Cenas da relação índios e militares na fronteira amazônica

ISA – Durante quase dois meses do ano de 2000, a antropóloga Roberta Mélega (*) esteve em dois pelotões de fronteira situados em terras indígenas, buscando informações para escrever sua dissertação de mestrado. Leia o relato escrito especialmente para o site do ISA, a propósito de um especial sobre índios e militares, que reúne documentos sobre o tema. Roberta retrata cenas observadas por ela, que ilustram bem situações vividas entre índios e militares na fronteira amazônica.

Uma crônica da relação índios e militares na Cabeça do Cachorro (AM)

Em 2000 passei cerca de um mês no Pelotão de Fronteira (PF) de Maturacá, entre duas aldeias Yanomami e três semanas no Pelotão de Fronteira de São Joaquim, situado ao lado de uma aldeia Kuripako, no alto rio Içana. Na cidade de São Gabriel da Cachoeira entrevistei vários soldados e oficiais do 5° Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) e do Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), ao longo dos três meses que passei na região. Eis, a seguir algumas das minhas impressões a respeito da relação índios-militares:

Pelotão de Fronteira de Maturacá

No PF de Maturacá, pude observar um permanente clima de tensão entre os militares e as duas aldeias Yanomami ali presentes: Maturacá e Ariabu. Daniel, chefe da aldeia de Maturacá, reclamou inúmeras vezes da ligação que ocorre entre militares e índias: os militares (em sua maioria soldados) procuram as índias em busca de sexo e mesmo para um tipo de namoro. Muitas vezes as índias aceitam, recebem presentes, mantêm a ligação clandestina, mas quando ficam grávidas os militares somem ou negam o envolvimento (costumam ser transferidos).

Uma índia de Maturacá me falou de cinco garotas de sua tribo que engravidaram de militares. Com os dados que levantei, não foi possível caracterizar a natureza da ligação nesses casos (namoro, relação sexual consentida, estupro). Esta mesma índia me falou que um dia estava andando por uma picada quando viu um soldado atrás da árvore de calça abaixada provocando-a com palavras eróticas.

Em um dia de “festa” dos soldados no pelotão, ouvi de um soldado já meio bêbado que não dá para passar meses a fio sem mulher, que aquela situação era insustentável e que eles tinham que procurar as índias por extrema necessidade. Quando estive no PF de Maturacá, havia 42 soldados, dez cabos, sete sargentos e quatro tenentes (sendo três da área de saúde). A maior parte dos soldados não tinha família ali; dois sargentos também moravam sozinhos; e os três tenentes de saúde eram solteiros. Os militares que tinham mulher e filhos eram os que menos causavam problemas com índias ou pelo abuso do álcool. As esposas de militares conviviam bem entre si e cheguei a assistir um campeonato de vôlei das esposas com as Yanomami: três times de índias (das aldeias de Maturacá, Ariabu e das estudantes) e dois times de brancas (esposas de sargentos e do tenente; esposas de cabos e soldados).

O único soldado Yanomami que havia ali era o Lins, que morava em Maturacá e era considerado rebelde pelos seus superiores. Bebia bastante, já havia sido punido inúmeras vezes e desacatado o comandante, mas os militares conservavam-no ali, pois ele era o único elemento de ligação com as aldeias. “Se não tivesse disciplina e hierarquia seria bom o exército”, Lins desabafou. Ele acabou entrando para o exército para “tirar documento”, na linguagem dos soldados da região. Para tirar a carteira de trabalho, é necessário o documento de reservista, o que leva os índios a terem contato com o exército.

No meio da confusão, eles não ficam sabendo que, como índios, não precisam servir o exército se não quiserem – acredito que a maioria desejasse se alistar, mas conheci alguns que entraram para o exército por desinformação.

Em Ariabu os chefes também não gostam da proximidade dos militares, mas têm uma relação melhor com o pelotão por causa de um Yanomami mais integrado, que tem balsa de garimpo e barcos para fazer viagens a São Gabriel.

Mas mesmo em Ariabu existe um tipo de reação à expansão dos militares pela região. Em um domingo, os Yanomami das duas aldeias se reuniram depois da missa para discutir a ocupação que os militares estavam fazendo da área em volta da pista de pouso, para a construção de casas para soldados e cabos com família. Os chefes argumentavam que justamente por aquela região passava o caminho para várias de suas roças, e que estava ficando difícil chegar às plantações.

Uma situação recorrente nas aldeias Yanomami ilustra bem o choque cultural que ocorre entre eles e os militares. Praticamente todos os dias, do final da manhã até escurecer, os homens mais prestigiados da aldeia se reúnem para cheirar o paricá, uma substância fortemente alucinógena. Sob efeito do paricá, alguns homens realizam curas, outros têm visões, alguns inventam canções e renovam os mitos.

Quando entra em transe, o Yanomami vai dançar e cantar no meio da aldeia, que se torna então um espaço ritualmente sagrado para a tribo. Atravessar esse espaço durante o ritual é um tabu, como eu mesma verifiquei: na primeira vez que cheguei na aldeia de Maturacá, perguntei pelo chefe, e me apontaram a sua casa, que era do lado oposto de onde eu estava, e fui atravessando a aldeia, quando vi uma mulher gesticulando. Cheguei mais perto, e ela me falou em voz baixa: “não atravesse, vá pelas laterais, pois eles estão cheirando paricá!”. Imediatamente fui para uma das laterais e contornei a aldeia até chegar a casa do chefe.

