Cerrado pode desaparecer em 30 anos, afirma biólogo

Brasília – Brasília – O cerrado, segundo maior bioma brasileiro, está sob ameaça de extinção, apontam pesquisadores. Nos cálculos do biólogo Jader Soares Marinho Filho, seus 20% restantes (um quinto do total) poderão ser extintos em menos de 30 anos, se não receberem proteção imediata.

“Isso significa que 11 mil espécies de plantas poderão desaparecer do sistema ambiental brasileiro”, diz Marinho Filho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, o bioma se encontra sob risco muito maior do que o maior do país, a floresta amazônica. Os biomas são as grandes comunidades ecológicas, caracterizadas por um tipo de vegetação em uma determinada região.

Em entrevista à Agência Brasil, o biólogo conta que o que mais preocupa os cientistas e estudiosos do cerrado é que 80% dele foram devastados em menos de 50 anos. Nenhum outro bioma do mundo, diz ele, passou por tamanha destruição em tão pouco tempo. A mata atlântica, outra formação vegetal sob perigo, tem hoje apenas 5% de sua cobertura original, mas, conforme observou Marinho Filho, o restante foi destruído em 500 anos de história brasileira.

Originalmente, o cerrado estendia-se por uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo um território hoje compreendido por 15 estados (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Ceará, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Roraima, Amapá, Rondônia e Pará) e pelo Distrito Federal. Típico de regiões tropicais, apresenta duas estações bem marcadas: inverno seco e verão chuvoso.

O cerrado é o nome regional dado às savanas brasileiras. Com solo deficiente em nutrientes, mas rico em ferro e alumínio, o bioma abriga plantas de aparência seca, entre arbustos, gramíneas e árvores esparsas. Dentre elas, destaca o estudioso, “espécies não vistas em nenhum outro ambiente do mundo”. Destruí-las significaria ignorar, inclusive, plantas com aplicações médicas. As populações locais utilizam a flora do cerrado na prevenção de diversos males. Um exemplo é o quebra-pedra, que serve para fazer um chá contra problemas renais.

Jader Soares Marinho Filho destaca que, apesar de o cerrado já ter sua importância reconhecida, ainda há muito a se descobrir a respeito dele, tamanha é sua diversidade vegetal e animal. "Para mantê-lo vivo, precisamos preservá-lo, estudá-lo”, diz. “Produzir no cerrado, sim. Mas é preciso sabermos conciliar a atividade econômica com o comprometimento da preservação. Esse é o desafio maior do Brasil. Ainda temos muita água, muita riqueza biológica, mas tudo passa se a gente não cuida, tudo se perde se a gente não trabalha."

Pesquisador diz que o Brasil está trocando as 11 mil espécies de plantas do cerrado pela soja

O Brasil está optando por trocar as 11 mil espécies de plantas do cerrado por uma só – a soja –, afirma o biólogo e professor titular do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) Jader Soares Marinho Filho. Cultivada na agricultura mecanizada de larga escala nas terras desse bioma (grande comunidade ecológica, caracterizada por um tipo de vegetação em uma determinada região – outros exemplos são a mata atlântica e a floresta amazônica), a soja deve ganhar novo impulso com o programa de produção de biodiesel, uma frente de desenvolvimento tratada como prioridade pelo governo federal.

“Estamos substituindo uma riqueza imensa que é única e que só o Brasil tem por uma lavoura alienígena [que vem de fora]”, comenta o biólogo. “Não me parece um bom negócio. Na minha avaliação, a gente não pode nem sequer imaginar que, no cenário atual em que falamos em mudanças climáticas, devamos apostar todas as fichas no desenvolvimento do país calcado no agronegócio, no biodiesel, ou em commodities”, destacou, em entrevista à Agência Brasil.

 Marinho Filho reconhece a importância do papel do agronegócio para o país. Mas defende que é necessário encontrar uma maneira de conciliar a produção de larga escala com a conservação da natureza.

 "O Brasil precisa muito da soja, assim como do arroz, do milho e do trigo. Mas para mantermos o agronegócio vivo em nosso país, a melhor estratégia seria conservar a natureza, conservar o cerrado". Desta forma, destacou, garante-se a atividade econômica atual e a possibilidade de outras atividades ainda mais rentáveis e importantes que dependem do avanço do conhecimento científico. “Em vez de vendermos só commodities, precisamos vender serviços, que também trazem riquezas”, destacou, em entrevista à Radiobrás, ao explicar que se explorar o potencial do cerrado, investindo em pesquisas sobre a sua biodiversidade, o país poderá obter muito mais vantagens financeiras do que o agronegócio traz hoje.

 Da forma como vem sendo produzida, a soja tem sido "o pior inimigo" do cerrado, destacou o professor da UnB. Outras atividades com forte impacto ecológico no bioma são a pecuária extensiva e a produção de carvão. Segundo ele, mantidos os cenários atuais, talvez em duas ou três décadas não se consiga  plantar mais nada no Brasil central, região onde se concentra o cerrado brasileiro.

