Depois de dois anos, índios Javaés são avisados de que pedido de demarcação havia sido rejeitado

Brasília – Vinte lideranças do povo Javaé estiveram hoje (9) em Brasília pra reunir-se com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes. Em pauta, a homologação das terras em que vivem, na Ilha do Bananal, em Tocantins.

Após duas horas de reunião, a Funai descobriu que o pedido de demarcação da área, que já havia sido feito há dois anos, chegou a ir ao Ministério da Justiça, onde foi rejeitado. O pedido estava novamente na Funai.

Segundo Saulo Feitosa, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o processo está parado desde 2003 porque a Unidade de Conservação do Parque Nacional Araguaia foi criada em sobreposição à terra indígena Iñawébohona, onde os Javaés residem. A área de conservação foi criada durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek.

O Cimi afirmou que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está colocando em risco a sobrevivência física e cultural do povo indígena, uma vez que eles foram proibidos de caçar, pescar e colher palha para construção de casas. "Com a construção da área de preservação ambiental, a terra também não pôde fazer parte do programa Luz para Todos e conseqüentemente o poço artesiano que havia sido construído para facilitar o acesso à água potável não tem como ser utilizado", afirmou Saulo.

O líder da tribo Javaé, Paulo Huruka, disse não entender o motivo pelo qual suas terras não são reconhecidas. "Sempre moramos aqui, essa reserva foi criada depois da nossa chegada. Estamos perdendo nossa cultura porque nessa época realizamos a brincadeira de Aruanã, que é uma tradição da tribo, e ao invés de estarmos lá estamos em Brasília brigando por um direito que é nosso".

O diretor de Ecossistemas do Ibama, Valmir Ortega, informou que a obrigação do Instituto é seguir a legislação no que diz respeito à extração de recursos naturais das reservas ambientais. "Onde existem os parques nacionais pressupomos que não há ocupação humana, mas se essa reivindicação tem uma base material que justifique o direito aos indígenas, cabe a Funai reconhecer".

De acordo com Valmir, esse processo de regularização das terras já está em andamento. "Hoje existem alguns indígenas ocupando uma área do parque ilegalmente, mas já estamos em negociação com a Funai para regularizar as terras de forma a conservar o meio ambiente e o direito dos índios de terem seu memorial", afirmou.

Expedição desvenda região inóspita do Parque Tumucumaque

Uma equipe composta por representantes do Ibama, do WWF-Brasil, dos índios Wajãpi e de moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru iniciou na quarta-feira 3, uma expedição de três semanas pelo médio e alto curso do rio Jari, dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), a maior área protegida em faixa tropical do mundo.  Uma equipe de apoio à expedição, que havia iniciado a subida pelo rio Jari no último dia 23 de julho, chegou no dia 2 passado à aldeia Mukuru, na Terra Indígena Wajãpi. Deste ponto, a expedição parte rio acima, iniciando a incursão dentro do parque nacional.

A expedição planeja obter informações sobre a geomorfologia da região, identificar eventuais invasões, especialmente de garimpeiros, e coletar amostras de água do Jari e de alguns de seus tributários para verificar se há contaminação decorrente de atividade garimpeira.  Essas informações serão utilizadas na elaboração do plano de manejo do parque, documento que, como o nome indica, define o planejamento da conservação e das demais atividades permitidas em seu interior, como o ecoturismo, e as condições em que se darão.

Fronteira natural entre os estados do Amapá e Pará, o rio Jari é a principal via de penetração a uma das regiões mais remotas da Amazônia, que até a década de 1960 era controlada por povos indígenas da região.  Segundo informações de Christoph Jaster, chefe do PNMT, esse pedaço do rio Jari foi percorrido até seu alto curso apenas por índios e, possivelmente, por garimpeiros.

