígenas e as leis ambientais vêm de grupos de interesse que ultrapassam os limites definidos pelos programas partidários ou pela bancada estadual. Alguns desses segmentos têm uma coordenação influente e, com a eleição de Severino Cavalcanti e a conseqüente fragilização do governo, ampliaram ainda mais seu poder de pressão.

A bancada da região amazônica, por exemplo, conquistou, neste ano, as presidências de comissões parlamentares importantes. A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável está sendo chefiada pelo deputado Luciano Castro (PL-RR) e a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional está sob o comando da deputada Maria Helena (PPS-RR). Em artigo publicado recentemente, Maria Helena afirmou que, “no Brasil, por enquanto, a política tem sido de criação de infinitas reservas indígenas e unidades de conservação. Todas com o viés do imobilismo e do esvaziamento”.

Outra bancada poderosa é a ruralista, composta por 166 deputados e 14 senadores, extremamente organizada e com grande prestígio. Por mais paradoxal que pareça, depois de passar por um período de esvaziamento, o grupo ganhou força com o governo Lula porque precisou se adaptar a nova conjuntura e foi obrigado a diversificar seu discurso e sua plataforma política.

“A bancada sofisticou sua atuação, incorporou reivindicações da agricultura familiar e conseguiu, assim, mudar a imagem retrógrada que tinha antes”, explica Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Ele conta que a adoção do nome de Frente Parlamentar de Apoio à Agropecuária (FPAA) faz parte dessa orientação.

Com a ampliação do seu programa político, muitos parlamentares não identificados com os grandes produtores ou com o latifúndio passaram a integrar a bancada ruralista. Eles não podem ser contados como votos certos contra as reivindicações do movimento indígena ou dos ambientalistas. Apesar disso, Queiroz considera que, por causa da boa articulação política e organização, o grupo continua tendo o segundo lobby mais forte do Congresso, só perdendo para a influência do próprio governo. O analista do Diap lembra também que os ruralistas adquiriram postos-chave na administração federal e têm ramificações em toda a base de apoio aliada.

“Existe hoje uma estratégia muito bem estruturada, contando com o apoio da mídia, de associar os ambientalistas e, mais especificamente, a figura da ministra Marina Silva à tentativa de frear o desenvolvimento nacional”. Queiroz confirma também que a FPAA ganhou ainda mais força com a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara. “O cargo confere poderes sobre a tramitação dos projetos e a pauta. Além disso, o PP tem o maior número de parlamentares no grupo”.

A bancada ruralista é responsável, por exemplo, pelo maior número de emendas ao Projeto de Lei (PL) nº 4776/05, enviado ao Congresso em regime de urgência constitucional como parte do pacote ambiental anunciado pelo governo, em fevereiro. A proposta pretende regulamentar a gestão de florestas públicas, mas pode servir também como brecha para modificações que significariam retrocessos.

Várias emendas encaminhadas ao PL pretendem modificar o Código Florestal, diminuindo, por exemplo, a chamada Reserva Legal de cada propriedade – aquela área mínima na qual deve ser mantida a vegetação original. Outras emendas propõem que o poder de controlar as atividades produtivas nas florestas, inclusive as atividades em matas nativas, seja retirado do Ministério do Meio Ambiente. Neste caso, a atribuição seria transferida para o Ministério da Agricultura, hoje fortemente influenciado pelo setor do agronegócio.

“O movimento socioambiental precisa criar uma frente permanente que possa dialogar com as principais lideranças parlamentares, inclusive os presidentes da Câmara e do Senado, para expressar sua preocupação e exigir mais cautela na apreciação dos projetos”, defende André Lima, advogado do ISA. Ele considera que o governo mostra pouco interesse pelos temas socioambientais e que a desarticulação da base aliada torna o quadro político ainda mais difícil no Congresso.

Conheça os principais projetos que ameaçam os direitos indígenas e o meio ambiente no Congresso Nacional

:: Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/99 – De autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), o projeto limita em 50% a área total de cada estado brasileiro passível de ser transformada em Unidade de Conservação (UC) ou Terra Indígena (TI). Além disso, pretende dificultar e até inviabilizar a criação de novas TIs ao atribuir ao Senado a competência de aprovar o processo de demarcação. A proposta já foi retirada de pauta em virtude da pressão exercida por uma campanha da sociedade civil, em 2003, mas voltou à ordem do dia e pode ser votada a qualquer momento.

:: Projeto de Lei (PL) nº 4776/05 (Gestão das Florestas Públicas) – Enviado ao Congresso Nacional em regime de urgência constitucional em fevereiro, como parte do pacote ambiental anunciado, o projeto estabelece regras para a gestão de florestas públicas, prevê a criação do Serviço Florestal Brasileiro e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Segundo o projeto, não serão destinadas à concessão as áreas onde já existam comunidades tradicionais, assentamentos florestais, projetos de desenvolvimento sustentável, reservas extrativistas, áreas prioritárias para criação de unidades de conservação e unidades de conservação de proteção integral. As entidades ambientalistas temem que a bancada ruralista inclua mudan

ças que signifiquem retrocessos na legislação vigente.

:: Projeto de Lei (PLS) 188/04 – Também determina que a demarcação das terras indígenas seja submetida à aprovação do Senado e prevê a convocação do Conselho de Defesa Nacional caso a área esteja localizada em faixa de fronteira. O senador Delcídio Amaral (PT-MS), atual líder do PT, é um dos autores da proposta, que prevê ainda que sejam “anulados todos os procedimentos de demarcação em curso” na data de sua publicação. O PL também pretende impedir que terras retomadas – “objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito indígena de caráter coletivo” – entrem em processo de demarcação por dois anos, ou pelo dobro deste prazo, em caso de reincidência.

:: Medida Provisória (MP) 239/05 – Também enviada ao Congresso Nacional como parte do pacote ambiental de fevereiro, “interditou” e destinou para estudos, com o objetivo de criar de novas unidades de conservação, 8,2 milhões de hectares na região da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Existe o receio de que a bancada ruralista tente se aproveitar da tramitação da MP para aprovar mudanças prejudiciais à Lei 9.985/00, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e é uma das mais importantes legislações socioambientais do País.

:: PL de Conversão nº 10/01 (converte a Medida Provisória 2166-67/01) – Altera o Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/65), reduzindo o percentual de Reserva Legal no cerrado amazônico, de 35% para até 20% de cada propriedade, dependendo do Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE). Também desobriga os proprietários rurais a recuperar sua reserva na Mata Atlântica. De autoria do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), a proposta também foi objeto de uma grande mobilização do movimento socioambiental, em 2001. Apesar dos protestos de centenas de organizações, o projeto foi aprovado em comissão mista. Depois, foi engavetado por decisão do presidente Fernando Henrique Cardoso, da mesa e dos líderes da Câmara. Durante sua campanha eleitoral para a presidência da Casa, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) teria assumido o compromisso com a bancada ruralista de colocar a proposta em votação.