Lideranças Xavante serão recebidos pelo Ministro da Justiça

Funai – As 40 lideranças Xavante, da Terra Indígena Marãiwatsede estão em Brasília desde ontem e serão recebidos hoje (02), às 17h, pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Os Xavante vieram a Brasília acompanhados pelo administrador da Funai em Goiânia, Edson Beiriz, para discutir com autoridades uma solução para o conflito resultante da invasão de suas terras. O presidente da Funai, Mércio Gomes, que acompanhará a audiência, declarou que o Ministro da Justiça está empenhado em encontrar uma solução para o iminente confronto de indígenas e posseiros e defendeu o direito dos indígenas à sua terra, homologada e totalmente invadida por posseiros.

O povo Xavante luta há mais de 40 anos pela T.I. Marãiwatsede que já foi comprovada como tradicionalmente dos índios e está homologada e registrada. É um local que os Xavante chamam de “carne e vida”. Lá estão cemitérios indígenas e viveram muitas gerações de seus antepassados. Durante muitos anos eles tentaram retornar ao seu local de origem, mas não conseguiram. O confronto com os invasores é um dos problemas mais graves que a Funai enfrenta. Na semana passada, o presidente do órgão indigenista esteve e conversosu com os índios para impedir um iminente conflito.

A delegação Xavante se reuniu ontem (01), com a dra. Ela Wieko, da coordenação da 6ª Câmara do Ministério Público Federal. Hoje (02), às 15h, no auditório principal do Ministério Público Federal haverá uma audiência com os com os deputados e senadores da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, simpatizantes ao movimento indígena, para pedir apoio na solução do conflito na terra indígena Marãiwatsede. O administrador da Funai em Goiânia, Edson Beiriz, que vai acompanhar a delegação vem denunciando que está sendo ameaçado de morte por defender o direito dos índios.

Os Xavante só querem deixar a capital depois de obter uma solução para o problema da invasão de suas terras. Eles pretendem ainda se reunir com o presidente do Incra e com juízes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Regional Federal.
 

"Nós não temos medo de morrer"

Rota Brasil Oeste – Na tarde de hoje, 40 lideranças da etnia Xavante estiveram com o Ministro da Justiça para pedir apoio na disputa com posseiros pela terra indígena Marãiwatsede – localizada na antiga fazenda Suiá-Missú, próxima ao município Alto Boa Vista, Mato Grosso. A área é, com cerca de 170 mil hectares, está homologada desde 1998 e foi ocupada ilegalmente por colonos há pouco mais de oito anos.

No encontro, os Xavante cobraram uma decisão rápida das autoridades para o caso. De burduna em riste, o cacique Simão afirma que existem quarenta índios acampados nas fronteiras da propriedade com os colonos, esperando uma decisão. “Nós estamos cansados, não têm mais paciência. Nós não temos medo de morrer, tem coragem de lutar”, disse golpeando a arma no peito. “O índio é a raiz do Brasil, tem que nos respeitar!” completou.

No mesmo tom, o chefe Damião reafirmou a posição dos índios. “Não vamos matar, não somos invasor, não somos ladrão, mas ninguém tem medo de morrer”, afirmou. O cacique também se mostrou preocupado porque a Polícia Federal retirou-se da região. Ambos pediram mais recursos para a Funai e auxílio para as comunidades indígenas.

Ao lado do presidente da funai, Mércio Gomes, intermediador do encontro, o ministro garantiu às lideranças que os índios têm o apoio do governo e pediu confiança na Funai para resolver a questão. “A terra está homologada, é de vocês”, afirmou. Segundo Márcio Thomaz, a idéia agora é procurar uma solução harmônica, que envolva outras instituições como Ministério do Desenvolvimento Agrário, Polícia Federal e Incra. O ministro também deixou claro que a Polícia Federal estará pronta para agir caso necessário.

Nos últimos anos, índios e posseiros lutam pelo reconhecimento de propriedade. Mês passado, o conflito teve uma escalada de tensão, com ameaças de ambas as partes.

Histórico

O povo Xavante luta há quase 40 anos pela posse de Marãiwatsede. A região é importante cultural e historicamente para a etnia. Ali estão localizados, por exemplo, locais sagrados como cemitérios.

A ocupação da área por não-índios iniciou-se na década de 60 e foi feita com ajuda dos próprios Xavantes. Em 1966, porém, uma multinacional italiana adquiriu as terras de Suiá-Missú e deslocou a comunidade indígena da região. O grupo foi entregue para a tutela da igreja, na Missão Salesiana de São Marcos, e mais tarde se dispersou. A propriedade chegou a ser conhecida como uma das maiores fazendas do mundo, alcançando 560 mil hectares e recebeu milhares em incentivos públicos durante os governos militares.

Em 1995, o caso foi levada à Justiça e agora, índios e posseiros esperam uma decisão nos tribunais sobre os direitos de ocupação da área. Recentemente, a disputa ameaçou tornar-se violenta. O administrador da Funai em Goiânia, Edson Beiriz – que também acompanha a delegação na visita ao ministério – denunciou que está sendo ameaçado de morte por defender o direito dos índios.

Na visita a Brasília, os Xavante também procuraram apoio na Procuradoria Geral da República, na Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos Indígenas e na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Ibama denuncia 182 madeireiras

Ibama – A Operação Belém, auditoria realizada por procuradores e analistas ambientais do Ibama, confirmou ação criminosa praticada por 182 madeireiras em dezenas de municípios no estado Pará, com “calçamento” (alteração de documentação) e falsificação de 1.263 Autorizações de Transporte de Produto Florestal (ATPF) – documento que controla a exploração florestal no país. As madeireiras que “calçaram” 1.003 ATPF e as que falsificaram 260 ATPF responderão a inquérito e a ação penal por dilapidarem o patrimônio ambiental e fomentar o desmatamento da floresta amazônica.

De acordo com o gerente executivo do Ibama no Pará, Marcílio Monteiro, as providências tomadas pela instituição foram o encaminhamento imediato de 462 Representações Criminais (Autos de Infração) no valor de R$ 4,5 milhões contra as empresas infratoras e proposição de ação penal pela utilização indevida, adulteração ou falsificação de documentos públicos junto ao Ministério Público Federal no Pará.

Duas empresas somam mais de R$ 2 milhões em AI – Autos de Infração de ATPF calçada: Indústria de Madeiras Rio Guamá, em São Miguel Guamá, e a Pérola Madeiras do Pará, no município de Tailândia. A Operação Belém identificou que 30% das empresas investigadas estão localizadas no município de Tailândia, que passou a ser a nova rota ilegal da extração e comercialização de madeira na região sudeste do Pará.

A Operação Belém, iniciada em junho, também identificou a conexão criminosa entre madeireiras do Pará e do Mato Grosso, que juntas sonegaram R$ 45 milhões do sistema tributário, comercializando ilegalmente 45 mil metros cúbicos de matéria-prima florestal. Esse volume corresponde a mais de 2.500 caminhões que, enfileirados, chegam a 50 km de extensão, fruto do abate clandestino de três milhões de árvores de centenas de espécies florestais.

