Américo Vespúcio, navegante do São Francisco

Américo Vespúcio, um dos primeiros europeus a visitar a costa brasileira ainda em 1501, foi quem batizou um dos rios mais belos que encontrou em suas viagens, o São Francisco. Além disso, o navegador empresta seu nome ao continente que ajudou a mapear.

Amerigo Vespucci, como na grafia original, herdou o nome de seu avô quando nasceu, no ano de 1454. Ele era o terceiro filho de Natasagio Vespúcio, membro de uma tradicional família de ricos mercadores, ligados aos poderosos Médici e moradores da vizinhança de “Todos Los Santos”, na cidade de Florença.

Ainda jovem, mudou-se para Pisa onde iniciou sua educação formal sob os cuidados de seu tio, Giorgio Antonio Vespúcio. Nesta época, graças à boa influência do tio, Américo aprofundou seus estudos em geografia, astronomia, cosmografia e conviveu ao lado de algumas das mentes mais brilhantes de seu tempo, como Marcilio Ficino, Pulci, Poliziano, Botticeli.

Anos mais tarde, Américo começa a trabalhar para a família Médici. Em pouco tempo, torna-se amigo de seu chefe, Lorenzo di Pier Francesco de Médici que lhe envia para Sevilha, Espanha, no ano de 1491 com a missão de explorar novas oportunidades de negócios na cidade. Lá estabelecendo-se, começou a trabalhar sob a chefia de Gianotto Berardi equipando navios para longas viagens. Em 1497, após a morte de Berardi, Vespúcio assumiu o comando da empresa e embarcou em sua primeira viagem às Índias.

A expedição, comandada pelos espanhóis Díaz de Solís e Yañez Pinzón, chegou ao Golfo do México e subiu um pouco do litoral que hoje é a Flórida e outras regiões dos Estados Unidos. Em sua segunda missão, ocorrida entre 1499 e 1500, ele atingiu pela primeira vez a costa da América do Sul.

Com informações colhidas nestas viagens, o navegador florentino começou a elaborar seus primeiros mapas da região. Acreditava, porém, estar conhecendo o extremo leste da Ásia. Em 1501, Vespúcio navega sob a bandeira de Portugal, financiado pelo comerciante Fernão de Noronha, para mapear o litoral das terras portuguesas de acordo com o tratado de Tordesilhas, assinado sete anos antes.

Partindo de Lisboa em maio do mesmo ano, o florentino demorou 64 dias para atravessar o Atlântico e chegar ao sul do novo mundo. Mapeando o litoral, ele descobriu o Cabo de Santo Agostinho, além dos Rios São Miguel e São Gerônimo. Em 4 de outubro, Américo Vespúcio enxerga um rio que desemboca no mar e o batiza em homenagem ao santo do dia: São Francisco. Na época, o navegador ficou maravilhado com a beleza natural da região, mas não poderia imaginar que o recém batizado Rio São Francisco seria parte fundamental da construção de uma futura nação, correndo por mais de 2.700km terra adentro.

Foi nesta viagem, também, que Américo levantou os primeiros dados que o auxiliaram na formulação da tese de haver chegado a um novo continente. As cartas que o florentino escrevia para seus amigos mais próximos haviam se popularizado em sua terra natal. Seus relatos e teorias influenciaram o início da colonização e os alteraram os estudos de cartografia.

Em 1507, o cartógrafo alemão Martin Waldseemuller produz uma carta geográfica em que aparece pela primeira vez um novo continente, batizado como América. O mapa tornou-se popular nas universidades de toda a Europa e imortalizou a obra de Américo Vespúcio.

Um ano depois, o navegador florentino naturaliza-se espanhol e é nomeado piloto-mor da Espanha, onde passa a viver. Aos 58 anos de idade, sofrendo por causa de malária contraída em suas viagens, Américo Vespúcio morre em Sevilha.

Sexta-feira, 01/06/2001

Deixamos Canarana-MT na manha de quarta-feira, por volta das 9h30. Um pouco antes, durante o café-da-manhã, havíamos tomado a decisão de seguir direto para Brasília. Pernoitar em Barra do Garças seria muito bom, mas não necessário. Como estamos com os gastos bem no limite, achamos mais prudente continuar viagem e chegar em casa no mesmo dia.

voltaparacasa.jpgNa primeira metade da viagem passamos pelos piores trechos: 20km de terra próximo a Canarana-MT e buracos no asfalto nos 280km até Barra do Garças-MT. Mesmo assim, tudo correu muito bem. Na terra, o maior problema foi os caminhões, a poeira levantada permitia uma visibilidade de poucos metros.

