ISA – A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a pavimentação do trecho paraense da BR-163 e o Poliduto Urucu-Porto Velho, alguns dos empreendimentos que poderão integrar o próximo Plano Plurianual (PPA 2004-2007) do governo, foram foco do relatório produzido pelo Grupo de Assessoria Internacional (IAG) do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), divulgado na última sexta-feira (1/8).
O PPA 2004-2007 na Amazônia: Novas Tendências de Investimentos em Infra-Estrutura. Este é o título do documento divulgado na sexta-feira (1/8) à tarde, em Brasília, e entregue à secretária de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Mary Allegretti, que deverá repassá-lo à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O Plano Plurianual (PPA) é o instrumento de planejamento que define os gastos orçamentários do Governo Federal. Neste momento, o governo Lula está finalizando a elaboração do PPA 2004-2007, que deverá ser enviado para ser avaliado pelo Congresso Nacional até o dia 31 de agosto.
O IAG é um grupo independente que tem como finalidade monitorar e orientar os governos doadores, o Banco Mundial, a União Européia e o governo brasileiro na elaboração e execução do PPG-7. Presidido atualmente por Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra-Amazônia Brasil, é formado por 10 integrantes, entre os quais, Bertha Becker, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Manfred Niekisch, professor da Universidade Livre de Berlim.
O relatório foi resultado do 19ºencontro do grupo, realizado entre 21/7 e 1/8. Os integrantes se dividiram em viagens de campo nos locais onde estão previstas a construção das grandes obras de infra-estrutura e entrevistas com representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério de Minas e Energia, do Ministério do Planejamento, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Ministério Público Federal, da Eletronorte, da Petrobras, da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), de prefeituras, da sociedade civil, entre outros.
Para o IAG, a construção das grandes obras de infra-estrutura na Amazônia, entre elas a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, devem ser reavaliadas, sendo considerado para isso a viabilidade econômica e a internalização dos custos socioambientais desses empreendimentos.
Roberto Smeraldi, presidente do grupo, afirmou que a mera expectativa da construção de determinada obra é suficiente para a abertura de novas fronteiras na região, trazendo degradação ambiental e crise social. “A presença e atuação do Estado nas regiões objeto das frentes, cujo elemento comum é a ocupação da terra e grilagem, é irrisória. Tal fenômeno de ocupação desordenada gera também imenso desmatamento, que parece destinado a aumentar ao longo dos próximos anos, agravando as tendências já registradas em 2002 e atingindo novas regiões, como o Sul do Amazonas”, aponta o relatório.
O documento destaca ainda a regularização fundiária e o ordenamento territorial como pré-condições obrigatórias para a realização de qualquer obra de infra-estrutura, itens descritos em outra parte do relatório como o “desafio maior” do governo. “A questão da grilagem na Amazônia merece um destaque de grande tarefa nacional e precisa de ação coordenada de diversos órgãos do governo”, ressalva o material.
Essas considerações reforçam a preocupação dos ambientalistas em relação à lacuna que representa a exclusão da criação de uma zona especial de gestão territorial da BR-163 da lista de instrumentos previstos para a elaboração do plano para a redução do desmatamento da Amazônia, a ser apresentado por um GT interministerial até 20 de agosto, segundo informou a secretária de Coordenação da Amazônia no evento.
“Em todas as suas visitas, o IAG registrou a gravidade da situação fundiária e a expansão da grilagem, antecipando a realização de infra-estrutura”, descreve o documento. Neste sentido, a implementação do Cadastro Nacional de Imóveis (CNIR) é colocado como uma das principais recomendações para reverter o atual quadro.
Outras sugestões relacionadas à questão fundiária incluem: a regularização na Transamazônica e na BR-163, sem que isso implique na expulsão de pequenos proprietários; o estabelecimento de um marco zero para a regularização, a partir do qual esclarecer e garantir que novas posses não serão regularizadas; e a preservação dos direitos das populações tradicionais, sem sancionar situações decorrentes de violência e usurpação.