O gerente executivo do Ibama no Pará disse que o corte ilegal “causa danos a biodiversidade e aos ecossistemas irreversíveis e quem perde com a dilapidação do patrimônio ambiental são as populações rurais dos municípios paraenses”. Flávio Montiel, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, informou que o “Pará está sendo pioneiro neste tipo de auditoria, mas a ação será estendida para todo o Brasil”.

Conferência Nacional do Meio Ambiente

Agência Brasil – Ampliar o debate e a participação da sociedade brasileira na formulação de políticas ambientais que assegurem a qualidade ambiental e a sustentabilidade dos recursos naturais. Este é o principal objetivo da Conferência Nacional do Meio Ambiente, a partir de hoje, em Brasília. Durante três dias, mais de 1200 pessoas, entre delegados natos e eleitos em conferências estaduais, convidados e observadores participam da construção de uma outra política para o setor.

Entre os participantes, nomes de peso ligados à causa ambiental e que integram a Comissão de Honra da Conferência, como Bertha Becker, Leonardo Boff, Paulo Nogueira Neto, Washington Novaes, Magda Renner, Glacy Zancan e Fábio Feldman. Eles atuarão como articuladores e mediadores das palestras e debates que reunem representantes das três esferas de governo, dos poderes legislativo e judiciário, empresas, universidades, comunidades tradicionais, Ongs e vários outros setores da sociedade.

A primeira Conferência Nacional de Meio Ambiente pretende mostrar que não são apenas os ecologistas que estão preocupados com a sustentabilidade do meio ambiente. A participação maciça de representantes de setores da sociedade que tradicionalmente estavam alheios a esse processo comprova que a questão ambiental deixou de ser um assunto exclusivo de ecologistas para se tornar uma prioridade nacional.

Dos 912 delegados eleitos nas pré-conferências e nas conferências estaduais, só 124 (13,60%) são militantes de Ongs ambientalistas. A maioria dos participantes vem de outros segmentos: 18,64% são de movimentos sociais, 10,45% de universidades ou centros de pesquisa, 33,44% de órgãos do governo federal (9,10%), estadual (12,50%) e municipal (11,84%), 7,13% do setor produtivo e 5,4% representam as mineradoras. As populações indígenas, quilombolas, caiçaras e ribeirinhos também estarão representadas, com 5,38% dos delegados eleitos.

O lema da Conferência – “Vamos cuidar do Brasil”, será amplamente debatido em seis temas estratégicos: Água, biodiversidade, infra-estrutura, meio ambiente urbano, mudanças climáticas e agricultura, pecuária, pesca e florestas. A Conferência aprovará dois documentos com diretrizes e propostas que serão encaminhados ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e
servirão de subsídios para a consolidação do Sistema nacional de meio Ambiente (Sisnama).

O perfil de alguns dos integrantes da Comissão de Honra é um sinal para que se possa avaliar a qualidade dos debates e para a abrangência das diretrizes que serão apresentadas. Bertha Becker é professora emérita de geopolítica da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ) e
consultora internacional sobre a inserção da Amazônia na geopolítica das águas. Paulo Nogueira Neto é considerado um dos maiores ambientalistas do país. Vice-presidente da SOS Mata Atlântica e da WWF Brasil, ele defende a causa ambiental há mais de 40 anos e foi o fundador de uma das primeiras Ongs ambientais do país, em 1953.

A professora Glacy Zancan ocupou dois mandatos na presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Magda Renner é pioneira na defesa do meio ambiente no Brasil e fundadora do Núcleo dos Amigos da Terra; Washington Novaes é jornalista especializado em meio ambiente e ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Distrito Federal. Fábio Feldman é especialista em mudanças climáticas e durante vários anos atuou como secretário-geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas; e o teólogo Leonardo Boff, militante de várias causas sociais, já foi condecorado com o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos.

Mauricio Cardoso

Ministro da Justiça assina Portaria Declaratória de Terra Indígena

Ministério da Justiça – Realizada na tarde de quarta-feira, dia 26, a cerimônia de declaração da Terra Indígena Cantagalo, Rio Grande do Sul, com a presença do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos; do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto; do ministro das Cidades, Olívio Dutra; e do presidente da Funai, Mércio Gomes.

O evento celebrou não apenas a declaração da área de 286hec como terra indígena para os 170 índios da etnia Guarani M’Byá – mas também demonstrou a importância do tema para o governo federal. De acordo com o ministro da Justiça, o compromisso do presidente Lula é de ter todas as áreas indígenas brasileiras homologadas até o final do mandato. Desde o início do ano, o Presidente já homologou 24 reservas totalizando 1 milhão e 700 mil hectares.

“Esta é uma etapa nova na Funai, pelo bem do futuro do país”, afirmou Mércio Gomes. Da mesma forma, Thomaz Bastos afirmou que a decisão de assinar a portaria declaratória da Terra Indígena Cantagalo na sede da Funai é parte dessa filosofia de um governo que foi eleito para “a mudança e transformação, na direção de uma sociedade mais democrática e igualitária”.

Acompanhado do cacique Afonso da Costa, que não fala português, o representante dos Guarani M’Byá, Maurício Gonçalves, disse estar contente. “Fico muito feliz, principalmente porque essa é uma luta de mais de trinta anos. Para os Guarani, o território ainda é pequeno, mas isso já representa uma avanço muito grande”. A nova reserva – cujo projeto foi coordenado pelo antropólogo Carlos Alexandre dos Santos – oferece espaço para as plantações da comunidade, que sobrevive basicamente da produção de artesanato e agricultura de subsistência.

Os Guarani M’Byá são conhecidos como povos de religiosidade muito tradicional e procuram fazer suas aldeias segundo seus preceitos místicos fundamentados, principalmente, na relação com a natureza, em especial a Mata Atlântica.

Conflitos em Terras Indígenas

ISA – Homologação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol (RR), normatização da atividade de garimpo de diamante pelos Cinta Larga na TI Roosevelt (RO), suspensão do repasse de recursos federais a municípios criados no interior de TIs, promulgação da Convenção 169 da OIT, implementação de um programa de sustentabilidade econômica indígena estão entre as recomendações do documento, lançado no dia 18/11.

Integrada pelos deputados Orlando Fantazzini (PT/SP), Pastor Reinaldo (PTB/RS) e César Medeiros (PT/MG), a Caravana de Direitos Humanos (CDH) percorreu as Terras Indígenas Buriti (MS) Sangradouro (MT), Roosevelt (RO), Raposa/Serra do Sol (RR), Caramuru-Catarina Paraguassu (BA), Xucuru (PE) e Toldo Chimbangue e Aracaí (SC) entre 7 e 17/10 deste ano.

