Um código florestal para os grandes

Greenpeace

Os ruralistas batem no peito para dizer que a proposta do novo Código Florestal visa atender os pequenos agricultores e a agricultura familiar. No entanto, uma das entidades que representa essa parcela da população produtora rural, a Via Campesinadivulgou na terça-feira uma nota de repúdio ao último relatório apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) nas comissões de Ciência e Tecnologia e de Agricultura e Reforma Agrária.

Para a entidade, o parecer mantém o mesmo eixo do projeto aprovado na Câmara dos Deputados, de autoria do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Segundo a nota, não foi dado o dito tratamento especial à agricultura familiar, tão citado pelos senadores. A organização afirma que o texto continua tratando da mesma maneira a agricultura familiar e as propriedades com até quatro módulos rurais, e que não foi trabalhado um capítulo específico para o assunto.

Outro ponto criticado pela organização é a concessão de anistia e a isenção de recuperação a todas as áreas consolidadas até 2008. O tom é de indignação: “Nenhuma pena ou exigência para quem agrediu o meio ambiente até 2008. Ou seja, quem está plantando soja transgênica na beira do rio poderá continuar a plantar. É a continuidade da emenda que os ruralistas aprovaram na Câmara, piorando ainda mais o texto do deputado Aldo Rebelo (Artigo 53)”.

Quanto ao conceito de área consolidada, a Via Campesina se alia à proposta de ambientalistas e do Comitê Brasil em Defesa das Florestas para que seja colocada a data de 2001 como referência. “É inaceitável que os desmatamentos feitos já no século XXI sejam considerados como legítimos! O mínimo aceitável seria considerar a data da última alteração do Código Florestal, que ocorreu em 2001. Não há qualquer justificativa, nem legal, nem científica, para que o ano de 2008 seja colocado como data de corte”, afirmam.

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Acelerando na contramão

Por Raul Silva Telles do Valle

Na noite da última quarta-feira (25/10), o Senado Federal aprovou, por 49 votos a favor e sete contrários, o PLC 01/2010, que regulamenta o art.23 da Constituição Federal. Originalmente, o projeto foi pensado para regulamentar a forma de atuação conjunta entre os entes federativos na proteção do meio ambiente, que por definição constitucional é de competência comum, ou seja, cabe igualmente à União, Estados e Municípios. Apesar disso, ele foi desvirtuado durante a tramitação na Câmara dos Deputados e passou a tratar, não da cooperação, mas da divisão de competências.

O ponto que mais interessava ao Governo Federal é o que trata do licenciamento ambiental. Quando do lançamento do primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, incluiu o projeto como uma das medidas legislativas necessárias para “destravar” a instalação de obras de infraestrutura no país. O pressuposto – equivocado – era que o licenciamento ambiental demora muito porque haveria uma indefinição na legislação aplicável com relação a quem deve dar a autorização.

Com base nisso, a bancada governista da Câmara modificou o projeto para deixar bem claro quem cuida do quê. Cada um na sua caixinha. Atuar em sinergia tornou-se algo secundário. Mas não foi só isso. Aproveitando-se do interesse do governo em aprovar a medida, que precisava de quórum qualificado por se tratar de lei complementar, a bancada ruralista barganhou seu apoio em troca de duas coisas: acabar com a competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para definir regras em matéria ambiental e diminuir o poder do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Sustentáveis (Ibama) em fiscalizar e autuar desmatamento ilegal. O objetivo dos ruralistas foi alcançado. O projeto aprovado na Câmara proibia o Ibama de embargar desmatamentos ilegais, já que essa competência seria exclusivamente dos Estados.

O projeto aprovado no Senado, no entanto, modificou esse ponto. Define que qualquer órgão que tiver conhecimento de uma ilegalidade pode atuar imediatamente para fazer cessar o dano ambiental. Se o órgão originalmente competente por fiscalizar resolver atuar e aplicar outra sanção administrativa, vale esta. Ou seja, se o Ibama aplicar uma multa por desmatamento ilegal e depois o órgão estadual vier e aplicar uma multa diferente, vale esta. Mas ele terá que explicar o porquê.

Apesar dessa melhoria, a lei aprovada está muito aquém daquilo que poderia ser. Não cria mecanismos para a ação conjunta entre União, Estados e Municípios e não estimula o federalismo cooperativo. E ainda traz regras de sentido duvidoso. Diz, por exemplo, que cabe à União licenciar empreendimentos em Terras Indígenas, mas nada fala sobre obras que, mesmo que localizadas fora de seus territórios, têm impactos sobre elas. Deixa a entender que caberá aos Estados ou Municípios cuidarem do assunto, o que, muitas vezes, pode ser problemático pelo histórico de preconceitos locais em relação aos povos indígenas. Imaginem o governo do Mato Grosso do Sul ou de Roraima licenciando uma obra que afeta uma terra Guarani ou Wapichana. Se eles tiverem órgão ambiental, mesmo que cometam irregularidades, não há a previsão de ação supletiva da União.

Consulta express

Mais grave do que esse projeto é o conjunto de medidas publicadas na sexta (28/10) para “acelerar” o licenciamento ambiental federal. A título de desburocratizar o processo, o que é desejável, elas reduzem o espaço para manifestação de populações indígenas e quilombolas afetadas por grandes obras, tornando a consulta prévia mera formalidade, na contramão do que vem sendo demandado pela sociedade (saiba mais).