“Não podemos mais só derrubar, devastar para plantar soja, arroz, milho ou algodão”, comenta. “Precisamos de um grande esforço de conservação. Com apenas 20% de cerrado existente, não temos outra opção senão cuidá-lo, protegê-lo.”

Além de conhecer melhor o bioma, Jader Soares Marinho Filho diz que é preciso ampliar a malha de unidades de conservação do cerrado.

Proposta de tornar cerrado e caatinga patrimônio nacional tramita há 11 anos na Câmara

Brasília – A inclusão do cerrado e da caatinga dentre as áreas naturais consideradas patrimônios nacionais encontra-se em análise no Congresso. Ela está prevista na numa proposta de emenda constitucional (PEC) que tramita há 11 anos na Câmara dos Deputados. A Constituição Federal de 1988 considera, como integrantes do patrimônio nacional, a mata atlântica, a floresta amazônica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a zona costeira do país.

A PEC 115/95 foi aprovada no início do mês na Comissão Especial do Cerrado. Mas, para entrar em vigor, ainda tem um caminho a percorrer no Legislativo: precisa passar por dois turnos no plenário da Câmara para, depois, seguir para o Senado; se sofrer alterações nessa casa, terá de retornar à Câmara.

A relatora da proposta na comissão especial, deputada Neyde Aparecida (PT-GO), diz acreditar que a matéria não demorará muito mais tempo para ser aprovada em sua totalidade. Ela avalia que hoje, depois de anos de trabalho de conscientização deram resultado.

“Antes, esses dois biomas eram considerado de pouca importância. Hoje, esta mentalidade mudou. Todos reconhecem que lá estão presentes espécies animais e vegetais de grande valia para o ser humano”, disse a parlamentar, em entrevista à Agência Brasil.

A PEC 115/95 nasceu da unificação de sete projetos que tratavam do assunto, explica a parlamentar. Ela diz que será difícil a aprovação da proposta de emenda constitucional nos próximos dois meses, em função do período eleitoral e pelo fato de existirem outras matérias prioritárias para o Legislativo apreciar. “Espero, no entanto, que dentro de alguns meses, ela seja aprovada”, comenta.

Com a aprovação da PEC pelo Congresso, a relatora destaca que esses dois biomas poderão ter garantidos mais recursos e a contenção do desmatamento extensivo, da degradação do solo, do assoreamento dos rios e da contaminação ambiental. Ela permitiria criar regras de proteção para áreas de cerrado e caatinga fora de unidades de conservação (parques estaduais e nacionais, e estações ecológicas, entre outras). “Os produtores de soja, de algodão e de arroz, por exemplo, vão continuar produzindo, mas de forma sustentável, sem agredir o meio ambiente”, ressaltou Neyde Aparecida.

O biólogo Jader Soares Marinho Filho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), disse que a comunidade cientifica e acadêmica quer que o Congresso aprove, o quanto antes, o novo status para o cerrado. “Se demorar mais 11 anos, ele já vai estar quase todo destruído.”

Marinho Filho disse que a demora na aprovação da PEC, quando outros biomas já estão classificados como patrimônios nacionais, mostra que o país não tem consciência sobre a relevância do cerrado e da caatinga: “Eles recebem um tratamento de segunda classe”.

Povos e comunidades tradicionais ganham espaço e voz

Presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) por meio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, a recém-criada comissão foi instalada, no dia 2 de agosto, em Brasília. A cerimônia contou com as presenças dos ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, da secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ministra interina Maria do Carmo Ferreira Silva, além de representantes de várias comunidades e povos tradicionais.

A composição da comissão da forma como está, foi definida em agosto do ano passado, durante o I Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais, realizado em Luziânia (GO).(Saiba mais). Durante o evento foram eleitos os representantes da sociedade civil que deveriam integrá-la. Com ampla participação de povos e comunidades tradicionais, foram indicadas 15 representações da sociedade civil e 15 representantes de órgãos governamentais. O decreto que criou a comissão, em 2004, apenas apontava a possibilidade de participação e oficialmente era formada só por representantes do governo. Uma conquista bastante significativa, sem dúvida.

Leide Maria Araújo Aquino, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) destacou a importância da comissão, que dará voz e visibilidade as comunidades, permitindo a participação na construção de uma política comprometida com o desenvolvimento sustentável das comunidades. Ela alerta, no entanto, que, apesar dos avanços alcançados por este governo, ainda há muito por fazer, frente ao volume das demandas das comunidades. “Não podemos ficar limitados a programas e projetos. Precisamos de uma política de governo que substitua o atual modelo de desenvolvimento que oprime as comunidades”. Leide também citou a necessidade de se difundir as políticas para os municípios e estados, integrando as ações do Estado para as comunidades.