A exceção foi a passagem de uma expedição enviada pela Alemanha nazista que, com o apoio do governo brasileiro, percorreu o Jari e alguns afluentes entre 1935 e 1937, coletando informações sobre fauna, flora e culturas indígenas.  Essa viagem resultou no livro "Mistérios da caverna na floresta virgem"  (Rätsel der Urwaldhölle, no original em alemão), escrito por Schulz-Kamphenkel, que descreve detalhes da incursão por esse inóspito pedaço da Amazônia brasileira.

ndios farão campanha pela demarcação de terra em Santa Catarina

Líderes dos índios Guarani e representantes de movimentos sociais, igrejas, escolas e universidades lançam terça-feira (9) campanha pela demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, em Santa Catarina. A área é de 1.998 hectares e tem 31 quilômetros de perímetro.

Na campanha, será feita uma convocação à sociedade para que envie mensagens ao ministro da Justiça pedindo a assinatura imediata da Portaria Declaratória da Terra Indígena Morro dos Cavalos.

O prazo para que o Ministério da Justiça publique a portaria declaratória de uma terra indígena é de 30 dias após o recebimento do processo administrativo da Fundação Nacional do Índio (Funai). No caso de Morro dos Cavalos, o prazo já foi ultrapassado em 21 meses, apesar de todas as etapas do processo terem sido concluídas, inclusive com pareceres favoráveis da Funai e dos consultores jurídicos do Ministério da Justiça.

Os espaços prioritários para divulgar a campanha serão escolas e universidades, movimentos sociais e eclesiásticos. Conforme destacou Werá Tupã, liderança da aldeia, "num primeiro momento vamos fazer chegar cartas e documentos ao Ministro, se ele não atender temos que pensar em ações mais enérgicas para fazer com que ele cumpra a lei".

A demarcação da terra não acontece por causa das pressões políticas exercidas pelos setores contrários às demarcações. Nesse caso, a pressão vem especialmente do governo do estado de Santa Catarina, onde todos os processos de demarcação de terra estão paralisados. Em 2005, nenhum Grupo Técnico foi criado no Brasil para identificação de terras indígenas.

Essa situação é agravada pelas precárias condições vividas pela comunidade indígena, que sequer tem espaço para plantar e é obrigada a sobreviver de doações. O local impróprio utilizado atualmente pela comunidade gera muita insegurança e apreensão, pois a rodovia BR 101 passa a pouco mais de 30 metros da escola da aldeia. Em 10 de julho, três crianças Guarani foram atropeladas nas imediações da escola por um carro desgovernado.

Grupo do governo tenta acordo com comunidade

Desde o primeiro deslocamento de comunidades quilombolas do município de Alcântara, por causa da criação da Base Espacial, já se passaram 20 anos. Há um ano, o Grupo Executivo Interministerial (GEI) para o Desenvolvimento Sustentável de Alcântara – criado em agosto de 2004 por meio de decreto – elabora um conjunto de medidas que deve implantar políticas públicas para a população da cidade, respeitando o território étnico das 152 comunidades que se definem como negras, sem, contudo, interromper os avanços do programa espacial brasileiro.

O GEI, composto por representantes de 23 órgãos federais sob a coordenação da Casa Civil, definiu 71 ações que pretendem resolver os problemas fundiários da região, além de saúde, educação, transporte, saneamento básico, geração de emprego e estímulo ao turismo. A previsão é que sejam investidos cerca de R$ 17 milhões em 2005 e quase R$ 10 milhões em 2006 no município.

Para implementar o plano, o grupo fez um acordo de cooperação técnica que deverá ser assinado por todos os ministérios e secretarias envolvidos no processo. Além de descrever o cronograma de ações, o documento prevê a criação do Comitê Executivo Nacional e o Comitê Gestor Local que vão fiscalizar a execução do plano. O primeiro será coordenado pela Casa Civil, composto por representantes dos órgãos federais, e deverá se reunir pelo menos uma vez a cada dois meses. O segundo comitê terá representantes dos órgãos federais e dos governos estaduais e municipais, se reunirá uma vez ao mês e deverá realizar audiência pública para discutir o andamento das ações a cada dois meses. Os dois órgãos deverão trocar informações constantemente.