Segundo a Portaria Interministerial 419, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Cultural Palmares terão 90 dias para se manifestar a respeito da possibilidade de se conceder a licença ambiental para determinada obra. Se não se manifestarem nesse prazo, será considerado que autorizam a obra. No pacote de medidas, no entanto, não está nenhum edital de abertura de concurso público para contratar profissionais qualificados para que esses dois órgãos possam cumprir, com responsabilidade, o prazo estipulado.

A manifestação desses órgãos não pode se basear apenas no parecer técnico de alguns de seus funcionários. Segundo a Convenção 169 da OIT – e a própria Constituição brasileira – os indígenas e quilombolas devem ser consultados antes dessa decisão, para poderem influenciá-la. É improvável que 90 dias sejam suficientes para se realizar uma consulta adequada em grande parte dos casos, sobretudo porque é necessário antes ler o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), organizar as reuniões e, sobretudo, combinar com os povos afetados como fazer esse debate, que é um processo, e não um evento. Como diz Luiz Brazão, indígena Baré do Rio Negro: se a consulta não ocorrer num prazo adequado, que permita aos indígenas entender e refletir sobre o assunto, “é como deixar a gente falando sozinho”.

Pelas novas regras, boa parte dos povos indígenas e quilombolas ficarão de fato falando sozinhos. Sobretudo porque nessa mesma portaria há uma tabelinha que define, segundo a distância, quando uma obra impacta ou não uma Terra Indígena ou quilombola. Uma rodovia só impacta terra indígena se estiver a menos de 40 km de distância. Isso se ela estiver na Amazônia, pois se estiver em outra parte do país a distância tem que ser de até 15 km. De acordo com as novas normas, pressupõe-se que um oleoduto que passe a seis quilômetros de distância de uma comunidade quilombola que não cause impacto sobre ela, mesmo que cruze o rio que a abastece com água e comida. Nesse caso, não haverá qualquer estudo sobre os impactos que um eventual – e possível – vazamento de óleo terá sobre essa comunidade e tampouco haverá qualquer plano de contingência. Os quilombolas nada poderão dizer sobre a existência de um oleoduto nas cabeceiras do rio que banha suas terras. Belo Monte, por exemplo, não afetaria terras indígenas pelo critério constante da normativa e a Funai não teria nada a dizer.

Há, no entanto, uma exceção. Pode-se, de acordo com o caso concreto, alterar a distância para caracterizar que determinada obra impacta uma comunidade indígena ou quilombola, mesmo que mais distante do que diz a portaria. Desde que, no entanto, o empreendedor esteja de acordo. Isso diz tudo.

10 anos de Rota Brasil Oeste: nos passos dos irmãos Villas Boas

Brasília ainda se espreguiçava quando pulei da cama, lavei o rosto para curar a noite mal dormida, comi algo rápido e me despedi de quem estava acordado. Era Abril de 2001, há pouco mais dez anos atrás.

Na garagem, o Santana prata – emprestado por minha avó – esperava devidamente decorado com os adesivos colados de última hora que comprovavam o apoio fundamental de empresas e indivíduos que acreditaram na ideia de revisitar os lugares e resgatar a história dos irmãos Villas Boas e da Expedição Roncador-Xingu.

A viagem que estava prestes para começar, na verdade, foi iniciada quase por acaso. Dois anos antes de iniciarmos a viagem, ao lado de três amigos (Bruno, Fábio e Pedro), todos alunos do curso de Comunicação da UnB, decidimos fazer um projeto final de curso que unisse algumas de nossas paixões: viajar, fotografar e escrever.

Como viabilizamos o projeto

Como a premissa em comum acordo, nos faltava decidir aonde ir e qual tema enfocar. Em meio a estas discussões, o acaso nos favoreceu. Ao atender o telefone na casa dos meus pais um dia, do outro lado da linha falava Orlando Villas Boas. Orlando era um antigo amigo da família e aconteceu de ligar naquele dia.

A ficha, literalmente, caiu na hora. Esta era uma oportunidade de adicionar uma dimensão histórica ao projeto. Sentamos para conversar e mudamos o rumo da ideia: passamos a trabalhar com o objetivo de revisitar a história dos irmãos Villas Boas e da Expedição Roncador-Xingu quase 60 anos depois de seu início.

Queríamos percorrer os mesmos caminhos, visitar as cidades fundadas e conversar com os pioneiros que viveram este desbravamento do Brasil central. Registrando tudo com fotos e textos sobre o que encontrávamos no caminho.

Passamos a canalizar nossos estudos nesta direção. Pesquisamos livros, artigos e arquivos fotográficos. Realizamos um amplo projeto de marketing para atrair patrocinadores. Entrevistamos pesquisadores e lideranças indígenas. Estabelecemos contatos e contamos com apoio da FUNAI, especialmente o privilégio de sermos acompanhados pelo indigenista Guilherme Carrano, que teve a paciência de nos aguentar e mostrar o quanto ainda éramos ignorantes e ingênuos.

Recebemos a ajuda de professores e empresas. Sem dinheiro para pagar hotel, em algumas cidades onde passamos fomos acolhidos por famílias, como a de seu Pedro, em Barra do Garças, e indivíduos, como Lúcia Kirsten em Nova Xavantina. Personalidades fantásticas, personagens de um Brasil autêntico e corajoso.

Acima de tudo, no entanto, nos marcou o carinho e dedicação com os quais fomos tratados pela família Villas Bôas. Não só tivemos o privilégio de ouvir os depoimentos de Orlando e Marina em primeira mão, mas fomos recebidos como filhos, com direito a bife com arroz e feijão no almoço (que Orlando comeu acompanhado de panetone!).