As impressões das visitas e audiências públicas realizadas durante a caravana estão relatadas no documento divulgado dia 18/11, que contém também uma série de recomendações [relacionadas na íntegra abaixo] à Presidência da República, à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional e aos governadores de todos Estados da Federação, em especial ao do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, de Santa Catarina e da Bahia.

Segundo a CDH, a opção pelo tema conflitos em Terras Indígenas se deu, em primeiro lugar, a um “mea culpa” da própria comissão, que reconheceu estar tratando da temática indígena com a devida atenção, desde a sua criação, em 1995. Mas também pesou na decisão o acirramento dos conflitos e o aumento expressivo de mortes de índios, 23 desde o início do governo Lula, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Todas as comunidades visitadas ressaltaram o ineditismo da visita da CDH. Segundo os índios, raramente qualquer autoridade comparece às aldeias para ouvir as comunidades e conhecer sua realidade. “O curioso foi que em diversos momentos a comissão foi desencorajada – por autoridades federais e estaduais – a empreender as visitas, sob o argumento de que os índios eram perigosos ou imprevisíveis. Na verdade, estes argumentos escondem o fato de que a autoridade não-indígena tem grandes dificuldades em saber ouvir os povos indígenas”, contesta Orlando Fantazzini.


Pressão sobre os recursos naturais em TIs

O relatório constata que as causas dos conflitos que acirram as comunidades visitadas possuem raízes no desrespeito histórico à cultura e à terra dos povos indígenas.

“Os conflitos surgem principalmente da tentativa do homem branco de utilizar as terras indígenas para a monocultura de produtos agrícolas de exportação, para as atividades de mineração e garimpo, extração de madeira, ou para a construção de barragens e hidrelétricas”, expõe o relatório.

Analisando os diversos motivos do conflito entre “brancos” e índios, a CDH deixa claro que a homologação de Terras Indígenas é a única garantia de que o desenvolvimento vai se dar com o devido respeito à identidade e à autonomia das culturas indígenas. Os projetos de “desenvolvimento” defendidos pelos não-índios não incluem o direito à terra, pelo contrário. No Mato Grosso, por exemplo, os fazendeiros oferecem a “parceria agrícola”, mas desde que os indígenas abram mão da demarcação e da homologação de terras.

Além disso, há um enorme preconceito contra as populações indígenas. Uma das reclamações dos que se colocam contrários à demarcação de terras ou às demais políticas indigenistas é a de que o índio, hoje, se tornou um “brasileiro”. A CDH ouviu frases como “eles têm caminhonetes importadas” e “possuem casas de alvenaria”. Portanto, já estariam “aculturados” e não necessitariam de políticas específicas, podendo ser tratados como quaisquer outros.


Povos Indígenas e o poder público

O relatório demonstra também que o poder público muitas vezes contribui para o acirramento do conflito ao estimular um sem-número de práticas dos não-índios com relação à terra: construção de estradas, criação de municípios, extração intensiva de recursos naturais, drenagem e desvio de rios e muitas outras.

O Judiciário, na maioria das vezes, interpreta que a Terra Indígena não homologada é um pedaço de chão como outro qualquer. Essa interpretação faz com que os não-índios promovam ações judiciais para dificultar o processo de demarcação e homologação, criando uma situação em que a criação da terra indígena seja “impossível”. “Muitas mortes seriam evitadas se o entendimento jurisprudencial considerasse as terras em demarcação como terras com título em disputa. Assim, muitas destas práticas poderiam ser evitadas através de medidas judiciais cautelares”, alerta o documento.

Durante as audiências nas Terras Indígenas, vários povos acusaram o governo federal de permitir que negociações políticas interfiram no processo técnico de demarcação e homologação de terras. Foram apontados como exemplo a filiação do governador de Roraima, Flamarion Portela, ao Partido dos Trabalhadores, ato político que ampliou a base de sustentação do governo no Congresso Nacional. A comunidade indígena e muitos não-índios acreditam que o governador negociou com o governo a não-homologação da TI Raposa/Serra do Sol.

A CDH também ouviu suspeitas quantos aos interesses do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. Um dos maiores plantadores de soja do país – monocultura esta que exerce grande pressão sobre áreas indígenas do Estado -, o governador teria proposto ao governo federal uma “moratória” na demarcação de Terras Indígenas.

Enquanto protela o processo de homologação das TIs, o governo federal praticamente deixa os índios à própria mercê, em termos da assistência à saúde, educação e trabalho e segurança para o índio.


Degradação no entorno e no interior de TIs

A Caravana dos Direitos Humanos pôde identificar três fontes de conflito envolvendo questões ambientais: (a) problemas relativos à degradação do entorno das Terra Indígenas, decorrente da aproximação cada vez maior da grande monocultura e da pecuária extensiva; (b) a degradação e má gestão dos recursos naturais no interior das Terra Indígenas; (c) a sobreposição de Terras indígenas e Unidades de Conservação (UCs).

A degradação no interior das TIs em áreas de grande extensão, como a Raposa/Serra do Sol (RR) e as áreas Cinta Larga, que vão do Mato Grosso a Rondônia, ocorre ora porque os índios são incapazes de fiscalizar as áreas por si mesmos, ora porque suas lideranças são convencidas – em troca de dinheiro – a permitir as atividades ilegais.

A CDH ouviu reclamações no sentido de que os índios não querem ser apenas “um exército para cuidar das matas”. Entretanto, o índio compreende muito bem a necessidade de preservação de seus recursos naturais, para o bem de suas gerações futuras. “Não faz sentido, portanto, atropelar a autonomia de decisão que eles têm sobre suas terras. Eles serão os primeiros a aceitarem planos de manejo de seus recursos que lhes garantam autonomia cultural e acesso mínimo ao conforto material. O confronto histórico entre os órgãos ambientais e indigenistas parece ter raízes outras, de natureza principalmente corporativa. De um lado, os órgãos ambientais se recusam a compartilhar a responsabilidade pela preservação com as comunidades indígenas. De outro, o órgão indigenista se acostumou ao monopólio da tutela, e não admite as relações dos índios com outros órgãos governamentais.”


Funai: 8 ou 80

Via de regra, os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) em cada estado ou fazem o jogo dos não-índios no conflito, ou estão ameaçados de morte pelos mesmos brancos, já que defendem os direitos dos índios. Essa grande diferença de atitude entre as administrações regionais da Funai indica a falta de uma orientação nacional para a política indigenista. Para a CDH faz-se necessário algum tipo de orientação geral por parte da sede da Funai em Brasília para os vários Estados, como, por exemplo, orientações do tipo “será proibido negociar a demarcação de terras”.