Segundo o coordenador do GEI, Adelmar Tôrres, a idéia é que líderes comunitários de Alcântara também assinem o acordo, "mas há resistência por parte da população". No último dia 30, representantes da Casa Civil se encontraram com lideranças, organizações sociais, vereadores e a prefeita de Alcântara para chegar a um consenso. No entanto, a sociedade quer a inclusão de termos no acordo que garantam a permanência das famílias nos locais de origem – em especial quilombolas, que ali estão desde pelo menos 1755 -, a não expansão da área do programa espacial e a participação nos comitês fiscalizadores.

Tôrres considera as preocupações da população "legítimas" porque não é a primeira vez que o governo promete ajuda para a região. Em 1982, foi feito um acordo com a Aeronáutica, assinado e registrado em cartório, que não se cumpriu. "O governo não precisa fazer acordo para fazer política pública, é da sua natureza. Já devia ter feito. Está atrasado. No passado, eles (lideranças locais) também fizeram acordo em que o governo se comprometeu a melhorar a situação social da região. Esse acordo não foi cumprido. Eles têm receio de assinar novamente um acordo e não se traduzir em realidade. Esse receio é legítimo". O grupo tem até o dia 31 de agosto para firmar o acordo de cooperação técnica, conforme informou o coordenador.

Ele acredita que o acordo é um instrumento social que pode "reforçar" a necessidade e obrigatoriedade das ações junto ao governo. Se assinado pela população – ou ao menos testemunhado – ele teria ainda mais peso.

Tôrres acrescentou: "O governo nunca deu atenção focada, permanente a questão dos quilombolas. Não deu muita satisfação do que ocorreu no passado ao deslocar populações para instalar a Base Aérea de Alcântara na década de 70 e 80. Causou traumas que até hoje precisam ser cicatrizados".

No início dos anos 80, com a construção do Centro de Lançamento de Foguetes Espaciais de Alcântara, parte da população da cidade, a maioria remanescente de quilombos, foi levada para agrovilas. O deslocamento alterou a rotina do povo que vive da pesca e do artesanato. Provocou, entre outras coisas, inchaço na periferia da cidade e pôs as pessoas em situação de risco.

As reivindicações da sociedade, já reunidas pelo GEI, vão ser analisadas na próxima reunião do grupo, na sexta-feira, 5 de agosto.

Ibama não confirma denúncia do Incra de construção de hidrelétrica na Amazônia

Manaus – O chefe de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Amazonas, Adilson Cordeiro, afirmou que os fiscais da Operação Uiraçu não encontraram obras para a construção de uma usina hidrelétrica no Rio Ituxi, em Lábrea.

"A gente já havia estado na região, há um mês, e não ouvimos rumores da construção. Com a denúncia do Incra, voltamos ao sul de Lábrea na semana passada e fomos o local indicado, mas não encontramos qualquer irregularidade", disse Cordeiro.

A Uiraçu, coordenada pelo Ibama, começou há 60 dias, com o objetivo de combater o desmatamento no sul do estado. Os 56 agentes participantes percorrerão até novembro 12 municípios do sul estado: Lábrea, Guajará, Ipixuna, Eirunepé, Envira, Pauini, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã e Apuí.

No último dia 15, a Agência Brasil publicou a denúncia do superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), João Pedro Gonçalves da Costa, de que uma usina hidrelétrica estava sendo construída no local. Técnicos do Incra, durante uma entrevista coletiva, apresentaram fotos da área, que mostravam a movimentação de grandes caminhões. Na ocasião, relataram que um engenheiro que trabalhava para o grupo Cassol disse que planejava dinamitar as três cachoeiras do rio Ituxi.

A reportagem ouviu também Carlos Henrique Alves, dono da fazenda onde se localizam as cachoeiras e o assessor político do governador de Rondônia, Ivo Cassol, um dos proprietários do Grupo Cassol. Ele afirmou que o grupo Cassol estava apenas fazendo estudos para a construção de uma hidrelétrica.

No último dia 18, a Agência Brasil apurou que o Grupo Cassol não possui autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para realizar o inventário hidrelétrico do rio Ituxi. No mesmo dia, foi publicada também uma entrevista com o próprio Cassol, na qual ele justificava que os estudos ainda estavam em fase preliminar e chamava o superintendente do Incra de mentiroso.

