UE quer transformar o Brasil em lixeira mundial de pneus

O Brasil corre risco de se tornar a lixeira de pneus usados dos países desenvolvidos, caso a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheça a demanda submetida pela União Européia contra a decisão brasileira de restrição à importação de pneus reformados. Dado que o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC está discutindo o caso esta semana, uma coalizão de ONGS, entre elas Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil e WWF Brasil, pedem que a União Européia reveja sua posição e retire sua demanda na OMC.

Embora continue a importar pneus novos, desde 1991 o Brasil proibiu a importação de pneus usados e reformados a fim de evitar geração de passivos adicionais e acumulação, por poderem representar um perigo à saúde pública e causar severos ônus ambientais para a geração presente e futura. Como reação a esta decisão brasileira, a União Européia, que exportou 39.478 toneladas de pneus reformados e 138.206 de pneus usados em 2005, decidiu levar o caso à OMC.

A coalizão de ONGs acredita que dependendo de sua condução, este caso pode significar o enfraquecimento dos acordos ambientais multilaterais, tais como a Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito e a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) vis-à-vis as regras da OMC.

“Isto representa um tremendo contraste com a postura pública da UE em comércio e meio ambiente. Ao levar este caso à OMC, a UE está sinalizando ao resto do mundo que sua defesa do meio ambiente na OMC é algo oportunista e secundário em relação aos seus interesses comerciais”, afirma Juliana Malerba da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Enquanto o Brasil ativamente reforma os pneus que consome internamente, os países da UE reformam pouquíssimos pneus usados (a Itália reforma 14%, a Alemanha 11% e Áustria, Hungria, República Tcheca e Eslováquia não realizam nenhum tipo de reforma)

A destinação de pneus usados representa um sério perigo à saúde pública, já que quando estocados, oferecem condições perfeitas para a reprodução do mosquito que transmite a dengue, além de significar riscos de disseminação da febre amarela, malária e outros problemas relacionados. A incineração, outra forma de destinação, aumenta os riscos à saúde ao contribuir para o desenvolvimento de doenças como o câncer, lesões cerebrais, anemia, disfunções endócrinas, asma e diabetes.

“A OMC deve levar em conta as obrigações de direitos humanos assumidas por seus membros. Neste caso, trata-se da obrigação do Brasil de garantir o livre e pleno exercício do direito à saúde”, diz Juana Kweitel da Conectas Direitos Humanos.

Ao reformar pneus (substituindo a banda de rodagem gasta por uma nova), o Brasil reduz o número de pneus novos que seriam necessários e de carcaças a serem descartadas. Diferentemente dos novos, os pneus reformados de carros de passeio – aproximadamente toda a exportação que sai da UE – não podem ser reformados novamente e necessitam ser coletados e descartados após um único uso.

“A UE deveria dar um exemplo ao mundo em responsabilidade ambiental e de saúde ao lidar com seu próprio passivo. Despachar os pneus para o Brasil ou para qualquer país em desenvolvimento é uma prática de dumping disfarçada de reciclagem. Nós já temos problemas suficientes com o nosso passivo e não há justificativa para a UE contribuir para nossa crise de destinação dos pneus usados”, enfatiza Marcelo Furtado do Greenpeace Brasil.

Por outro lado, como a UE aprovou a legislação (Landfill Directive – 1993/31/EC) que proíbe o estoque e o descarte de pneus usados em aterros após julho de 2006, mais de 80 milhões de pneus que eram jogados por ano em aterros carecem agora de nova destinação. Está claro que a UE considera a exportação de pneus reformados uma solução para evitar o descarte e tratamento dentro de suas fronteiras.

“A UE não está considerando este caso sob a perspectiva de proteção ambiental e da saúde, embora clame pela defesa destes valores na OMC”, acrescenta Temístocles Marcelos, coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms).

“O Brasil não deveria ser forçado a aceitar algo que causará mais riscos ambientais e de saúde ao País”, completa Clarisse Castro, da Secretaria da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

Representantes do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms) estão presentes em frente ao prédio da OMC em Genebra durante as reuniões do painel de 5 a 7 de julho e entregarão à organização uma declaração assinada por mais de 80 ONGs de 23 países.

Ministro aguarda para agosto decisão do STF sobre transposição

O ministro da Integração Nacional, Pedro Brito, disse hoje (3) que espera para agosto o julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da liminar contrária à integração da Bacia do Rio São Francisco com outras bacias nordestinas. Segundo Brito, o projeto, mais conhecido como transposição, já foi alvo de vinte liminares, todas elas derrubadas pelo STF.

"Do ponto de vista concreto, nós já transferimos recursos para o Ministério da Defesa, uma primeira parcela de R$ 100 milhões, o que coloca os batalhões de engenharia do Exército prontos para iniciar as obras tão logo a liminar seja derrubada", afirmou o ministro, durante o Seminário Nordestino de Pecuária, promovido pela Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará.

Para Brito, o projeto de transposição foi muito discutido ao longo dos últimos três anos, o que, na sua opinião, "trouxe ao projeto importantes contribuições" dos vários setores envolvidos.

De acordo com o Ministério da Integração Nacional, o Rio São Francisco tem sua vazão de água controlada pela barragem de Sobradinho, que garante um volume mínimo de 1.850 metros cúbicos por segundo. O projeto de integração das bacias deve retirar 26 metros cúbicos por segundo, o que equivale a 1,4% da vazão.