A viagem de volta foi cansativa e, ao mesmo tempo, rápida demais. Em apenas um dia, deixamos para trás amigos, paisagens, histórias: um mundo totalmente diferente. Foto: Fábio Pili

Chegamos por volta das 13h30 à Barra do Garças-MT, onde paramos rapidamente para falar com Valdon Varjão e pegar com o Seu Pedro Lira uma encomenda que ele está enviando para a capital. A partir daí, a estrada foi melhorando gradualmente. Chegamos em Goiânia-GO por volta das 19h30 e desta vez não houve turismo forçado como na ida. Duas horas mais tarde chegamos em Brasília.

Foi bem estranho passar pelo centro da cidade e ver tudo meio apagado, desde os outdoors até os monumentos. Em casa, novas lâmpadas econômicas, microondas desligado, máquina de lavar uma vez por semana, somente uma televisão ligada, nada de exaustor no fogão e a próxima vítima será o freezer. Outras novidades: assaltaram cerca de 20 carros na UnB em uma manhã, o irmão da moça que trabalha na vizinha foi brutalmente assassinado e o Antônio Magalhães chorou lágrimas de crocodilo no congresso.

Cada vez mais, fico com saudades do Xingu.

Abraços,

Fernando

PS – Nosso trabalho não vai parar aqui, continue acompanhando o Rota Brasil Oeste. A atualização de conteúdo continua.

Terça-feira, 29/05/2001

Nosso trabalho está chegando a sua fase final. Hoje, foi o último de produção de matérias. Saímos cedo de Canarana-MT e dirigimos cerca de três horas, mais da metade em estrada de terra, até a aldeia de Pimentel Barbosa.

Ainda nos 40km de asfalto, passamos por dois filhotes de tamanduá e uma raposa atropelados. Em toda a viagem, víamos este tipo de acidente. É uma triste realidade, às vezes um estudo prévio de impacto ambiental poderia amenizar este problema. A BR-158, no entanto, foi construída na década de 1950 pela Fundação Brasil Central. Na época, não existia esta consciência ambiental nos projetos do governo. Atualmente, as coisas também não mudaram muito.

No caminho de terra, atravessamos uma região de fazendas de gado e, depois, um belo cerrado. Apareceram diversas siriemas e uma ema. O engraçado é que elas ficam correndo na frente do carro um bom tempo até descobrirem que podem voar ou desviar para o mato.

Na aldeia, fomos muito bem recebidos, com abraços e palavras de “sawyde”, ou amigo. O Xavante é mais sério que os xinguanos, mas igualmente hospitaleiro. Conversamos por longo tempo e, no final, compramos um pouco de artesanato e fomos presenteados com bordunas e flechas cerimoniais.

Na volta, vim resmungando dos buracos na estrada e dos quebra-molas. Amanhã, vamos direto para Barra do Garças onde pernoitamos. No dia seguinte, partimos para Brasília.

Fernando

OBS – Ainda não tive a oportunidade de comemorar o tetra-tricampeonato do Flamengo com os internautas. Só posso dizer uma coisa: aquele gol do Petcovic foi influenciado pelas rezas de Parú, índio Yawalapiti e rubro-negro.

A história segundo os índios

Nesta terça-feira, dia 29, fomos conhecer a aldeia Xavante de Pimentel Barbosa – a cerca de 100kms de Canarana, sendo 60km de terra – para conversar com o cacique Supitó e com velhos que viveram os primeiros contatos com o não-índio.