João Pedro Gonçalves da Costa sustenta a denúncia. "Eu quebro meu sigilo telefônico se for preciso para mostrar que o próprio governador de Rondônia me ligou dizendo que pretendia construir a hidrelétrica e que os estudos estavam em fase preliminar. Nós não inventamos nada, eu estive lá. Foram os trabalhadores do local que disseram que estavam fazendo levantamentos topográficos. Eles mudaram o curso do ramal para isso. Ninguém muda uma estada só para fazer estudos", afirmou o superintendente.

Estudo revela que peixes amazônicos fazem maior migração em água doce no mundo

Parintins (AM) – A piramutaba e a dourada realizam a maior viagem conhecida de um peixe de água doce no mundo: para desovar, a partir dos três anos de idade, as fêmeas saem da foz do rio Amazonas, no litoral paraense, e nadam 5.500 quilômetros até a cidade de Iquitos, no Peru. A viagem demora até seis meses, mas as larvas desovadas percorrem o caminho de volta em no máximo 20 dias, carregadas pela correnteza. Os dados são do estudo "Grande Bagres Migradores", realizado pelo Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (ProVárzea/Ibama).

"A piramutaba e a dourada são o carro-chefe da economia pesqueira da região, mas o ribeirinho não conhece todo seu ciclo de vida, por causa da longa migração", informou Maria Clara Forsberg, acrescentando que o resultado do estudo será divulgado nas comunidades ribeirinhas, por meio da distribuição de cartilhas e da realização de seminários.

De cada 100 peixes de couro (liso, sem escama) capturados na calha do rio Amazonas/Solimões, 70 são piramutabas ou douradas – cerca de 30 mil toneladas dessas duas espécies são comercializadas por ano na região. "Esse número cresceu a partir da década de 70, com a migração de sulistas para cá, porque havia um tabu quanto ao consumo de peixes lisos na Amazônia. Ainda existem algumas comunidades ribeirinhas que acreditam que eles são remosos, isto é, indigestos, que podem provocar problemas de pele, fazer mal à saúde", explicou Maria Clara.

Ela acrescentou ainda que, apesar do grande deslocamento da piramutaba e da dourada, os acordos de pesca local funcionam também para essas duas espécies. "Na época da seca eles ficam represados em algumas regiões", esclareceu.

O estudo do PróVárzea financiou a revisão da instrução normativa publicada em junho de 2004, válida por dois anos, e que regula a pesca da piramutaba no estuário do rio Amazonas. "Ela determina o número de barcos que podem pescar, o tamanho da malha que os pescadores podem usar e em qual período podem trabalhar. É importante também porque possibilita que nos dois meses e meio de defeso, quando a pesca é proibida, eles recebam seguro-desemprego", ressaltou.

Maria Clara Forsberg está em Parintins coordenando o seminário Políticas Públicas para a Calha do Solimões/Amazonas, promovido pelo PróVárzea, um subprograma do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e executado com verba da cooperação internacional.

Advogado do Cimi diz que decisão do STF pode obstruir demarcações de terras

O advogado Paulo Machado, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), disse hoje (28) que o se o Pleno do Supremo Tribunal Federal acatar a decisão tomada ontem (27) pelo ministro Nelson Jobim, presidente da Corte, de suspender o decreto presidencial que homologou a demarcação de terras em Mato Grosso do Sul, ficarão obstruídas todas as demais demarcações que estiverem nas mesmas condições. "O presidente da República só poderá homologar as terras quando os processos judiciais forem encerrados, com o trânsito julgado", acrescentou.

O ministro Nelson Jobim havia acatado mandado de segurança impetrado pelo pecuarista Pio Silva e outros 15 proprietários das terras Ñande Ru Marangatu, ocupadas pelo povo indígena Guarani-Kaiowá no município de Antonio João. Na ação, eles argumentam que o presidente da República não poderia homologar a demarcação, pois seria de competência exclusiva do Congresso Nacional. Alegam também que as terras são de domínio privado há quase 150 anos e não são ocupadas tradicionalmente por indígenas, quesito necessário para a demarcação, conforme o artigo 231, parágrafo 1º da Constituição. Outra questão levantada pelos fazendeiros é a existência de uma ação declaratória, em trâmite desde setembro de 2001, na Vara Federal de Ponta-Porã (MS), que declararia o domínio particular.