O sucateamento da Funai é apontado no relatório como principal fator de ambigüidade na relação entre o Estado brasileiro e os povos indígenas. “O Estado demarca terras, mas, ao falhar completamente na assistência aos povos indígenas, fragiliza-os perante a pressão exercida pelo poder econômico. Assim é que os Xavante (MT), apesar de terem grande parte de suas terras demarcadas, sentiram-se forçados a aceitar uma proposta de “parceria agrícola” com fazendeiros de soja. Da mesma maneira, os Cinta Larga em Rondônia, que também têm terras já demarcadas, permitiram durante 20 anos a extração de toda a madeira da terra indígena, e hoje enfrentam o problema da exploração do diamante.”


ONGs e igrejas

“Vivíamos em paz e harmonia com os índios, até que chegaram as ONGs”. Esta frase foi insistentemente dita pelos não-índios aos deputados. As ONGs e a igreja católica são acusadas de “insuflar” os índios ao conflito, são retratadas como atores de uma conspiração para “entregar o Brasil” aos interesses estrangeiros e são responsáveis pelo “confinamento” dos índios e por uma espécie de escravização cultural. Este discurso é praticado não apenas por aqueles não-índios diretamente envolvidos nos conflitos, mas também por políticos e pela imprensa local.

O relatório aponta a atuação de indigenistas independentes, organizados a partir da sociedade civil, como grande agente de conscientização dos povos indígenas a reivindicarem sua autonomia. Por outro lado, o enorme crescimento no número e na diversidade de ONGs e igrejas atuando nas comunidades indígenas não deixa de refletir a ausência do poder público.

O documento cita o Instituto Socioambiental como, talvez, a única fonte completa de dados, inclusive cartográficos, sobre todos os povos indígenas no país. “Realiza um trabalho fundamental em vista da omissão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que até hoje não promoveu o censo indígena.”

Recomendações do relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados sobre Conflitos em Terras Indígenas


Recomendações

1. À Presidência da República:

1.1. Imediata homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, nos termos da demarcação administrativa vigente (Portaria 820 do Ministério da Justiça).

1.2. Criação, no âmbito da Presidência da República, de um grupo de elite permanente, para coordenação das ações entre a Funai, Incra, Ibama, DNPM, Abin, Polícia Federal e Funasa, bem como para apurar e combater denúncias de corrupção por funcionários destes órgãos.

1.3. Revogação do Decreto 4412, de 07/10/02, com edição de nova regulamentação sobre a atuação das forças armadas em terras indígenas, cujo princípio regulador deve ser o diálogo e o consenso com as comunidades indígenas envolvidas. Retirada do Quartel da Maloca Uiramutã, Roraima, e reconstrução em local compatível com a vida social da comunidade indígena.

1.4. Normatização da atividade de garimpo de diamante por índios Cinta Larga na Terra Indígena Roosevelt, estado de Rondônia. As normas devem conter a necessidade de presença permanente do Estado, cuja atuação deve estar embasada nos laudos de impacto elaborados por Grupos de Trabalho do órgão indigenista. Os diamantes devem ser vendidos à Caixa Econômica Federal, e a renda auferida deve ser revertida em favor da própria comunidade indígena. Cabe lembrar que esta iniciativa independe da aprovação de Projeto de Lei de regulamentação da mineração em Terras Indígenas. Isto porque garimpo e mineração são atividades distintas, sendo vedado pela Constituição Federal (art. 231, §§ 2.º, 6.º e 7.º) o garimpo em Terras Indígenas por não-índios.

1.5. Cancelamento administrativo de todos os requerimentos de mineração e exploração de recursos naturais que incidam sobre Terras Indígenas, até que seja aprovada a regulamentação do art. 231, §3º, da Constituição Federal.

1.6. Inclusão das estradas e outras obras irregulares em terras indígenas no cadastro geral de obras irregulares.

1.7. Determinação ao Ministério da Defesa e à Polícia Federal para retirada imediata de garimpeiros em atividade na Terra Indígena Yanomami, estado de Roraima.

1.8. Criação de um Conselho Indígena no âmbito do Projeto Avança Brasil, formado por lideranças das comunidades cujas terras possam ser atingidas pelas obras do projeto.

1.9. Determinação ao Ministério da Previdência Social para criação de um programa especial de aposentadoria indígena.

1.10. Determinação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário para elaboração de um programa de assentamento diferenciado para agricultores de boa-fé que tenham sido pacificamente retirados de terras indígenas.

1.11. Criação, no âmbito do Ministério da Saúde, de um órgão específico, integrado ao SUS, para formulação da política de saúde indígena.

1.12. Determinação ao Ministério do Meio Ambiente para que:

1.12.1. torne obrigatória a inclusão de laudo antropológico nos estudos de impacto ambiental que apontem conseqüências para recursos naturais de terras indígenas;

1.12.2. elabore normas e regulamentos que garantam a gestão ambiental do entorno das terras indígenas, no sentido de garantir o uso tradicional de recursos naturais pelas comunidades indígenas;

1.12.3. revogue os atos que criam os Parques Nacionais do Monte Roraima e Monte Pascoal, em respeito à prioridade indígena sobre aquelas áreas.

1.13. Determinação ao Ministério da Educação para que:

1.13.1. elabore programas que garantam o acesso dos índios ao ensino universitário, até que a lei venha a dispor sobre eventual educação universitária indígena;

1.13.2 assegure o reconhecimento formal das escolas indígenas que ainda não tenham sido reconhecidas;

1.13.2 Crie os subsistemas de educação indígena, nos moldes dos subsistemas de saúde;

1.13.3 Inclua no currículo escolar da sociedade não-índia o estudo da história e cultura dos povos indígenas.

1.14 Imediata suspensão do repasse de recursos federais a municípios que tenham sido criados no interior das Terras Indígenas, após sua regular demarcação.

1.15 Imediato empenho dos recursos do Plano Emergencial Pró-Cinta Larga, bem como a imediata mobilização da Polícia Federal no sentido de impedir a invasão das áreas indígenas Cinta Larga.

1.16 Imediata promulgação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

1.17 Auditoria do Controladoria-Geral da União no sentido de fiscalizar todos os repasses de recursos já efetuados pela Funasa à rede de saúde e às entidades terceirizadas, com o objetivo de atender as populações indígenas.

1.18 Orientação à Polícia Federal no sentido de afirmar sua competência exclusiva nas investigações de crimes relacionados a conflitos em terras indígenas.

1.19 Criação de uma força-tarefa da Polícia Federal e Ibama para investigar o desaparecimento de recursos naturais – especialmente diamantes e madeira – de terras indígenas.


2.À Fundação Nacional do Índio (Funai):

2.1. Urgente demarcação das terras indígenas que ainda restam não demarcadas.

2.2. Imediata reabertura dos trabalhos de identificação das Terra Indígenas Sangradouro e Volta Grande, com designação de proteção federal aos antropólogos responsáveis. Apuração de responsabilidade da Funai local com relação às negociações para não-demarcação das terras.

2.3. Elaboração de um programa de sustentabilidade econômica indígena, com o planejamento de atividades que as comunidades possam realizar sem que coloquem em risco seus costumes e tradições.