Chegando lá, fomos recebidos no Waitá, lugar de reunião no centro da aldeia. Um a um, todos os homens foram chegando e nos cumprimentando. Supitó já havia explicado à tribo o objetivo da entrevista: ouvir a versão indígena da colonização da região. O vice-cacique Paulo nos ajudou como intérprete.

rupawe.jpgO primeiro a falar foi Rupawe. De pé e apoiado numa bengala, conforme o estilo de oratória xavante, ele nos contou sua história: “Antigamente, quando eu era pequeno, não tinha branco. Era só índio Xavante, a gente era uma nação única. Quando eu era adolescente, eu comecei a ouvir sobre o branco. O pessoal sabia que tinha outro povo por causa do jeito diferente da queimada, da fumaça. Eu tinha medo. Quando eu era rapaz, comecei a entender que tinha outro povo querendo se aproximar. Naquela época, a tribo tinha rastreadores, que rondavam e fiscalizavam a terra. Eles começaram a trazer notícia do branco. Só aí comecei a acreditar que existia outro povo.

"Antigamente, quando eu era pequeno, não tinha branco. Era só índio Xavante, a gente era uma nação única." conta Rupawe. Foto: Pedro Ivo Alcântara

Teve até um grupo de rastreadores que entrou em conflito com os brancos. Cada tiro, foguete, dava medo. Me chamaram para tentar entrar em contato. Um dia eu ouvi tiro e um rastreador me avisou de onde veio. Aí eu fui lá e vi as pessoas. Eu pensava que eles estavam todos pintados, por causa do pêlo na cara e no corpo. Eles jogaram presente e só uma pessoa entregou duas facas na minha mão. Depois, eles foram embora.”

serezabdi.jpgApós a tradução de Paulo, o próximo a se levantar foi Serezabdi. Ele começou a nos responder sobre quem teriam sido responsável por esta aproximação: “Foi o Francisco Meireles. Ele trouxe sua equipe e foi a única pessoa que se interessou em entrar em contato com os Xavante. Tinha um índio xerente que ajudava a rastrear a gente. Aí o povo se aproximou.

Mas tem muita história do tempo dos meus pais. Meu avô pedia para não matar o branco, mas havia outros que não queriam isso. Os jovens se escondiam para matar os brancos e provar que tinham coragem. Tinha muita coisa.

Na abertura da estrada (BR-158), os índios tentavam seguir os trabalhadores, mas eles estavam a cavalo e iam mais rápido. Eles deixaram presentes, mas a gente não encontrou ninguém.”

"Meu avô pedia para não matar o branco, mas havia outros que não queriam isso. Os jovens se escondiam para matar os brancos e provar que tinham coragem." explica Serezabdi. Foto: Pedro Ivo Alcântara

Depois disso, comentamos um pouco mais o assunto. Naquele tempo, a Expedição Roncador-Xingu saiu de Xavantina e passou por território xavante, onde sofreu um ataque dos índios. Eles explicam que, naquela época, a etnia havia se espalhado por toda a região. A picada dos irmãos Villas Bôas teria passado por outra tribo, atualmente localizada na Reserva Indígena de Areões.

Com a colonização da área pela Fundação Brasil Central, cidades e fazendas começaram a invadir terras indígenas. Sob a pressão do não-índio, os Xavante perderam boa parte de seu território original. Na década de 70, porém, os caciques da região de Pimentel Barbosa se uniram e começaram a expulsar os fazendeiros para demarcar sua reserva.

serebura.jpgSegurando uma pequena borduna, Sereburã se levantou para nos contar como isso aconteceu: “Eu vou contar essa história porque vocês não conhecem, ainda são muito novos. Vocês ainda estavam dentro do saco do seu pai quando isso aconteceu.

Antigamente a terra era muito pouca. Não sei o ano, começaram a enxergar que o branco estava se aproximando demais da aldeia. Achamos melhor tocar eles daqui e começamos a fazer um trabalho para botar medo neles.

Primeiro fomos à fazenda Santa Vitória porque o dono de lá ameaçava os índios de morte. A gente atirava no branco não pra machucar, só para tocar embora. Pegamos as coisas deles e botamos fogo na casa. A gente fazia isso para eles não poderem voltar. Assim foi, também, com a Caçula e todas as fazendas perto da aldeia.

"O povo Xavante é assim: usa pulseira, tem cordão no pescoço e brinco pra arrumar mulher nova. Nossa identidade é essa." afirma Sereburã Foto: Pedro Ivo Alcântara

Nós mesmos tocamos os fazendeiros. Por isso que temos este espaço (reserva de Pimentel Barbosa) pequenininho hoje. Pra branco é grande, pra nós é pequeno. Fizemos isso sem a ajuda de ninguém.

Agora vivemos aqui, espero que vocês (não-índios) respeitem a gente e nossos direitos. Espero que vocês passem essa informação ao seu povo.