O advogado Paulo Machado disse ainda que o Cimi confia na atuação do STF: "Nós esperamos que o Supremo mantenha o seu posicionamento, que já vem sendo reiterado há muitos anos, de que não cabe mandado de segurança contra decreto de homologação de terra indígena".

Em nota divulgada hoje (28), o Cimi diz ter recebido "com preocupação" a notícia da concessão de decisão liminar e entender "que a existência de ação judicial que discute a nulidade do processo administrativo de demarcação de terra indígena não é impedimento para a prática de qualquer ato no curso do processo administrativo em discussão, já que não existe decisão judicial alguma determinando que o Presidente da República se abstenha da prática de ato no processo administrativo em questão".

Para a líder da comunidade Guarani-Kaiowá, Léia Aquino, os índios tentarão ocupar a terra que foi homologada. Ela ressalvou que seu povo ainda não tem conhecimento da decisão do ministro e não sabe qual será a reação deles. "Com certeza eles vão ocupar toda a terra, porque a terra já é nossa. Não vai adiantar a gente ficar esperando no nosso cantinho enquanto eles trabalham contra a gente. Eu acho que é melhor a gente ocupar todas as terras de uma vez", disse.

Atualmente, segundo a líder, o povo Guarani-Kaiowá ocupa um território de 26 hectares, quando a homologação garante 9,3 mil hectares.

STF suspende retirada de vegetação de áreas de preservação permanente

Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a norma que possibilita a retirada de vegetação de Áreas de Preservação Permanente (APPs). A decisão foi tomada pelo presidente do STF, ministro Nelson Jobim, na última segunda (26), atendendo pedido da Procuradoria Geral da República (PGR).

A liminar invalida o artigo segundo da Medida Provisória 2166/01, que altera o Código Florestal Brasileiro e que trata das áreas de preservação permanente. São consideradas APPs topos de morros, nascentes, margens de rios e riachos. Elas são protegidas pela legislação ambiental por sua importância ecológica. Com a decisão, fica estabelecido que, para retirar vegetação dessas áreas, é necessária uma legislação específica, aprovada pelo Congresso Nacional.

Até então, os órgãos ambientais seguiam o texto da medida provisória que prevê que, em casos excepcionais, é permitida a intervenção em APPs, desde que feita uma análise por órgãos técnicos ambientais – o Ibama ou órgão estaduais e municipais, que estabelecem ações compensatórias para essas situações. Segundo o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Cláudio Langone, a medida vai dificultar e tornar mais demorados os licenciamentos ambientais em situações que já eram corriqueiramente autorizadas como a retirada de vegetação da margem de rios para que animais tomem água.

Langone afirma que o ministério vai recorrer junto ao STF. "Vamos recorrer da decisão por que defendemos a constitucionalidade da MP. Desde a edição, em 2001, nós nunca tínhamos tido questionamentos formais e também vamos recorrer por que defendemos a prerrogativa do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de disciplinar esse assunto", argumentou. O secretário executivo informa também que foram suspensas as emissões de qualquer autorização de intervenção em APPs no país até que o recurso seja julgado pelo STF. Segundo a assessoria do STF, a liminar só deve ser julgada a partir de agosto, quando os ministros retornam do recesso.

No pedido, a Procuradoria argumentou ao Supremo que "de acordo com a Constituição Federal, somente lei formal pode autorizar a alteração dos espaços territoriais especialmente protegidos". E também que o Conama estaria prestes a autorizar, por meio de resolução, o gestor ambiental local a suprimir a vegetação de APPs para fins de empreendimentos de mineração.