"É um filete d’água que não seria detectado nem pelos equipamentos mais modernos usados pela Agência Nacional de Águas, que têm uma margem de erro de 5%", disse o ministro.

Segundo ele, a integração das bacias vai beneficiar 12 milhões de brasileiros, especialmente os povos ribeirinhos. "Isso não é retórica. É exatamente assim. Não prejudicará a uma única pessoa porque nós não vamos alterar em absolutamente nada o regime fluvial do rio na sua foz."

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador de renda e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

STF vai julgar ações judiciais que impedem a conclusão da demarcação da TI Raposa-Serra do Sol (RR)

Foram julgadas ontem (28/06) no Supremo Tribunal Federal – STF duas ações judiciais (Reclamações nº. 3331 e nº. 3813) que pedem que todos os processos relativos à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, sejam por ele analisados. Por dez votos a um, os ministros do tribunal decidiram ser de sua competência o processamento e julgamento de diversas ações que questionavam a validade da Portaria nº. 534, do Ministro da Justiça, que estabelece os limites da área indígena.

Desde 2004, deputados e fazendeiros da região vêm questionando o processo demarcatório da terra indígena junto ao STF, o que atrasou a conclusão do processo administrativo. O mesmo acontece, há mais tempo, na Justiça Federal de Roraima, na qual já foram ajuizadas diversas ações pedindo a nulidade da demarcação da área, sob o argumento de que isso estaria lesando o patrimônio público estadual, já que supostamente se estaria reduzindo substancialmente a área do Estado de Roraima. No começo do ano passado, no entanto, o STF julgou improcedente todas essas ações, abrindo caminho para que o processo administrativo de demarcação fosse finalizado .

Apesar disso, desde o ano passado a Justiça Federal em Roraima vem proferindo liminares em diversas ações possessórias interpostas por fazendeiros locais, que não aceitam a demarcação da TI e se recusam a sair da área, mesmo com o pagamento das benfeitorias pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Essas liminares vêm atrasando a finalização do processo de regularização fundiária da área e expulsando indígenas de aldeias que estão dentro dos limites da terra indígena. Em todas as suas decisões o juiz argumenta que o processo administrativo de demarcação é inválido, baseado exclusivamente nas conclusões de um laudo pericial que, além de haver sido apresentado em um processo já julgado extinto, ainda apresenta graves falhas de metodologia e de conteúdo, como ficou demonstrado em análise efetuada por técnicos do Ministério Público Federal.

O relator das duas ações em curso no STF, ministro Carlos Ayres Britto, entendeu ser de competência daquela corte julgar todas as ações possessórias que tenham como objeto disputa por terras inseridas dentro dos limites da TI Raposa-Serra do Sol. Esse posicionamento, aliás, havia sido exposto no julgamento de outras ações parecidas, o que apenas confirma a coerência da decisão de ontem. O único ministro a divergir dessa posição foi Marco Aurélio Mello que entende ser de competência dos juízes de primeiro grau julgar ações possessórias, mesmo que incidam dentro de terra indígena homologada.

Espera-se agora, que a decisão do STF seja respeitada, e que todas as ações sejam realmente julgadas de maneira uniforme pelo tribunal. A decisão, vai contrariar o Juiz Helder Girão Barreto, da 1ª Vara Federal de Boa Vista, que em várias ações possessórias interpostas por fazendeiros deferiu medidas liminares quase idênticas, nas quais alega ser de competência da Justiça Federal de primeira instância o julgamento de tais casos, apesar de decisão anterior do STF determinando o contrário. Segundo seu magistério, "nunca, jamais, em tempo algum da história constitucional republicana esta matéria (disputa sobre direitos indígenas) foi de competência originária do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como penso haver demonstrado em trabalho acadêmico" (Decisão Liminar no Processo nº 2006.42.00.000098-7 e no Processo nº 2006.42.00.000737-0, ambos em curso na 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima).

O processo de desintrusão, realizado pela Funai e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), é a última etapa do procedimento demarcatório. Leia mais. No caso da Raposa-Serra do Sol, está longe de terminar, apesar do esforço concentrado de ambas as instituições. Há ainda várias liminares da Justiça Federal de Roraima que impedem a continuidade do trabalho. Com a decisão de ontem, esses processos serão julgados pelo STF, que deverá avaliar se há fundamento para mantê-las ou não.

Expedição encontra possíveis novas espécies para a ciência

Uma espécie desconhecida de copaíba, duas de pererecas, dois peixes diferentes, um novo registro para primata e uma ave de ocorrência na caatinga e no cerrado, que ainda está sendo descrita. Este foi o saldo preliminar das pesquisas de campo realizadas no Parque Nacional do Juruena pela Expedição Juruena-Apuí no dia 27 de junho. "Vale ressaltar que para comprovar que as espécies são realmente novas para a ciência é preciso fazer vários testes. Isso será feito assim que expedição terminar", afirma Claudio Maretti, Coordenandor do Programa Áreas Protegidas e Apoio ao Arpa do WWF-Brasil.

