Energia para crescer, sim. Angra 3, não.

Artigo publicado em 24/01/2007 no jornal Correio Braziliense por Rebeca Lerer, coordenadora da Campanha Energia/Clima do Greenpeace Brasil

Sim, o Brasil deve investir em geração, diversificar sua matriz energética e descentralizar a geração de energia para que a economia continue crescendo. Indiscutível. Porém, quando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, recomenda investimentos em tecnologias sujas e ultrapassadas como nuclear e carvão, ou diversos setores do governo Lula parecem dispostos a ressuscitar o Programa Nuclear Brasileiro sob a fachada do risco de um novo apagão, estamos dando um passo de volta aos anos 70 em vez de olhar para frente e apostar em políticas públicas que podem, efetivamente, garantir a sustentabilidade e a segurança energética do país.

O sentimento de que o Brasil está na contramão do resto do mundo é reforçado quando vemos Angra 3 na pauta da próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), marcada para o dia 30 de janeiro em Brasília. Enquanto isso, a União Européia se compromete a aumentar a participação de fontes renováveis de energia na sua matriz em 20% até 2020.

O planejamento energético de médio prazo é, geralmente, elaborado com base em dados de crescimento do PIB e de população. Esta é a lógica usada pela Agência Internacional de Energia, que subsidia os estudos da EPE. A pedido do Greenpeace, pesquisadores da Escola Politécnica da USP elaboraram cenários de geração e consumo de energia elétrica no Brasil para 2010. Os resultados indicam que a geração elétrica será de 466 TW/h e o consumo de 429TW/h, baseados em um crescimento do PIB da ordem de 3,5% ao ano. Para suprir esta demanda de eletricidade, o estudo conclui que o potencial hídrico, de biomassa e eólico do país é suficiente para abastecer o mercado, sem a necessidade de construir Angra 3. Esses e outros dados farão parte de um relatório a ser lançado este mês pelo Greenpeace traçando cenários elétricos para o Brasil até 2050.

Além de desnecessária, a opção nuclear para gerar energia é a mais dispendiosa de todas. As usinas Angra 1 e 2 custaram mais de R$ 20 bilhões. Já o investimento necessário para construir Angra 3 pode chegar a R$ 7 bilhões para gerar apenas 1350 MW. Com este volume de recursos, poderia ser criado um parque eólico com o dobro da potência, sem produzir lixo radioativo, sem o risco de acidentes nucleares e gerando 32 vezes mais empregos.

Defensores da energia nuclear alegam ainda que o aumento no preço da geração hidrelétrica está tornando a opção atômica mais competitiva no Brasil. Não por coincidência, são os mesmos setores que alegam não ser economicamente viável investir em tecnologias renováveis, pois lhes falta escala. É complicado falar em preços reais da energia nuclear, que sobrevive graças a generosos subsídios governamentais – não só no Brasil, como em todo mundo. Um estudo de maio de 2005 do Massachussets Institute of Technology (MIT) afirmou que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. No cálculo atômico, também não entram os custos com destinação de resíduos radioativos nem despesas com o descomissionamento de antigas instalações nucleares. Portanto, só é possível comparar os custos e vantagens das tecnologias renováveis e nuclear considerando-se o ciclo de vida das usinas e o montante de subsídios envolvidos.

E, por falar em custos, mesmo entre os defensores das energias sujas existe o consenso de que a forma mais barata de gerar energia é justamente economizando energia. Um bom exemplo dos benefícios de investir em eficiência energética é o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), do governo federal. Ao longo de 20 anos e com recursos da ordem de R$ 850 milhões, o Procel conseguiu economizar o equivalente à capacidade de geração de uma usina de 5124 MW, ou quase quatro vezes o potencial de Angra 3.

Para concluir, vale lembrar que, apenas em 2006, o mercado global de energias renováveis como solar e eólica movimentou US$ 38 bilhões, 26% a mais que no ano anterior e gerou milhares de empregos. Este não é um clube exclusivo dos países ricos; conta também com gigantes em desenvolvimento como China e Índia. O Brasil, ao olhar para trás, pode perder, mais uma vez, o bonde do desenvolvimento sustentável.