Quanto mais líamos, mais nos impressionávamos com a dimensão da aventura dos irmãos Villas Bôas e o quão pouco sabíamos sobre o que talvez tenha sido o maior projeto de colonização realizado no século XX e que culminou com a construção de Brasília – nossa cidade natal. Tão conhecidos nas décadas de 60 e 70, Cláudio, Orlando e Leonardo eram, na época nomes, estranhos para gerações mais novas.

Aventura digital

Além disso, para viabilizar nossa ideia de projeto “multimídia”, escolhemos publicar notícia directo da viagem via Internet, o que se tornou uma aventura à parte. Parece algo trivial, mas em 1999 a rede era um nicho que apenas começava a ser explorado. Ainda não havia, por exemplo, sistemas estabelecidos que facilitassem a administração de conteúdo. Isso para não falar da falta de estrutura para transmissão de dados.

Neste sentido, tivemos nosso lado de pioneirismo. Na época conseguimos apoio da operadora de telefonia via satélite Globalstar, que estava prestes a inaugurar a transmissão de dados para seus aparelhos. Inauguramos o serviço, que funcionava em 9600kbps (minha internet de casa hoje é mais de 100 vezes mais rápida!) e foi lançado dias antes de partirmos em abril de 2001. Assim, nos tornamos os primeiros jornalistas a realizar a atualização e publicação de um site de internet direto do Xingu e do interior do Centro-Oeste.

Meses antes de iniciar a viagem, Fabio descobriu um obscuro serviço na Internet chamado “blogger”. A ferramenta foi a solução para não termos de programar o HTML na mão e nos permitiu atualizar o site praticamente todos os dias e ainda ter algumas horas de sono. Nunca imaginávamos que alguns anos depois o termo “blog” seria associado a uma revolução na comunicação.

Foram dois anos de intensa pesquisa, mas nada podia nos preparar para a experiência de vida que iríamos ter ao acelerar o carro e deixar Brasília naquela manhã de Abril.

10 anos depois

Nos cerca de 30 dias em que percorremos cidades, estradas e rios que levaram décadas para ser explorados, descobrimos um Brasil ignorado pelas lentes da novela-das-oito, de impressionante riqueza étnica e cultural.

Também nos defrontamos com a violência, preconceito e desafios de regiões onde a lei do mais forte ainda se impõe de maneira cruel.

De dentro do Xingu, publiquei um artigo no qual citava grandes problemas que, na minha opinião, haviam se destacado: educação, preservação cultural, pressões econômicas e devastação ambiental.

Acredito que estas ainda são questões essenciais para o indigenismo nacional.

Educação e preservação da identidade cultural continuam como pauta constante de discussão e, como tudo que diz respeito ao índio, apresenta realidade extremamente heterogênea.

Nestes dez anos que se passaram e nos quais continuei acompanhando a questão indígena, mesmo que nem sempre estivesse dedicado ao assunto, nada me chocou tanto, quanto o preconceito em relação ao índio.

O maior exemplo disso é que num momento de ampla discussão sobre os direitos de minorias, como o atual, a questão sequer é citada. Aliás, o maior indício do nível deste preconceito é que muita vezes sequer é classificado como tal.

O pré-julgamento se manifesa muita vezes na forma de uma visão romântica e paternalista. o “puro e bom nativo” – conceito que sobrevive desde o século XIX.

Mas dano maior é causado por sua versão mais virulenta. É comum escutarmos frases que classificam o índio como um enxerto na sociedade nacional, algo que está aí para ser expurgado ou absorvido. Desde que desapareça.

Este problema é ainda maior nas comunidades ao redor de grandes reservas, onde o modo de vida indígena é visto como um atraso para a região. Como nos disse Valdon Varjão, primeiro político a entrevistarmos em nossa viagem: “desvirtuaram a intenção original que era colonizar toda essa região construindo estradas e novas cidades. A idéia não era catequizar índio e nem fazer Parque Indígena”.

Em 2001, quando visitamos a reserva xavante de Pimentel Barbosa, ouvimos diversos relatos dos atritos de índios e não-índios. Um cacique local nos contou – aos prantos – a situação da filha pequena que havia sido largada no corredor do hospital local, sem atendimento adequado, enquanto outros pacientes recebiam prioridade. Descobriu-se que a menina sofria de pneumonia e ela sobreviveu graças a iniciativa de uma enfermeira piedosa.

Nos quatro primeiros meses de 2011, 34 crianças da comunidade Xavante de Campinópolis morreram por falta de atendimento médico, muitas delas mortas por pneumonia.

Pressões econômicas e destruição ambiental caminham juntas a passos largos. Quando visitamos as comunidades, uma dos maiores ameaças ao seu modo de vida era o desmatamento e a poluição das cabeceiras dos afluentes do Xingu. Os rios são a principal fonte de alimentação e água para a região.

Na semana em que visitamos o Parque, o Brasil passava pelo auge da crise do apagão. Nunca íamos imaginar que a proposta de solução para o problema se tornaria na próxima grande ameaça à região.

As nascentes dos rios continuam sob a mercê da expansão agrícola desenfreada, mas hoje o grande perigo vem do norte: a construção da usina de Belo Monte. Fruto de uma concepção falida de desenvolvimento, seu impacto ambiental promete ser devastador.

Ironicamente, o debate mais avançado sobre desenvolvimento em nível internacional caminha na direção de conceitos há muito praticados e dominados pelo índio, como o efetivo equilíbrio entre exploração e preservação da natureza.