2.4. Elaboração de programas permanentes de ações afirmativas para as mulheres indígenas.

2.5. Implementação de um plano de fiscalização e controle permanente de Terras Indígenas que contemple a participação das comunidades envolvidas.

2.6. Intensificação de programas de intercâmbio entre as diversas comunidades indígenas, a fim de que as lideranças possam conhecer as diversas experiências na relação entre índios e não-índios e na criação de programas de desenvolvimento sustentável.

2.7. Imediata criação do Conselho Superior de Política Indigenista, conforme programa de governo do Presidente da República.

2.8. Urgente realização da Conferência Nacional de Política Indigenista, com poderes de influir na elaboração das políticas públicas voltadas para as nações indígenas.

2.9. Que a Funai desautorize expressamente seus funcionários de quaisquer tentativas de negociar a demarcação de terras indígenas a troco de favores e benesses para as lideranças indígenas. Qualquer projeto de “parceria” ou “auxílio” deve estar vinculado à garantia do direito à terra consagrado na Constituição Federal.

2.10. Elaboração de Campanha Nacional de Combate ao Preconceito contra as Comunidades Indígenas.

2.11. Que sejam expressamente desautorizados eventuais planos de assentar a dissidência Xukuru (PE) em áreas que sejam contíguas à atual Terra Indígena Xucuru.


3.Ao Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais:

3.1. Imediato julgamento da ação de nulidade de títulos que envolve as Terras Indígenas Caramuru – Catarina Paraguassu, da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, município de Pau Brasil (BA).

1.Consolidação de jurisprudência no sentido de definir as terras indígenas em demarcação como terras em disputa, o que facilitaria a impetração de medidas liminares e/ou cautelares no sentido de impedir a construção de estradas, criação de municípios, etc.

2.Consolidação de jurisprudência no sentido de afirmar a competência federal em processos que envolvem terras indígenas.

3.Consolidação de jurisprudência no sentido de garantir a assistência antropológica em processos em que índios figuram como réus.

4.Ao Congresso Nacional:

4.1. Imediata aprovação do Estatuto do Índio.

4.2. Aprovação da reforma política.

4.3. Auditoria do Tribunal de Contas da União no sentido de fiscalizar todos os repasses de recursos já efetuados pela Funasa à rede de saúde e às entidades terceirizadas, com o objetivo de atender as populações indígenas.


5. Aos Estados da Federação, em especial aos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Bahia:

5.1. Aprovação de emenda constitucional nos estados no sentido de permitir a compensação financeira a ocupantes de boa-fé de áreas colonizadas ilegalmente pelo Estado, situadas em terras indígenas.

5.2. Auditoria dos respectivos Tribunais de Contas no sentido de fiscalizar o uso das verbas do ICMS-ecológico e congêneres.

5.3. Determinação às Secretarias de Educação para que assegurem o reconhecimento formal das escolas indígenas que ainda não tenham sido reconhecidas.

6.Ao Ministério Público Federal:

1.Que o MPF desautorize expressamente seus procuradores de quaisquer tentativas de negociar a demarcação de terras indígenas a troco de favores e benesses para as lideranças indígenas. Qualquer projeto de “parceria” ou “auxílio” deve estar vinculado à garantia do direito à terra consagrado na Constituição Federal.

2.Lotação de mais procuradores responsáveis pela questão indígena, especialmente nos Estados de Rondônia e Mato Grosso.

ISA, Ana Flávia Rocha, 25/11/2003.

Funai deve lançar campanha de proteção ao Xingu

Funai – O presidente da Funai, Mércio Gomes, ficou preocupando com as informações fornecidos por índios xinguanos, de que o Rio Xingu está “morrendo”. Os índios lhe contaram que, antes, nunca qualquer pessoa conseguira atravessar caminhando de uma margem a outra. Mas agora, em função do assoreamento provocado pelos desmatamento de suas cabeceiras e matas ciliares, por plantadores de soja, isto já está sendo possível – o que é muito preocupante.

Mércio Gomes aproveitou para anunciar que vai lançar uma campanha para salvar o Xingu. O presidente lembrou que os índios têm papel fundamental na preservação da natureza. Com isso, Mércio reforça a sua convicção, de que faz-se necessário demarcar, homologar e proteger as terras indígenas para garantir o futuro do Brasil.

Madeireiros tentam intimidar fiscais

Ibama – A direção do Ibama decidiu adotar na última sexta-feira, dia 21,
medidas judiciais contra lideranças madeireiras que estão impedindo o trabalho
da fiscalização em municípios do Pará desde quarta-feira. Com a ajuda da Polícia
Federal, estão sendo identificados nomes e endereços dos líderes da manifestação
para consolidar uma ação por “crime contra a administração pública ambiental
federal”, informou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel.

Os fiscais estão na região conhecida como Terra do Meio para vistoriar 12
Planos de Manejos Florestal (PMF). Até o momento, três foram vistoriados e estão
em situação irregular. “Devem ser suspensos ou cancelados”, informou Montiel. As
áreas vistoriadas ficam em Porto de Moz e pertencem a Benedito Marques, a
Internacional Madeiras e a Paulo Pombo Tocantins.

Com o objetivo de buscar uma solução para os graves problemas agrários
identificados no Pará, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o governador
do estado, Simão Jatene, decidiram criar um grupo de trabalho para discutir o
problema e propor soluções. Instituições do governo federal, do estado,
municípios e da sociedade farão parte do grupo que vai definir regras para a
exploração florestal sustentável no estado do Pará.

Memória

Mais de mil pessoas, entre proprietários e funcionários de madeireiras de
municípios próximos a Altamira, PR, cercaram na quinta-feira, dia 20, pela manhã
o escritório do Ibama em protesto contra a Operação Sempre Verde, que investiga
a legalidade do corte e do transporte de madeiras. Os madeireiros querem
intimidar os oito fiscais da região para que suspendam a Operação, o que não
acontecerá, segundo Flávio Montiel.

A Operação Sempre Verde, iniciada há 20 dias no Pará, enfrenta problemas
desde o dia 19, quando 300 pessoas cercaram o Hotel Sinuelo, em Medicilândia, a
530 quilômetros de Belém, onde estava hospedada a equipe de fiscalização do
Ibama. A manifestação foi organizada por donos de madeireiras de Medicilândia,
Uruará, Brasil Novo e Altamira, entre eles o próprio prefeito da cidade, Nilson
Samuelson. Os manifestantes bloquearam a frente do hotel com caminhões e
camionetes, impedindo a saída de quatro carros do Ibama. Sete policiais
militares, de Altamira, foram enviados ao local para garantir a segurança do
grupo.

A Operação Sempre Verde investiga a legalidade dos Planos de Manejo Florestal
e das autorizações para corte e transporte de madeira, além dos títulos de
propriedade das terras exploradas comercialmente. Um dos objetivos da Operação é
criar as condições necessárias para a implantação da Reserva Florestal Verde
para Sempre, antiga reivindicação das comunidades tradicionais.