O grupo aponta ainda que a exploração florestal predatória e a agropecuária tem sido o uso mais típico da terra nas proximidades das rodovias, hidrelétricas e hidrovias, utilizando como exemplo o grande interesse pela produção intensiva de grãos, principalmente soja, ao longo da BR-163, em uma área antropizada de aproximadamente 50 mil hectares em Santarém e Belterra, adjacente à Floresta Nacional do Tapajós (PA). Diante da fragilidade da agricultura familiar na região, o relatório questiona quais serão os principais beneficiários deste novo processo produtivo.
“Os produtores familiares, por serem pioneiros, deveriam ser os principais beneficiários do processo de desenvolvimento dessas regiões de fronteira, mas na realidade tendem a ser os mais sacrificados, o que pode ser claramente verificado no município de Itaituba, que vem sendo influenciado diretamente pela perspectiva do asfaltamento da Cuiabá-Santarém, pela construção de um porto em Miritituba (PA) pelo Grupo Maggi e pelo terminal em Santarém (PA).”
A soja, aliás, é a protagonista da construção da hidrovia para viabilizar a navegação do Rio Madeira e sua conexão com os Rios Beni e Guaporé. O projeto tem como objetivo principal escoar a produção do grão da região do Guaporé e do extremo oeste do Mato Grosso, prevista para atingir o patamar de 25 milhões de toneladas/ano, o que representa uma área de expansão de 80 mil km2 de agricultura mecanizada.
De acordo com o documento, essa expansão só pode acontecer por meio do desmatamento ilegal ou da expulsão de agricultores familiares e populações tradicionais. O relatório observa que, de acordo com o Zoneamento Econômico-Ecológico de Rondônia, a maioria desta região deveria ser destinada ao extrativismo vegetal, ao manejo florestal e à criação de Unidades de Conservação (UCs).
O IAG coloca ainda que o avanço deste modelo agropecuário não é compatível com as diretrizes do novo PPA e com os cinco eixos do Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia – gestão ambiental e ordenamento territorial (1); produção sustentável com tecnologia (2); inclusão social e cidadania (3); infra-estrutura para o desenvolvimento (4) e um novo padrão de financiamento (5), que deverá ser incluído no PPA 2004-2007.
A proposta do Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia, apelidado de PAS, foi lançada pelo presidente Lula em Rio Branco no início de maio. Para formatá-lo, os governos estaduais da região e integrantes de diferentes ministérios se debruçaram na elaboração de propostas, que, neste momento, estão sendo analisadas por uma comissão interministerial, coordenada pelo Ministério da Integração. Se não houver atraso no cronograma previsto pelo governo, deverá ser lançado no dia 9/8.
Em relação ao eixo de gestão ambiental e ordenamento territorial do PAS, além da questão fundiária, o relatório cita a ausência dos órgãos de meio ambiente na região; sobre a produção sustentável com tecnologia, comenta a fragilidade da base tecnológica dos sistemas produtivos, principalmente da agricultura familiar, assim como a ausência da pequisa e assistência técnica; no que diz respeito à inclusão social, destaca a falta de acesso a saúde e educação por parte da população local.
Para o novo padrão de financiamento, o IAG sugere a criação de um “pedágio amazônico” como compensação à região e a seus habitantes pelos impactos de obras e investimentos que beneficiam atores externos, destacando experiência realizada no Alaska desde o fim dos anos 60 para compensar os impactos socioambientais do avanço da fronteira petrolífera na região.
Apesar de o PPA 2004-2007 ter de ser encaminhado ao Congresso Nacional até o fim deste mês, Mary Allegretti, secretária de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente (MMA), acredita que ainda há tempo para o relatório influenciar as posições governamentais. “O quadro realmente é crítico, mas nós, do Ministério do Meio Ambiente, temos plena consciência disso e estamos sendo repetidas vezes convocados para expressar nossa opinião no âmbito do governo. O relatório do IAG é muito importante, porque eles são um grupo independente, de alta capacidade técnica, o que faz com que a opinião do MMA possa ser reforçada no seu diálogo com o governo. Um trabalho como esse ratifica a necessidade de atenção e cuidado com as obras de infra-estrutura na Amazônia”, afirmou no encerramento do evento.
Acesse o Relatório da XIX Reunião do Grupo de Assessoria Internacional (IAG)- O PPA 2004-2007 na Amazônia: Novas Tendências e Investimentos em Infra-Estrutura.
Cristiane Fontes