Há, por exemplo, uma forte e inovadora corrente de economistas com argumentos sólidos para não medirmos a riqueza de um país apenas pelo seu produto interno bruto. Isto já é feito com o índice de desenvolvimento humano e agora pretende-se estender o conceito para medirmos o valor econômico aos “serviços” prestados pelo meio-ambiente, como água potável, segurança alimentar, combate natural a pragas, etc.

Sob esta ótica do potencial econômico da natureza, chamada biocapacidade, o Brasil é a maior potência mundial (Relatório Planeta Vivo 2010, WWF). O grande risco é que ainda olhamos para estes recursos como se fossem bens infinitos a serem explorados inesgotavelmente. Neste sentido, ainda temos muito a aprender com quem enxerga a natureza não como dádiva divina, mas como a divindade em si.

Aragarças e Barra do Garças

Nossa primeira parada foi também a base de partida da expedição Roncardo-Xingu nos anos 40 e, mais tarde, também foi importante para o trabalho da Fundação Brasil Central.

Ouvimos uma declaração de Valdon Varjão, ex-garimpeiro, ex-senador biônico durante o governo militar, que resume a visão do “índio como atraso” para o país:

“Acho que os irmãos Villas Bôas desvirtuaram a intenção original (da expedição Roncador-Xingu) que era colonizar toda essa região construindo estradas e novas cidades. A idéia não era catequizar índio e nem fazer Parque Indígena.”

Um conceito desenvolvimentista antiquado, ligado à ideia do progresso como asfalto, fumaça e exploração desenfreada da natureza.

Nova Xavantina

Vivenciamos na pele algumas das tensões que estavam acesas na região. Próximo à cidade está o lendário garimpo de Araés, que fomos visitar. Chegando lá encontramos um grupo de garimpeiros que estavam no local ilegalmente. Desci do carro de peito aberto, com a coragem que só os ignorantes têm e fui recebido por senhor que agarrou minha camisa e logo revelou o fio do facão que ocultava nas suas costas. Felizmente, tudo acabou bem. Explicamos que não éramos na polícia e o porquê da nossa visita e eles concordaram em nos ceder uma entrevista. É claro, concordamos com absolutamente todas as opiniões deles.

Também nos levaram para ver a dimensão do estrago do garimpo na natureza local. De volta à cidade entrevistamos Sinvaldo Vieira Rodrigues, ex-garimpeiro que sofria de silicose, doença terminal causada pela respiração do pó da pedra. Ele nos contou que perdeu o irmão e mais de sessenta colegas vítimas do mesmo mal ou acidentes de trabalho nas minas. “A única coisa que o Araés já fez foi matar muita gente”, dizia.

Água Boa e Canarana

No final da década de 1960, o Governo Federal criou diversos incentivos à colonização do centro-oeste brasileiro. As oportunidades chamaram a atenção de agricultores gaúchos. Como várias outras localidades, Água Boa e Canarana foram fundadas por estes pioneiros.

Em 2001, a região era uma interessante mescla étnica, mas também palco de preconceito violento e muitos atritos. O problema é maior na região não apenas pela proximidade e choque de culturas, mas também pela incompetência do estado, que cedeu terras a agricultores dentro de áreas de ocupação indígena tradicional. Anos mais tarde, o mesmo estado que incentivou a ocupação da região expropriou vários pequenos produtores para criar reservas indígenas.

O ônus desta falta de preparo dos governos é pago até hoje, tanto por agricultores, quanto por índios.

Pimentel Barbosa, Xavantes

Passamos apenas uma tarde numa conversa rápida com os antigos sobre a chegada do não-índio à região. “O pessoal sabia que tinha outro povo por causa do jeito diferente da queimada, da fumaça. (…) Eu pensava que eles estavam todos pintados, por causa do pêlo na cara e no corpo”, nos contou Rupawe, que era adolescente quando duvidava dos boatos sobre “brancos” na região.

Menos protegidos que os xinguanos, os Xavantes conquistaram seu espaço com muita luta. Como nos contou Sereburã: “Nós mesmos tocamos os fazendeiros. Por isso que temos este espaço (reserva de Pimentel Barbosa) pequenininho hoje. Pra branco é grande, pra nós é pequeno. (…) Agora vivemos aqui, espero que vocês (não-índios) respeitem a gente e nossos direitos”.

Posto Leonardo, Xingu

Nada podia nos preparar para o que nos esperava no Xingu, um dos mosaicos étnicos mais ricos do mundo. O impacto daqueles meros dez dias é sentido até hoje. Estar lá nos levou a questionar e reavaliar diversos valores, ideais e outras tantas coisas que enxergamos como “naturais”. Era como se olhávamos a nossa realidade como algo estranho e artificial.
Finalmente entendemos o que levou três irmãos a abandonarem suas confortáveis vidas urbanas para se embrenharem por mais de 30 anos em uma luta contínua, enfrentando mata fechada, doença, violência, politicagem etc: a preservação da diversidade humana.

Economia Verde será o tema principal da Conferência da ONU Rio+20

Agência Brasil

A celebração do aniversário do Dia das Nações Unidas (ONU) realizada hoje (24) em Brasília foi dedicada à preparação da Rio+20. A sustentabilidade e a Conferência Rio+20, foram o assunto da solenidade que comemorou o aniversário de 66 anos da ONU. O coordenador da ONU no Brasil, Jorge Chediek, abriu o evento falando sobre a conferência.

“A preparação da conferência ocorre em um momento complexo, quando, de muitos lados, vem sendo questionada a capacidade das organizações multilaterais de oferecer soluções para os problemas globais, em que há a crise econômica, o aumento do desemprego e da desigualdade, os conflitos armados e a violação de direitos humanos, as mudanças climáticas, entre tantos outros”, disse Chediek.