Logo após o encerramento da manifestação em Medicilândia, a equipe do Ibama
viajou de helicóptero para Altamira. A aeronave não conseguiu pousar no local de
costume porque a pista foi interditada por caminhões dos madeireiros. O pouso
foi realizado no pátio do Batalhão da Polícia Militar, que também está dando
segurança para a equipe de fiscais do Ibama.

Energia eólica no Delta do Parnaíba

Ibama – A Gerência Executiva do Ibama no Piauí realizou audiência pública para discutir o licenciamento ambiental da Central Geradora Eólica da Pedra do Sal, que será instalada no interior da Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba, no município de Parnaíba, Piauí.

A reunião foi realizada na Associação Comercial de Parnaíba, sob a coordenação do Gerente Executivo do IBAMA/PI, Romildo Mafra, e contou com a participação de cerca de 230 convidados, entre eles, representantes de entidades ambientais, órgãos públicos, parlamentares, prefeitos, secretários municipais e estaduais e moradores da área de influência direta e indireta do Projeto.

O Gerente Executivo do Ibama informou que o projeto técnico e o relatório ambiental de instalação da usina, apresentado pelo representante da empresa, André Leal, foram amplamente discutidos. “Todas as dúvidas foram esclarecidas e colhidas sugestões para o embasamento do processo de Licenciamento Ambiental. A audiência pública era uma pendência para o licenciamento”, informou Mafra, acrescentando que a usina é uma alternativa de energia de boa qualidade, que proporcionará o crescimento econômico da região, gerando emprego e renda para população.

De acordo com o protejo apresentado ao IBAMA/PI, a usina terá capacidade de 100,30 mega watt, ocupará uma área de 524 hectares e terá 118 turbinas eólicas de 850 KW.

Dizendo "não" à uma nova tecnologia

Agência Brasil – O temor da ciência é antigo e já levou a protestos populares na Europa e no Brasil, inclusive, contra a adoção de vacinas para prevenção de doenças. Leila Macedo Oda, química que se especializou em microbiologia e há mais de 10 anos lida com biossegurança, tem convivido com a precaução da sociedade advinda do medo com a possibilidade de introdução, no país, de uma tecnologia relativamente nova, a transgenia. Leila é favorável à liberação das pesquisas com organismos geneticamente modificados, os OGMs, desde que fez parte da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão colegiado que emite pareceres técnicos sobre transgênicos. Ela primeiro foi a representante do ministério da Saúde e, depois, ocupou até o ano 2000 a presidência da comissão. Leila acredita que a tecnologia assusta porque manipula o que sempre foi considerado a essência da vida, a molécula de DNA, e defende a elaboração de um Código de Ética de Manipulações Genéticas para orientar o trabalho de pesquisadores, dentro de um padrão moral. Afinal, argumenta, o desenvolvimento científico e tecnológico não pode colocar em risco o homem e o meio ambiente. Nesta entrevista, ela enumera outros componentes que têm atrasado a decisão brasileira sobre os transgênicos, como o viés econômico e o político. Funcionária da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desde 1984, Leila Oda pertence hoje ao Núcleo de Biossegurança do instituto de pesquisa do ministério da Saúde e preside a Associação Nacional de Biossegurança (Anbio).

O que você antevê para a biotecnologia diante do novo cenário regulatório que o governo propôs ao Congresso Nacional?

Se o Projeto de Lei de Biossegurança for votado da forma como está, temo pela radicalização da situação. Ou seja, pela inviabilização das pesquisas no Brasil. Está em vigor, há oito anos, uma lei de biossegurança que pode até não ser a ideal, mas, analiticamente, é considerada uma das melhores do mundo. Isso já foi dito por países da América Latina que se espelharam na nossa legislação para editar suas leis, tais como Cuba, Colômbia, Uruguai, Venezuela. Nós utilizamos o modelo europeu quando elaboramos a nossa. Por isso, temos na lei condutas muito parecidas com a da legislação européia, como a avaliação de risco caso a caso, a classificação dos riscos. Era o que existia de melhor na época, quando a lei foi editada no Brasil.

A lei atendia à realidade brasileira já na época da edição?

O grande problema dessa lei, quando foi editada, foram os vetos do Executivo. Porque a lógica era ter uma estrutura multidisciplinar, onde tivesse assento o Poder Executivo, com seus diversos ministérios que tinham intervenção sobre a questão, mas majoritariamente composta de cientistas. E não era à toa que na proposta de lei original, conforme foi aprovada por maioria absoluta no Congresso Nacional, a comissão técnica era vinculada à presidência da República. E por que isso? Exatamente para evitar ingerências, injunções dos diferentes ministérios e a medição de poder que acabamos constatando até hoje. A comissão teria papel deliberativo final. Infelizmente, com os vetos do presidente na época, a comissão, como todos sabem, passou a ser vinculada ao ministério da Ciência e Tecnologia, já por meio de um decreto. As competências previstas antes na lei foram parar no decreto e resgatadas na Medida Provisória de 2000.

A corrente contrária à liberação de transgênicos argumenta que a lei de biossegurança desrespeita a legislação ambiental ao não exigir EIA/Rima.

Ao contrário. Tanto a lei tem um caráter ambiental que, em seu caput, está dito que regulamenta o artigo 225 da Constituição. Esse artigo trata das questões ambientais. Então, a lei é sim ambiental. A lógica foi essa, ter uma lei ambiental específica para essa tecnologia, mas reconhecendo a importância da multidisciplinariedade. Por isso, participaria das decisões um colegiado formado por gente dos ministérios envolvidos com a questão e os cientistas. Mas os vetos geraram conflito entre a legislação ambiental e a legislação de biossegurança que, ao ir para o decreto regulamentador, perdeu a força de lei. Foi pelo decreto que ficou estabelecida a competência da CTNBio de dizer, julgar se a atividade era causadora de dano para o meio ambiente. Esta é a qualificação para que haja estudo de impacto ambiental, mas essa competência ficou enfraquecida ao ir para o decreto.

Então, talvez, não fosse mesmo o caso de editar outra lei, diante desses problemas que surgiram?

Nossa lei está defasada com relação a algumas questões científicas, como a terapia com células-tronco embrionárias, já que estipula proibição para o armazenamento de embriões. Há ainda outras questões que poderíamos estar aprimorando na nova lei, porque, afinal, são oito anos com o texto atual. Caberia então fazer uma atualização científica com o novo texto e também aproveitar para compatibilizar os pontos de conflito entre a legislação ambiental, a legislação de biossegurança e a legislação de agrotóxicos.

Por que a lei de agrotóxicos entra no rol do marco regulatório quando se analisa transgênicos?

A lei de agrotóxicos acaba sendo usada nos casos de transgênicos com atividade biocida, como é o caso do mamão resistente ao vírus, da Embrapa. São esses conflitos que inviabilizam a pesquisa e, acredito, acabar com isso foi o que o governo se propôs a fazer. O que acho válido no PL foi a proposta de criação do Conselho de Ministros, desse colegiado, para decidir sobre outras questões, que não só científicas.