O povo Xavante é assim: usa pulseira, tem cordão no pescoço e brinco pra arrumar mulher nova. Nossa identidade é essa. Sou do tempo em que os homens andavam pelados e estou aí, vivo.”

Xavantes – um povo guerreiro

Espalhados pela região da Serra do Roncador e do Vale do Araguaia, os Xavantes já dominaram grande parte da região Centro-Oeste brasileira. Originários de Goiás, migraram para o Mato Grosso no século XIX fugindo dos aldeamentos de colonização no interior do estado.

A migração durou alguns anos e, após atravessarem o Rio Araguaia, entraram em conflitos com os índios Karajá que ocupavam a região da Ilha do Bananal. Posteriormente, brigas internas causaram a divisão da etnia em várias aldeias, que se espalharam e povoaram o vale do Rio das Mortes, iniciando os primeiros contatos com o não-índio.

Tentativas de Catequização

Na região do rio Garças, no início do século XX, alguns grupos Xavante encontraram as missões salesianas de Merúri, no Mato Grosso, que catequizavam os Bororos. Esta aproximação motivou a fundação da missão de São Marcos, às margens do Rio das Mortes, com o intuito de atrair os xavantes. Durante anos os padres buscaram inutilmente contatar os índios, que resistiram se escondendo e atacando quem adentrasse seu território. Em 1932, por exemplo, dois padres foram mortos quando abordaram um grupo de índios.

As missões salesianas, interessadas na conversão e na terra dos índios, se tornaram parceiras do governo Getúlio Vargas na empreitada. Em trecho de carta enviada ao presidente Getúlio Vargas no ano de 1938, o Padre Hipólito Chovelon, diretor da missão salesiana, deixa claro as intenções da Igreja: “O Rio das Mortes percorre uma zona riquíssima de campinas e matas, próprias para lavoura e criação de gado. O povoamento depende tão só da pacificação dos índios xavante que até agora fazem o terror dos moradores das vizinhanças pelas suas correrias e ataques traiçoeiros. Daí percorre a necessidade urgente de amparar a missão salesiana (…), abrindo assim essa imensa zona entre os rios Xingu e Araguaia aos progressos da nossa civilização”.

O indigenista Guilherme Carrano, com mais de 20 anos de trabalho entre os Xavantes, acredita que a ideologia catequizadora e progressista da Igreja contribuiu para a destruição da cultura da etnia. “Os salesianos colocavam os índios em regime de internato, separando pais e filhos, obrigando-os a usarem roupas e tentando proibir festas e a língua indígena”, afirma Carrano.

Aproximação

serebura2.jpgCom a ação da Fundação Brasil Central e a ocupação da região, tornou-se necessário o contato com os índios. Em 1941, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) fez uma tentativa pioneira de aproximação. Porém, esta primeira iniciativa fracassou. A equipe comandada pelo sertanista Pimentel Barbosa foi massacrada. Apenas no final da década de 1940, o SPI conseguiu estabelecer relações regulares com os Xavante.

Sereburã, um dos líderes da reserva de Pimentel Barbosa, é um remanescente dos tempos quando os Xavantes da região de Água Boa ainda não tinham contato com o “branco”.- Foto: Fábio Pili

Nesta época, passou pela região a Expedição Roncador-Xingu. O sertanista Orlando Villas Bôas conta que os trabalhadores foram cercados pelos xavantes perto do Rio das Mortes. “Ouvimos uma gritaria vindo do lado direito da picada e o Cláudio (Villas Bôas) reuniu todos num lugar só. Por uma sorte danada, tinha um cupim enorme e o Cláudio resolveu subir nele. Exatamente na hora que ele subiu, avistou um grupo de uns 40 ou 50 índios xavantes avançando camuflados com folha de palmeira”, conta o sertanista. Este ataque foi impedido com tiros para o alto. Os expedicionários continuaram sendo seguidos e vigiados enquanto cruzaram a região de cerrado habitada pelos Xavante.

Demarcação

Após anos de dominação, teve início a luta pela demarcação das reservas. Na década de 1970, os principais caciques xavantes se uniram à Funai e a indigenistas para retomar o território ocupado pelas fazendas que se instalaram na região. Foi um processo tenso, repleto de incidentes entre índios e fazendeiros.