Certo dia, quando estava na aldeia de Ariabu, os chefes me pediram para avisar os militares que eles não poderiam entrar de trator para buscar coco no meio da tarde, pois estaria ocorrendo o ritual do paricá. Fui ao pelotão, avisei um oficial, e ele me disse que não havia problema, que dava para ir “pela ponta” da aldeia. Voltei para a aldeia, e algum tempo depois, quando um Yanomami estava em transe no pátio da aldeia, apareceu o mesmo militar dirigindo o trator, tentando passar pelo centro da aldeia. Os índios que estavam participando do ritual se juntaram e impediram o trator de atravessar o centro. O coco seria usado para a comitiva de generais que chegaria no dia seguinte.

Apesar de ter presenciado todo o episódio, não consigo definir se os militares agiram daquela forma por ignorância do significado do ritual para os Yanomami ou por desrespeito intencional às crenças indígenas. A imagem romanceada de índio é muito usada nas comitivas que visitam o pelotão. O comandante pede na véspera para que os chefes apareçam “a caráter”, ou seja, pintados e de penas, e deixam os índios que quiserem entrar no pelotão.

Algumas vezes os chefes Yanomami vão, outras não. O soldado Lins é instruído para se pintar, vestir plumas e segurar uma zarabatana na hora da apresentação do pelotão (formatura), situação que ele odeia, como ele mesmo me confidenciou. Mas mesmo com todos os percalços, Lins continuava no PF: apesar dos Yanomami não gostarem muito dos militares, Lins tinha um certo prestígio por ser o “novo-rico” na fronteira. Sua casa tinha antena parabólica, telhado de zinco, ele usava roupas novas e ganhava R$ 600,00 por mês.

Terça-feira de manhã era o dia de troca no pelotão: dezenas de índias surgiam com mandioca, frutas, batata-doce e coco para trocar por arroz, feijão e leite em pó. Elas primeiro descarregavam o que tinham trazido e formavam fila para receber o combinado. Cada uma trazia seus saquinhos plásticos surrados e a maioria pedia para receber mais leite em pó, pois o feijão era muito duro de cozinhar sem panela de pressão. O sargento dizia não poder dar mais leite em pó e punha a quantidade combinada de cada item. Uma situação tensa, com o sargento reclamando das índias e as índias falando entre si em Yanomami e rindo…

Em uma terça-feira que não assisti à troca, uma índia me parou no meio da tarde na aldeia para me pedir que eu assistisse a todas as trocas, pois quando eu estava por perto, o sargento as tratava melhor, e que daquela última vez ele havia mandado embora muitas delas. Outra situação tensa ocorreu nas vésperas das eleições, quando surgiram candidatos distribuindo bolachas, tabaco e camisetas aos índios. Como já havia terminado a época de campanha, os militares começaram a apreender o material distribuído fora do período legal, e chegaram a incriminar uma candidata. Quando quiseram dar uma busca na aldeia Maturacá, os índios se juntaram na entrada e impediram o ingresso dos militares, dizendo que “vocês mandam no pelotão, quem manda na aldeia é a gente”.

Existe uma cantina no PF que é usada tanto pelos militares quanto pelos garimpeiros e os Yanomami. Os índios normalmente compram farinha, refrigerante, açúcar e biscoito a um preço bem alto. O que acontece a maior parte das vezes é que eles ficam endividados e sem muita perspectiva de pagar, causando tensão ainda maior com os militares. Outro problema é a bebida alcoólica: os índios das comunidades não podem beber, mas os índios soldados (como Lins) bebem com freqüência e se endividam (às vezes a lata de cerveja chega a custar cinco reais), causando confusão no pelotão.

Um dia antes de eu ir embora do PF de Maturacá, chegou uma comitiva organizada pelos militares para estudar o impacto ambiental da construção de uma estrada ligando Maturacá a São Gabriel. Os chefes indígenas das duas aldeias compareceram e ouviram o que o coronel responsável pela comitiva tinha a dizer: que a estrada ajudaria a escoar a produção de artesanato e mandioca dos Yanomami (tal benefício nunca havia sido cogitado pelos Yanomami) e facilitaria o acesso dos índios à cidade.

Depois de ouvirem, todos os chefes se manifestaram contra a construção da estrada, alegando que destruiria rapidamente o modo de vida Yanomami. Ficaram, então, de um lado, o coronel falando dos pretensos benefícios que a estrada traria; e de outro, os chefes indígenas dizendo que a estrada traria a destruição dos costumes tradicionais. Soube posteriormente que a estrada foi aprovada pelo Comando Militar, mas ainda não começou a ser construída. Pelo que pude observar, a alegação dos índios me pareceu procedente: a estrada ligaria aldeias que vivem em um modo tradicional Yanomami, a uma cidade com quase 12 mil habitantes, com comércio, telefone e outros estímulos urbanos. O choque cultural seria muito grande, pois os Yanomami sentiriam a presença do branco tanto em São Gabriel (os mais jovens se interessam por viver na cidade), quanto nas aldeias (facilita o acesso de brancos curiosos por conhecer uma aldeia indígena, além da maior presença dos militares).

Pelotão de Fronteira de São Joaquim

A reação dos Kuripako aos militares no PF de São Joaquim, no alto rio Içana, é bem diferente. Como não há lugar no pelotão para soldados e cabos com famílias, eles acabam alugando uma casa na aldeia Kuripako vizinha ao PF. Não vi soldado não-índio morando na aldeia, somente de outras etnias além da Kuripako. O deslocamento de tropas, que para os militares é bastante comum, para os índios tem outras implicações.

Os índios podem não se adaptar por questões culturais.
Por exemplo, um soldado Tukano me falou que os Kuripako são conhecidos entre os Tukano por serem traiçoeiros, por envenenarem quem eles não gostam. Este soldado estava morando em São Joaquim havia alguns meses, e continuava desconfiado dos Kuripako.