Durante a instalação da comissão, a ministra Marina Silva lembrou que a Comissão deverá propor ações integradoras para dar visibilidade às comunidades e povos tradicionais. "São 4,5 milhões de servidores públicos que ocupam 25% do território, importantíssimos para a preservação da biodiversidade, para os quais a sociedade brasileira deve tributos”. Ao classificar as comunidades e povos tradicionais como "servidores públicos", a intenção da ministra foi reconhecer o papel relevante dessa população na conservação da biodiversidade. Na opinião de Marina Silva, a comissão deverá implementar uma política com coerência externa e interna, comprometida com as demandas das comunidades e populações, integrando suas ações com políticas estaduais e municipais. A comissão possibilitará transitar de uma política pulverizada entre órgãos do governo para uma política integrada e comprometida. "Existem R$ 1,2 bilhão previstos para as comunidades divididos entre as várias pastas do governo, com as ações da comissão e a implementação da política pretende-se integrar a execução desse orçamento”.

O ministro Patrus Ananias apontou a intensa participação da sociedade na construção do processo de construção da Comissão e citou as ações promovidas pelo governo federal orientadas a garantir dignidade e emancipação das comunidades e populações tradicionais, sob a perspectiva da pluralidade e do respeito à sociodiversidade, identidade e culturas. Afirmou que o tema da pobreza deve ser tratado no campo dos direitos e não do clientelismo, assistencialismo e favorecimento dos “pobres de cada um”. Destacou também a importância da transversalidade da comissão, o desafio de se trabalhar com temas intersetoriais e interministeriais.

A comissão deverá dar visibilidade aos diferentes povos tradicionais, valorizando o papel que desempenham na conservação socioambiental e na preservação de aspectos culturais, que tem, historicamente, sido suprimidos dos espaços políticos nos diferentes níveis de governo. E este é considerado um aspecto fundamental na construção de uma política sólida. No entanto, esta visibilidade implica uma gama de peculiaridades de cada uma das categorias dos povos tradicionais que justamente atestam sua tradicionalidade. Mostram dessa forma a necessidade de se construir uma política geral que garanta essas diferenças, já que a demanda para cada grupo social é específica, evitando a tendência a homogeneizá-las descaracterizando sua identidade.

Gestão integrada interministerial

Outro desafio colocado refere-se a necessidade de integração das diferentes políticas existentes no governo federal e da interface que apresentam com temas tratados, como é o caso da nova Política de Áreas Protegidas, que inova ao reconhecer as Terras Indígenas e as áreas de quilombo como áreas protegidas para a conservação da biodiversidade.

Outra questão que remete a mesma reflexão diz respeito a dificuldade de definição dos recortes geográficos comuns sob os quais as diferentes políticas são elaboradas e propostas. É o caso dos diferentes recortes geográficos existentes no âmbito do governo federal para as políticas de gestão territorial. Existem pelo menos meio dúzia de divisões diferenciadas que não coincidem entre si, como por exemplo, as meso-regiões do Ministério da Integação Nacional, os territórios rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), entre outros, demonstrando a dificuldade de se planejar políticas integradas e transversais. O desafio é tirar a proposta de Política de Povos e Comunidades Tradiconais do papel e efetivá-la.

Uma das principais demandas do documento do I Encontro de Populações Tradicionais, de 2005, foi a necessidade de regularização fundiária e de garantia do direito destes grupos aos territórios tradicionalmente ocupados, a ameaça das grandes obras de infra-estrutura e as sobreposições na criação das Unidades de Conservação.

O conceito de populações tradicionais

A definição do conceito de populações tradicionais na legislação brasileira vem sendo postergada desde os tempos da elaboração do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A definição desse conceito traz uma série de questionamentos no que se refere à categorização destes grupos e a dificuldades de se estabelecer critérios que os definam além das características políticas que pesam sobre o conceito.

A utilização do termo populações tradicionais em diversos documentos oficiais e na própria legislação demonstra que é preciso estabelecer entendimentos comuns sobre qual o universo que ele abarca. Fundamental, neste caso, é garantir que qualquer definição seja abrangente e inclusiva, de tal modo a assegurar a essas populações seus direitos, não permitindo que interpretações excludentes venham a lhes prejudicar.

Para além dessa questão e conforme as principais demandas que saíram do encontro realizado em Luiziania, a questão que se pode analisar está relacionada à necessidade e garantia dos directos territoriais desses grupos, acesso a serviços básicos e, sobretudo, reconhecimento e respeito a suas origens e formas de vida.

O que diz o texto base da política

O texto-base da política nacional passará por consultas públicas regionais. O documento estrutura-se em princípios, eixos estratégicos, objetivos específicos e diretrizes gerais de ação. Dentre os eixos, destacam-se os voltados à regularização do acesso ao território, inclusão social, fomento e produção sustentável, todos apoiados no respeito às formas tradicionais de vida, organização e produção.