O coordenador também anunciou a construção do primeiro edifício do complexo que hospedará a Casa da ONU em Brasília no Setor de Embaixadas Norte. O contrato foi assinado na semana passada.

Chediek disse que assim como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992, conhecida como Rio 92, o evento do ano que vem pode representar uma mudança significativa na consciência global, na relação entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente. “Temos a esperança de que a Rio+20 represente um novo marco para a humanidade, afirmando um acordo global que garanta a sustentabilidade ambiental, a equidade e o desenvolvimento humano”.

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, finalizou a solenidade. “O Brasil virá com a proposta de uma economia verde inclusiva e isso nós estamos esperando compartilhar com os outros países e com outras sociedades, de tal maneira que nós temos a plena convicção de que é possível sim promover a inclusão social, promover a estabilidade econômica e promover sustentabilidade ambiental”.

A ministra falou também sobre os desafios do governo “Temos certamente um desafio que é erradicar a pobreza no Brasil, a extrema pobreza que está agora também sendo um desafio também como as questões ambientais, e o Brasil lançou o Bolsa Verde”.

A Rio+20 ocorrerá no Rio de Janeiro, nos dias 4, 5 e 6 de junho de 2012 e marcará o 20° aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Unced) organizada em 1992 e o décimo aniversário da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável 2002 que ocorreu em Johanesburgo.

Expedição Rota Brasil Oeste: redescobrindo o Brasil-Central

O primeiro trabalho organizado pelo Rota Brasil Oeste foi um projeto de conclusão do curso de Comunicação da Universidade de Brasília que refez parte do trajeto original da Expedição Roncador-Xingu, comandada pelos irmãos Villas Bôas na década de 40.

A viagem de um mês resgatou um pouco da história da expedição, percorrendo cidades e comunidades indígenas. A aventura começou em Brasília, no dia 1º de maio, passou por cinco cidades e chegou até o Parque Indígena do Xingu, percorrendo mais de 3.000km de estradas e rios.

Na primeira etapa, realizou-se reportagens sobre algumas cidades que surgiram sob a influência da Marcha Para o Oeste e personagens que representam a história e o presente regional. Estivemos em: Aragarças em Goiás além de Barra do Garças, Nova Xavantina, Água Boa e Canarana no Mato Grosso. Seguindo o roteiro da viagem original, em 15 dias, atravessamos os rios Araguaia e Mortes, além da Serra do Roncador (foto).

Equipe Rota Brasil Oeste
Equipe do Rota Brasil Oeste posa ao lado do cacique Aritana (segundo sentado da dir. para esq.) acompanhado de homens da comunidade Yawalapiti. A etnia, nossa anfitriã no Alto Xingu, foi reagrupada pelos Villas Bôas e hoje representam algumas das vozes mais importantes da reserva.

Comunidades Indígenas

Na segunda parte do trabalho, o grupo desceu de barco o rio Kuluene, para entrar no Parque Indígena do Xingu. Fora dez dias de permanência na região do Alto Xingu, dormindo em aldeias e conversando com as lideranças indígenas, tempo necessário para compreender um pouco sobre a vida na tribo e alguns dos problemas atuais enfrentados pelas etnias.

Por fim, a equipe seguiu para a reserva Xavante de Pimentel Barbosa, onde passou dois dias conversando e entrevistando os índios mais velhos, desvendando sua história e tradição. A volta à Brasília aconteceu no dia 1o de junho.

Produção de conteúdo

Conexão via satélite
A equipe do Rota Brasil Oeste foi a primeira a realizar pulicação de conteúdo diário direto do Parque Indígena do Xingu e comunidades vizinhas.

Numa iniciativa inédita, o projeto utilizou uma conexão via satélite (foto), computadores portáteis e uma câmera digital, para 30 dias de produção constante de conteúdo jornalístico, publicado direto de cada lugar visitado.

Neste período, foram publicadas 26 matérias e entrevistas, 30 diários e 87 imagens numa página dentro do portal de aventura 360 Graus (www.360graus.com.br), parte do conteúdo do Terra. Também foram produzidas cinco matérias, uma entrevista e nove fotos para a edição regional da Gazeta Mercantil. Além disso, ocorreram diversas participações ao vivo nos programas ‘Revista Brasil’ e ‘Eu de Cá, Você de Lá’, da Rádio Nacional AM.

O projeto, realizado sem fins lucrativos, foi viabilizado por apoiadores, que cederam equipamentos por um prazo limitado ou financiaram parte do custo da viagem. Os participantes foram a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), a Globalstar, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Ibiti Equipamentos.

Números do projeto:

  • Tempo de preparação: 2 anos
  • Tempo de viagem: 30 dias
  • Conteúdo publicado online: 26 matérias, 30 diários e 87 imagens
  • Conteúdo publicado em impresso: 5 matérias e 9 fotos
  • Quilometragem percorrida por terra: 2.380km
  • Tempo de viagem em via fluvial: 20 horas de barco
  • Filmes batidos: 46 rolos / 36 poses cada
  • Fotos digitais tiradas: 860
  • Entrevistas realizadas (incluindo pesquisa): 12

Greenpeace protesta contra exploração de petróleo no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos

Fonte: Agência Brasil / Rivadavia Severo

Vestidos de baleias e com máscaras do empresário Eike Batista, ativistas do Greenpeace, ocuparam na manhã de hoje a sede do grupo EBX, do qual Eike é presidente, localizada na esquina das ruas do Passeio e Senador Dantas, no centro do Rio. Os manifestantes querem uma resposta da empresa com relação à suspensão da exploração de gás e petróleo nos arredores do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no litoral da Bahia.