Outro problema é o da hierarquia, que é própria do Exército, mas que tem outros significados entre os índios. Se um cabo Maku der ordens a um soldado Tukano, provavelmente este soldado não obedeceria ao cabo. Enquanto os Maku são um povo tradicionalmente nômade e caçador, de pequena estatura, os Tukano são fortes, têm várias roças, pescam e moram em aldeias muito bem organizadas. As duas etnias vivem numa relação simbiótica: os Maku fornecem caça e frutas aos Tukano, enquanto estes últimos dão em troca mandioca e outros produtos agrícolas.

Os Tukano exigem freqüentemente demonstrações de subordinação do povo Maku, que é muitas vezes chamado de “os acendedores de cigarro” dos Tukano. Dentro deste contexto cultural, dificilmente haveria uma adaptação no exército entre pessoas com papéis tão diferenciados historicamente.

Evangélicos, os Kuripako não bebem, fazem refeições comunitárias e passam quase o dia inteiro nas roças. Os cultos evangélicos na língua indígena acontecem todos os dias, e os Kuripako se reúnem também para o trabalho coletivo na aldeia.

Os soldados índios do PF que moram na aldeia (principalmente os não-Kuripako) desestruturam muitos destes costumes. Primeiro, porque eles não participam da vida da comunidade: suas mulheres não vão à roça, eles não ajudam nos trabalhos coletivos nem fazem refeições juntos. Segundo, porque eles começam a trazer hábitos que a comunidade não sabe lidar: dinheiro para pagar os homens por algum serviço; bebida alcóolica (já houve um caso de um soldado bêbado ameaçar o chefe da comunidade); gravidez de índias da aldeia por soldados que rapidamente são transferidos.

Embora tenha ouvido falar de casos mais explícitos de abuso por parte dos soldados, muitas vezes a ligação índia-militar interessa a ambos: mais de um soldado me apontou confidencialmente algumas garotas que vagueiam pela pista de pouso à noite em busca de parceiros. Para muitas delas, a idéia de se relacionar com um militar é uma forma de fazer parte do mundo do branco.

Uma figura importante para compreender essas ligações era Tiago, cabo Kuripako que morava na aldeia e que era o intermediário nas relações índios-PF. Bem-visto no pelotão e na aldeia, ele conquistou o respeito e a confiança de ambos. Seu filho adoeceu, e Tiago esperava vir socorro médico por avião, que não apareceu. Depois da morte de seu filho, ele estava indo morar em São Gabriel.

O número de soldados, cabos, sargentos e tenentes de São Joaquim é semelhante ao PF de Maturacá. De um modo geral, os Kuripako eram muito mais submissos aos militares que os Yanomami. Quando chegava uma comitiva, todos os índios da comunidade iam cantar o hino nacional para os generais, enquanto os Yanomami pensavam duas vezes se apareceriam no pelotão.

Mesmo assim, os Kuripako demonstram uma certa desconfiança em relação aos militares. Foi-me relatado por uma índia e dois militares que, alguns meses antes, um chefe Kuripako tinha adoecido gravemente e o médico do pelotão não era bem visto pelos Kuripako. Quando o avião militar chegou para levar o enfermo para o hospital de São Gabriel, ele tinha acabado de falecer. O médico colocou algodão nas narinas do morto, preparando-o para o enterro. Os Kuripako viram a cena e começaram a acusá-lo de ter matado seu chefe, e desde então a ligação do médico com os índios piorou muito.

Percebendo essa desconfiança, um enfermeiro de uma ONG que cuida da saúde dos Kuripako fixou-se em uma casa próxima à comunidade para atender os índios. Ele me contou que na vez anterior, havia se instalado no pelotão, e não apareceu quase nenhum índio para ser consultado.

A mesma situação de Maturacá, do soldado indígena como o “novo-rico” da fronteira, acontece em São Joaquim: telhados de zinco, parabólicas e o uso de bebidas alcóolicas trazem um novo status para esses jovens. De um modo geral, as índias das aldeias e mesmo de São Gabriel preferem casar com um militar – assim, o índio soldado é mais valorizado por elas que o índio não-soldado.

Relatos de Militares e de Esposas de Militares

Atuando na região chamada “Cabeça do Cachorro”, o exército possui seis pelotões ao longo de 1.500 Km de fronteira: Iauareté, Querari, São Joaquim, Cucuí, Maturacá e Pari-Cachoeira e, em construção, Tunuí. Oficiais em começo de carreira, esposas de militares e um sargento me contaram que a Amazônia é uma região atraente para os militares da infantaria.

A verba da transferência, que depende da distância e do tempo de serviço, é significativa para os oficiais e mesmo para os sargentos. Somente para ir, um sargento ganha em média R$ 25 mil, um tenente, R$ 30 mil, um capitão, R$ 35 mil, um coronel, R$ 40 mil e um general, R$ 70 mil (de acordo com os relatos que tive). A volta depende do lugar da transferência. Esses números são aproximados, pois variam também com o número de dependentes (solteiro ganha menos).

Tipicamente, um tenente que saiu de Santa Catarina para servir na Amazônia vai ganhar bem mais que um tenente nas mesmas condições que saiu do Pará. A esposa de um tenente do Sul me disse que seu marido ganharia cerca de R$ 70 mil com ida e volta à terra natal.

Um oficial em começo de carreira me informou que, a cada dois anos, o oficial pode indicar cinco opções de lugares que deseja ir, depois deve passar no mínimo dois anos no local, e pode pedir uma nova transferência, se desejar partir.
Segundo ele, a Amazônia tem sido cada vez mais colocada em primeira opção de escolha.