A ocorrência de algumas espécies de plantas e animais endêmicas (típicas da região) já era esperada pela maioria dos pesquisadores na área visitada. Isso porque a região em ambientes particulares para a Amazônia, tanto por ser transição de biomas, como por ter vários ambientes definidos por limites do substrato e do solo. Além disso, quase não sofre pressão antrópica, isto é, humana, o acesso é difícil e principalmente por ela ter sido até o momento pouquíssimo estudada.

Até agora os técnicos e pesquisadores já encontraram 200 espécies de aves, jaguatiricas, um boto cor-de-rosa e enfrentaram corredeiras perigosas pelo Rio Juruena. O achado do boto foi totalmente inesperado e a equipe não pensava que o animal habitasse a região.

A Expedição começou dia 13 de junho e está em sua terceira e última fase. Ao todo, serão 20 dias de pesquisas no recém-criado Parque Nacional do Juruena, o terceiro maior do país, com 1,9 milhão de hectares. As aventuras estão descritas com detalhes no site do WWF-Brasil (www.wwf.org.br), que está acompanhando a viagem online. Há fotos no site e em alta resolução na Assessoria de Comunicação do WWF-Brasil. Todo o material pode ser utilizado desde que dado o devido crédito.

A iniciativa da expedição é do WWF-Brasil (Programa de Áreas Protegidas e Apoio ao Arpa), Ibama, e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS-AM), e conta com parceria do ICV (Instituto Centro da Vida) e do WWF-Alemanha.

Essa ação enquadra-se nas atividades complementares do WWF-Brasil em apoio à implementação do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, o Arpa é implementado pelo Ibama em parceria com governos estaduais da Amazônia que aderiram ao programa. A gestão financeira e os processos de aquisição e contratação são de responsabilidade do Funbio. Também participam do programa o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), o Banco Mundial, o KfW (banco de cooperação da Alemanha), a GTZ (agência de cooperação técnica da Alemanha) e o WWF-Brasil, com doações e cooperação técnica.

Xingu enfrenta avanço de DSTs, diabetes e obesidade

De acordo com o médico sanitarista Douglas Rodrigues, o atendimento prestado pela Unifesp – iniciado em 1965 – faz do Xingu uma exceção positiva em relação ao panorama da saúde indígena no Brasil, mas não consegue avançar em ações de prevenção e promoção de saúde, e fica "correndo o tempo todo atrás das doenças". Ele afirma ainda que o convênio da universidade com a Funasa também sofre com atrasos nos repasses de recursos e que a fundação ainda não conseguiu adequar o modelo de atendimento às especificidades dos povos indígenas. Leia a seguir a entrevista na íntegra.

Qual sua avaliação do sistema de saúde indígena atual?

Douglas Rodrigues – Eu vivi o tempo em que a Fundação Nacional de Índio (Funai) era a responsável pela saúde indígena e acompanhei a entrada em cena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a mudança a partir de 1999, com a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, os Dseis. Essa mudança foi boa, pois melhorou o acesso dos índios aos serviços de saúde. Os indicadores mostram isso, a mortalidade infantil diminuiu, ainda que a Funasa não tenha um sistema de informação confiável. O Sistema Único de Saúde (SUS) ter incluído a saúde indígena dentro de seu escopo foi também um grande avanço. Isso é inquestionável. Hoje existem propostas para a Funai reassumir o sistema. Acho que isso vai ser uma catástrofe, pois a Funai não tem estrutura nem quadros para isso e já mostrou ao longo dos anos que não consegue fazer. Quando o Ministério da Saúde assumiu o sistema, o orçamento da saúde indígena cresceu muito. Mas ter dinheiro, é importante dizer, é apenas o começo.

O que mais deve acontecer?

A Funasa não adequou sua cultura institucional, eles continuam trabalhando com os índios como no tempo que em que controlavam malária no meio do mato. Às vezes o pessoal da Funasa me pergunta quantos índios têm no Xingu para mandar cesta básica, e eu digo que não é assim que funciona. O refinamento do modelo, adequar o atendimento a cada área, isso não foi feito. Não dá para pasteurizar ações desde Brasília. E isso talvez implique mais pessoal preparado, formado para isso de forma multidisciplinar. E isso a Funasa não consegue fazer. Por que não consegue fazer? Primeiro porque a fundação não tem quadro, ela terceiriza tudo. E terceiriza do jeito que dá, meio assim: ‘com quem tiver eu faço’. Há poucas ONGs preparadas com experiência acumulada. E tem que capacitar as outras parceiras, como as associações indígenas. Senão não se cria competência técnica.

O que você quer dizer com adequar a cultura institucional?

Eles precisam entender que o trabalho de saúde indígena é muito complexo. São 400 mil índios aldeados no Brasil, mas cada mil são diferentes dos outros mil e estes dos outros 500 e por aí vai. As situações são muito distintas. Então os critérios comuns de saúde pública, como um médico para dois mil habitantes – que valem para cidades como São Paulo -, não servem ao Xingu, nem para o Dsei Yanomami, onde talvez seja necessário um médico para 500, 300 habitantes. Os índios são muito vulneráveis, estão em locais distantes e de difícil acesso.

Qual a mudança mais urgente?