Apresenta ainda propostas de instrumentos de implementação da política, tais como os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a Comissão Nacional e os Fóruns Regionais. O documento destinado às consultas destaca que os referidos Planos de Desenvolvimento consistirão de ações de curto, médio e longo prazo

, elaborados com o fim de implementar, nas diferentes esferas de governo, os princípios e diretrizes estabelecidos pela política.

Os Planos deverão estimar o número de famílias ou pessoas abrangidas, delimitar as áreas de abrangência, relacionar os povos envolvidos, propor ações e metas relacionadas com os eixos de ação e estabelecer medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implementados para o atendimento das metas. Os planos poderão ser estabelecidos com base em parâmetros regionais, temáticos ou étnico-sócio-culturais, podendo ser estabelecidos por meio de fóruns especialmente criados para essas finalidades.

A próxima reunião da Comissão está prevista para acontecer entre 30 de agosto e 1º de setembro próximos, quando será concluído o texto-base da proposta e discutida uma agenda de trabalho para o segundo semestre.

Estão previstas até o final de setembro a realização de cinco consultas públicas para discutir o texto-base da política. A primeira foi realizada em Curitiba (4 a 6/8), em seguida será em Cuiabá (22 a 24/8), Rio Branco (23 a 25/8), Belém (28 a 30/8) e Paulo Afonso (4 a 6/9). No entanto, a reunião da Comissão Nacional, no dia 3 de agosto, reavaliou o prazo proposto como muito curto para a realização da mobilização social adequada para a participação nas consultas e igualmente para a leitura crítica do documento-base. Com isso, houve a postergação das consultas do mês de agosto para o mês de setembro, com datas a serem confirmadas.

De acordo com o diretor de Agroextrativismo e Desenvolvimento Sustentável do MMA, Jorge Zimmermann, em cada encontro os trabalhos serão distribuídos da seguinte forma: dois dias de oficinas para discutir a proposta do governo e um dia para consulta pública que deverá envolver toda a região.

O texto-base inclui doze pontos prioritários apontados pelos participantes do I Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais. A regulamentação fundiária e a garantia de acesso aos recursos naturais estão entre esses pontos, assim como o reconhecimento e o fortalecimento da cidadania, com a emissão de carteiras de identidade, registros de nascimento e outros documentos. A resolução de conflitos decorrentes da criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral sobre territórios de povos tradicionais e a garantia de acesso às políticas públicas de inclusão social também são consideradas prioridades.

Operação combate grilagem, extração de madeira e garimpo nas terras dos índios kayapó

A Polícia Federal (PF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) começaram uma operação para combater a grilagem de terras, a extração ilegal de madeira e o garimpo na Terra Indígena Kayapó, no sudeste do Pará. A Operação Kayapó, que teve início às 4 horas, fará a retirada de 50 pessoas, segundo estimativa da Funai.

O ex-administrador regional do órgão em Marabá, Eimar Araújo, um dos coordenadores da ação, explicou à Agência Brasil que a presença dos invasores foi identificada há cerca de um ano, após denúncia dos kayapó. E foi confirmada com o sobrevôo da área e o uso de imagens de satélite. “Constatamos a presença de 19 focos de desmatamento”, disse Araújo. Ele contou que a maioria dos locais estava em preparação para virar pastagem.

“Esperamos que a saída [dessas pessoas] seja pacífica”, comentou o chefe da equipe, o delegado da Polícia Federal Delfino de Castro Neto, que prevê uma empreitada de 12 dias. “A área é muito grande e isso dificulta a fiscalização pelos órgãos federais. Cria a necessidade de uma ação quase permanente”. São quase 3,3 milhões de hectares – cada hectare corresponde a um campo de futebol.

Castro Neto disse que o fato de a população local já estar ciente da operação pode evitar enfrentamento com os invasores. Segundo ele, estão envolvidos 24 homens da PF, o que caracterizaria uma operação de médio porte.

Também integram a comitiva dois representantes da aldeia kayapó Kikretum – um deles, o chefe de guerreiros Piydjô. Responsável por um dos papéis de liderança na organização política dos kayapó, ele resumiu como encara a presença dos estranhos: “Fazendeiro estraga o mato, madeireiro estraga o mato, e nós precisamos do mato grande para criar os bichos que a gente caça”.

Brasil pode se tornar o maior exportador de orgânicos em dez anos

A partir das políticas públicas de estímulo à prática da agricultura orgânica, é possível que em uma década o Brasil se torne o maior exportador do mundo. A avaliação foi feita pelo agrônomo José Carlos Polidoro, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Solos).

A concretização dessa estimativa depende de apoio político, principalmente na questão de exportações ligadas ao setor orgânico, com destaque para hortaliças e frutas, observou o especialista. “Esse mercado é extremamente positivo para a entrada de mais agricultores nesse sistema”, disse.