Mas houve críticas por parte da comunidade científica em relação ao conselho de ministros proposto na nova lei como órgão máximo de assessoramento do governo nas questões de biossegurança?

É verdade, mas entendo da seguinte forma. Uma coisa é uma análise científica, de biossegurança, que poderia estar sendo revista, claro. Outra é ter uma instância colegiada para decidir sobre questões sócio-econômicas, para definir o interesse político para introdução de determinada tecnologia no país, ou seja, uma decisão de caráter estratégico. Assim é que o texto deveria dispor. Porque do que discordo em toda essa história da polêmica sobre a tecnologia dos transgênicos é o descredenciamento dos cientistas.

A seu ver, a nova lei está no mesmo caminho?

O objetivo, na verdade, com a nova legislação que se propõe, é dizer não a uma tecnologia. O problema é que estão usando o caminho errado para dizer não, para isso estão descredenciando os cientistas. Se querem dizer não, por uma razão econômica, ou porque não é de interesse estratégico para o país, que digam e que digam o porquê estão dizendo não, e não usando um subterfúgio que desqualifica e, inclusive, coloca em risco a ciência do país. E, hoje, é isso que estamos vivendo. Repito, vejo o Conselho de Ministros como algo bom do PL. Por outro lado, acho que se expandiu demais sua atuação. O novo órgão colegiado não julgará só a pertinência sócio-econômica. Está claramente dito no texto que a CTNBio só terá competência para dizer não. Eu quero saber que cientista vai se propor a passar por esse papel de só ser reconhecido quando ele disser não. Quando ele disser sim, significa que não tem valor? Isso é ilógico e eu considero até anti-ético, colocar outras instâncias para reavaliar a decisão científica.

Você acredita então que o texto original, proposto pelo governo, poderia entrar em revisão no que se refere às competências dos dois órgãos colegiados, quando o projeto for analisado na Câmara?

É a oportunidade que vejo. Em primeiro lugar, acho que teria que se rever o papel da comissão científica. Segundo, o comitê de ministros tem que ter caráter político e acho que a representação da sociedade tem papel importante nesse comitê político e não na comissão técnica. Se não, vai ficar uma conversa entre o mecânico falando dos detalhes dos problemas técnicos do motor, com o médico que não entende nada daquilo, falando sobre os detalhes médicos de um procedimento. É algo que não faz sentido.

O que se aproveitaria do projeto?

Nós (da Anbio) encaminhamos 57 emendas ao projeto de lei, para vários parlamentares, argumentando com essa lógica. Achamos importante ter um conselho político para bater o martelo na questão da comercialização e não para analisar a pesquisa. Queremos que o texto traga com mais clareza a questão da análise de OGMs e derivados. Da forma como está, o texto cita OGMs e derivados, estipulando que a manipulação e o transporte passem por análises da CTNBio. Mas o que é a manipulação de um derivado, o que é um derivado de OGM? Sem definir isso, mostra até que não houve conhecimento de causa de quem elaborou esse texto. Um derivado pode ser uma insulina, ou uma enzima, ou um óleo, um farelo. Assim, qualquer um que for usar uma insulina, que for diabético, terá que pedir a um conselho de ministros? A coisa está meio perdida.

O texto tem mais contornos políticos que técnicos na sua visão, seria isso?

O projeto como está é um projeto de moratória. E das duas uma: ou o Brasil será o país da moratória ou da ilegalidade. Vão pesquisar na calada da noite, como alguns pesquisadores já estão fazendo. Quando publicam, não citam que é geneticamente modificado, mas que têm um DNA que confere uma característica diferente, enfim, descrevem o projeto numa linguagem codificada. Não está dito que é transgênico e o cientista faz de conta que obteve a tal característica, por exemplo, por radiação.

Isso não acabará desviando cientistas do país?

Já está desviando, em termos quantitativos e qualitativos de produção científica. A tese de doutorado do meu filho, por exemplo, foi abandonada devido aos imbróglios jurídicos. O doutorado dele era em ecologia de insetos. Seria uma pesquisa inédita utilizando a tecnologia de marcadores, para estudo de população de insetos, com plantios transgênicos e não-transgênicos. Isso foi há três anos. O projeto estava pronto para apreciação e ele titubeou porque percebeu que a situação ficaria difícil devido às complicações jurídicas. Ele mudou o ramo de tese e, hoje, já terminando o doutorado, me agradece por tê-lo aconselhado a tomar essa decisão. Esse é um exemplo localizado, só dele e de outros três colegas envolvidos no estudo, na UFRJ, e de estudantes de ecologia. Imagine no resto do país. Se for feito um levantamento de quantas pesquisas envolvendo transgênicos têm em curso hoje, não precisa usar as mãos.

As empresas também abandonaram essa linha?

Várias multinacionais já desativaram suas linhas de pesquisa nessa área e levaram para outros países. O setor público, no entanto, não tem dinheiro e não tem tempo para usar de um artifício deste. A conclusão é triste. Nós já estamos com um prejuízo muito grande em termos de pesquisa, de dados científicos. Hoje, por exemplo, se as pesquisas estivessem em curso, teríamos cinco anos de estudos comparativos da soja, estaríamos com a macrobiota do solo totalmente mapeada e, constatando um melhoramento na performance, poderíamos decidir com mais segurança se vamos continuar investindo nessa linha, ou se não. E isso com controle porque, afinal, quem quisesse plantar ia estar sendo monitorado. Agora, diante disso, faz sentido falar em estudo de impacto ambiental da soja depois da sexta, sétima safra?

Por que a polêmica com os transgênicos atingiu proporções tão grandes quando sabe-se que a universidade tem estudos também controversos, como energia nuclear, mas que não têm tanta repercussão?

Tenho algumas análises sobre essa questão. Acho que tem até contornos religiosos. Claro, primeiro entrou o contorno político. No início, tudo o que o governo aprovava, quem era da oposição se dizia contra. Depois veio a questão do freio que algumas empresas querem ver imposto sobre outras que já estão com seu paradigma tecnológico resolvido. Isso inclusive daria tempo para essas empresas lançarem seu produto quando a questão legal estivesse resolvida e, assim, poder competir com o produto anteriormente lançado. E, claro, há interesses comerciais de blocos. Há o bloco europeu, o americano, e o Brasil está bem no meio dessa disputa, dessa briga de poder entre os dois. A Europa investiu muito nessa tecnologia na área farmacêutica, tanto que a grande parte dos avanços obtidos com transgenia, nessa área, são europeus. Já os Estados Unidos investiram pesado na área agrícola, tanto que a maioria das patentes de transgênicos da área agrícola é norte-americana. O Brasil se viu no meio dessa disputa, de dois blocos, onde a agricultura é tremendamente subsidiada. E o agricultor brasileiro não tem competitividade diante dos produtores desses blocos. Então, esse caldo de fermentação, digamos assim, envolve tudo isso, a questão política, tecnológica e, sobretudo, a briga mercadológica.

