Registros mostram que índios da Raposa vivem na região há quatro séculos

A homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol legitimou nesta semana a posse da terra para índios que viviam na região há cerca de quatro séculos. É o que mostram os registros arqueológicos. As características da língua revelam, por sua vez, origens ainda mais antigas. Os índios de Roraima seriam descendentes de tribos caribenhas, há quatro mil anos no continente americano.

"A ocupação da região atual pelos índios é imemorial. Alguns registros permanecem de forma figurada na tradição oral, nos mitos e lendas da tribo", afirma o professor de Antropologia e Etnologia da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) Paulo Santilli. "Durante séculos, a Raposa foi alvo de invasões. Diante disso, os conflitos eram inevitáveis. A homologação é, de forma geral, uma medida pacificadora. Vai de encontro a reivindicações indígenas antigas."

A demarcação da Raposa Serra do Sol foi preparada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com base nos estudos do professor da Unesp. Há 15 anos, ele pesquisa os índios da região. Seus estudos revelaram as múltiplas invasões a que as comunidades indígenas da Raposa foram submetidas. Ainda na época da colonização, holandeses, ingleses, espanhóis e portugueses estiveram no local, atraente pela abundância de rios.

O Forte São Joaquim, construído em 1775, foi o marco da colonização portuguesa. Em torno dele, foram criados aldeamentos onde os índios eram confinados, atraídos por presentes ou mesmo à força. O forte tinha posição estratégica. Entre dois rios, permitia o controle da entrada para a Venezuela e a então Guiana Inglesa. Os aldeamentos construídos nas proximidades logo foram abandonados pelos portugueses por causa da resistência dos índios.

No passado mais recente, durante todo o século passado, as tentativas de desenvolver o Norte do país levaram mais invasores para as terras indígenas da Raposa. Depois de participar da construção de estradas e pontes, trabalhadores – a maioria vinda do Nordeste – permaneciam na região com incentivos do governo. "Quando comecei a trabalhar na região, na década de 80, a decadência da borracha liberou um exército para ficar na Raposa. Logo depois, vieram os garimpeiros. O garimpo provocou epidemias de malária e poluição dos rios", lembra o professor Santilli.

De acordo com ele, os mais recentes invasores da terra indígena, os arrozeiros, também chegaram à Raposa com apoio público. No caso deles, do governo estadual. Esses agricultores se fixaram depois que a demarcação já estava feita. Muitos receberam financiamento estatal para permanecer na região. "As benfeitorias feitas são resultado de recursos públicos", denuncia Santilli. "Agora, o governo vai ressarci-los por essas benfeitorias para que saiam da Raposa? É no mínimo um ponto controverso."

Homologação contínua da Raposa garante tradições culturais, diz pesquisador

A homologação do projeto que demarca a terra indígena Raposa Serra do Sol em área praticamente contínua vai preservar as tradições culturais das comunidades da região. Entre elas, a autonomia pessoal dos jovens, que saem da própria aldeia para casar-se em outra como forma de emancipação. Dessa forma, eles perpetuam uma organização social marcada por extensas relações de parentesco entre as cerca de 150 aldeias existentes.

"A circulação em toda a área é grande. Por isso, é fundamental que exista um território contínuo, e não fracionado", explica o professor de Antropologia e Etnologia da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), Paulo Santilli. Foi com base nos estudos de Santilli que a Fundação Nacional do Índio preparou a demarcação da Raposa. A longa convivência com os povos da região permitiu que Santilli desvendasse costumes e formas de viver das comunidades.

De acordo com o pesquisador, os índios de Roraima buscam uma relação equalitária nas aldeias. Homens e mulheres dividem as tarefas de forma harmônica, com margem para intercâmbio de funções. Eles desempenham o que os especialistas chamam de ações e atividades sem exclusividades, mas com aspectos majoritários. A limpeza do terreno e o cultivo costumam ser feitos pelos homens. A manutenção do plantio cabe às mulheres.

Apesar do sucesso na pecuária – calcula-se que a Raposa tenha um rebanho de 30 mil cabeças de gado – a agricultura é a atividade mais tradicional das comunidades indígenas da região. "Historicamente, eles plantam milho, mandioca e cará, caçam e colhem frutas variadas. Nos últimos anos, começaram a plantar arroz e feijão. Substituíram parte da caça pela pecuária", informa o professor da Unesp.

Governador de Roraima quer discutir homologação da Raposa Serra do Sol com ministro da Justiça

O governador de Roraima Ottomar Pinto deve se reunir na próxima terça-feira (19) com o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, em Brasília. Acompanhado de parlamentares do estado, o governador pretende discutir a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta-feira.

"Com o ministro vou tratar da Raposa do Sol e da questão das terras do estado que o Incra ficou com elas e o estado está sem nada. Isso não existe, é quase que um estado virtual. Até parece que não temos competência para distribuir nossas terras de acordo com as necessidades da nossa gente, só quem tem é o Incra".

O governador quer também se encontrar com o presidente Lula. Segundo ele, após reunião com o presidente ficou acertada a realização de um segundo encontro que aconteceria antes da homologação. Na ocasião, seriam ouvidos o governador de Roraima e a bancada federal na tentativa de estabelecer um consenso com o Incra e o Ministério da Justiça. "Não sei porque o presidente mudou de opinião".