Hoje os Xavantes reconquistaram parte de seu território. As aldeias, somando cerca de 10.000 habitantes, estão localizadas dentro de reservas demarcada, como a de Pimental Barbosa, com 328mil hectares de extensão.

Domingo, 27/05/2001

Leitores,

gostaria de aproveitar esse espaço para falar de um assunto sério: a situação dos índios xavantes da reserva de Pimentel Barbosa.

Como previsto, fomos hoje visitar duas aldeias, Tanguro e Caçula, que ficam dentro da reserva indígena de Pimentel Barbosa, a 70km de distância de Canarana-MT. Essa visita era muito importante para nós porque os xavantes foram o primeiro povo indígena encontrado pela Expedição Roncador-Xingu.

Chegando lá, encontramos um quadro muito diferente do bucolismo xinguano. Aqui os índios já perderam parte de sua cultura e são muito mais dependentes do não-índio. As ocas da aldeia têm pé direito e as paredes usam telhas galvanizadas, aproveitadas das instalações de uma antiga fazenda que ocupava a reserva. Os telhados das casas – ainda não entendi porque – são cheios de pneus velhos dependurados e a aldeia, que tem a forma de uma ferradura, abriga uma escola, feita de alvenaria, bem ao lado da última oca.

A própria demarcação da área xavante contribuiu para alterar sua cultura. Povo guerreiro e nômade, os xavantes vivem da caça e precisam de uma grande área de cerrado para alimentação. Com a sedentarização forçada, eles se tornaram dependentes da comida do não-índio, mas, por outro lado, não têm fonte de renda para comprar mantimentos nem roupa na cidade.

Em resumo, as aldeias são pobres. Parecem até uma periferia marginalizada de qualquer cidade grande. Nada daquela fartura que vimos durante a pesca com timbó nos Yawalapiti.

Nas cidades vizinhas, o preconceito é forte e tem razões históricas. A ocupação da região pelos não-índios foi sangrenta e são várias as histórias de massacres em aldeias, assim como de ataques dos índios às fazendas. Para algumas pessoas, é aberto o ódio aos índios. Para outras, é um sentimento velado.

Mas onde estão as fotos disso tudo, vocês devem estar perguntando. Não temos fotos. Os xavantes são muito desconfiados do não-índio. Muita gente já ganhou dinheiro vendendo fotos e material jornalístico às custas deles e qualquer trabalho do tipo tem de ser cuidadosamente combinado. Nossa estada nessas aldeias foi só uma visita informal – combinada graças ao Guilherme, que trabalha com ele há mais de 20 anos. Apesar disso, o que nos rendeu de mais valioso foram reflexões sobre como a vida aqui é mais dura que no Xingu.

Além disso, os índios do Pimentel Barbosa não tiveram contato direto com a Expedição Roncador-Xingu. Quem se relacionou mais com ela foram os xavantes da reserva de Areões, próxima a Nova Xavantina – MT. É pra lá que vamos amanhã e esperamos escrever um pouco sobre a história desse povo e a passagem da Marcha para o Oeste pela região.

Fábio

Sábado, 26/05/2001 – Volta do Xingu

Acho que ontem foi um dia triste para todos nós. Foi difícil deixar para trás os amigos, índios e não-índios, que fizemos em terras xinguanas, sem contar com os dez dias de intenso aprendizado. Porém, tínhamos que dar prosseguimento ao nosso projeto.

Antes mesmo de clarear, estávamos a caminho da aldeia Yawalapiti, onde pegaríamos a lancha. A volta se resume assim: Ualá na direção, paisagem bonita, muito frio, muito sono, biscoitos e barras de cereais, o sol das 10h trás calor, chegada ao meio dia, mais 3h30 de terra, caçamba do caminhão desconfortável, sol muito forte, pouca água, buracos e macacos na estrada, Canarana.

equipeempimentelbarbosa.jpgAmanhã, iremos conhecer os Xavantes da reserva de Pimentel Barbosa, no entanto, dependemos de umas decisões práticas que tomaremos daqui a pouco. Este assunto ainda está nebuloso. Até resolvermos alguma coisa, ficaremos de banho-maria aqui em Canarana.