O secretário executivo no MMA afirma que a ministra Marina Silva havia garantido ao Ministério Público que a resolução sobre APPs seria apenas discutida pelo Conama na reunião ordinária do conselho nos dias 27 e 28, sem que fossem tomadas decisões sobre o tema. Ele informa que a mineração seria apenas um dos pontos a serem abordados pela norma que disciplina intervenção em APPs.

O plenário do Conselho Nacional do Meio Ambiente aprovou hoje a realização de novas reuniões públicas para debater sobre a retirada de vegetação em áreas de preservação permanente.

Organizações da sociedade civil entram com representação contra Belo Monte

O ISA, a Coiab (Coordenação Das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), o Greenpeace e o Fórum Carajás entraram ontem (21/7) com representação junto à Procuradoria Geral da República contra Decreto Legislativo nº 788 de 2005, que autoriza a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na chamada Volta Grande do rio Xingu. A autorização foi dada em tempo recorde, pois foi aprovada em 6 de julho pela Câmara e uma semana depois pelo Senado, sem que no entanto tenham sido ouvidas as comunidades indígenas afetadas, como determina a Constituição Federal.

Belo Monte faz parte de um antigo projeto de construção de usinas hidrelétricas no rio Xingu, as quais alagariam áreas imensas e modificariam completamente o rio. Por essa razão há mais de 17 anos o projeto vem sendo contestado pelas populações que vivem na região, como indígenas e ribeirinhos, que serão diretamente afetados pela construção da usina, mesmo com a mudança efetuada no projeto de engenharia pela Eletronorte. Leia o especial do ISA sobre o tema: A Polêmica da usina de Belo Monte.

A representação ao Procurador-Geral da República se baseia no fato de que o Congresso Nacional autorizou os estudos sem ouvir as populações que serão afetadas, entre elas nove povos indígenas, conforme determina a Constituição.

“A aprovação pelo congresso nacional foi afobada, não só por não ter ouvido anteriormente o que pensam os povos indígenas afetados, mas também porque já dá carta branca para a futura construção, sem sequer avaliar quais serão os reais impactos socioambientais da obra. Como pode autorizar algo que não conhece? Deveria haver uma nova avaliação posteriormente à elaboração do EIA/Rima, pois do contrário o Poder Legislativo estará se furtando ao seu dever constitucional de proteger as terras indígenas contra obras que venham afetar a integridade de seus recursos naturais” afirma o advogado Raul Silva Telles do Valle, assessor jurídico do ISA.

Se a Procuradoria acatar a representação, vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no STF que vai decidir se é válido ou não.

Invasões garimpeiras voltam a ameaçar povo Yanomami

A Campanha Nacional de Desarmamento recolheu, desde agosto de 2004, mais de 393 mil armas em todo o País. Na contramão deste movimento, garimpeiros estão invadindo a Terra Indígena Yanomami, que abrange parte dos estados de Roraima e do Amazonas, e fornecendo espingardas e munição para os índios como salvo-conduto para permanecer na região em busca de minérios como ouro, cassiterita, urânio e nióbio. O contato com os invasores também faz com que os Yanomami contraiam malária, gripe e doenças sexualmente transmissíveis. A atividade garimpeira compromete ainda a qualidade dos rios que abastecem as comunidades indígenas. Em carta de 30 de junho, o Conselho do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami e Ye`kuana relata estes problemas e afirma que a invasão do território Yanomami está fora de controle.

A carta do Conselho é destinada ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aos presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O Ministério Público Federal também recebeu uma cópia do documento. A carta, assinada por 14 lideranças indígenas e outros membros do Conselho, lista cinco pistas clandestinas no território indígena, demarcado e homologado há 13 anos. Outros oito pontos de garimpo estão identificados. “Não é difícil prever que estamos a caminho de uma situação de caos social e sanitário, como a vivida pelos Yanomami no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando, pelo menos, um quinto da população Yanomami morreu devido às doenças introduzidas pelos garimpeiros”, afirma o texto do Conselho do DSEI. Leia aqui a carta na íntegra.

