Iawyraky

Iawyraky é um nome indígena que poderia se chamar vida, mas quer dizer lutador. É o nome do milésimo índio da altiva nação Kinja, os Waimiri Atroari. Uma história, como poucas, que caminha para um final feliz.

Iawyraky é um menino forte, filho de Anapidene e Ketamy. Veio ao mundo abençoado porque representa não só o nascimento de uma nova vida, mas o renascimento de uma nação. Nos últimos quarenta anos esses índios foram dizimados: primeiro pelo garimpo, depois pela estrada que cortou suas terras, mas finalmente veio a redenção, pelo que parecia ser o golpe de misericórdia: a construção da Hidrelétrica de Balbina.

A recuperação da cultura Waimiri Atroari aconteceu com a implantação do programa desenvolvido pela Eletronorte em convênio com a Funai e idealizado pelo antropólogo Porfírio Carvalho, buscando uma compensação pelo impacto da construção de Balbina. Em quinze anos de implantação do Programa Waimiri Atroari, pela Eletronorte, a população indígena voltou a crescer, em média 6,5% ao ano. A terra dos índios, antes invadida, foi demarcada e ecologicamente equilibrada. Funcionam competentes sistemas de saúde e de educação – este segundo conduzido pelos próprios índios. A cultura ressurgiu com toda sua força e as festas tradicionais voltaram.

Essa é uma história boa para os pais contarem para seus filhos antes que durmam. Uma história verdadeira feita para se sonhar. Os Waimiri Atroari eram índios fortes, por volta de seis mil pessoas. Foram dizimados, principalmente porque eram guerreiros e matavam todos que invadiam seu território. Essa imagem combativa contribuiu para que o exército fosse incumbido da construção da rodovia BR 174 (Manaus – Boa Vista). Foram utilizadas forças militares repressivas para conter os indígenas e esse enfrentamento culminou com a quase extinção da nação Kinja. Era um tempo obscuro de ditadura e tristeza.

Em 1988, restavam daqueles seis mil índios, saudáveis e fortes, cerca de 370 pessoas. Vagavam pela estrada implorando comida, humilhados e derrotados – irremediavelmente perdidos. Nesta mesma época, o projeto de compensação aos impactos ambientais causados pela Usina Hidrelétrica de Balbina foi elaborado e proposto aos Waimiri Atroari pela Eletronorte em convênio com a Funai. A Eletronorte é hoje coordenadora e financiadora do projeto.

A partir daí, a área indígena foi demarcada, com superfície de mais de dois milhões e meio de hectares. Os índios voltaram a viver em total liberdade e o seu resgate cultural, populacional e de subsistência é modelo em todo o mundo, tendo, este ano, recebido da ONU o título de modelo de política para o meio ambiente.

Mas voltando aos dados dessa aventura que deu certo. Hoje com o nascimento de Iawyraky os Waimiri somam 1000 indivíduos com crescimento populacional de seis por cento ao ano. Não foi registrada, nos últimos dez anos, nenhuma doença que possa ser imunizada. Existe controle total de doenças respiratórias, malária e outras doenças endêmicas. Cem por cento da população está vacinada. Todo o controle da saúde desses índios está informatizado. O trabalho é feito pelos postos de saúde instalados em praticamente todas as aldeias.

Voltaram à agricultura cultivando grandes roças, possuem estoque de animais para abate, peixes e gado. A estrada é fechada no final da tarde para os índios possam caçar e circular livremente.

Os Waimiri Atroari contam hoje com uma escola em cada uma das 19 aldeias. São 28 professores indígenas. Seu artesanato é muito rico e está sendo comercializado pelo endereço www.waimiriatroari.org.br.

Há muito mais para se falar do renascimento dessa nação. Fica a experiência e a prova de que quando existe vontade política o progresso pode ser construtivo em todas as direções. Com sucesso, outro projeto semelhante é desenvolvido pela Eletronorte com os índios Parakanãs, que vivem perto da Hidrelétrica de Tucurui.

Dia 26 de setembro de 2003 nasceu Iawyraky, o pequeno lutador. Os índios cantam e festejam até hoje. O milésimo Kinja é o símbolo de um belo momento que será contado para sempre, ao pé do fogo, nas aldeias. Não só nas aldeias daquele povo, mas em todo o mundo.