Esse mesmo oficial me explicou que existe a “medalha de mérito amazônico”: Dois anos sem punição dá direito a uma castanheira; cinco anos: duas castanheiras; dez anos: três castanheiras, o que ajuda na futura promoção. Segundo ele, a estadia na Amazônia conta 1/3 a mais de tempo para a aposentadoria. A mulher de um tenente que veio da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) me contou que o marido precisou da influência de um general para servir em São Gabriel.

Dos recém-formados em 2000 que escolheram servir na Amazônia, conversei com o mais bem colocado, que ficou em 23° lugar. Ele me disse que quatro recém-formados escolheram servir em São Gabriel, e dentre eles, o pior colocado era o 63° lugar, do total de 160 formandos. Existe apenas um oficial indígena no Brasil, segundo informações dos militares da região: Josimar Marinho, índio Tukano, tenente e capelão (veja nota 1 ao fim do texto).

Todos os outros índios que pertencem ao exército são majoritariamente soldados, em menor número cabos, e me disseram haver alguns casos de sargentos (que eu mesma não conheci). O comandante me informou que vem crescendo o número de jovens indígenas que ingressam voluntariamente nos batalhões de São Gabriel a cada ano (veja nota 2, ao final do texto).

Conversando com soldados e oficiais, pude constatar que são poucos os índios integrantes do exército que estão estabilizados na sua posição, fazendo parte do efetivo permanente. A maioria é obrigada a se desligar com oito anos de serviço, a fim de evitar a estabilidade. Um oficial me disse que isso não ocorre apenas com os índios, mas faz parte de uma política administrativa dos militares para enxugar os custos: restringir o número de funcionários militares estabilizados, que têm direito à aposentadoria pública, à saúde, ao pagamento de pensão à viúva, entre outros.

Conheci um soldado e um cabo indígena que foram estabilizados justamente por possuir habilidades específicas: um sabia andar bem no mato de São Joaquim e pilotar barcos à noite, o outro era um importante elemento de ligação do pelotão com a comunidade vizinha. Entretanto, de um modo geral os índios fazem trabalhos pouco qualificados no quartel, como pintar paredes, fazer faxina, entre outros, e acabam sendo dispensados muito antes da estabilização.

São Gabriel é uma cidade sem infra-estrutura, com alto índice de desemprego, e os índios que ali permanecem acabam exercendo as funções mais desvalorizadas: faxineiros, vendedores, pescadores, entre outros. Essa situação miserável leva a uma hiper-valorização do exército como o “redentor”, a solução dos problemas. Em um certo sentido, os militares simbolizam o poder dos brancos, e alistar-se no exército é uma forma de tentar fazer parte desse poder.

Constatei que a maior parte dos soldados indígenas vai se acomodando, permanecendo no exército até quando for possível, sem maiores preocupações com o futuro. Conheci um soldado Tukano no PF de Maturacá que havia gasto o dinheiro de todo um ano de trabalho no pelotão em apenas duas semanas em São Gabriel. Alguns soldados indígenas estavam endividados no PF por causa do gasto com bebida.

Enquanto estão no Exército, os soldados indígenas são prestigiados pelos demais índios por possuírem casa com telhado de zinco em vez de palha (apesar do telhado de zinco esquentar e fazer um barulho ensurdecedor nas chuvas, ele é valorizado porque dura mais) e antena parabólica. Recebendo a quantia inicial de um salário mínimo no primeiro ano, o soldado reengajado recebe um aumento substancioso a partir do segundo ano: cerca de R$ 600,00, variando de acordo com o tempo de serviço e o número de dependentes (segundo informações dos militares). Para a região, é um dinheiro considerável, que atrai a admiração da família e o interesse das mulheres.

Quando são desligados, os índios deixam a instituição militar bastante desorientados: já viveram demais a vida de branco para voltar, como se nada tivesse acontecido, para suas aldeias. Verifiquei que a maior parte dos Yanomami e Kuripako que serviram o exército voltaram para suas comunidades. A volta depende de alguns fatores, como raízes na comunidade, vínculos na cidade e tempo de quartel.

Tipicamente, o soldado indígena cujos pais ou a companheira já residem em São Gabriel e permanecem mais de quatro anos no quartel tendem a se fixar na cidade depois que deixam a instituição militar. Já os que passaram apenas um ou dois anos no exército e possuem raízes fortes nas aldeias tendem a voltar para suas comunidades.

Em 2000, o comandante me informou que ingressaram nos batalhões de São Gabriel 180 índios e 50 soldados de fora (das cidades de São Gabriel, Barcelos, Santa Isabel e em último lugar, Manaus). Segundo ele, os índios militares já representam quase 40% dos cabos e soldados da região, e a perspectiva para os próximos anos é de aumentar ainda mais o efetivo indígena no exército e o número de pelotões de fronteira na região amazônica.

(Nota 1 : Josimar não está mais no Exército)
(Nota 2: esse quadro est´se revertendo com os recentes cortes de verbas no Exército, motivando a dispensa de milhares de jovens recrutados)

(*) A autora realizou uma pesquisa sobre a relação índios e militares, como aluna de Mestrado em Antropologia da Universidade de São Paulo. Daí resultou em 2001 a dissertação de mestrado intitulada “À margem das culturas: um estudo de casos de índios brasileiros marginais”

Mão-de-obra indígena recebe qualificação

Agência Brasil – ABr – A Secretaria de Saúde de Mato Grosso do Sul continua hoje a capacitação de agentes multiplicadores que empregam mão-obra-indígena. O encontro reunirá por dois dias profissionais de saúde que trabalham nas diversas empresas. O qualificação está sendo realizada desde ontem, no Hotel Vale Verde, nesta capital. O objetivo, segundo a coordenação estadual do DST/Aids, responsável pela organização, é conscientizar o público alvo e instruí-lo para que transmitam corretamente ao povo indígena medidas preventivas contra Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST e Aids, respeitando as diferenças entre os povos.
Participam representantes dos municípios de Brasilândia, Sidrolândia, Nova Andradina, Nova Alvorada do Sul, Dourados, Maracaju e Naviraí. Estão sendo oferecidas trinta vagas.

