ROTA BRASIL OESTE – Os caciques Raoni, Aritana e outros líderes indígenas estiveram ontem no Congresso para entregar ao presidente da Câmara, Aécio Neves, um manifesto contra o projeto de lei que regulamenta a mineração em terras indígenas. Com apoio de Fernando Gabeira (PT-RJ), eles tiveram a garantia que a proposta não entrará em votação este ano.
Foto: Fernando Zarur
O projeto – de autoria do senador e vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR) – é visto como um grave risco às comunidades por várias ONGs e pesquisadores. “O Jucá é tipo o juiz da Fifa, fica roubando da gente”, acusou o índio Álvaro Tucano. Nas várias tentativas de votação da lei, as organizações de defesa das comunidades indígenas se uniram para barrar a aprovação. Em abril de 98, por exemplo, várias organizações distribuíram um e-mail pedindo apoio da opinião pública para a causa.
Um levantamento do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), destacou sete pontos da lei que ameaçam o futuro das comunidades. Não existe, por exemplo, obrigatoriedade da realização de estudos ambientais ou limites para o requerimento de exploração dentro das terras indígenas. O instituto realizou um estudo mostrando que 59.46% da área Yanomami está nesta situação, mas existem reservas com até 100% de seu território potencialmente comprometido. “Não somos contra a mineração em áreas indígenas, ela pode ser feita, mas desde que tenhamos garantias e limites”, explica a coordenadora do ISA, Adriana Ramos. “A lei não traz vantagem econômica nenhuma para os povos e ainda ameaça sua cultura e meio-ambiente.”
O projeto prevê, ainda, condições especiais para “viabilizar a participação de empresas de mineração pertencentes às próprias comunidades indígenas”. Os especialistas temem que os índios sejam aliciados para funcionarem como laranjas para grandes corporações.
Jucá se defendeu dizendo que os índios são “massa de manobra” e as acusações não são representativas. “Fiz algo que não é ótimo pra ninguém, mas bom pra todos”, justificou. “As comunidades serão consultadas e terão direito de dizer não”. Na sua opinião, os únicos interessados em não aprovar a lei seriam os próprios garimpeiros. Ele define garimpo como uma atividade desorganizada e prejudicial ao país, e mineração como algo correto que garante recursos tanto pros índios quanto para a União.
Funai
Essa polêmica teria sido a causa da exoneração do funcionário de carreira da entidade e então presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Glênio da Costa Alvarez. Coincidência ou não, no dia anterior ele havia declarado à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias (CDCMAM) que era contrário ao projeto de mineração.
A justificativa divulgada na imprensa seria que Alvarez estaria “ultrapassando os limites do cargo e teria problemas de relacionamento com diversas etnias”. O senador, que presidiu a Funai entre maio de 1986 e setembro de 1988, garante que não interferiu para retirar Alvarez da presidência. “Isso é uma bobagem, até porque a fundação não tem poder de decidir sobre lei nenhuma”, comenta.
Apesar disso, tudo indica que Jucá tenha usado sua influência como vice-líder do governo para acabar com as resistências da instituição. “Quem demitiu o presidente da Funai foi o ministro da justiça, é difícil dizer se houve mais coisa por trás”, admite o deputado Fernando Gabeira (PT-RJ). “Isso não muda muito a política do governo nessa área que é quase sempre esquecida, eles vão continuar como sempre: empurrando com a barriga”.
A Funai também foi alvo de várias acusações por parte dos índios que estiveram no Congresso. A atual administração, ligada a Jucá, estaria proibindo lideranças indígenas de virem a Brasília. “A Funai está fraca, não consegue mais defender a gente”, diz o principal cacique do Xingu, Aritana.
Alguns indígenas denunciam que a fundação estaria encobrindo crimes por causa de influência política. “Trouxe várias coisas para Brasília mostrando que tem muita coisa errada acontecendo em territórios Yanomami em Roraima, estupro, padre com filho, roubo de ouro e ninguém faz nada por causa dos políticos”, conclui Fetxaetoxoluwa, do grupo fulni-ô.
Fernando Zarur