O Estado brasileiro tem que possibilitar a gestão indígena do sistema. Como isso (a capacitação das associações indígenas) nunca foi feito, muitas associações simplesmente quebraram. Outra coisa é que as associações indígenas existem para defender os direitos dos índios, para brigar com o Estado por estes direitos. E o modelo atual as torna dependentes do Estado, do financiamento, e elas ficam com o rabo preso. Hoje o que você encontra nas coordenações regionais são ‘consultores’, muitas vezes apadrinhados políticos, e isso aumentou muito neste atual governo. O processo seletivo não é claro, falta transparência e os cargos são totalmente loteados. E com muita rotatividade, o que impede a criação de lastro e entendimento do trabalho. Cada um que entra quer reinventar a roda. Isso ocorre em todos os lugares, com raras exceções. O Xingu é uma delas, graças à presença da Unifesp, pela qual a gente tem como capacitar as pessoas, oferecer perspectivas de estudo e aprimoramento profissional.

A crise da saúde indígena também atinge o trabalho da Unifesp no Xingu?

A parte administrativa e financeira da Funasa está dissociada da gestão do sistema de saúde, então a burocracia é muito grande e impede que os recursos cheguem a tempo. Temos recorrentes pendências de pagamento, normalmente pendências burocráticas. No ano passado estávamos para fazer uma campanha de vacinação – o que fazemos 4 vezes por ano – e não tinha dinheiro. Quando reclamamos pela imprensa, a Funasa disse que tinha problema na prestação de conta. Mas eles não tinham nos avisado que problema era esse. Assim não ia resolver nunca. Três dias depois da nossa reclamação, saiu o dinheiro. Então quem tem poder fogo, espaço na mídia para pressionar, passa por umas dificuldades, mas acaba realizando o trabalho. Mas nossos problemas são insignificantes perto do que companheiros de outros lugares passam. O panorama do atendimento de saúde indígena no Brasil é muito desigual.

Qual a diferença?

O diferencial no Xingu é que tem uma universidade por trás, que atua na região há mais de 40 anos e que acumulou muito conhecimento sobre aquela população. Temos registros epidemiológicos desde 1965. E o atendimento sanitário no Xingu, além de ter por trás uma instituição forte e um programa consolidado em quatro décadas de trabalho, é apoiado diretamente pelos índios. Agora sei que em outras áreas, ONGs e associações indígenas ficam seis meses sem receber e não têm como trabalhar. E quando não tem dinheiro para salário, não tem também para gasolina, para motor, para remédio. E isso são as ações que chamamos de curativas. As de promoção de saúde, que são as que deveriam ser priorizadas neste modelo, nem chegam perto de acontecer.

O Xingu tem o melhor atendimento de saúde indígena no Brasil?

Em termos de modelo de atenção e de indicadores de saúde, o Xingu está entre os primeiros. O Xingu é parte da Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo. O que fazemos lá eu nunca vi em outras áreas: damos cobertura de 97%, índice superior aos de muitas cidade brasileiras. Na verdade não temos muita informação das outras áreas, mas sei que no Rio Negro, por exemplo, as condições são muito piores do que no Xingu. Os Guarani de São Paulo, mesmo estando no estado mais rico e desenvolvido da União, estão em péssima situação. Por isso conseguimos olhar para frente, planejar ações, e não apenas apagar incêndios.

Qual deveria ser a prioridade, prevenção ou cura?

Tem que ter recurso para as duas coisas. A prevenção é fundamental para termos menos doenças lá na frente, mas em muitos momentos você precisa de recursos, humanos e financeiros, para cuidar das doenças que estão acontecendo na hora. Com o passar do tempo, as ações de promoção vão diminuindo este componente de doenças, até o momento ideal em que este componente fica pequeno e trabalhamos basicamente com prevenção. Mas na situação atual isso nunca vai acontecer, pois não há recursos para a promoção da saúde indígena. Então ficamos sempre apagando incêndio, correndo atrás da doença. E ainda tendo que escolher quais doenças tratar, pois muitas vezes só dá para atacar as que oferecem risco de vida.

Quais são os principais problemas de saúde na população xinguana?

O que vemos é que no Xingu há uma epidemia de câncer de colo de útero. Em abril deste ano operamos 21 mulheres xinguanas, com lesões graves, sendo que o número de mulheres sexualmente ativas no parque, que é
o grupo de risco para o HPV (vírus causador das lesões) não passa de 900. E já perdemos duas mulheres no Xingu por causa disso, pela demora nos diagnósticos, nas operações. E estamos para perder mais uma paciente. O câncer de colo de útero é uma doença emergente introduzida há uns quinze anos no parque, o que em termos de saúde pública é uma introdução recente. Quando eu comecei a trabalhar no Xingu, há 25 anos, uma gripe colocava um indivíduo adulto e forte na rede, com 39 graus de febre, o pulmão chiando. Era um agente agressor novo. Com o passar do tempo, os organismos vão ser adaptando às infecções e as manifestações clínicas deixam ser tão floridas, como falamos no jargão médico. Talvez isso esteja ocorrendo com o HPV. Por ser uma doença recente as mulheres indígenas estão tendo uma reação de defesa mais exacerbada, em um processo inflamatório que gera alterações celulares e que pode levar à lesão cancerosa. Daqui a 40 ou 50 anos a convivência da população com este agente infeccioso vai fazer com que mecanismos secundários de defesa atuem e não provoquem tantos casos de câncer. Queremos fazer uma pesquisa para confirmar essa impressão.

Ou seja, os índios do Xingu estão mais ameaçados por doenças, digamos, modernas, do que por enfermidades que prevaleciam há duas, três décadas, como tuberculose, gripe e malária?