De acordo com a coordenadora da campanha Clima e Energia, do Greeanpeace, Leandra Gonçalves, a ideia da fantasia é mostrar que as dez empresas nacionais e estrangeiras envolvidas na exploração de petróleo estão ameaçando a população de cerca de 10 mil baleias jubartes que se reproduzem na região.”A montagem da atividade, da ação direta não violenta, foi fazer uma alusão a quem de fato pode estar causando algum dano, alguma ameaça para esses animais”.

Ainda segundo Leandra, foram enviadas cartas às dez empresas proprietárias de blocos na região no dia 26 de julho, mas as de Eike Batista e sua sócia, a petroleira Perenco, não deram resposta. ”No dia 5 de agosto, mais de 13 mil ativistas enviaram cartas as essas empresas exigindo apoio a essa moratória e devolução dos blocos de exploração nessa área e também não houve nenhuma resposta”.

Para o diretor de segurança corporativa da EBX, André Aldgeire, a empresa está aberta ao diálogo, desde que seja de forma pacífica e legal. “Nós sempre cedemos para diálogos, mas não na pressão. Na pressão é um negócio complicado”.

50 anos da "República dos Villas Bôas"

Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo, 14/04/2011 

O Parque Indígena do Xingu foi criado depois de uma luta de quase dez anos. O primeiro anteprojeto de criação do parque foi apresentado em 1952, no governo Vargas.
Três eram seus objetivos principais: preparar as comunidades indígenas para o contato inevitável com a nossa sociedade; amenizar a pressão que a sociedade exercia sobre essas comunidades, evitando um contato brusco, com consequências desastrosas (como, mais tarde, foi confirmado em outras regiões); e preservar as condições necessárias de fauna e flora, garantindo que as comunidades xinguanas seguissem mantendo seu modo de vida, indissociável da terra.
O anteprojeto foi formalmente apresentado ao presidente Getulio Vargas pela comitiva liderada pelo vice-presidente Café Filho. Dela participaram grandes nomes, que foram fundamentais para o projeto e que meu pai, Orlando Villas Bôas, sempre fazia questão de mencionar: Noel Nutels, médico sanitarista; José Maria da Gama Malcher, presidente do Serviço de Proteção ao Índio (SPI); brigadeiro Raimundo Vasconcelos Aboim; dra. Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional; o jornalista Jorge Ferreira e os antropólogos Eduardo Galvão e Darcy Ribeiro.
No entanto, o parque não sensibilizou Vargas. Meu pai contava assim esse episódio: "Sua excelência, de mãos às costas, cenho cerrado, ouviu a proposta e só não se tornou mais sisudo porque foi obrigado a abrir um largo sorriso diante de uma irreverência inteligente "desafogadora" do Noel Nutels".
Juscelino Kubitschek também se mostrou sensível à ideia de criação do parque, mais até do que Getulio Vargas, mas teria confessado que não teria força política para criá-lo.
Em 1961, por decreto, Jânio Quadros, em sua breve passagem pela Presidência, criou, num de seus primeiros atos, o Parque do Xingu, convencido da importância da criação de uma reserva para abrigar as populações indígenas. Por que por decreto? Porque o projeto jamais passaria pelo Congresso Nacional, já que contrariava interesses econômicos, principalmente, claro, do Estado do Mato Grosso.
A criação do parque não foi um fato isolado: a política indigenista brasileira tomou outro rumo, diferente daquele da política do marechal Rondon, "pai" do indigenismo brasileiro. Ficou claro, com a criação do parque, que, para garantir a sobrevivência dos indígenas, seria preciso garantir suas terras, de forma que o índio seguisse vivendo em sua cultura e organização social, em equilíbrio com a natureza.
Para os irmãos Villas Bôas, a política indigenista deveria se apoiar em duas máximas, simples e concretas: primeiro, o índio só sobrevive na própria cultura; segundo, não há lugar para o índio na sociedade brasileira de hoje… como também não havia meio século atrás.
No parque, a política indigenista dos Villas Bôas pode ser implantada tal como a conceberam, proporcionando ao índio a proteção necessária que o preparasse para o choque inevitável com a nossa sociedade. Cumpriu a sua função.
As ameaças que o índio, não só o xinguano, enfrenta não são novas, como provam políticas indigenistas de governos passados. O famoso Plano de Integração Nacional, do presidente Médici, por exemplo, tinha duas diretrizes em relação ao índio: integrá-los o mais rápido possível à economia de mercado e impedir que constituíssem um obstáculo ao desenvolvimento do país.
Mas o Parque Indígena do Xingu, que celebra 50 anos hoje, como dizia o imortal Antonio Callado, é criação amorosa e, portanto, dura muito, ou talvez nunca acabe; assim é "a República dos Irmãos Villas Bôas", a mais importante reserva indígena do continente americano e o mais belo mosaico linguístico-cultural do mundo de acordo com a Unesco.
NOEL VILLAS BÔAS, 35, formado em direito e filosofia, é filho do sertanista Orlando Villas Bôas, um dos idealizadores do Parque Indígena do Xingu. Foi membro do conselho indigenista da Funai por dois mandatos (de 2000 a 2004).

Para cientistas, discussão sobre Código Florestal precisa ser aprofundada

O substitutivo ao Código Florestal, apresentado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), não é benéfico nem para o meio ambiente e nem para a produção rural, e não deveria ser colocado em votação na Câmara.