Davi Kopenawa, uma das mais importantes lideranças Yanomami, afirma que as ações dos órgãos do governo federal não estão sendo suficientes para expulsar os garimpeiros, nem ao menos para intimidá-los. “Eles estão tão à vontade na região que chegam a pedir carona nos aviões da Fundação Nacional de Saúde para buscar mantimentos nas cidades e utilizam os rádios dos postos da Funai para pedir novas cargas de munição”. Procurada pela reportagem do ISA, a assessoria de imprensa da Funai admite que a invasão da TI está deflagrada e que a principal medida proposta pelo órgão para combatê-la é regulamentar o poder de polícia de seus funcionários.

Espiral de violência

Uma das mais graves conseqüências da invasão garimpeira é o constante armamento dos Yanomami, o que nos últimos anos tem resultado no aumento da letalidade dos conflitos entre as comunidades indígenas. Hoje os ferimentos por arma de fogo estão entre as principais causas de mortalidade entre os Yanomami, muito acima da malária, por exemplo. Em relatório do ano passado, intitulado Armas de fogo, violência e assistência à saúde entre os Yanomami, os antropólogos Moisés Ramalho e Marcos Pelegrini, consultores da Funasa, afirmam que “as armas de fogo fazem com que os conflitos entre as aldeias tornem-se cada vez mais sangrentos, produzindo muito mais vítimas do que no passado, o que, por sua vez, prolonga as hostilidades, já que cada morte é vingada; o ciclo então se perpetua ao mesmo tempo em que se amplia quando outras aldeias acabam sendo envolvidas no conflito”.

Os conflitos intercomunitários são parte integrante do universo sociocultural dos Yanomami, caracterizando-se por um conjunto de regras e um universo ritual que condicionam a prática de ações violentas. O antropólogo Rogério Duarte do Pateo, do ISA, explica que os enfrentamentos, marcados quase exclusivamente por emboscadas nas áreas de roça ou no entorno das aldeias, se inserem em um complexo sistema de relações intercomunitárias que se articula a uma extensa rede de aliança e inimizade entre os grupos. “As relações de antagonismo podem ser deflagradas por motivos banais e cotidianos”, diz Rogério. “E são fruto da degeneração progressiva das relações de aliança e amizade entre dois ou mais grupos durante um determinado período de tempo, articulando ataques efetivos, feitiçaria guerreira e xamanismo agressivo”.

Balas no lugar de flechas

O problema é que as armas de fogo, ao contrário das flechas, bordunas e zarabatanas, causam ferimentos muito mais fatais e aumentam o número de mortos. Com isso, potencializam os ciclos de vingança entre os grupos, num espiral de violência sem precedentes entre os Yanomami. “Antigamente nossas disputas eram com flecha, agora muitos têm bala e ficam mais fortes”, diz Davi Kopenawa. Os consultores da Funasa recomendam a realização de uma campanha de desarmamento entre os Yanomami, com a troca de espingardas por ferramentas e outros utensílios. A resistência dos índios, porém, é grande. Davi Kopenawa conta que as armas são objetos muito valorizados e não utilizadas para caça. “Servem apenas para matar os parentes”, relata. “Eu já tentei duas vezes recuperar armas mas é difícil dos índios se desfazerem delas”. Ao tentar desarmar as aldeias da região do Surucucu, Davi recuperou 3 espingardas. “Mas sei que enquanto não tirarem os garimpeiros de lá outras armas vão chegar”.

No relatório sobre a escalada bélica na Terra Indígena, Ramalho e Pellegrini relatam que, entre 1995 e 2003, o DSEI Yanomami registrou a morte de 47 índios por arma de fogo, e a de 17 por meio de pauladas, flechadas ou zarabatana. Outros 15 homicídios não tiveram a causa esclarecida. “Vale a pena lembrar que, apesar de impressionantes, esses números registram apenas as mortes, mas a quantidade de feridos, principalmente à bala nos conflitos, é também igualmente significativa”, escrevem os consultores. Eles destacam ainda que entre janeiro de 2000 e dezembro de 2003, 25 das 42 mortes violentas foram provocadas por armas de fogo.