Sim. O Xingu não é mais um lugar isolado, as pessoas entram e saem o tempo todo, o povo de lá está em permanente contato com a sociedade branca, e junto com o contato vem o contágio. Antes só se chegava lá de avião, os índios ficavam restritos à área. Hoje vai todo mundo de carro para todos os lados. Outra mudança importante é a monetarização das relações dentro do parque. Hoje há muitos índios assalariados no Xingu, seja pela Funai ou por outras instituições e projetos. Então diminuímos a incidência das doenças chamadas tradicionais, mas têm novas doenças surgindo, muitas ligadas a um estilo de vida mais sedentário e à alimentação. Antes a malária matava terrivelmente. Hoje você tem 30, 40 casos por ano. Até a década de oitenta essa quantidade acontecia a cada semana. Ao mesmo tempo, naquela época não havia praticamente casos de hipertensão arterial ou obesidade no Xingu, nem diabetes. Isso não é mais verdade. Só na área da aldeia NGoyvere e dos postos indígenas Pavuru e Diauarum temos quase 40 pessoas hipertensas, tendo que tomar remédios. Tivemos dois óbitos por acidente vascular cerebral, os primeiros da história do Xingu. Já temos dois ou três índios usando marca-passos, devido a cardiopatias conseqüentes de hipertensão arterial.

Quais os outros impactos desta mudança no estilo de vida dos índios do Xingu?

A mudança de hábito leva também a dois extremos: obesidade e desnutrição, principalmente nas grávidas, nas crianças e nos idosos. E a desnutrição em crianças simplesmente praticamente não existia. Hoje temos 15 a 20% das crianças menores de cinco anos com algum grau de desnutrição. No Xingu não temos casos graves, tirando uma ou outra exceção. Mas isso está avançando. E é intrigante. Como em aldeias cheias de alimentos tem um monte de criança desnutrida? A conclusão a que estamos chegando, a partir dos relatos dos próprios índios, é que isso tem a ver com mudança de hábitos relativos aos cuidados com as crianças. Por exemplo, uma comida especial. No Xingu, uma criança pequena não come uma série de coisas, é só um ou outro peixe que pode comer, ela se alimenta basicamente de caldos. Isso vem se perdendo. Os antigos Kaiabi nos contaram que antigamente as crianças andavam com uma cuiazinha cheia de farinha de peixe, para cima e para baixo, isso não tem mais. Além do mais, as roças estão diminuindo, a rapaziada está mais interessada nas coisas da cidade do que em abrir roça. Quer mais arrumar trabalho para poder comprar arroz e feijão.

Outra coisa que está diminuindo ou mesmo acabando no Xingu é o intervalo interpartal, o que chamamos de ‘couvade’. O período durante o qual o casal não mantém relações sexuais, que entre os índios é de um a dois anos. Exatamente para evitar que venha um filho atrás do outro. O conhecimento tradicional diz que o sujeito não pode mexer com a mulher até o filho começar a andar. Por isso que muitos têm duas ou três mulheres. Mas agora ninguém respeita mais isso. E dizem que é ‘porque é assim que os brancos fazem’. Então, agora, há uma mulher grávida e amamentando, que em algum tempo vai ter sete, oito meninos para dar de comer, a roça vai ter que aumentar, e ela acaba cuidando mais de uns, menos de outros. Portanto, há uma conjunção de causas, mas não é falta de alimento, de disponibilidade de comida. Lá as pessoas plantam, o que está acontecendo é que a comida não está chegando na boca das crianças da forma adequada, da forma tradicional. Diferente da aldeia Guarani aqui em São Paulo, por exemplo, onde não tem espaço para plantar um pé de milho.

E a obesidade?

Esse é outro problema. Antes todo mundo remava seus barcos para cima e para baixo. Agora é só barco a motor. Cortava madeira no machado, agora com motossera. E tem também o aumento da ingestão de sal e de açúcar. Para a gente entender isso, temos que lembrar da teoria do gene econômico, que diz que populações que tem acesso a alimentos de forma sazonal, ou seja, de forma irregular ao longo do ano, com períodos de fartura alternados com períodos de escassez, como os povos indígenas, tem metabolismo diferente. Estas pessoas teriam em sua estrutura genética um ou mais pares de genes que fazem com que os indivíduos absorvam muito para poder armazenar nos períodos de escassez. São os tais genes econômicos. Agora, com a sedentarização fazendo com que se gaste menos energia nas atividades diárias, e a contínua oferta de alimento, o cara fica obeso e pode desenvolver diabetes. Esse problema atinge os índios norte-americanos desde a década de sessenta. Isso agora está acontecendo no Brasil. No Xingu tivemos até hoje dois casos de diabetes, ambos de mulheres de grandes caciques. E os índios, por terem o gene econômico, têm essa tendência de desenvolver a obesidade e diabetes. Estes problemas são ameaças importantes, atuais, e a Funasa não está nem pensando em tratar, o problema deles é conseguir vacinar, controlar a diarréia.

ISA publica reportagem especial sobre saúde indígena

O especial produzido pelo Instituto Socioambiental apresenta uma cronologia das denúncias veiculadas pela imprensa desde o começo de 2005 até o abril de 2006, em todo o Brasil, e inclui entrevistas com especialistas e as explicações da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão federal responsável pela gestão do sistema.