Carlos Zarur, assessor especial da Eletronorte

O Brasil encontra o seu centro: O Centro-Oeste no Projeto Nacional

George de Cerqueira Leite Zarur,
Economista e Antropólogo, Ph. D pela Universidade da Flórida, Ex pesquisador visitante da Harvard University.

O olhar sobre a imensidão dos mapas do Brasil, do começo do século XX, contendo grandes manchas de cores diferentes, com o dizer “região desconhecida”, mantinha os brasileiros em permanente estado de ansiedade. Afinal, como demonstrou o historiador Rocha Pombo, cuja tese foi assumida por Darcy Ribeiro, a geopolítica corrente associava o Estado Nacional brasileiro com um continente, delimitado pela rede hidrográfica, que se confundiria com área de expansão dos grupos do tronco lingüístico Tupi. Se o Brasil era uma ilha ou um continente, por lógica, nossos vizinhos hispânicos só poderiam ser, mesmo os mais interioranos andinos, água salgada do mar ou uma forma especial de vida marinha. Se chegassem muito próximos, e representassem uma ameaça, eram promovidos a seres humanos, piratas ou “mouros na costa”.

A “Ilha Brasil” era delimitada ao Sul pelos rios da bacia da Prata. Portanto, não deixou de ser um problema – especialmente estético, pois prejudicava a perfeição do modelo e dos mapas – a perda da Cisplatina. A guerra do Paraguai e a resolução da questão de Palmas, com a Argentina, iriam reforçar o conceito de “Ilha Brasil”, ao associar as fronteiras políticas a limites fluviais compatíveis com a noção de uma entidade natural e cultural aparte, cuja identidade se perderia no passado, dada a presença hegemônica dos índios Tupi em seu território.

Se de um lado preocupavam-se os brasileiros com formas de vida agressivas, próximas ao seu sagrado e antigo território – aquela conhecida por “argentinos” era a pior – havia outras mais distantes, porém mais perigosas. Caso particularmente grave, cujo desfecho fez muita gente pensar que “Deus é brasileiro”, foi o da pressão norte-americana pela livre navegação na Amazônia, logo após a abertura, à força, dos portos japoneses, em meados do século XIX. Ao que tudo indica, não recebemos a visita da esquadra estrangeira devido à eclosão da guerra de secessão nos Estados Unidos. Tal coincidência manifesta, de forma inequívoca, a preferência divina a nosso favor, amplamente confirmada por nossos sucessos posteriores nos campos de futebol.

A ocupação desses “espaços vazios” (em geral, não o eram, devido aos índios que neles viviam) tornou-se o próprio centro do projeto nacional, realizando a identidade geográfica e cultural brasileira, como um continente autônomo.

Sucedendo às entradas patrocinadas pela colônia, pouco fez o império para ser lembrado na história da colonização do interior brasileiro. Sua ação principal, neste sentido, foi a atração de imigrantes europeus de São Paulo ao Rio Grande do Sul. A guerra do Paraguai, embora com importantes conseqüências para a definição das fronteiras políticas não foi resultante de uma proposta estratégica sistemática.

O nacionalismo geográfico seria retomado com a Expedição Rondon, ao mapear, de 1906 a 1910, uma área, aproximadamente, do tamanho da França. Já Getúlio Vargas resolveu reassumir o projeto, rico em imagens simbólicas de bandeirantes e desbravadores dos sertões, através da Expedição Roncador-Xingu, da qual se originaria a Fundação Brasil Central. É aqui que entram os Villas-Boas, abrindo picadas e campos de pouso, a partir da década de 40 e entrando em contacto com índios isolados. Para abrir o Brasil Central à colonização, foi absolutamente estratégica a “pacificação” dos índios xavantes, por Francisco Meirelles, também nos anos 40. Os xavantes fechavam uma grande área a Oeste do Araguaia, uma vez que defendendo seu território, atacavam os que ali se arriscavam. Diferentes expedições do antigo Serviço de Proteção aos Índios, que buscavam um contacto pacífico com os xavantes, acabaram com a morte de todos os seus membros.

Veio Brasília, vieram a estradas unindo Brasília a quase todo o País. O autor deste artigo, em suas primeiras incursões ao Xingu, como estudante de antropologia, em 1965, ainda se lembra de Goiânia, uma cidade pequena, sem nenhum prédio mais alto. De um velho DC3 da FAB, que poderia levar semanas para chegar a Goiânia, com bancos de metal para o transporte de tropas, carregando todo tipo imaginável de carga e das escalas, freqüentemente com pernoite, em Aragarças e Xavantina, antes de pousar no atual Posto Leonardo, no Parque do Xingu.