Pró-Ambiente incentiva produção sustentável familiar na Amazônia

Agência Brasil – ABr – Quinhentas famílias assentadas na região Noroeste de Mato Grosso aderiram ao Pró-ambiente – Programa de Desenvolvimento Sustentável da Produção Familiar Rural na Amazônia, com o compromisso de prestar os serviços ambientais, a partir de janeiro de 2003. Os agricultores se comprometem a trabalhar para evitar ou reduzir queimadas, reflorestar e adotar sistemas agroflorestais, restabelecer as funções dos ecossistemas e conservar a biodiversidade e o solo. As famílias serão recompensadas com remuneração ou abatimento do financiamento para a produção.

O programa abrange os nove estados da Amazônia Legal e atenderá 12 mil famílias. Em Mato Grosso, na região Noroeste, foram selecionadas 200 famílias do município de Juína, 100 de Castanheira, 100 de Juruena e 100 de Cotriguaçu.

O Instituto Pró-Natura, organização não governamental de pesquisas e estudos ambientais dará assistência técnica, visando a certificação ambiental. O Instituto atua na região há uma década, incentivando o desenvolvimento sustentável no projeto de conservação e uso sustentável da biodiversidade nas florestas do noroeste de Mato Grosso, em parceria com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema),

O Pró-Ambiente é direcionado a produtores familiares da Amazônia Legal, voltado para a produção em sistemas equilibrados, com manejo integrado dos recursos naturais em toda a unidade de produção. É executado através dos sub-programas de crédito ambiental e de serviços ambientais. O crédito ambiental é de até R$ 20 mil, ou até R$ 800 mil por associação ou cooperativa. O financiamento é amortizado em dez anos, após cinco anos de carência, podendo ainda ter 40% de abatimento se obtida a certificação ambiental.

Os recursos são provenientes dos fundos de capital, de apoio e ambientais. O fundo de capital é constituído pelos créditos agrícolas existentes no mercado – como os dos Fundos Constitucionais e Pronaf. Os fundos de apoio e ambientais contam com recursos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente, do Banco Mundial, do BNDES, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e de multas cobradas de empresas.

rvore norte-americana é opção para produção de látex

Agência Brasil – ABr – A Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) assina na 4ª feira (13) convênio técnico com a Universidade do Arizona para recebimento de apóio técnico nas pesquisas que desenvolve há um ano com a planta guayule (Partenium argentatum). Originária da região sul do Texas (EUA) e norte do México, o vegetal produz látex de alta qualidade e adapta-se facilmente a solos áridos. Por essa qualidade, o guayule é apontado como uma alternativa agrícola viável para o norte/noroeste fluminense.

O professor Sílvio Lopes Teixeira, do Laboratório de Fitotecnia (Lfit) do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA), coordenador dos estudos, diz que o convênio prevê o fornecimento, pela Universidade do Arizona, de cultivares da planta, assim como o seu acompanhamento das pesquisas.

A guayule produz uma borracha especial, que não tem alergênicos (substâncias capazes de provocar alergia), ao contrário da seringueira, por exemplo, que tem um composto químico que causa alergia em algumas pessoas. Por ser de excelente qualidade é empregada em materiais cirúrgicos como luvas e cateteres, bem como em preservativos e pneus de avião, entre outros produtos.

O experimento tem ainda o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Faperj), da Embrapa e Pesagro-Rio.

Tráfico de animais ameaça megadiversidade brasileira, alerta Ibama

Agência Brasil – ABr – O Brasil tem uma das maiores diversidades de fauna do mundo. Ocupa o primeiro lugar em número de espécies, com cerca de três mil variedades de vertebrados terrestres e três mil de peixes de água doce. O país tem ainda 483 espécies de mamíferos continentais e 41 marinhas. Ocupa a terceira posição em relação às aves, com cerca de 1677 espécies. Em relação aos répteis, são 468 espécies. Quanto aos anfíbios, o território brasileiro abriga nada menos do que 517 espécies diferentes.

Essa é uma parte do que é apresentado pelo Ibama no livro “Animais silvestres – vidas à venda”, organizada pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) e lançado esta semana em Brasília.

Longe de serem estáticos, esses números aumentam a cada dia, pois novas espécies aparecem à medida que os pesquisadores se aprofundam em regiões ainda intocadas, principalmente na Amazônia. Poderíamos continuar tranquilos e comemorar tamanha riqueza não fosse o saque diário que a fauna silvestre do país sofre em praticamente todas as regiões.

A retirada e o comércio ilegais de animais selvagens das florestas, rios e mar é capaz de chocar pelo volume traficado e pela crueldade com que são tratados os animais. De acordo com a Renctas, são cerca de 38 milhões de animais retirados da natureza todos os anos no Brasil para movimentar um comércio ilícito milionário. Em escala mundial, estima-se que o tráfico de animais silvestres movimenta entre 10 e US$ 20 bilhões. O Brasil participa com cerca de 5 a 15% desse crime, com números que podem chegar a 4 milhões de animais traficados.

Depois da perda de habitat, o tráfico de animais é o maior responsável pelo desaparecimento de espécies da natureza. Estima-se que de cada dez animais traficados, apenas um sobrevive devido ao estresse emocional e às condições de maus tratos sofridas pelos bichos durante a captura e o transporte.

