Terça-feira, 29/05/2001

Nosso trabalho está chegando a sua fase final. Hoje, foi o último de produção de matérias. Saímos cedo de Canarana-MT e dirigimos cerca de três horas, mais da metade em estrada de terra, até a aldeia de Pimentel Barbosa.

Ainda nos 40km de asfalto, passamos por dois filhotes de tamanduá e uma raposa atropelados. Em toda a viagem, víamos este tipo de acidente. É uma triste realidade, às vezes um estudo prévio de impacto ambiental poderia amenizar este problema. A BR-158, no entanto, foi construída na década de 1950 pela Fundação Brasil Central. Na época, não existia esta consciência ambiental nos projetos do governo. Atualmente, as coisas também não mudaram muito.

No caminho de terra, atravessamos uma região de fazendas de gado e, depois, um belo cerrado. Apareceram diversas siriemas e uma ema. O engraçado é que elas ficam correndo na frente do carro um bom tempo até descobrirem que podem voar ou desviar para o mato.

Na aldeia, fomos muito bem recebidos, com abraços e palavras de “sawyde”, ou amigo. O Xavante é mais sério que os xinguanos, mas igualmente hospitaleiro. Conversamos por longo tempo e, no final, compramos um pouco de artesanato e fomos presenteados com bordunas e flechas cerimoniais.

Na volta, vim resmungando dos buracos na estrada e dos quebra-molas. Amanhã, vamos direto para Barra do Garças onde pernoitamos. No dia seguinte, partimos para Brasília.

Fernando

OBS – Ainda não tive a oportunidade de comemorar o tetra-tricampeonato do Flamengo com os internautas. Só posso dizer uma coisa: aquele gol do Petcovic foi influenciado pelas rezas de Parú, índio Yawalapiti e rubro-negro.

Domingo, 27/05/2001

Leitores,

gostaria de aproveitar esse espaço para falar de um assunto sério: a situação dos índios xavantes da reserva de Pimentel Barbosa.

Como previsto, fomos hoje visitar duas aldeias, Tanguro e Caçula, que ficam dentro da reserva indígena de Pimentel Barbosa, a 70km de distância de Canarana-MT. Essa visita era muito importante para nós porque os xavantes foram o primeiro povo indígena encontrado pela Expedição Roncador-Xingu.

Chegando lá, encontramos um quadro muito diferente do bucolismo xinguano. Aqui os índios já perderam parte de sua cultura e são muito mais dependentes do não-índio. As ocas da aldeia têm pé direito e as paredes usam telhas galvanizadas, aproveitadas das instalações de uma antiga fazenda que ocupava a reserva. Os telhados das casas – ainda não entendi porque – são cheios de pneus velhos dependurados e a aldeia, que tem a forma de uma ferradura, abriga uma escola, feita de alvenaria, bem ao lado da última oca.

A própria demarcação da área xavante contribuiu para alterar sua cultura. Povo guerreiro e nômade, os xavantes vivem da caça e precisam de uma grande área de cerrado para alimentação. Com a sedentarização forçada, eles se tornaram dependentes da comida do não-índio, mas, por outro lado, não têm fonte de renda para comprar mantimentos nem roupa na cidade.

Em resumo, as aldeias são pobres. Parecem até uma periferia marginalizada de qualquer cidade grande. Nada daquela fartura que vimos durante a pesca com timbó nos Yawalapiti.

Nas cidades vizinhas, o preconceito é forte e tem razões históricas. A ocupação da região pelos não-índios foi sangrenta e são várias as histórias de massacres em aldeias, assim como de ataques dos índios às fazendas. Para algumas pessoas, é aberto o ódio aos índios. Para outras, é um sentimento velado.

Mas onde estão as fotos disso tudo, vocês devem estar perguntando. Não temos fotos. Os xavantes são muito desconfiados do não-índio. Muita gente já ganhou dinheiro vendendo fotos e material jornalístico às custas deles e qualquer trabalho do tipo tem de ser cuidadosamente combinado. Nossa estada nessas aldeias foi só uma visita informal – combinada graças ao Guilherme, que trabalha com ele há mais de 20 anos. Apesar disso, o que nos rendeu de mais valioso foram reflexões sobre como a vida aqui é mais dura que no Xingu.

Além disso, os índios do Pimentel Barbosa não tiveram contato direto com a Expedição Roncador-Xingu. Quem se relacionou mais com ela foram os xavantes da reserva de Areões, próxima a Nova Xavantina – MT. É pra lá que vamos amanhã e esperamos escrever um pouco sobre a história desse povo e a passagem da Marcha para o Oeste pela região.

Fábio