Pedro

Reserva de Pimental Barbosa, próximo à aldeia de mesmo nome. Os índios preservam centenas de quilômetros de cerrado neste pedaço da Serra do Roncador. Foto: Guilherme Carrano

PS – Gostaríamos de agradecer mais uma vez ao Batalhão da Polícia Militar de Canarana-MT, principalmente ao Tenente Mendes, comandante da força local. Nosso carro ficou aos seus cuidados durante todo o tempo em que estivemos no Xingu.

Invasão Branca

No pouco tempo que estivemos no Alto Xingu, foi possível perceber a dimensão, complexidade e o pouco interesse da mídia sobre a questão indígena. Seria necessário um trabalho maior e mais aprofundado para mostrar a situação atual da reserva, porém, nestes dez dias que passamos entre as aldeias e Posto Indígena Leonardo Villas Bôas conhecemos alguns dos problemas da comunidade xinguana.

Enfrentando cada uma destas questões há várias décadas, o índio está cada vez mais preparado para encará-las com seus próprios recursos. No livro “Parentesco, Ritual e Economia no Alto Xingu”, publicado no ano de 1975, o antropólogo George Zarur aborda este tema: “o ideal é que a Funai possa se limitar a uma assistência básica e garantir a terra e que os xinguanos tenham a consciência de uma realidade que lhes permita entender o valor de sua cultura nativa(…), é importante que seja transferido aos índios os instrumentos ideológicos para uma interação simétrica e com dignidade com a sociedade nacional”. Vinte e seis anos depois, o movimento indígena continua lutando contra o excesso de interferência de instituições externas como o Instituto Sócio-Ambiental, a Funasa e a própria Funai.

riokuluene.jpgDiferente de outras áreas índigenas do Brasil, que foram praticamente dizimadas, o Xingu foi privilegiado pelo bem sucedido trabalho político e de preservação realizado pelos irmãos Villas Bôas. Atualmente, esta responsabilidade recai sobre os ombros de lideranças esclarecidas, como o cacique Aritana. Sofrendo pressões das mais diversas formas, ele continua firme na defesa dos interesses xinguanos: “O Orlando já fez coisa demais para nós, agora é nossa vez de cuidar daqui. Nós não queremos mais o branco mandando e defendendo a gente, queremos que os próprios índios se relacionem com o governo, mandem documentos, contratem médicos e professores”, afirma o cacique.

Rio Kuluene, um dos ameaçados pela devastação das nascentes fora da área indígena do Xingu. Foto: Fernando Zarur

Preservação Cultural

Em primeiro lugar, é preciso lembrar a heterogeneidade entre as etnias, que varia muito com a liderança. Os Yawalapiti, liderados pelo cacique Aritana, são um exemplo de consciência ambiental e cultural. A aldeia, assim como todas as outras, tem diversas interferências do mundo externo, como televisão, barco a motor e rádio. No entanto, os Yawalapiti ainda obedecem a um cotidiano tipicamente indígena: não há horário para comer, o trabalho é coletivo e os rituais religiosos são muito respeitados.

Manter este estilo de vida, aparentemente simples, depois de mais de meio século de contato com o não-índio pode ser considerado uma façanha. Esta luta teve início na década de 1950, quando os irmãos Villas Bôas começaram a conversar e a preparar alguns índios para reagir ao inevitável processo de devastação cultural vindo dos grandes centros urbanos. Parú, pai de Aritana, conta que Orlando o ensinava a lidar com os brancos, explicando como muitas coisas aconteciam lá fora. “Ele (Orlando) falava pra mim: ‘Estou ensinando você, e você precisa passar isso para os seus filhos e netos’. Foi isso que fiz”, conta Parú.

Por outro lado, nem todas as tribos do Alto Xingu compartilham desta mentalidade. Diversos povos estão ameaçados a perder sua cultura original. Recentemente, algumas aldeias vêm sendo assediadas por empresários norte-americanos interessados em investir em turismo dentro do Parque. O projeto sofreu forte objeção das lideranças e foi vetado pela Funai. O turismo significaria a destruição da identidade étnica do Xingu, transformando-a em artificial. Mesmo assim, um pequeno hotel foi construído dentro da aldeia Kamaiurá.