Comunidades indígenas terão campanha de combate à Aids e DSTs

Agência Brasil – ABr – Os projetos Prevenção no Campo e Voluntários das Comunidades Indígenas se preparam para o Dia Mundial de Combate à Aids em Mato Grosso do Sul. O primeiro projeto iniciado no segundo semestre deste ano, em Mato Grosso do Sul tem como objetivo levar às escolas rurais próximas à Campo Grande orientações sobre as DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e Aids. São feitas, semanalmente, palestras e apresentações de teatro com o grupo Cara de Pau em 17 escolas de Ensino Fundamental e Médio.

A idéia do projeto, segundo o coordenador Everaldo José da Silva, nasceu da necessidade de trabalhar na prevenção das doenças destinado ao público infantil e adolescente nas regiões de assentamento. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Secretaria Estadual de Saúde e a Organização Não-Governamental Interativa estão desenvolvendo um trabalho de prevenção as DSTs/ Aids nas populações indígenas do estado. De acordo com a médica ginecologista Nazira Scaffi, da ONG Interativa para o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, estão previstas várias atividades para informação e orientação à população das aldeias nos diversos municípios.

Como parte da programação, grupos teatrais vão abordar temas relacionados às doenças sexualmente transmissíveis. A médica explica que, por meio de dinâmicas de grupo, índias da aldeia de Taunay estão participando da mobilização do Dia Mundial de combate a Aids. Dentro da programação, as representantes das etnias guarani – Kaiowá, Guató, Terena, Ofaié – Xavante e Kadwéu, já participam de diversas dinâmicas no trabalho de prevenção a essas doenças.

Marília de Castro

Aprovado projeto sobre produção de sementes

Agência Câmara – Foi aprovado hoje, na Comissão Especial que trata do assunto, o substitutivo do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR) ao Projeto de Lei 4828/98, do Executivo, que regulamenta a produção, o comércio e a fiscalização das sementes.

O projeto resgata e legitima o conceito de semente crioula, aquela utilizada na agricultura familiar, sem mudanças tecnológicas ou genéticas. Hoje, o agricultor que trabalha com esse tipo de semente não tem acesso aos financiamentos oficiais, que são destinados apenas aos que utilizam as sementes certificadas pelo Ministério da Agricultura.

O texto favorece, assim, o pequeno produtor familiar, que não pode competir com o plantio de sementes certificadas ou não certificadas, como a semente híbrida, que oferecem maior lucratividade e custos menores de produção. “Não é justo que um pequeno agricultor tenha de submeter-se às garras de grandes empresas que produzem e dominam o mercado”, diz o relator.

Cadastro de produtores

O substitutivo redefine os conceitos de semente, grão e muda, e cria o Cadastro Nacional de Sementes, o que, segundo o relator, vai permitir a centralização do controle de qualidade do produto comercializado no País. “Nosso substitutivo regulamenta o comércio de sementes tecnica e politicamente, para que o Brasil tenha uma lei moderna e atualizada, capaz de resgatar perdas que tivemos”, afirma Micheletto.

A responsabilidade do plantio, cultivo e qualidade passa a ser do pequeno, médio ou grande produtor cadastrado, com apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, responsável por fiscalizar e supervisionar as atividades por meio do Registro Nacional de Produção, Comércio e Fiscalização de Sementes (Renasem) e do Registro Nacional de Cultivares.

De acordo com o Ministério da Agricultura, o Brasil ocupa hoje o segundo lugar no ranking mundial da produção de sementes. O setor movimenta no País cerca de R$ 1,2 bilhão por ano e gera 300 mil empregos diretos e indiretos.

O projeto segue agora para votação no Plenário da Câmara.

Por Lucélia Cristina e Patricia Roedel

Salvamento de pirarucu alcança recorde em GO

Agecom – A operação de salvamento do peixe pirarucu na região do Araguaia bateu um recorde este ano. Foram salvos 3.456 filhotes da espécie e 23 adultos. Nos anos anteriores, este número ficava entre mil e dois mil peixes. O trabalho é realizado pela Agência Ambiental entre julho e o início de novembro. No processo de salvamento, alguns criatórios registrados junto à agência recebem as matrizes. Parte dos filhotes produzidos em cativeiro retorna para o órgão, para que possa restabelecer o equilíbrio na natureza e incentivar a criação do pirarucu.

O salvamento, que geralmente começa em agosto, foi antecipado este ano para julho por causa das inundações na região do Araguaia. Quando o nível da água começa a baixar, o pirarucu fica preso em lagos ou em locais cheios de pedras. O trabalho das equipes é recolher o peixe, devolvê-lo ao rio e fazer a seleção dos locais onde os filhotes serão colocados.

Arsênio contamina água de cidades históricas de Minas Gerais

Jornal da Unicamp – Pesquisa realizada pelo engenheiro geólogo Ricardo Perobelli Borba revelou sinais de contaminação por arsênio no solo e na água utilizada por moradores do Quadrilátero Ferrífero, que abrange as cidades de Ouro Preto, Santa Bárbara, Nova Lima e outras cidades históricas, em Minas Gerais. O arsênio está entre os metais mais nocivos à saúde humana, como o mercúrio, o chumbo e o cádmio. Em concentrações elevadas (acima de 10 microgramas por litro de água potável, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)), pode causar vários tipos de cânceres, como o de pele, pâncreas e pulmão, além de abalos ao sistema nervoso, malformação neurológica e abortos.