A saúde indígena no Brasil enfrenta um período difícil. Se em 2005 houve uma explosão nos protestos de diferentes etnias em todo o Brasil, revelando situações de abandono e descaso no atendimento das populações indígenas, em 2006 o panorama não se alterou. Greves se sucedem nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, os chamados Dseis, interrompendo o atendimento das populações e permitindo que doenças antes controladas retornem com força de epidemia. A desnutrição infantil vitima um número crescente de crianças – de 48 mortes em 2004 para 50,9 em 2005 (para cada grupo de mil indivíduos).

A dificuldade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, em gerir o sistema chamou a atenção do Ministério Público Federal. No começo do ano, o MPF criou um grupo de trabalho para investigar problemas com os convênios firmados com as organizações que realizam o atendimento local e averiguar também a excessiva burocracia da Funasa, que estaria por trás dos recorrentes atrasos nos repasses de recursos – e que deixaria as aldeias sem médicos ou medicamentos.

Boa parte dos problemas enfrentados nesses dois últimos anos pode ser atribuída a mudanças promovidas em meados de 2004 no modelo de gestão da Funasa. Essas modificações se deram em direção oposta à reestruturação do sistema, promovida em 1999, quando a fundação substituiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) no atendimento à saúde indígena. Naquela época, estabeleceu-se um modelo de descentralização do atendimento às comunidades indígenas por meio de parcerias firmadas preferencialmente com a sociedade civil. Entretanto, em 2004, a Funasa retomou o controle de itens fundamentais da gestão da saúde, como a aquisição de medicamentos e a contratação de horas de vôo, deixando às conveniadas basicamente a administração de pessoal. Saiba mais sobre as mudanças no sistema da saúde indígena.

Entre os mais de 235 povos indígenas com direito ao serviço de saúde, alguns casos se tornaram emblemáticos e marcaram regularmente o noticiário em 2005 e 2006: as mortes por desnutrição das crianças Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, a volta da epidemia de malária entre os Yanomami de Roraima e Amazonas, o alto índice de vítimas fatais causados por acidentes ofídicos no Alto Rio Negro, o falecimento de dezenas de crianças Apinajé no Tocantins e Marubo do Vale do Javari, no Amazonas. Nem o Parque Indígena do Xingu, espécie de cartão-postal da política indigenista oficial e que conta há 40 anos com a presença de médicos da Universidade Federal de São Paulo, se vê livre de sério problemas: atualmente uma epidemia de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) avança sobre a população xinguana, causando como mais grave consequência a morte de mulheres por câncer de colo de útero.

A incidência de doenças como a malária, a tuberculose e DSTs tem avançado sobre povos indígenas de diferentes regiões do país, o que revela a decadência do atendimento e o sucateamento da infra-estrutura de saúde. As lideranças indígenas reclamam da faltam microscópios e lâminas, medicamentos, meios de transporte e combustível nos postos de atendimento no interior das Terras Indígenas. Também afirmam que a formação de agentes indígenas de saúde caminha em ritmo lento, e que a capacitação dos servidores não-índios permanece insatisfatória. Neste cenário, as iniciativas promissoras de educação para a saúde foram canceladas e a instabilidade no repasse de verbas tornou-se constante e as ações das equipes de saúde, insustentáveis.

Defrontado com esse cenário de calamidade, o governo federal acena com um retrocesso ainda maior: devolver a gestão da saúde indígena à Funai. Se esse plano for levado a cabo, o governo terá ignorado a catastrófica experiência vivida no período entre 1994 e 1999, quando, à frente da coordenação do atendimento aos índios, a instituição teve um desempenho mediano, obrigando o então governo Fernando Henrique Cardoso a devolver a responsabilidade sobre a saúde indígena ao Ministério da Saúde, na tentativa de minimizar os prejuízos causados às populações indígenas e aos cofres públicos.

Novas regras em 2004 causaram surpresa

Por meio das portarias 69 e 70 (de janeiro de 2004) o Ministério da Saúde definiu as novas regras para o atendimento aos índios e, durante a Primeira Oficina Integrada de Saúde Indígena (ocorrida em Brasília entre os dias 2 e 6 de fevereiro de 2004), anunciou as mudanças, pegando de surpresa as entidades conveniadas e os povos indígenas. Saiba mais. A abrupta alteração no rumo da política de saúde fez com que organizações da sociedade civil, como a Urihi, que cuidava da saúde Yanomami, rompesse com a Funasa – saiba mais. Assistiu-se também a uma campanha de difamação contra algumas organizações da sociedade civil conveniadas e prefeituras, responsáveis pelo atendimento.

Assim, a Funasa retomou o controle sobre a maior parte das verbas destinadas à saúde indígena, deixando às instituições conveniadas um papel “complementar” (contratação de pessoal, atenção nas aldeias com insumos, deslocamentos de índios e combustível).

Os problemas relacionados à gestão desses recursos e às atribuições das conveniadas estão no centro da situação calamitosa denunciada pelos índios. Mesmo com a destinação de cerca de R$ 290 milhões repassados aos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas em 2005, a morosidade e a burocratização no repasse dos recursos federais às entidades conveniadas causam constantes atrasos no pagamento de salários e na quitação de dívidas com os fornecedores. A centralização da compra de medicamentos e a contratação de horas de vôo pela Funasa revelaram-se ineficientes, consumindo os recursos públicos enquanto a situação sanitária nas áreas indígenas piora.