Aragarças e Xavantina, cidades criadas a partir de bases da Expedição Roncador-Xingu, eram habitadas por funcionários da Fundação Brasil Central, cujo emprego era o de ali morar e, vez por outra, comunicar-se pelo rádio com outros centros semelhantes e com a sede em Brasília. Sua função era a de ocupar o território para o estado brasileiro. Aragarças era muito maior do que Barra do Garça, do lado matogrossense do Araguaia, ao contrário do que acontece hoje. Xavantina tinha uma meia dúzia de casas ao redor de uma antena de rádio e o indefectível “hotel de trânsito”, abrigado em uma casa velha. Depois vinha o Xingu, com seus índios ainda semi-isolados, e alguns, como o Txicão, efetivamente isolados.

Em uma das primeiras vezes que estivemos no Xingu, tivemos que correr alguns quilômetros, na companhia de outros jovens estudantes, uma vez que os Txicão estavam atacando outros índios na proximidade. Uma flecha cravada em uma árvore, interpretada como um aviso, serviu-nos de poderoso estímulo, aumentando, em muito, nossa velocidade.

Hoje, o Brasil Central está ocupado pelo estado e pela sociedade brasileiros. Aos exploradores sucederam-se os fazendeiros com a tecnologia de soja e de capim braqueara da EMBRAPA. Resta a Amazônia, mas a idéia do ignoto deixou de existir, no tempo dos levantamentos por satélite e dos GPS.

Embora os tempos heróicos não estejam mais conosco, novas bases ideológicas, apoiadas na ecologia, se superpõem ao nacionalismo geográfico. Uma população densa e homogênea não parecer fazer sentido em áreas equatoriais de floresta e nem representa uma necessidade para a afirmação da identidade nacional. O uso econômico da floresta, pelas populações que nela habitam, com uma tecnologia baseada no aproveitamento das espécies naturais; no manejo cuidadoso da mata; na indústria pesqueira fluvial; e principalmente, na exploração da biodiversidade para o desenvolvimento de alimentos e remédios, originam um novíssimo paradigma, indispensável a uma ocupação bem sucedida da Amazônia.

Se conseguirmos ocupar a Amazônia, preservando a floresta como sua maior riqueza e respeitando as populações indígenas e caboclas, teremos mais um motivo para reafirmar, com orgulho, nossa identidade nacional.

A invasão

Está tudo errado sobre esse negócio todo do Iraque pois não há guerra nenhuma e nem haverá. O que há, de verdade, é uma invasão. Os Estados Unidos estão invadindo o território de um país – a resistência será mínima – por interesses econômicos e políticos.

O triste da invasão, além da parafernália inútil que demonstra a força do gigante imaturo, está nas mortes dos inocentes. Crianças, velhos, homens e mulheres, que nada tem a haver com isso, morrerão vítimas das bombas e da completa ignorância que cerca tudo em torno da invasão.

A imprensa, ávida, faz o jogo. Chama a invasão e o desrespeito do território de outro país, bem mais fraco obviamente, de guerra – uma histórica fanfarronada. Faz crer que haverá um confronto semelhante ao da Segunda Grande Guerra, criará falsos heróis. Na volta, vamos ver em Nova York, na Quinta Avenida, o desfile dos “vitoriosos”. Sobre os ombros dos soldados papéis picados que cairão dos edifícios e o peso da verdade que carregarão em silêncio para o resto de suas vidas.

A Inglaterra nos deixa perplexos. Nós que passamos a vida admirando a resistência daquela Ilha comandada por Churchil, durante a Segunda Grande Guerra, vemos o Sr. Tony Blair jogar toda uma história de honra e verdadeiro heroísmo pela janela. Transformou a nação Inglesa em um iôiô dos Estados Unidos. A maior razão que deu ao Parlamento, para manter a invasão foi a de não ir com a cara do ditador iraquiano Saddan Hussein – não gosto dele. Aliás, quem gosta?

Eu também não gosto de algumas pessoas, poucas graças a Deus, nem por isso vou atacá-las em plena rua ou invadir suas casas dando bengaladas em seus filhos e familiares.