Você acha que isso pode durar muito tempo?

Não vai durar muito tempo porque as empresas européias, de origem farmacêutica, que se fundiram com empresas agrícolas, já estão começando a aparecer com seu produto no mercado e já se preocupam com a situação de indefinição do Brasil. Então, o imbróglio jurídico acabará se resolvendo. O problema é que vai se resolver deixando o país em frangalhos.

Pode dar um exemplo?

Veja o caso do mamão transgênico da Embrapa, que há três anos espera autorização para pesquisa e agora outro centro vai lançar. O feijão, que o próprio Francisco Aragão, da Embrapa, quando esteve na China, produziu, agora será lançado naquele país e aqui ele não conseguiu avançar nas suas pesquisas. É um contraditório onde só temos a perder. Primeiro, tem que separar o joio do trigo. Comercialização é uma coisa, pesquisa é outra. Não vamos burocratizar a pesquisa. Mesmo porque é algo que passa por análises. Se for pesquisa com seres humanos, por exemplo, passa pela análise do Conselho de Ética em Pesquisa, Conep. O pesquisador tem que buscar por financiamento e as instâncias de fomento não são loucas de dar apoio para uma pesquisa maluca, absurda. Por isso não vejo razão para, depois da análise científica, vir órgãos do governo, como Ibama e outros, burocratizar a pesquisa. Agora, com a comercialização, a questão é outra.

Esse impasse jurídico com relação à biossegurança não estaria criando um efeito em cadeia para outras áreas que não só os transgênicos, confundindo a população inclusive?

Sem dúvida, e o que é mais grave é o descredenciamento da ciência nacional. Como houve essa polarização, de alguém que é contra e outro a favor, redundou até em agressões. O próprio Eloi Garcia (ex-presidente da Fiocruz) contou que depois que publicou um artigo na Folha de São Paulo recebeu várias mensagens agressivas pelo correio eletrônico defendendo a biotecnologia, embora não tivesse se posicionado a respeito de transgênicos. Houve quem escrevesse até palavrões e o questionasse “como, você, o Eloi, pesquisador, ser a favor de transgênicos?”. E ele não havia mostrado posição nenhuma. Então, o que vejo depois desse movimento é uma retração por parte do cientista que não quer mais se expor e fica na defensiva.

Ou seja, é preciso que haja um plano de comunicação das empresas e instituições de pesquisa envolvidas para esclarecer a população, que certamente está perdida no meio desse “tiroteio”?

É preciso sim, porque a população não sabe mais que conclusão tomar, na medida em que ouve, certa hora, que tal produto dá câncer ou acaba com a diversidade do planeta e, em seguida, vem outro e diz que não é nada disso. O que se vê é a cultura do terror, do medo e, nesse jogo, quem sai lesada é a sociedade que não sabe mais em quem confia. E o pior é que há poucas instituições em quem o povo confia. Mas aquelas em quem ainda depositam a confiança, como a Fiocruz, têm esse papel. Nós mesmos da Anbio, ao realizar seminário para jornalistas recentemente, sobre biotecnologia, convidamos um representante da entidade, que é a primeira credenciada em quem pensamos quando o assunto é saúde. Mas, veja o alcance dessa problemática que vivemos em relação à biossegurança, o dirigente não quis se expor, então tivemos que trazer um ex-dirigente, que é da Academia Brasileira de Ciências, o Eloi Garcia. Na área da agricultura, só podíamos ter chamado alguém da Embrapa e foi o que fizemos.

Não seria interessante copiar o modelo dos parlamentares que se unem, independente de cor partidária, quando há um assunto a defender em conjunto, e juntar os cientistas na defesa da ciência diante desse quadro?

É justamente isso que estamos tentando fazer. Estamos propondo à Câmara, por exemplo, fazer um evento com cientistas de ponta, de todas as áreas da biotecnologia, os que trabalham com clonagem, células-tronco, transgênicos, enfim, tudo. Nesse evento, debateríamos o destino da ciência nessa área, faríamos um diagnóstico do que se faz hoje no Brasil e no mundo. Acredito que servirá de subsídio inclusive para os parlamentares que analisarão o PL.

Dá para fazer a conta, em anos, do que a ciência perdeu no período da moratória judicial aos transgênicos (que ainda vale)?

Se a gente pudesse retomar as pesquisas hoje, amanhã, no máximo, já teríamos perdido uns 10 anos.

Ainda que a proibição jurídica esteja completando cinco anos?

Explico o porquê. É um processo cumulativo. Os pesquisadores quando decidem por uma linha de pesquisa, eles buscam embasamento na literatura e na sua experiência para elaborar um projeto, depois buscam por financiamento e apoio. Ou seja, até iniciar a pesquisa em si, leva um certo tempo. Assim, veja que haverá casos, como o do meu filho, que mencionei, de pesquisadores que não querem mais seguir essa linha, porque estão tocando outra linha. Há todo um processo a ser retomado. Há também a questão de assuntos que mereciam estudos antes e hoje não mais porque estão ultrapassados. Em nível mundial, os dados estão atrasados.

Há risco de fuga de cérebros, com empresas inclusive vindo resgatar nossos pesquisadores para conduzir seus estudos lá fora, e com isso levando a patente para outro país também?

Há pesquisadores que dizem por aí que acabarão produzindo seu organismo geneticamente modificado lá fora e se isso acontecer a patente será estrangeira, certamente. E sabemos também de pesquisadores que já saíram, porque aqui estavam desestimulados, tinham investido anos de pesquisa nessa área e não queriam jogar isso fora.

Como fica a biotecnologia no país, com as discussões que virão em torno do PL no Congresso?

Sou otimista, acredito que ainda há chance de melhorar o texto que está lá e que o governo se sensibilize com isso. Aliás, o governo já mostrou consciência da importância do assunto ao logo nomear um grupo de trabalho, multidisciplinar, para elaborar nova proposta de lei. Só que não conseguiu lidar com a divergência política e acabou deixando a decisão, a definição para o legislativo. Mas mostrou-se preocupação com o assunto, inclusive do ponto de vista social com a edição das MPs, que permitiram a última e a próxima safra de soja no Rio Grande do Sul. Afinal, o presidente tinha só duas opções no caso gaúcho, ou queimava toda a safra, o que seria uma irresponsabilidade social, ou tomava a atitude que tomou. Se os produtores gaúchos agiram certo ou não, plantando a semente contrabandeada, isso é outra questão.

O PL pode avançar então, tirando a pecha de caduquice da lei em vigor?

Certamente que pode, inclusive dentro dessa lógica de ter um conselho colegiado para questões sócio-econômicas e políticas e a comissão para questões técnicas. Acho que agora é uma questão de aparar arestas.

Lana Cristina e Ubirajara Jr