A participação da Embrapa nesse processo se dá através do projeto “Desenvolvimento Tecnológico dos Sistemas Orgânicos de Produção Agropecuária com Base Ecológica”, do qual participam cerca de 250 pesquisadores de 16 unidades da empresa e de 45 instituições parceiras, inclusive privadas. O projeto foi criado em 2000 e é coordenado pela Embrapa Agrobiologia.

Polidoro informou que este é o maior programa mundial de pesquisa e desenvolvimento de agricultura orgânica e está em vias de aprovação para renovação na Embrapa. O projeto se insere nos Desafios Nacionais do Agronegócio, que têm a agricultura orgânica como um grande negócio.

“A idéia desse projeto é desenvolver tecnologia, conhecimento, com participação dos produtores que já atuam historicamente com agricultura, e dar uma base tecnológica segura para que esse negócio atenda à expectativa do mercado, oferecendo produtos de qualidade, com rastreabilidade, tal como ocorre no mercado tradicional, mas com a característica de ser produto orgânico, com todas as vantagens previstas”, disse Polidoro.

O agrônomo destacou que a principal vantagem para a saúde do consumidor é o fato de não se usar agrotóxicos, ou seja, defensivos agrícolas industrializados. “Essa não é uma prática na agricultura orgânica e é a que mais incorre em riscos para o consumidor na agricultura convencional, pelo mau uso desses defensivos. A agricultura orgânica, por não usar (agrotóxico), proporciona maior segurança alimentar”, enfatizou.

“A Embrapa entrou nisso para que se desenvolvam sistemas de produção orgânica com agropecuários. Isso é uma evolução muito grande, porque insere tecnologia à produção de agricultores de todos os portes”, disse. O agrônomo frisou que a posição do Brasil de grande exportador de orgânicos se dará com uma diferença muito grande em relação aos demais países.

“Enquanto nos outros países a produção orgânica decorreu de uma simples substituição de insumos, no Brasil está sendo desenvolvido um sistema participativo, nas condições tropicais, cuja base é a agroecologia. Esta é uma ciência ampla, de atuação no ambiente com vistas à sua conservação, o que dá uma idéia de longevidade. É um sistema que por si só tem uma lógica e pode se ajustar a qualquer ambiente. No caso brasileiro, a sistemas tropicais”, afirmou Polidoro.

Produtores de soja têm dois anos para se adequar a compromisso com importadores

As empresas brasileiras produtoras de soja na Amazônia que ainda estão em situação irregular e desrespeitam o Código Florestal têm prazo de dois anos para se adequar. O prazo foi dado pelo mercado europeu, que ameaça embargar as compras. Na terça-feira (25), multinacionais exportadoras como a Cargill, ADM, Bünge e Maggi assinaram o compromisso de não comprar soja proveniente de plantações onde haja trabalho escravo, uso de grãos transgênicos, desmatamento ilegal, invasão de terras indígenas e públicas, e de áreas comunitárias.

A Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que representam o setor, já informaram estar comprometidas com esses objetivos. Para o diretor-geral da Anec, Sérgio Mendes, "não se pode ficar indiferente a essa questão".

Já o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Rui Prado, afirmou que organizações não-governamentais que vêm pressionando para o cumprimento do Código "defendem muito mais problemas econômicos do que ambientais". E garantiu ter "consciência de produzir de socioambientalmente correta, até porque nós respeitamos a legislação brasileira".

De acordo com Ana Cristina Barros, representante da ONG The Nature Conservancy, o Código exige que o produtor das áreas ribeirinhas cuide das margens na propriedade e evite a erosão. Em cada propriedade, ainda segundo Código, deve ser mantida uma área de vegetação nativa: “Na área de floresta amazônica, esse percentual é de 80%. Na de cerrado, onde se pode plantar soja na região, o índice cai para 20%. E nas áreas de transição, é de 35%. No caso de reserva permanente é necessária autorização do governo para desmatar ou queimar", explicou.

Paulo Adário, coordenador da campanha do Greenpeace para a Amazônia, alertou que o plantio de soja vem provocando desmatamento na região, o que aumentou após a instalação de um porto da empresa Cargill, em Santarém (PA), para exportação. O porto, explicou, atraiu uma grande quantidade de produtores do sul do país e do norte do estado de Mato Grosso. “Eles procuravam por terra barata", lembrou.

Segundo o coordenador, a soja ocupa 45% de toda a área plantada com grãos no Brasil. No entanto, gera apenas 5,5% dos empregos do setor. "É uma indústria altamente mecanizada, de grandes produtores com muito dinheiro. Os rendimentos beneficiam poucas pessoas e causam um enorme impacto social e ambiental”, avalia. Dados do Greenpeace apontam que as multinacionais exportam mais de 60% da soja produzida no país.

Ainda de acordo com o Adário, o processo do embargo do produto está sendo discutido na Europa, com a adesão de outras multinacionais e indústrias de produção de produção e abate de franges. “Nos próximos dois anos haverá um acompanhamento e se os mecanismos de legalização não forem cumpridos por empresas brasileiras, toda a soja produzida na Amazônia pode ser embargada", afirmou.