Saúde na mira

O acirramento dos conflitos armados entre as comunidades indígenas atinge também os funcionários da saúde que atuam na TI. Um dos episódios mais traumáticos relacionados ao uso das armas fornecidas pelos garimpeiros aos Yanomami ocorreu em 11 de dezembro de 2003, quando o auxiliar de enfermagem Orisvam Araújo da Silva, da ONG Urihi – Saúde Yanomami, que prestava serviço na região, foi morto com um tiro nas costas enquanto se banhava em um rio nas proximidades da aldeia Kahusiki. Silva teria sido confundido com um Yanomami por membros de uma aldeia inimiga, que estavam de tocaia na área com a intenção de matar um rival. Entre 2001 e 2003, outros seis casos de ataques de Yanomami na presença de agentes de saúde ou educadores foram registrados.

Estes episódios, o recrudescimento das invasões garimpeiras e dos conflitos entre as comunidades indígenas prejudicam diretamente o atendimento à saúde na TI. O assessor técnico do Departamento de Saúde Indígena da Funasa em Brasília, Edgar Dias Magalhães, afirma que muitos garimpeiros incitam os Yanomami contra os agentes de saúde. “Nossa preocupação maior é com a segurança das equipes de saúde e a ação de cooptação dos índios por parte dos garimpeiros, que em algumas situações já chegaram a vetar, a pedido dos garimpeiros, o acesso das equipes de saúde a certas regiões”, afirma. O assessor, que estima em 3 mil o número atual de garimpeiros na TI, diz que o fornecimento de bebidas alcoólicas para os índios também compromete o desenvolvimento de trabalhos de saúde na região.

Risco de malária

Edgar Magalhães garante que a Funasa está atenta à deterioração sanitária relacionada ao garimpo, mas que por enquanto não há indícios que demandem ações emergenciais. “A malária encontra-se controlada na TI, havendo vigilância epidemiológica dos casos e ações de controle. Estamos levantando junto ao DSEI uma tabela atualizada dos dados de malária para checagem da situação”, afirma. O assessor técnico lembra ainda que o garimpo traz o risco da volta da doença em nível endêmico e epidêmico, pois os garimpeir

os não se tratam adequadamente. “Eles funcionam como reservatórios de malária”. Isso porque, ao picar um indívíduo doente, o mosquito vetor da malária se contamina e, ao picar outros indíviduos posteriormente, lhes transmite o parasita causador da doença.

Outros problemas decorrentes da presença dos intrusos na TI, segundo o técnico da Funasa, é a poluição dos rios, que provoca o aumento de casos de diarréia entre os índios, e a escassez de caça, que some das beiras de rios assustada com o barulho das máquinas de garimpo. O missionário Carlo Zacquini, da Diocese de Roraima, trabalha com os Yanomami desde 1975 e afirma que as doenças levadas às comunidades pelo contato dos índios com os garimpeiros podem causar novos surtos da doença. “Foram muitos anos para a malária ser controlada na região e todo este trabalho está sendo jogado no lixo”, alerta Zacquini. O missionário denuncia a falta de atuação dos órgãos responsáveis pela fiscalização do território indígena.

O fantasma de Haximu

Cerca de 15 mil Yanomami vivem no território de 9.6 milhões de hectares organizados em aproximadamente 200 comunidades. A presença de garimpeiros e o interesse minerário na Terra Indígena Yanomami não são novos. De acordo com a publicação Mineração em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira, lançada pelo ISA este ano, há 640 requerimentos de empresas para pesquisa e lavra dentro da TI – a grande maioria deles feita antes da Constituição Federal de 1988. Tampouco são novas as trágicas conseqüências da presença dos garimpeiros. Entre 1987 e 1990, uma invasão sem precedentes ocorreu na região, quando cerca de 40 mil homens realizaram uma verdadeira corrida do ouro no território indígena, levando à morte um quinto da poulação Yanomami da época. O episódio mais conhecido desta trágica história ocorreu em 1993, quando um bando de garimpeiros chacinou 16 Yanomami, principalmente mulheres e crianças, no chamado “massacre de Haximu”. Até hoje, os índios temem sua repetição.