Agência Brasil – ABr – A escassez e o uso abusivo da água representa uma séria e constante ameaça ao desenvolvimento e à proteção do meio ambiente. A população mundial hoje já ultrapassa os 6 bilhões de habitantes. Embora 70% da superfície do nosso planeta sejam cobertos de água, menos de 1% desse recurso está disponível para o consumo humano. Ainda que essa pequena parcela seja mais do que o suficiente para suprir as necessidades desse crescente volume populacional da Terra, cerca de 40% desse contingente humano não tem acesso a água de qualidade.
Segundo Genibaldo Freire, doutor em ecologia e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), o volume de água na Terra é constante e obedece a um ciclo, o que garante sua existência. Para ele, o que pode acontecer é a indisponibilidade para algumas populações e o aumento do preço da água, tornando-a um bem caro. “Isso já é uma realidade em muitos lugares do mundo. Hoje, temos 36 nações em guerra por conta da água e 60 em permanente conflito pelo mesmo propósito”, afirma.
A maior reserva de água doce, captada para o consumo nos rios, lagos e reservatórios da superfície (0,007% de toda água do planeta), está no Brasil, que chega a 19,5%. A água é farta, mas mal distribuída. O país tem muita água onde mora pouca gente, como a Amazônia. E pouca água para tanta gente que vive nas outras regiões, como Brasília. “A situação da água no Distrito Federal não é das mais confortáveis. Temos uma área pequena e uma população muito grande. Dessa maneira o consumo de água cede a capacidade de suporte dos ecossistemas locais”, explica Freire.
Ele acrescenta que parte da água distribuída em Brasília é importada de regiões próximas, principalmente de Goiás. “A água nos limites da capital federal é insuficiente, ou seja, estamos ampliando a pegada ecológica do DF para suprir as nossas necessidades. Isso ocorreu por falta e falha no planejamento de todos os governos que estiveram no poder de 1989 para cá. Estamos correndo atrás desse déficit. Brasília tem uma disponibilidade de água por habitante que só ganha de Pernambuco e Paraíba”, informa Freire.
De acordo com Sérgio Colares, técnico de Recursos Hídricos da Companhia de Águas e Esgotos de Brasília (Caesb), a água pode ser usada para diversos fins como para consumo humano, tratamento de animais, geração de energia etc. Os sistemas produtores operados pela Caesb para o abastecimento público são feitos por duas barragens de acumulação: Lagos Descoberto e Santa Maria e ainda 23 pequenos mananciais que têm uma disponibilidade hídrica de 8.600 l/s (litro por segundo), sendo o volume médio captado (produzido) de 6.400 l/s, o que significa dizer que ainda existe uma disponibilidade nos sistemas atualmente operados da ordem de 2,200 l/s.
Apesar dessa situação, Geraldo Boaventura, químico e professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que a qualidade da água do DF é boa e confiável, além de atender a legislação em vigor. Freire acrescenta que Brasília tem a melhor empresa nacional de gerenciamento da água, a Caesb. “Ela tem a menor taxa de perda da rede em todo o país. É conhecida pela excelência em seus serviços, o que não impede a existência de lugares que são poluídos por esgotos. Acredito que, pela programação que a empresa está elaborando, esse problema seja resolvido rapidamente e assim teremos 100% dos esgotos tratados, nos igualando a pouquíssimas cidades do mundo”, observa Freire.
“A Caesb atende hoje cerca de 87% da população do DF com coleta de esgotos, o que corresponde a um volume da ordem de 255 mil metros cúbico por dia, dos quais 72% são tratados nas 16 estações de tratamento de esgotos (ETEs) existentes. Com a entrada em operação da ETE Melchior, em fase final de construção, a Caesb atingirá a universalização em tratamento de esgotos, colocando o DF em situação ímpar no cenário nacional”, observa Colares.