Regulamentação do setor de orgânicos vai ampliar produção, diz exportador

A regulamentação da Lei 10.831/2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, foi defendida pelo vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, como prioridade para a ampliação da produção brasileira e a conseqüente destinação desses produtos para exportação.

O vice-presidente da AEB informou que ainda não existem no Brasil estatísticas que permitam dizer claramente quanto se exporta de orgânicos no país e qual é a produção interna. “Estima-se que a exportação gire em torno de US$ 100 milhões a US$ 200 milhões atualmente”.

Ele afirmou que o anúncio do governo de que vai permitir que no próprio registro de exportação – feito hoje para qualquer produto manufaturado – tenha a menção de produto orgânico, dará condições de se saber o que o Brasil exporta exatamente em termos de valor e mercado de destino, além de detectar o potencial existente no país.

“São produtos com um potencial fantástico de crescimento e nós temos que aproveitar porque o Brasil tem muita terra. Nós podemos ocupar o espaço de todos no mundo. Assim como o agronegócio foi desenvolvido em economia de escala, nós podemos fazer a mesma coisa nos produtos orgânicos”, avaliou Castro.

Os produtos orgânicos com melhores condições de ganhar mercado no exterior são frutas, legumes e verduras, disse o vice-presidente da AEB. Ele observou que como não se conseguiu até agora quantificar esse mercado, muitas empresas deixam de exportar.

Castro sugere que o Brasil crie uma marca para a exportação de orgânicos. Segundo explicou, essa marca vai definir o produto brasileiro, agregar valor e facilitar a identificação do país como fornecedor de orgânicos. “Na verdade, o problema do mercado internacional de orgânicos não é a procura de consumidor no mercado. Ocorre exatamente o inverso. É o consumidor que procura o fornecedor de orgânicos no mundo, porque hoje a demanda é muito maior do que a oferta”, afirmou.

Ele lembrou que o governo, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário, já vem incentivando a produção de orgânicos na agricultura familiar. “É um tipo de produto que não exige escala de produção, mas sim escala de venda. Ou seja, as empresas podem produzir em escala reduzida, mas na hora de vender devem consolidar o volume de vendas para diminuir os custos”, afirmou.

Castro defende que a operação de venda pode e deve ser feita pelos pequenos produtores brasileiros através de consórcios, porque amplia o poder de negociação externa e dilui os custos financeiros.

Ministério Público de Uberlândia investiga uso de transgênicos pela Cargill

O Ministério Público Federal (MPF) de Uberlândia, em Minas Gerais, investigará a unidade da Cargill na cidade para saber se a empresa está fazendo valer o direito do consumidor à informação quanto aos alimentos produzidos a partir de transgênicos. A investigação também servirá para verificar se há omissão do Poder Público na fiscalização.

Para realizar a investigação, o Procurador Leonardo Augusto Santos Melo solicitou ao Greenpeace, no início de julho, informações sobre a Cargill e suas atividades relacionadas à soja. A solicitação do MPF é resultado da denúncia feita em outubro do ano passado, quando o Greenpeace divulgou que a soja transgênica estava entrando nas unidades da Cargill e da Bunge sem qualquer controle, e que os óleos de soja Liza e Soya, fabricados pelas empresas, não traziam qualquer informação em seus rótulos. O Greenpeace já compilou e encaminhou ao MPF as informações solicitadas pelo Procurador.

“Essa iniciativa do Ministério Público é muito importante, e esperamos que a investigação seja realmente levada adiante”, disse Gabriela Vuolo, da campanha de engenharia genética do Greenpeace. “Desde que a soja transgênica foi autorizada pelo governo federal, empresas do setor de óleo vêm escondendo do consumidor se estão ou não usando ingredientes geneticamente modificados para fabricar seus produtos. Os brasileiros têm o direito de saber o que estão comprando e de escolher se querem ou não comer transgênicos”.

Em outubro de 2005, o Greenpeace denunciou a utilização de soja transgênica na fabricação das duas marcas líderes de óleo de cozinha no Brasil. Na época, cerca de 20 ativistas representando consumidores brasileiros e empurrando 20 carrinhos de supermercado cheios de latas de óleos Soya, fabricado pela Bunge, e Liza, fabricado pela Cargill, desceram a rampa do Congresso Nacional para entregar formalmente diversos dossiês contendo as evidências da denúncia. Os dossiês foram entregues ao Ministério da Justiça, ao Ministério Público Federal e aos deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e João Alfredo (PSOL-CE), da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, reivindicando o cumprimento do decreto que determina a rotulagem dos produtos fabricados com matéria-prima transgênica.