Por tudo isso, o ano de 2005 foi marcado por protestos. Dos Assurini do Trocará no Pará aos Guajajara no Maranhão; das etnias da região do Rio Negro, no Amazonas, aos povos do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso; dos Yanomami em Roraima aos povos do Amapá e os Guarani do Mato Grosso do Sul, todos denunciaram graves problemas na gestão da Funasa, com resultados diretos na saúde das aldeias. Além da gestão dos recursos, a falta de preparo e compromisso de algumas equipes de saúde têm causado sofrimento e morte às populações indígenas, como denunciado pelos Xavante (MT), Wajãpi (AP), Guajajara (MA), Assurini (PA), Pataxó (BA), Munduruku (PA, AM e MT) e Yanomami (RR), entre outros. Veja aqui os principais fatos que marcaram a crise na saúde indígena do começo de 2005 até agora.

Apesar das denúncias – que incluem também o loteamento político dos cargos de coordenação regional da Funasa nos estados e irregularidades no trato com a verba pública destinada ao atendimento à população indígena – a Funasa avalia como sendo positiva a atual gestão da saúde ind] ]>

Governos estadual e federal superam desavenças e Lula cria duas reservas e um parque no Amazonas

Prontos desde 2004 e 2005, os processos de criação das reservas extrativistas (resex) Arapixi e do Rio Unini, respectivamente, tiveram seus decretos assinados na tarde desta quarta-feira, 21/06, pelo presidente Lula, em Brasília. O motivo do atraso na criação das duas resex foram as desavenças e os imbróglios burocráticos entre o governo do Amazonas e o governo federal, já que ambos queriam criar as reservas. Na solenidade, no Palácio do Planalto, o presidente Lula assinou ainda a criação do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que terá uma área de 880 mil hectares.

Na avaliação do Greenpeace, a criação dessas três Unidades de Conservação (UCs) é essencial pela necessidade de proteger essas áreas contra o desmatamento e porque elas representam antigas demandas das comunidades locais. A Reserva Extrativista do Rio Unini, situada no norte do Amazonas, com 830 mil hectares, será a maior do Estado. Ela irá proporcionar, juntamente com o Parque Nacional do Jaú, um aumento na proteção das florestas da região do Rio Negro. Castanha do Brasil, cipó titica (para a confecção de cadeiras) e pesca são as principais atividades extrativistas da reserva. Sua criação era uma reivindicação de mais de seis anos da Associação de Moradores do Rio Unini.

Já a Reserva Extrativista Arapixi, no sul do Amazonas, compreenderá uma área de 133 mil hectares. Ela está localizada na Boca do Acre, uma região de intensa atividade agropecuária, com destaque para a expansão da pecuária de corte, e onde se concentram os maiores desmatamentos do Amazonas. A reserva tem na coleta de castanhas e na extração do látex das seringueiras suas mais relevantes atividades extrativistas.

Por sua vez, o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, localizado no sudoeste do Amazonas e no extremo nordeste de Rondônia, é a primeira UC de proteção integral neste tipo de formação vegetal, denominada campos naturais. O local é um importante refúgio natural de aves migratórias e trata-se de uma localização estratégica também para a conservação considerando que a área tem sido bastante visada pelos grileiros nos últimos anos e um dos grandes alvos da expansão da fronteira agrícola, devido principalmente ao relevo plano que permite agricultura mecanizada ou em larga escala.

“É justamente por considerar a importância de bloquear o desmatamento dessas áreas que nós vemos com bons olhos a assinatura destes decretos pelo governo federal. No entanto, esperamos que no futuro as demandas e a segurança das comunidades, assim como a preservação da floresta, sejam consideradas prioritárias em relação a essas desavenças entre os governos”, afirma Sérgio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace. Como objetivo de evitar que problemas como este se repitam, o governo federal e o governo do Amazonas, que também anunciou a criação de UCs estaduais, assinaram um memorando de entendimento para que sejam adotados procedimentos comuns na criação de unidades no Estado.

Com esses decretos, a área protegida na Amazônia aumenta 1,84 milhão de hectares, chegando a 19,3 milhões de hectares a área de unidades de conservação criadas neste governo na Amazônia, o que equivale a 34% do total de UCs criadas até hoje.

Leitão destaca ainda que, com esses atos, o governo caminha no sentido de criar uma barreira à ameaçadora expansão da soja na região da Floresta Amazônica. “Isto está de acordo com a proposta do Greenpeace de criar um Muro Verde contra o desmatamento. Agora, o mais importante é que a criação dessas unidades não fique só no papel e que o governo garanta a sua fiscalização para que sejam protegidas de invasões por parte de madeireiros e grileiros”, conclui.

Primeira reserva marinha da Amazônia começa a ser demarcada no Pará

A reserva extrativista marinha de Maracanã, localizada no estado do Pará, começou a ser demarcada hoje (19). Com mais de 30 mil hectares, a área é a primeira a ser delimitada na Amazônia e está incluída no Programa de Áreas Protegidas (Arpa) do Ministério do Meio Ambiente.

A demarcação será feita pelo Centro Nacional de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável (CNTP), ligado ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e deverá atingir cerca de quatro mil famílias na região.