Na questão do desperdício de água no DF, ambos os professores concordam que ele faz parte da cultura brasileira. “Como nós temos água em abundância ocorrem exageros. Na minha opinião, a solução é a orientação da população”, sugere Boaventura. Já para Freire, a questão é mais econômica, uma vez que a água é ainda um bem muito barato, o que acaba levando ao desperdício. “Na semana passada fiz um cálculo com meus alunos do preço da água no Brasil. Um litro de água chega a um décimo de milésimo de um real. Tem lugares no mundo que o preço de um litro de água equivale a um litro de gasolina. É bom colocarmos as barbas de molho porque essas nações que têm a água cara também já tiveram água em grande disponibilidade como nós temos hoje”, alerta.
“Existe grande desperdício de água em função do uso de forma indevida e exagerada. Não dispomos do número do desperdício no DF, por ser muito difícil sua quantificação, pois pode variar de usuário para usuário. Além do custo ser muito barato. No DF existem faixas de tarifa em função do volume usado. A tarifa mínima pela Caesb é de R$ 0,80 por metro cúbico de água fornecida”, explica Colares.
De acordo com o diretor da Área de Tecnologia e Informação da Agência Nacional das Águas (Ana), Marcos Freitas, a cobrança de água é um estimulo econômico para que as empresas possam começar a se conscientizarem. “Uma das partes que mais dói nas pessoas é o bolso, então, à medida que a coisa começa a ter valor, a eficiência vai sendo buscada. Boa parte dos desperdícios ocorrem nas empresas de abastecimento de água, essas empresas perdem em média de 40 a 50% nas grandes cidades brasileiras. Porém, como elas não pagam pela água que retiram do rio, essa perda acaba sendo apenas operacional. Agora, a partir do momento que as empresas tenham que arcar com essa despesa operacional, o peso da água comprada nos rios, modifica um pouco a questão”, diz.
Além do desperdício, a perfuração indiscriminada de poços tubulares nos condomínios (que as pessoas chamam erroneamente de poços artesianos) ameaça os mananciais do Distrito Federal. “Esses poços estão sendo perfurados em larga escala, causando um consumo excessivo dessa água sem que esses condomínios se preocupem com as áreas de capacitação e recarga desses lençóis”, diz Freire.
“Os condomínios deveriam seguir o exemplo do Condomínio Mônaco, na BR 140, que tem uma área de capacitação de recarga do lençol freático. Se todos os condomínios fizessem assim, provavelmente esse problema seria desprezado”, explica o ecologista. Os poços tubulares pela legislação ambiental brasileira passam pelo crivo do licenciamento ambiental, mas em Brasília ainda há uma carência muito grande de pessoal e material para que a fiscalização seja eficiente.
O outro problema a ser estudado com mais afinco, na sua opinião, é o impacto causado pela irrigação dos cinturões agrícolas em torno do DF. “Este impacto é considerável, principalmente pela elevada demanda de água subterrânea e também pela possibilidade de contaminação por defensivos e fertilizantes”, afirma Boaventura. “Hoje, 70% do consumo de água no mundo é para irrigação. Não podemos parar de utilizá-la, pois as pessoas passariam fome. Temos que repensar nos modelos de irrigação que consumam menos água. Há muita pesquisa nessa área, estamos buscando uma forma de solucionar o problema”, diz Freire.
Para conscientizar a população a preservar a água não basta apenas promover campanhas e distribuir “outdoors” pela cidade. Os professores ressaltam que a melhor maneira de promover a conscientização é realizar um trabalho maciço com a população, principalmente nas escolas básicas, lugar onde se inicia a formação do cidadão. “Temos que elaborar um programa de educação ambiental que estaria a todo tempo na mídia e nas escolas. Infelizmente, esse tipo de programa ainda não é feito no Distrito Federal”, lamenta Freire.
Marcos Freitas, explica que a lei de recursos hídricos brasileira é muito boa e a cada dia a população está mais atenta ao tema da água. Para ele, as crianças já começam a estudar sobre o assunto nas escolas e a mídia está muito atenta aos problemas. “A população pode interagir e mudar sua forma de uso, interferir um pouco na tomada de decisão das autoridades públicas na relação de investimentos ao saneamento, onde há uma carência maior. Por um lado faltam campanhas de conscientização, mas por outro falta mais investimento de um marco regulatório no setor de saneamento”, diz.
Camila Cotta