Índios interditam rodovia BR-163, no Mato Grosso

Cerca de 100 guerreiros de várias populações indígenas da Bacia do Rio Xingu interditaram com troncos, pedaços de madeira, pedras e faixas a rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), na altura do município de Itaúba (MT), aproximadamente 610 quilômetros ao norte de Cuiabá, desde às 7h de domingo, dia 23 de julho. Eles reivindicam compensações pelo asfaltamento da estrada que constam do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da rodovia BR-163. Também pedem a exoneração do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes. Participam da mobilização integrantes das etnias Kaiapó, Panará, Terena, Kaiabi e Apiacá.

Na segunda-feira, dia 24, no início da noite, um engarrafamento de cerca de 10 quilômetros, de cada lado do bloqueio, com carros de passeio, ônibus e caminhões tomava conta da estrada. A situação no local estava ficando tensa. Alguns motoristas irritados com o protesto chegaram a hostilizar os manifestantes. Na terça-feira,, decidiram liberar o fluxo de veículos por cerca de quatro horas, de manhã, mas voltaram a interditar a estrada às 10h. Está sendo permitida a passagem de pessoas a pé e ambulâncias com pacientes. A Polícia Rodoviária Federal resolveu montar duas barreiras, uma antes e outra depois do bloqueio, a uma certa distância da manifestação, para manter os motoristas longe dos índios.

Na manhã de hoje, dia 25, um grupo de cerca de 50 índios, de várias etnias entre elas Kaiabi, Kamaiurá, Funiô, Kuikuro, Xocó, Kalapalo e Xucuru-Cariri fecharam o prédio da sede da Funai, em Brasília, por aproximadamente quatro horas, impedindo a entrada dos funcionários. A reivindicação comum a todos era a demissão imediata de Gomes. Além disso, traziam uma série de demandas pontuais de cada uma das comunidades, principalmente identificação e demarcação de terras. O protesto foi desfeito sem incidentes após a chegada de 12 policiais fortemente armados do Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal e uma breve negociação.

A saída do presidente da Funai tornou-se uma bandeira para grande parte movimento indígena depois que ele concedeu uma entrevista à uma agência de notícias estrangeira, no início deste ano, em que teria afirmado haver “muita terra para pouco índio no Brasil”. A reivindicação da exoneração de Gomes e a indicação de um indígena para o cargo foi ratificada pela I Conferência dos Povos Indígenas, ocorrida em abril.

Uma comitiva com representantes da Funai, do governo mato-grossense, do Ministério dos Transportes, do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNTI) e do Ministério Público Federal está reunida em Cuiabá e negociando as condições de uma reunião com os índios, que pode acontecer em Cuiabá ou em Colíder, cidade próxima a Itaúba, ainda esta semana.

Comunidades indígenas ainda não foram contempladas

Segundo os índios xinguanos, as reivindicações por investimentos e projetos, prometidos a eles durante algumas consultas públicas formais realizadas para a elaboração do Plano BR-163 Sustentável, mal chegaram a ser encaminhadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) aos setores do governo federal responsáveis pelo asfaltamento da estrada. Parte de algumas medidas importantes previstas no projeto já está sendo implementada, como a criação de Unidades de Conservação e de um distrito florestal, mas as comunidades indígenas ainda não foram contempladas. Por essa razão, pedem a demissão de Gomes.

Os organizadores do bloqueio na BR-163 explicam que cansaram de esperar uma resposta dos órgãos responsáveis pela pavimentação da rodovia, entre eles a Casa Civil, a secretaria-geral da Presidência da República, ministérios dos Transportes e da Integração Nacional. Os índios afirmam que os representantes do governo federal estariam se recusando a negociar e garantem que só vão desobstruir a estrada definitivamente após serem ouvidos, em uma negociação formal, pelo governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), pelo próprio ministro dos Transportes ou representantes graduados de sua pasta e da Presidência da República e na própria região. Reclamam que não sabem ainda como serão prevenidos os prováveis impactos da obra, como incêndios florestais, desmatamento, o comércio ilegal de madeira ou invasões de suas terras. Cobram investimentos para a fiscalização e a proteção das Terras Indígenas (TIs) próximas à rodovia, a construção de estradas de acesso às aldeias e projetos de desenvolvimento sustentável.

No início de junho, durante a apresentação e oficialização da versão final do Plano BR-163 Sustentável, em Brasília, o presidente Lula prometeu que até o final do ano seria publicado o edital para a constituição da Parceria Público-Privada (PPP) pela qual serão pavimentados os mais de 950 km da estrada ainda não asfaltados. Segundo o Ministério dos Transportes, está prevista para este ano uma série de pequenas obras em diversos trechos da estrada, mas várias delas ainda aguardam licenciamento ambiental e a liberação de recursos – entre elas, a reforma de 14 pontes, a recuperação de uma área degradada na Serra do Cachimbo (PA), a pavimentação de um trecho de 20 quilômetros entre as cidades paraenses de Rurópolis e Santarém e outro de 50 quilômetros entre Guarantã (MT) e a divisa com o Pará. Até agora, só foram liberados R$ 4 milhões para conservação e manutenção da trafegabilidade da estrada no Pará. A obra completa está orçada em R$ 1,1 bilhão.