O que mais chama a atenção, porém, é o comportamento do Sr. George Bush. Colheu a suprema dor dos americanos agredidos pelo indescritível e inacreditável ataque de fanáticos às torres gêmeas para com ela garimpar mais dor pelo mundo afora.

Se há informações do envolvimento do Iraque a saída eminente é a que a ONU tentou costurar: desarmar o país e depois, com calma, negociar a democratização daquele estado independente pressionando o seu ditador e patrocinando um acordo que os próprios iraquianos participem, sob a supervisão das Nações Unidas.

Os Estados Unidos da América estão perdendo a grande oportunidade de calcados em sua grande força – militar, cultural, econômica e científica – levar o desenvolvimento ao mundo pobre, acabando com a fome e a miséria, trabalhando pelo desenvolvimento e pela igualdade dos povos. Oportunidade que poderia germinar da dor e da solidariedade de todos depois dos atentados de 11 de setembro.

Uma utopia necessária do bem vencendo o mal dos filmes de Hollywood da nossa infância. Não daqueles que os “cowboys” matavam os índios mas daqueles que o mocinho pobre, de bigodinho e chapéu coco, ajudava o menino órfão.

Carlos Zarur é jornalista

Crônicas portuguesas

Rota Brasil Oeste – Primeiro artigo de uma série da historiadora portuguesa Isabel Lago sobre a devoção ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil e suas origens em Portugal.

A cidade portuguesa de Matosinhos, onde resido, está situada no litoral oeste do país, dentro da área metropolitana do Grande Porto. O município é constituído pela cidade e 8 freguesias e tem uma população de um pouco mais de 160.000 habitantes. A cidade é formada pelas freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira. O concelho é limitado a norte pelo concelho de Vila do Conde, a leste pelo da Maia , a sul pelo Porto e a oeste pelo Oceano Atlântico. Ao longo da linha atlântica existem praias, pequenos portos de pesca artesanal e o segundo porto comercial e de pesca do país – o de Leixões.

Matosinhos tem uma longa tradição econômica e cultural ligada ao mar, e possuía, já século XVI, importantes estaleiros de construção naval assim como condições para a manutenção de um tráfego regular com a Europa do Norte e com as novas colônias de além-mar pela foz do rio Leça que ali desaguava. Neste local foi iniciada nos finais do século XIX e terminada apenas nos anos setenta do século XX, a construção de um imponente porto comercial, o segundo mais importante do país, que visava substituir o da Foz do Douro, no Porto, muito perigoso para a navegação devido ao assoreamento da sua entrada. Estes fatos possibilitaram uma aproximação muito grande entre Matosinhos e o Brasil, não só pelo seu papel de porto de saída de emigrantes mas, sobretudo, porque aqui se acolheram muitos dos que regressaram depois de “terem feito a América” investindo o que trouxeram ou praticando obras filantrópicas que deixaram marcas indeléveis no patrimônio e traçado urbano da cidade.


Actual igreja do Bom Jesus de Matosinhos, em Portugal, concluída em meados do século XVIII com ajuda de dinheiro proveniente do Brasil. Foto: Isabel Lago.

Monumento principal e ex-libris da cidade é o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Nele se venera a imagem do Cristo Crucificado que, a partir do século XVII, chegou ao Brasil e cuja devoção ali se difundiu.

Convidada pela equipa do Rota Brasil Oeste, atitude que muito me honrou, irei passar a participar no respectivo site com pequenas crônicas em que abordarei essencialmente o aspecto devocional do culto ao Senhor de Matosinhos no Brasil, cujo avanço se fez num movimento com partida do litoral ( Baía, Pernambuco e Rio de Janeiro) em direção ao interior oeste, sobretudo a Minas Gerais.

Até à próxima crônica fiquem com um abraço de uma portuguesa que também se sente brasileira.

Isabel Lago

Isabel Lago é Filósofa, Pedagoga e Historiadora, com mestrado em História Medieval pela Universidade do Porto.

Natural da cidade do Porto e residente na região de Matosinhos, Portugal, desenvolve pesquisas sobre Ordem Militar de Santiago em Portugal e a história local. Seu mais recente trabalho, Uma Rota de Fé: A devoção ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil, que é a base para essa série de artigos, será lançado em 7 de Junho próximo no âmbito das cerimônias da Romaria do Senhor de Matosinhos.