Segundo o coordenador de Reservas Marinhas do CNTP do Pará, Waldemar Vergara, com a demarcação haverá um ordenamento pesqueiro e serão estabelecidas normas de conduta na reserva, que é fonte de sobrevivência para muitas comunidades ribeirinhas. Os trabalhadores desenvolvem atividades como a pesca de caranguejos e camarões, além da criação de ostras.

"A demarcação da unidade de preservação é um dos instrumentos de gestão: passa-se a ver, na prática, como é o desenho da unidade, o limite para minimizar conflitos fundiários e manter a preservação ambiental", acrescentou Vergara.

Em todo litoral brasileiro existem 19 reservas marinhas e nove delas ficam no estado do Pará. O coordenador informou ainda que a delimitação da área será feita por meio de placas e marcos físicos, e que o trabalho deverá estar concluído em dois a três meses.

Estudos de impacto ambiental da hidrelétrica de Belo Monte continuam suspensos

Por decisão da Justiça Federal, permanecem suspensos os estudos de impacto ambiental da hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu, no Pará. A argumentação acatada pela Justiça é que o Congresso Nacional deveria ter ouvido as comunidades indígenas afetadas antes de conceder autorização para a construção da usina, conforme determina a Constituição. O impasse foi questionado hoje (19) por uma manifestação de pecuaristas, agricultores e comerciantes no norte do Pará. Contudo, a construção também é criticada pelo Ministério Público e organizações ambientais.

O primeiro interrompimento dos estudos para o licenciamento ambiental de Belo Monte foi feito em março deste ano, por meio de liminar (antecipação de decisão) concedida pela Justiça Federal de Altamira em razão de solicitação do Ministério Público Federal (MPF). Na ação, o Ministério Público denuncia que pelo menos cinco reservas indígenas (Arara, Kararaho, Koatinemo, Paquiçamba e Trincheira Bacajá) podem sofrer as consequências da construção da usina, mas seus habitantes foram ignorados pelo Congresso.

A argumentação do Ministério Público Federal foi aceita pelo juiz Antonio Campelo, de Altamira. Ele determinou a "suspensão de qualquer procedimento empreendido pelo Ibama e pela Eletronorte para a condução do licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte", inclusive as audiências públicas que estavam marcadas para os dias 30 e 31 de março, em Altamira e Vitória do Xingu, na região da Transamazônica, para início da elaboração do Termo de Referência da obra.

A decisão, questionada pela Eletronorte, foi confirmada pelo juiz Avio Mozar de Novaes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. "Há possíveis irregularidades que, se não forem solucionadas, conduzirão ao mero desperdício de dinheiro público, o que não é razoável em um país que volta e meia é manchete em jornais internacionais em decorrência da crônica falta de verbas para atendimento de necessidades básicas de sua população", registrou Novaes em seu despacho.

Povo Bororo não pode viver em terra homologada

Apesar de ter seu território demarcado, os Bororo da terra Jarudóri Jarudori são obrigados a viver espalhados em outras terras de seu povo, porque sua área tradicional está invadida por posseiros. Indígenas e entidades indigenistas do Mato Grosso estão organizados e reivindicam a retirada dos não-índios que vivem em toda a extensão de Jarudori e em cerca de 40% da terra Teresa Cristina, ambas de ocupação tradicional do povo Bororo. A decisão para a retirada depende da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A expulsão dos Bororo foi iniciada no início do século passado. Jarudori faz parte das terras demarcadas pelo Marechal Rondon, em 1912, e tinha aproximadamente de 100 mil hectares. Na década de 1930, a região foi usada para a instalação de colônias agrícolas, com incentivos que foram parte do Programa Marcha para o Oeste, e o loteamento intensificou-se a partir dos anos 1960. Outras áreas foram invadidas por garimpeiros. Em 1945, o Estado de Mato Grosso criou a Reserva Indígena JarudóriJarudori, reduzindo a área demarcada por Rondon para 6 mil hectares. A xterrax sofreu nova redução quando foi registrada, ficando com apenas 4.706 ha.

Invasões, violência e epidemias – de tuberculose e sarampo – contribuíram para saída de muitas das famílias Bororo que ali viviam.  O município de Poxoréu foi criado em 1958 e hoje existe também uma vila de 2605 habitantes que também leva o nome de JarudóriJarudori.

A terra Jarudóri Jarudori tem importância não apenas para os indígenas que poderão voltar a viver nela, mas para todo o conjunto da população Bororo, pois é um importante ponto de articulação entre os “bororo de baixo”, que vivem no Pantanal, e os “de cima”, que vivem Meruri, Garças e Rio das Mortes.

Em 28 de junho, será realizado em Cuiabá (MT) o seminário “Povo Boe-Bororo: Território Tradicional e Direitos às Terras Indígenas Tereza Cristina e Jarudori”, com a participação de representantes Bororo, da Sub-Procuradora da República e Coordenadora da 6ª. Câmara, Dra. Deborah Duprat, da antropóloga que fez o laudo de identificação da terra, Profa. Dra. Edir Pina de Barros, e da Funai, convidada através de Artur Mendes Nobres, diretor de Assuntos Fundiários. O encontro, que começa às 8h30 tem o objetivo de mobilizar e sensibilizar a sociedade civil organizada em torno das questões fundiárias dos Boe-Bororo.