A análise resulta do estudo "O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o diálogo", coordenado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), divulgado nesta segunda-feira, 25 de abril.

De acordo com os cientistas que participaram da elaboração do documento, divulgado em entrevista coletiva em Brasília, seriam necessários ao menos mais dois anos para que as discussões pudessem gerar um texto que atendesse às necessidades da conservação dos ecossistemas e que não prejudicasse a produção rural. “Se a sociedade não chegou a um acordo, não se pode impor a ela uma legislação”, resumiu o pesquisador Antonio Donato Nobre, da SBPC e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Para a professora Helena Bonciani Nader, presidente da SBPC, a votação do texto nas condições atuais seria extremamente danosa para o país. “Se acontecer a votação, terá sido a primeira vez que uma legislação ambiental será aprovada sem a participação da ciência”, criticou.

Entre outros aspectos, o estudo da SBPC/ABC demonstra que a proposta de redução das áreas de reserva legal, contida no substitutivo apresentado pelo deputado Aldo Rebelo, ampliaria os riscos de extinção de espécies, além de comprometer os serviços ambientais obtidos a partir dessas porções de terra preservadas.

Outra proposta contida no relatório apoiado pelos ruralistas, que prevê a diminuição das áreas de preservação permanente (APPs) às margens de rios e em topos de morro, “representaria grande perda de proteção para áreas sensíveis”, segundo o documento divulgado pelos cientistas.

O estudo foi resultado de 10 meses de trabalho de cientistas, professores e pesquisadores de instituições como SBPC, ABC, Inpe, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e diversas universidades. Também passou por revisões realizadas por outros cientistas que não participaram do estudo, de modo a assegurar o cumprimento das etapas necessárias à validação de uma pesquisa científica.

A íntegra do documento pode ser acessada no link www.sbpcnet.org.br.

Organização dos Estados Americanos determina suspensão imediata de Belo Monte

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) solicitou oficialmente que o governo brasileiro suspenda imediatamente o processo de licenciamento e construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, citando o potencial prejuízo da construção da obra aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu.

 

De acordo com a CIDH, o governo deve cumprir a obrigação de realizar processos de consulta “prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada”, com cada uma das comunidades indígenas afetadas antes da construção da usina. O Itamaraty recebeu prazo de quinze dias para informar à OEA sobre o cumprimento da determinação.

A decisão da CIDH é uma resposta à denúncia encaminhada em novembro de 2010 em nome de varias comunidades tradicionais da bacia do Xingu pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Prelazia do Xingu, Conselho Indígena Missionário (Cimi), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Justiça Global e Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA). De acordo com a denúncia, as comunidades indígenas e ribeirinhas da região não foram consultadas de forma apropriada sobre o projeto que, caso seja levado adiante, vai causar impactos socioambientais irreversíveis, forçar o deslocamento de milhares de pessoas e ameaçar uma das regiões de maior valor para a conservação da biodiversidade na Amazônia.

“Ao reconhecer os direitos dos povos indígenas à consulta prévia e informada, a CIDH está determinando que o governo brasileiro paralise o processo de construção de Belo Monte e garanta o direito de decidir dos indígenas”, disse Roberta Amanajás, advogada da SDDH. “Dessa forma, a continuidade da obra sem a realização das oitivas indígenas se constituirá em descumprimento da determinação da CIDH e violação ao direito internacional e o governo brasileiro poderá ser responsabilizado internacionalmente pelos impactos negativos causados pelo empreendimento”.

A CIDH também determina ao Brasil que adote medidas vigorosas e abrangentes para proteger a vida e integridade pessoal dos povos indígenas isolados na bacia do Xingu, além de medidas para prevenir a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades tradicionais afetadas pela obra.

“A decisão da CIDH deixa claro que as decisões ditatoriais do governo brasileiro e da Justiça, em busca de um desenvolvimento a qualquer custo, constituem uma afronta às leis do país e aos direitos humanos das populações tradicionais locais”, disse Antonia Melo, coordenadora do MXVPS. “Nossos líderes não podem mais usar o desenvolvimento econômico como desculpa para ignorar os direitos humanos e empurrar goela abaixo projetos de destruição e morte  dos nossos recursos naturais, dos povos  do Xingu e da Amazônia, como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte”.

“A decisão da OEA é um alerta para o governo e um chamado para que toda a sociedade brasileira discuta amplamente este modelo de desenvolvimento autoritário e altamente predatório que está sendo implementado no Brasil”, afirma Andressa Caldas, diretora da Justiça Global. Andressa lembra exemplos de violações de direitos causados por outras grandes obras do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo. “São muitos casos de remoções forçadas de famílias que nunca foram indenizadas, em que há graves impactos ambientais, desestruturação social das comunidades, aumento da violência no entorno dos canteiros de obras e péssimas condições de trabalho”.

Críticas ao projeto não vêm apenas da sociedade civil organizada e das comunidades locais, mas também de cientistas, pesquisadores, instituições do governo e personalidades internacionais. O Ministério Público Federal no Pará, sozinho, impetrou 10 ações judiciais contra o projeto, que ainda não foram julgadas definitivamente.

“Estou muito comovida com esta notícia”, disse Sheyla Juruna, liderança indígena da comunidade Juruna do km 17, de Altamira. “Hoje, mais do que nunca, tenho certeza que estamos certos em denunciar o governo e a justiça brasileira pelas  violações contra os direitos dos povos indígenas do Xingu e de todos que estão juntos nesta luta em defesa da vida e do meio ambiente. Continuaremos firmes e resistentes nesta luta contra a implantação do Complexo de Belo Monte”.