O arsênio pode ser liberado na natureza por meio de causas naturais, como o contato da água de rios e nascentes com rochas que apresentam elevada concentração do metal. No caso do Quadrilátero Ferrífero, porém, a contaminação, segundo o estudo, estaria relacionada à intensa mineração de ouro, explorada nos últimos 300 anos. “A região já apresenta naturalmente uma alta concentração de arsênio, mas a mineração secular contribuiu para que a poluição ambiental ficasse hoje muito grave”, diz o professor Bernardino Ribeiro de Figueiredo, que orientou a tese de doutorado do pesquisador, intitulada “Arsênio em ambiente superficial: processos geoquímicos naturais e antropogênicos em uma área de mineração aurífera”, defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

A pesquisa se concentrou na análise de sedimentos e águas fluviais, solos e rochas nas bacias dos rios das Velhas, da Conceição e do Carmo. Os resultados, segundo Figueiredo, reforçaram os dados obtidos por pesquisadores alemães e brasileiros, em 1998, quando se constatou contaminação por arsênio na urina de crianças entre sete e onze anos, matriculadas em duas escolas de Nova Lima. Na época, de acordo com Figueiredo, 20% das crianças tinham concentrações de arsênio na urina acima de 40 microgramas por litro. Até aquele momento, elas não apresentavam sintomas de doenças provocadas pela contaminação.

A tese defendida por Borba recomenda o monitoramento da saúde humana em todo Quadrilátero Ferrífero, já que há outras áreas que ainda não foram estudadas.

Foram coletadas amostras de sedimentos de rios, águas de rio e subterrâneas, de solo e de rochas que continham o arsênio. A equipe da Unicamp contou com colaboração dos órgãos ambientais de Minas Gerais e de profissionais do Serviço Geológico Britânico. “Observamos que, próximo às áreas de mineração, as concentrações de arsênio nas águas e sedimentos dos rios e nos solos das bacias de inundação são mais elevadas. Na estiagem, por terem solos férteis, muitas dessas bacias são usadas para cultivo de alimentos”, explica Borba.

A tese é um dos trabalhos pioneiros sobre o arsênio no Brasil e, justamente com o monitoramento humano realizado em crianças, ela chamou a atenção das autoridades para o problema do arsênio numa região habitada por mais de 3 milhões de pessoas, apenas somando a população de Belo Horizonte e seus arredores.

Em especial em Ouro Preto, várias minas abandonadas costumam drenar água de qualidade relativamente boa, mas nela também foi constatada a presença de arsênio. Apesar disso, a prefeitura ainda a utiliza para o abastecimento público, onde é encontrada concentração de arsênio em níveis que, segundo Borba, devem ser monitorados. Em sua tese, ele recomenda o mapeamento das áreas contaminadas. “É necessário o monitoramento constante para saber como estas águas são consumidas, pois alguns problemas só aparecem muitos anos após sua ingestão”, afirma.

Como a maioria dos rios está muito assoreada e também tem péssima qualidade, visto que recebem diretamente os esgotos não-tratados, as prefeituras tendem, cada vez mais, a coletar águas subterrâneas para abastecimento de populações. Caso a captação ocorra ao redor de locais usados para mineração do ouro, pode haver uma contaminação natural da água presente em rochas ricas em arsênio. Este fato, para o geólogo, reforça a proposição de um monitoramento da qualidade das águas.

O arsênio é um elemento químico que ocorre na natureza em diferentes estados de oxidação, formando vários compostos. Na água, ele pode aparecer nas suas formas inorgânicas e orgânicas. A forma mais nociva ao homem é a inorgânica, com valência +3 e +5, sendo a mais tóxica a +3. O metal aparece em rochas e em minérios. Nas rochas do Quadrilátero, o arsênio ocorre principalmente em minerais como a arsenopirita e pirita, que estão associados ao minério de ouro.

Na atividade de mineração, o ouro foi aproveitado e o rejeito, em que há concentração do arsênio, foi desprezado nos rios até a década de 80, passando por muitas transformações químicas que resultaram na liberação parcial do arsênio para os solos e para as águas dos rios.

No passado, o arsênio chegou a ser usado na composição de remédios, em pequenas concentrações, em pesticidas e em outros materiais. “Na verdade, o arsênio torna-se nocivo dependendo do volume empregado, podendo produzir intoxicação e efeitos colaterais”, explica o professor Figueiredo do IG.

Ele acredita que as sociedades continuarão, por muito tempo, realizando a mineração do ouro, extraindo-o das rochas para diferentes usos. “A mineração moderna tem os recursos e as tecnologias para conciliar a produção do metal que a sociedade precisa e a proteção do meio ambiente”, diz. “O que temos no Quadrilátero é uma questão que não é produzida pela mineração atual, pois a nova indústria está sujeita a leis ambientais e está sob os olhos de uma opinião pública vigilante”, completa.

Segundo ele, a contaminação da região resulta de uma atividade de mineração de 300 anos em que reinava o passivo ambiental, uma situação adversa herdada pela geração das práticas do passado, nas quais não existiam leis, consciência, tecnologia e nem intenções. “A sociedade brasileira terá de saber o que fazer com essa herança deixada pelos mineradores e pela atividade iniciada pelos bandeirantes”, conclui.

O Quadrilátero Ferrífero é conhecido como a mais famosa província aurífera do país, abrigando minas de ouro em funcionamento desde o século 17. Em decorrência de sua mineração, os resíduos, lançados nas drenagens em muitos locais do Quadrilátero até 1980, contaminaram os sedimentos dos rios. Além da mineração, no passado haviam fábricas de óxido de arsênio que, no julgamento do pesquisador, devem ter contribuído, por meio do lançamento de metais e de arsênio na atmosfera, para a contaminação dos solos nas áreas vizinhas às fábricas, onde residem muitas comunidades.

O pesquisador conta que os trabalhos sobre a exposição humana ao arsênio e os estudos ambientais nessa área têm sido intensos em vários países. Verdadeiras catástrofes tornaram-se conhecidas no mundo, como as de Bangladesh, Mongólia e Bengala Ocidental, a partir de exposição prolongada ao arsênio, por consumo de água contaminada. Após algum tempo, nestes locais verificou-se que milhões de pessoas apresentavam doenças causadas pela contaminação.