Educação

É necessário um enorme cuidado com a educação dentro do Xingu. Os índios sentem a necessidade de educar e conscientizar o jovem, porém, este pode ser um dos caminhos mais rápidos para a aculturação. O ideal, na visão do cacique Aritana, seria contar com professores da própria aldeia, que conhecessem e respeitassem o cotidiano tradicional da tribo. Esta preparação já está sendo feita, mas por enquanto não existem profissionais indígenas formados.

Os professores não-índios que atuam no Posto Leonardo Villas Bôas sofrem com uma série de obstáculos, como salários atrasados e falta de preparo específico sobre a realidade xinguana. O material didático utilizado, por exemplo, foi produzido pelo município de Gaúcha do Norte-MT e utiliza ilustrações de índios garimpando ou entre padres.

Atualmente, quem mais tenta investir na educação xinguana é o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), organização não governamental que atua na questão indígena em todo território nacional. Com plantas para construção de escolas e programas educacionais prontos, o instituto enfrenta a resistência das lideranças do Alto Xingu para lançar seus projetos.

Exploração Econômica

A exploração econômica de seus recursos naturais é outra questão de extrema importância para os índios do Alto Xingu. A interferência de instituições e empresas internacionais dentro do território indígena, é um problema constante.

O próprio trabalho do Instituto Sócio-Ambiental – com a intenção de ajudar e procurar alternativas de renda para a comunidade indígena – não é visto com bons olhos na região. “Eles vem para cá e começam a fazer os projetos, a gente não sabe de nada. Além do mais, ninguém pediu para eles virem para cá” afirma Kokoti, chefe do Posto Indígena Leonardo Villas Bôas.

O último projeto do instituto nesta área, está relacionado à produção de óleo de pequi, em parceria com a indústria de cosméticos Natura. Quando chegamos a aldeia Yawalapiti, os homens estavam sentados no centro da aldeia lendo uma edição da revista Exame. Na matéria, este projeto estava descrito como uma ótima oportunidade de negócio, sob o título: “O Tesouro Verde”. Aritana reclamou da mesma forma: nenhum índio do Alto Xingu havia sido consultado previamente sobre a iniciativa. Financiado por grandes organizações internacionais, o ISA tem uma forte presença entre a comunidade ao norte do Parque, mas é visto com muita desconfiança pelas lideranças do sul.

A biodiversidade, aliás, é um dos pontos mais vulneráveis do Parque. São muitas as histórias de pesquisadores estrangeiros que ganharam bilhões de dólares a custo do conhecimento indígena. Cada vez mais, as ervas e os segredos de raizeiros, como Parú, são alvo das multinacionais. O tradicional urucum, por exemplo, foi patenteado por entidades americanas. A banha de sucuri, usada há anos pelos índios como alívio para contusões, teve seu princípio ativo descoberto e hoje é utilizado em diversos medicamentos.

Da mesma forma que as plantas, o subsolo do Xingu está entre os mais visados no mundo. A região ainda é preservada da exploração de empresas do ramo, mas há quem veja isso como um grande problema para o futuro.

Um exemplo de como essas ameaças são reais é o mistério de um helicóptero que visitou a reserva por volta de março deste ano. Os índios Mehinako avistaram a aeronave pousando próximo às roças da aldeia. Ao aproximarem-se, os tripulantes levantaram vôo rapidamente e fugiram. Por mais de uma vez, o barulho das hélices foi ouvido dentro do Parque e a Funai foi comunicada, mas até agora os propósitos destas visitas são desconhecidos.

Devastação ambiental

Nos últimos anos, porém, a principal preocupação dos xinguanos é a devastação da cabeceira dos rios que formam a bacia do Xingu. Com o avanço do desmatamento das fazendas em torno da reserva, em poucos anos as águas que abastecem todas as aldeias do Parque podem estar contaminadas com agrotóxicos e metais pesados. Além disso, toda a a

limentação indígena é baseada no peixe. Caso haja uma diminuição nos cardumes, haverá fome entre as tribos.

Visando solucionar este assunto, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) já começou um programa para construir poços artesianos como alternativa de água potável. No entanto, isto seria um paliativo para uma situação que será desesperadora para a maior parte das aldeias do Xingu.

É urgente a criação de um movimento de conscientização para a preservação das margens dos rios formadores do Xingu, não só pelos índios, mas também pela preservação de todo o ecossistema da região.