"Nossa luta não é contra o asfaltamento"

Para Megaron Txucarramãe, administrador-executivo regional da Funai em Colíder (MT), e um dos líderes do movimento, o governo tem dinheiro para asfaltar a estrada, mas não para atender os índios. Ele explica que, apesar de terem participado de algumas das audiências públicas organizadas pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) responsável pela obra, entre 2003 e 2004, o pedido para a realização de uma consulta mais ampla apenas com os indígenas não foi atendido. “Nossa luta não é contra o asfaltamento. Queremos apenas que o governo venha conversar conosco. Esperamos durante todo o ano de 2005 por alguma resposta para nossas reivindicações. Ficamos sabendo há duas ou três semanas que o dinheiro para o início das obras foi liberado e continuamos sem uma resposta para a realização de um encontro com os representantes do governo federal até hoje.”

Megaron acusa o presidente da Funai de não encaminhar as reivindicações dos índios, dificultar e até mesmo impedir as negociações sobre o tema com outros setores do governo. “O Mércio Pereira não representa nossos interesses e nossas comunidades. É bem capaz dele mandar a polícia em cima da gente. Queremos que o presidente Lula retire ele do cargo imediatamente”. E adverte que qualquer dano causado aos índios será de responsabilidade do governo.

No dia 11 de julho, lideranças indígenas já haviam enviado uma carta ao presidente Lula e ao governador mato-grossense em que expressavam sua preocupação com o asfaltamento da rodovia e pediam a exoneração de Gomes. O texto lembra que a construção da estrada, na década de 1970, acarretou o crescimento desordenado de cidades próximas às Terras Indígenas, invasões e graves conflitos fundiários entre indígenas e não-indígenas e quase levou à extinção a etnia Panará. Até agora, os índios não receberam nenhuma resposta dos governos federal e estadual sobre a correspondência.

Graves impactos

De acordo com diagnósticos feitos pelo próprio governo federal, a pavimentação completa da rodovia pode acarretar graves impactos como o aumento de migrações desordenadas, ocupação irregular de terras públicas, concentração fundiária, desmatamento, exploração insustentável dos recursos naturais em geral, aumento da criminalidade e agravamento das condições de saúde pública. A área de influência

da rodovia alcança integral ou parcialmente 33 Terras Indígenas, que, somadas, têm uma área de 34 milhões de hectares e abrigam mais de 33 mil pessoas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo governo brasileiro, define que os povos indígenas devem ser consultados sobre qualquer projeto de infra-estrutura que possa afetá-los direta ou indiretamente.

O Plano BR-163 Sustentável pretende justamente tentar diminuir esses impactos e implantar um modelo de desenvolvimento sustentável na região. Ele foi elaborado a partir de uma série de reuniões, encontros, diagnósticos, audiências públicas e consultas que duraram mais de dois anos e contaram com a participação de 21 ministérios e dezenas de organizações da sociedade civil, entre elas o ISA, o WWF, a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), o Grupo de Trabalho Amazônico, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e o Instituto Centro de Vida (ICV). A versão final do plano lista 54 prioridades entre ações para ordenamento territorial, regularização fundiária, implantação de obras de infra-estrutura, pesquisas, fiscalização, criação de UCs e apoio à práticas sustentáveis.

“Existem iniciativas e programas que devem acontecer antes, durante e depois da realização da obra. Estamos fazendo tudo de acordo com o que foi definido pelo plano e em suas consultas públicas”, argumenta José Maria da Cunha, assessor técnico da Secretaria-executiva do Ministério dos Transportes. Ele lembra que a maior parte dos trabalhos na estrada ainda levará algum tempo para sair do papel e confirma que o governo já vem implementando uma série de ações para mitigação dos impactos socioambientais da rodovia. Ele explica que ações definidas a partir das reivindicações das comunidades indígenas, como o monitoramento do surgimento e avanço de estradas secundárias, de regularização fundiária das TIs, programas de prevenção a doenças endêmicas e desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis, deverão acontecer após a expedição de novas licenças ambientais e simultaneamente às obras.

Cunha conta que a realização de uma consulta pública sobre a pavimentação da rodovia apenas com os índios vem sendo negociada com a Funai praticamente desde a formação do GTI responsável por ela. “Não sei que problemas podem ter acontecido por lá para não acontecer uma ´ação continuada´, mas acho que agora há disposição para resolver o problema”, afirma. O assessor admite certa demora da Funai em fechar uma agenda para o evento, mas conta que Mércio Pereira Gomes esteve no Ministério na semana passada para tratar do assunto. Cunha aposta que a consulta deve acontecer ainda em agosto.

A reportagem do ISA procurou a assessoria da imprensa da Funai para ouvir Mércio Pereira Gomes, mas não conseguiu entrevistá-lo.