Governos querem estimular agricultura para enfrentar desnutrição entre guarani-kaiowá

Órgãos públicos federais, estaduais e municipais estão articulando ações conjuntas para enfrentar os problemas de desnutrição na área indígena guarani-kaiowá de Dourados (220 km a sudoeste de Campo Grande) com o estímulo a projetos de agricultura. "Temos R$ 3 milhões este ano para apoiar projetos de produção, beneficiamento e comercialização, mas precisamos de ajuda dos órgãos que têm trabalho lá dentro das áreas para que os projetos cheguem até nós", diz Rui Barbosa. Ele é o assessor técnico do Ministério do Meio Ambiente responsável pelo programa chamado Carteira Indígena – que concede créditos de até R$ 50 mil reais para cada projeto.

Além do MMA, estão envolvidos na formação de uma "rede de apoio" a essas iniciativas representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A Prefeitura de Dourados, o governo de Mato Grosso do Sul e organizações não-governamentais também devem auxiliar. "Estamos diante de uma situação social e histórica que nos deixa totalmente amarrados se não atuamos de forma multidisciplinar e interinstitucional para apoiar um sistema de produção alternativo", afirma Vito Comar, do Instituto de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Imad).

Apesar de considerar que o empenho nesse apoio aos projetos de agricultura é fundamental para melhorar a qualidade de vida dos índios, a Funai acredita que a solução definitiva depende da demarcação e homologação de novas terras indígenas para os guarani-kaiowá. "Já ficou evidente para a sociedade brasileira que esse problema da desnutrição está intimamente relacionado à falta de terras para os guarani", afirma Odenir Oliveira, coordenador regional da Funai em Mato Grosso do Sul. Em Dourados, a reserva mais populosa da região, cerca de 11 mil índios vivem em 3500 hectares.

Segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), foram examinadas no período 2131 crianças nas aldeias do sul do MS, onde vivem cerca de 37 mil guaranis kaiowás. Foram encontrados 21 casos de desnutrição grave, 106 casos de desnutrição moderada, 328 casos de crianças em situação de risco nutricional e 38 casos de sobrepeso. As 1638 crianças restantes estão em situação considerada adequada. Essa, entretanto, é apenas a avaliação preliminar, feita a partir do resultado da relação entre os índices de peso e altura.

Hospital que vai atender crianças guarani quer dar tratamento humanizado aos pacientes e familiares

A criança está doente e é internada, mas, no município onde mora, não há tratamento adequado. Os pais, assustados com a situação, acompanham-na, mas não têm dinheiro para comer nos restaurantes próximos do hospital e nem têm onde dormir, porque estão longe de casa. Para complicar, não falam direito o idioma dos médicos e enfermeiros que estão tratando seu filho, nem se vestem ou se comportam como eles – por isso, sentem que são tratados com desdém e preconceito.

Essa era a situação enfrentada até agora por pais de crianças guarani-kaiowá que são trazidas dos mais de 30 municípios de toda a região sul do Mato Grosso do Sul para tratamento médico em Dourados. A cidade, com cerca de 150 mil habitantes, é a segunda maior do estado, e um pólo regional reconhecido pelo Sistema Único de Saúde. A situação de emergência criada pelas recentes mortes de crianças indígenas internadas por problemas relacionados à desnutrição na cidade acelerou várias medidas destinadas a mudar esse quadro.

Desde 2003, vem sendo implantado o primeiro hospital totalmente público de Dourados, destinado a atender apenas pacientes do SUS, o Hospital Universitário de Dourados. Nesta segunda-feira, a Fundação Nacional de Saúde e a Prefeitura Municipal inauguraram a ala pediátrica da unidade, que inclui seis leitos de uma Unidade de Tratamento Intensivo para crianças – única em toda a região.

Segundo a diretora superintendente do hospital, Diraci Marques Ranzi, a obra custou R$ 26 milhões e receberá repasses mensais da prefeitura, estado e União no valor de R$ 1,2 milhão. Até abril, serão 104 leitos no HU, que, como conta Diraci, já está sendo implantado, desde o início, nos moldes da nova Política de Humanização do SUS, elaborada no Ministério da Saúde. "Estamos enfrentando as resistências da iniciativa privada na região, além dos profissionais que não acreditam nas inovações, mas os desafios são estimulantes", conta Diraci, que, antes de trabalhar no HU, era administradora de hospitais privados na região. "Nada mais justo que este hospital seja público e não repassado a uma entidade filantrópica, como queriam alguns. Afinal, os recursos para construí-lo foram todos público."

Entre as novidades que pretendem beneficiar não só os indígenas, mas toda a população da região, ela conta que haverá acomodações e refeições para os acompanhantes das crianças internadas. Além disso, a Funasa vai fornecer treinamento específico para os funcionários atenderem a população indígena, e um agente comunitário de saúde ficará permanentemente ali para atuar como intérprete – é comum, principalmente nas aldeias mais remotas, que as pessoas em geral, e principalmente as crianças, só falem o guarani.