Cynthia Garda
Jornal do Brasil – Dentro do Brasil vivem povos que compartilham índices de saúde assustadores até para os baixos padrões nacionais. Apenas no ano passado, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) registrou 88 mil casos de infecções intestinais e 87 mil de parasitoses entre os 374 mil índios brasileiros. A taxa de mortalidade infantil das três mil aldeias do país é de 56 óbitos a cada mil nascimentos, enquanto a média brasileira é de 29 por mil. A incidência de malária é 10 vezes maior que a taxa nacional. A de tuberculose, cinco.
Os números provam que os chamados povos originais não desfrutam de direitos sociais na mesma medida que o resto da população.
A garantia aos índios de gozar dos direitos humanos fundamentais da mesma maneira que o resto dos brasileiros foi proclamada pelo Senado Federal em junho passado, com a aprovação da Convenção 169 da Conferência Internacional do Trabalho (OIT). O documento, que tramitou nove anos na casa, vai para a Câmara dos Deputados. Ali, o Estatuto dos Povos Indígenas aguarda o voto dos deputados há 12 anos.
A inércia legislativa é emblemática. “Grande parte das comunidades ainda sofre da absoluta ausência do estado”, diz a procuradora da República Déborah Duprat, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, que trata das questões indígenas. “E há situações-limite, onde o processo de genocídio está em curso”.
No centro do desafio está a autosustentação desses povos, de alimentação baseada em extrativismo e caça. “Com a degradação ambiental, precisamos de outras alternativas que possam beneficiar nossas comunidades”, diz Pedro Pareci, da etnia que reúne 1.800 pessoas no Mato Grosso e quer uma audiência com o ministro da Saúde para discutir as políticas para a área.
Entre as principais dificuldades, apontadas pela própria Funasa, estão a rotatividade de profissionais, que nem sempre se adaptam às condições de trabalho. “Os médicos deveriam passar cinco dias nas aldeias, mas só trabalham dois”, diz Géssio de Melo, 40 anos, líder da etnia pataxó-hã-hã-hãe. “Dizem que o ministério está passando muito dinheiro, mas na Bahia a situação é terrível”.
Em 2001, a verba da Funasa para saúde indígena foi de R$ 202 milhões. Um salto substancial dos R$ 21 milhões disponíveis em 1998 e dos recursos escassos que a Fundação Nacional do Índio (Funai) dispunha quando era sua a responsabilidade pela saúde do índio. Mas insuficiente.
Para o coordenador da área de saúde indígena da Funasa, Ubiratan Moreira, esses povos não conseguem exercer a mesma pressão sobre a agenda pública que os doentes da Aids ou os que sofrem de insuficiência renal crônica, por exemplo. “A ignorância dos brasileiros sobre os índios, de certa forma, permitiu que chegássemos ao final da década com essas estatísticas”, diz Ubiratan. “A própria sociedade local nem sabe que tem índios em seu estado”.
As 291 etnias brasileiras, que falam 180 idiomas diferentes, estão em todos os estados do país, exceto Piauí e Rio Grande do Norte. Entre 2000 e 2001, os índices de malária e tuberculose diminuíram 50% e 12%, respectivamente. A taxa de mortalidade infantil caiu de 74/mil para 56/mil.
A qualidade das estatísticas é questionada, mas elas indicam uma melhora rápida no quadro. Compreensível, segundo Ubiratan, quando a maior causa de mortes entre crianças são diarréias e infecções respiratórias, combatíveis com a mais básica das assistências de saúde. “Isso mostra a omissão que havia antes”, diz Paulo Daniel Moraes, coordenador médico do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Com R$ 7 milhões obtido em convênio com a Funasa – 85% da verba do órgão vai para ongs -, o CIR tem 80 profissionais e 400 agentes de saúde. Atuando há 12 anos entre índios, o médico critica a debilidade da fiscalização sobre os convênios, com denúncias de desvios por parte de prefeituras e ongs, e o despreparo cultural dos profissionais, que desrespeitam a medicina tradicional e costumes desses povos.