Consórcio regula uso da água da Bacia do Alto Tocantins

Agência Brasil – ABr – A sede do Consórcio Intermunicipal de Usuários de Recursos Hídricos da Bacia do Alto Tocantins foi inaugurada hoje, em Alto Paraíso (GO), cidade próxima à reserva ambiental da Chapada dos Veadeiros, a cerca de 227 quilômetros de Brasília. A cidade fica no centro da bacia e a escolha para receber a sede é considerado, pelos consorciados e ambientalistas, um passo importante para a criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tocantins.

O consórcio foi constituído para promover o uso eficiente dos recursos naturais da região, em especial a água, e combater a degradação ambiental. Para realizar esta tarefa, deverá trabalhar pela criação do Comitê de Bacia, órgão que possibilita gerenciar a água de forma descentralizada e integrada com a participação da sociedade.

“Com a instalação da sede em Alto Paraíso temos condições técnicas e operacionais para promover, a partir do consórcio, um maior engajamento e a total inserção da comunidade no processo de desenvolvimento sustentável da região”, diz o presidente do Conágua Alto Tocantins, como o consórcio é conhecido, Joaquim Pires, que também é prefeito de Minaçu, um dos municípios que já se associou ao consórcio.

A sede do Conágua foi disponibilizada pela parceria do WWF-Brasil com a Ecodata, instituições que trabalham pela conservação da Bacia do Alto Tocantins. O mesmo prédio abriga o escritório da Reserva da Biosfera do Cerrado-Goyaz, também inaugurado hoje.

A Bacia do Alto Tocantins abrange 17 municípios goianos, três de Tocantins (Palmeirópolis, Paranã, São Salvador) e áreas inseridas em três administrações regionais do Distrito Federal (Planaltina, Sobradinho, Brazlândia). Ela faz parte da Reserva da Biosfera Cerrado-Goyaz e da Área de Proteção Ambiental (Apa) Pouso Alto. Suas águas também passam pelo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e pela Estação Ecológica das Águas Emendadas. A Bacia abrange zonas de extrema importância para a preservação, como áreas de Cerrados de
altitude, onde brotam as principais nascentes da região.

“Trata-se de um bioma importante e ameaçado, uma região absolutamente estratégica, na qual nascem os principais rios brasileiros”, explicou Samuel Barreto, coordenador do Programa Água Para a Vida, do WWF-Brasil. “Nosso objetivo, com essa parceria, é apoiar ações descentralizadas e participativas, em prol do ecossistema e do desenvolvimento das pessoas
que nele vivem.”

Na área da Bacia, de quase 55 mil Km², vivem cerca de 500 mil pessoas – a maioria concentrada na sede das cidades, o que causa grande impacto ambiental, em conseqüência da produção e despejo de lixo e esgoto. Os maiores consumidores de recursos hídricos – agora parceiros do Conágua – são o poder público e a população (prefeituras, Saneago, Caesb), agricultores e pecuaristas (irrigadores, piscicultores, pecuaristas), geradores de energia (Serra da Mesa, Cana Brava e São Salvador, entre outras hidrelétricas) e a Indústria (entre elas Sama e Cimento Tocantins), além de pescadores e empreendedores de turismo e lazer.

Constituído em 2001, o Conágua Alto Tocantins é um instrumento moderno, inovador e democrático, uma vez que institui a colaboração entre usuários de recursos hídricos, autoridades, empresas, Ongs e a população em geral. “Lado a lado, todos nós dividimos a responsabilidade de garantir que haja água de boa qualidade e em grande quantidade, aqui, agora e no futuro”, diz o coordenador-geral do Consórcio, Donizete Tokarski, também presidente da Ecodata. “O Conágua é, justamente, o mediador desse processo, ao facilitar a comunicação e chancelar as articulações que o alimentam e lhe dão legitimidade.” Segundo Tokarski, como ponto de convergência de diversas iniciativas, o Conágua transformou-se em referência para os projetos ambientais e de desenvolvimento sustentável na região.

Aos municípios de Goiás que já participam do Conágua – Água Fria, Alto Paraíso, Campinaçu, Minaçu e Uruaçu – juntam-se agora as prefeituras de Planaltina e Colinas do Sul. E confirmam-se também outras adesões, de Ongs, empresas e vários institutos: Trilha do Sol, OCA Brasil, Sindicato Rural de São João DAliança, Associação de Empreendimentos de Turismo de Qualidade, Rede Bioma Cerrado, Funatura, Acordo Cerrado, Berço das Águas, Associação de Reservas Particulares de Proteção Natural (RPPN) de Goiás e do DF e o Instituto Brasileiro de Administração para o Desenvolvimento (Ibad).

O Consórcio inaugura a sede celebrando o fato de que o Ibama deve destinar diretamente à Bacia os recursos financeiros oriundos da compensação ambiental que o instituto recolhe junto aos empreendimentos ali instalados. O que não se deu, por exemplo, com Serra da Mesa e Cana
Brava, cujas compensações financiaram o desenvolvimento de áreas fora do Alto Tocantins.

A segunda conquista foi a criação da Apa da Lagoa Formosa, assinada pelo prefeito de Planaltina (GO), Dirceu Araújo. Ela tem mais de 15 mil hectares, compreendendo toda a bacia hidrográfica da Lagoa e estabelecendo um corredor ecológico que interligará a Estação Ecológica das Águas Emendadas, no DF, ao Parque do Itiquira e às três RPPN da Bacia do Cocal e em São Gabriel (GO).