Quinta-feira, 24/05/2001

Último dia no Xingu, marcamos de ir bem cedo para a aldeia Yawalapiti com a pretensão de aproveitar ao máximo o dia. Acordamos atrasados e corremos para pegar carona com a caminhonete do Posto.

Por volta das oito horas chegamos à aldeia e sentamos no centro, como sempre fazemos, para conversar com Aritana, Aiupú, Tapi, Aumaury e os outros homens da tribo. No dia anterior, havíamos combinado de emprestar nosso telefone Globalstar para que Aritana pudesse ligar para a casa do Orlando Villas Bôas. Tudo funcionou perfeitamente, conversamos com o Orlando e sua mulher, Marina. Foi muito legal fazer este tipo de interação direto de uma aldeia, no meio do Xingu. Eles adoraram e elogiaram a qualidade da transmissão.

Depois, decidimos ir garantir o almoço com uma pescaria. Saímos acompanhados da meninada Yawalapiti e começamos a remar, subindo o Tuatuari. Seguindo a orientação dos meninos, Fernando e Fábio provaram ser exímios remadores. Em poucos minutos, pegamos um canal do rio muito raso, que passava entre uma vegetação densa cheia de jacarés. Não entendendo muito bem aonde íamos, continuamos para onde apontavam.

Abandonamos o remo e começamos a tomar impulso nas árvores que nos cercavam. Em determinado momento, foi necessário deitar dentro da canoa para passar por baixo dos galhos. O cenário era lindo e impressionante: vimos morcegos, jacarés e muitos pássaros. Finalmente, as plantas se descortinaram numa pequena e calma lagoa.

Encostamos de canto numa moita. O Paroí e o Guilherme, únicos com anzol, começaram a pesca. A primeira vítima do Guilherme foi uma piranha. Isto, somado aos jacarés que pescavam calmamente, serviu como um alerta para considerarmos a área como imprópria para o banho. Alimentando os mosquitinhos, ficamos mais de uma hora para conseguir o seguinte menu para o almoço: três pintados pequenos, duas piranhas e três mandis.

Na volta, os homens nos esperavam com beiju e o fogo aceso. Sentindo muita fome, devorei os pintados com vontade. Depois, fomos comprar um pouco de artesanato, como redes, cerâmicas, e os famosos colares de caramujo xinguanos. Estes colares funcionavam no passado como a principal moeda de troca entre as tribos do Xingu. Ainda hoje, eles têm alto valor de troca entre todas as aldeias da região e com os caraíbas (não-índios).

Já sentindo um pouco de saudade, pegamos a carona de volta na carreta improvisada do trator da tribo. O detalhe é que, além de não contarmos com air bag e nem barra de proteção lateral, o carro está com a direção quebrada. Zig-zageando pela estrada, numa das curvas seguimos reto, mata adentro. Fomos assim, nos agarrando ao antigo chassi, elevado à condição de carreta, até o Posto Leonardo. Foi muito divertido.

De noite, paramos para arrumar nossas coisas. Amanhã acordaremos às cinco da manhã para enfrentar seis horas de barco e outras três horas na caçamba da caminhonete até chegar a Canarana – MT. Avisamos desde já e pedimos desculpas aos nossos milhões de leitores, mas a atualização de amanhã está comprometida.

Como sempre, nossa estada aqui passou muito rápido, mas de uma forma muito intensa. Ao mesmo tempo em que estamos satisfeitos por termos completado esta etapa do trabalho e aproveitado ao máximo a oportunidade, estamos todos tristes de ir embora. Nosso contato com as pessoas daqui foi muito bom. Em pouco tempo, nos apegamos a algumas das criancinhas que ficam se dependurando na gente o dia inteiro e também podemos dizer que começamos a fazer verdadeiros amigos por aqui. Portanto, fica nosso agradecimento especial ao Aritana, que mal nos conhecia e nos recepcionou tão bem. Ao Kokoti, chefe do Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, que nos deu todo apoio para realizar o trabalho. Além deles, poderíamos continuar fazendo uma longa lista que sempre seria incompleta: Travi (cozinheiro), Autucumã, Jaílton (professor), Kapi, Ualá, Camila, Afukaká, Jacalo, Leo, Marina e muitos outros.

Agora, nosso próximo passo é visitar as reservas dos Xavantes, o primeiro povo indígena contatado pela Expedição Roncador-Xingu.

Inté,

Fernando