A decisão da CIDH determinando a paralisação imediata do processo de licenciamento e construção de Belo Monte está respaldada na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas, na Convenção sobre Biodiversidade (CBD) e na própria Constituição Federal brasileira (Artigo 231).

Impactos das mudanças climáticas na Amazônia podem inviabilizar Belo Monte

Belo Monte, um empreendimento hidrelétrico que consumirá mais de R$ 20 bilhões para sua construção, poderá no mais drástico dos cenários de alterações climáticas perder mais de 80% de sua receita anual até 2050, como resultado de uma diminuição da vazão do Rio Xingu.

É isso que apontam dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pelo WWF-Brasil, em parceria HSBC Climate Partnership. Técnicos especialistas em hidrologia e mudanças climáticas estão analisando a vulnerabilidade climática da produção de eletricidade na região Norte do país com enfoque em alguns grandes empreendimentos como a usina hidrelétrica de Belo Monte.

"As prováveis mudanças na vazão do rio Xingu, provocadas pelas alterações climáticas, colocarão em risco a viabilidade da usina de Belo Monte", afirmou Carlos Rittl, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. "Belo Monte pode gerar muito menos energia do que o previsto e muito menos receitas do que o esperado, tornando-se um fracasso financeiro", acrescentou.

"Os altos custos sociais e ambientais, aliados aos riscos financeiros, deveriam levar o Governo Brasileiro a uma ampla reflexão sobre a viabilidade da obra", concluiu Rittl.

O estudo, a ser lançado ainda este ano, considerou 4 cenários de emissões futuras estabelecidos pelo IPCC – A1, A2, B1 e B2 – cada qual descrevendo um futuro possível para a humanidade e a curva de emissões globais resultantes. A aplicação de modelos climáticos dentre os mais robustos existentes, como o HadCM3 do Hadley Centre (Reino Unido) ou o ECHam4 do Max-Planck-Institute für Meteorologie (Alemanha), aos quatro cenários permite identificar a possibilidade de uma diminuição significativa na vazão da bacia do rio Xingu até 2050.

Apesar de certa variabilidade nos resultados – alguns poucos mostram ganhos de receita que chegam a 4% até 2050, enquanto outros mostram uma queda bruta na receita chegando a quase 90% -, uma forte tendência é evidente: as perdas podem variar entre 4 e 10% da receita anual da usina até 2050.   

De acordo com Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, superintendente de Conservação do WWF-Brasil, as variações climáticas futuras não estão sendo incorporadas da forma devida no planejamento energético e na análise de viabilidade de projetos hidrelétricos na Amazônia Brasileira.

"Tivemos duas secas muito severas na Amazônia em menos de 10 anos, em 2005 e 2010. Temos de tirar lições destes eventos climáticos extremos e, de uma vez por todas, inserir a variável climática no planejamento da expansão da produção de energia no país. Com isso, ficaria ainda mais clara a atratividade da eficiência energética e de outras energias renováveis não-convencionais, como a energia eólica, a solar e a de biomassa. Havendo investimentos, estas alternativas podem gerar energia suficiente para atender as necessidades de crescimento econômico do Brasil, minimizando os riscos climáticos dos empreendimentos hidrelétricos", concluiu Scaramuzza.

"O governo tende a considerar os projetos hidrelétricos um a um, o que é ineficiente sob aspectos econômicos, sociais e ambientais", afirmou Denise Hamú, Secretária-Geral do WWF-Brasil.

"Para viabilizar a Usina de Belo Monte, os riscos da obra foram socializadas para atrair investidores. Os dados preliminares deste estudo indicam que os riscos financeiros podem ser ainda maiores do que aqueles originalmente previstos e isto torna evidente a necessidade de um olhar macro sobre o potencial, as vantagens e os riscos sociais e ambientais associados à expansão da produção de energia", conclui Hamú.

O WWF-Brasil considera fundamental que a expansão da produção de energia hidrelétrica seja feita a partir de um olhar sobre toda a bacia Amazônica. É necessária uma análise integrada de cada bacia hidrográfica, considerando-se os riscos sociais e ambientais em toda a extensão dos rios – que são sistemas naturais contínuos – e não apenas das áreas de entorno dos projetos hidrelétricos. 

Nota sobre os cenários climáticos do IPCC

O cenário A1 descreve um mundo de rápido crescimento econômico com uma população que atinge seu pico na metade do século e a introdução de tecnologias novas e mais eficientes. Nele, existe uma convergência substancial entre regiões evidenciada por uma crescente interação social e cultural, redução das diferenças regionais e das rendas per capita.

O cenário A2 descreve um mundo muito heterogêneo onde a renda per capita e o desenvolvimento tecnológico convergem de maneira mais fragmentada e lenta. Com identidades regionais mais fortes, as taxas de fecundidade diminuem mais lentamente, o que resulta em crescimento contínuo da população.

O cenário B1 descreve um mundo mais integrado e ambientalmente correto. O crescimento econômico é tão forte quanto no cenário A1, mas caracterizado por uma transição mais profunda em direção a uma economia baseada em serviços e informação. O foco para a estabilidade econômica, social e ambiental é global.

O cenário B2 descreve um mundo mais heterogêneo, porém mais sustentável. É um cenário intermediário com crescimento contínuo da população, crescimento econômico médio, mudanças tecnológicas menos rápidas e mais fragmentadas e foco em soluções locais para a estabilidade econômica, social e ambiental.