Para Ottomar, a homologação em área contínua é uma provocação aos interesses do estado. Ele afirma ainda que existe insatisfação por parte dos arrozeiros e dos índios. "Existe muita indignação entre os arrozeiros e os próprios índios que não querem a demarcação. A maioria dos índios não quer que a área seja demarcada de forma contínua, os índios também têm uma parceria com os arrozeiros, e a área onde estão os arrozais não tem reivindicação antropológica".

Pela portaria do Ministério da Justiça, os não-índios ocupantes da reserva – entre os quais os arrozeiros que exploram terras na margem Sudoeste da área – devem deixar o local no prazo de um ano após a data de homologação.

O decreto presidencial garante área de 1.743.089 hectares para os índios e determina que ficam excluídas da Raposa Serra do Sol a área onde está localizado o 6º Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã, os equipamentos e instalações públicas federais e estaduais atualmente existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais.

Vivem na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, quase 15 mil índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana, Ingarikó e Patamona.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.

Portaria estabelece nova demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol

O Diário Oficial da União publicou, nesta sexta-feira (15), portaria do Ministério da Justiça que prevê nova demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, excluindo algumas áreas, como o núcleo urbano da sede do município de Uiramutã. Assinada pelo ministro Márcio Thomaz Bastos, a portaria garante área de cerca de 1,74 milhão de hectares para os índios e determina que também ficam excluídas da Raposa Serra do Sol a área onde está localizado o 6º Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã, os equipamentos e instalações públicas federais e estaduais atualmente existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais.

A Reserva Indígena Raposa Serra do Sol abriga cerca de 15 mil índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana e Ingarikó. Pela portaria, os não-índios ocupantes da reserva – entre os quais os arrozeiros que exploram terras na margem Sudoeste da área – devem deixar o local no prazo de um ano após a data de homologação da demarcação administrativa da reserva por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A entrada, o trânsito e a permanência de não-índios na reserva Raposa Serra do Sol ficam proibidos, com exceção de autoridades federais ou particulares especialmente autorizadas, "desde que sua atividade não seja nociva, inconveniente ou danosa à vida, aos bens e ao processo de assistência aos índios".

Nesta quinta-feira (14), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu extinguir todas as ações judiciais que contestavam a portaria anterior (820/98) do Ministério da Justiça, que assegura a demarcação em área contínua da Raposa Serra do Sol em Roraima. O plenário do STF julgou as ações prejudicadas pela "perda do objeto", após tomar conhecimento da existência de nova portaria do ministério que altera o disposto no ato normativo anterior. De acordo com o relator, ministro Carlos Britto, a nova portaria busca harmonizar os grandes interesses nacionais envolvidos, entre eles a soberania nacional e a preservação do meio ambiente.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.

Coordenador do MST pede na Câmara fim da impunidade nos conflitos agrários

O combate à impunidade contra crimes no campo foi um dos pedidos feitos durante sessão solene pelo Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária realizada hoje (14) na Câmara dos Deputados.

O dia é celebrado em 17 de abril, quando 19 integrantes do Movimento dos Sem-Terra foram assassinados por policiais militares em Eldorado dos Carajás, no Pará. Apenas duas pessoas foram condenadas pelo crime, enquanto 149 policiais foram absolvidos.

O coordenador nacional do Movimento dos Sem-Terra, João Paulo Rodrigues, pediu justiça aos crimes cometidos no campo e lembrou do assassinato de cinco companheiros em Felisburgo (MG), três em Pernambuco e da irmã Dorothy Stang, no Pará. "Precisamos que a sociedade, os meios de comunicação, o governo e o Poder Judiciário possam tomar as decisões e os caminhos necessários para garantir que esses latifundiários sejam punidos no rigor da lei."

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, disse que os problemas relacionados ao uso e à distribuição da terra no Brasil remontam aos tempos coloniais e já deveriam ter sido resolvidos. Para ele, recuperar o tempo perdido é obrigação de todos. "Porém, isso deve ser feito em comum acordo, com a certeza de que acirrar conflitos não traz soluções, mas, ao contrário, aumenta as dificuldades", afirmou. O deputado acredita que o suporte técnico e financeiro aos assentamentos, apoio à agricultura familiar e estímulo ao cooperativismo são algumas medidas importantes para que a reforma agrária tenha sucesso.

De 1995 até 2004, 301 pessoas morreram em conseqüência de disputas de terra. As mortes no campo no país chegaram a 60 no ano, tanto em conflitos como por causas diversas, não detalhadas por balanço da Ouvidoria Agrária Nacional. A região Norte lidera o ranking, com 24 mortes, seguida pelo Nordeste com 19, o Sudeste com sete, e o Centro-Oeste e Sul, com cinco mortes.

Rodrigues considera difícil discutir mudanças no índice de produtividade este ano

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, considera 2005 um ano difícil para atualizar o índice de produtividade de propriedades rurais no país. Segundo ele, a safra deste ano está marcada por perdas agrícolas motivadas pela seca ou pelas enchentes em algumas regiões, além do aumento dos custo de produção. "Há uma série de fatores nesse ano que perturbam a renda do agricultor. Estamos, no entanto, estudando para discutir o assunto de maneira bastante madura", disse.

O ministério do Desenvolvimento Agrário apresentou ontem (13) proposta para atualizar os índices para cálculo de terras improdutivas. Se as modificações forem aprovadas, pecuaristas e agricultores terão que produzir mais para ter a terra considerada produtiva. Para ser colocada em prática, contudo, a medida precisa ser aprovada pelo ministério da Agricultura.

Rodrigues negou que haja desentendimentos com o MDA. "Não há impasse. Estamos conversando em nível técnico", disse. O ministro disse, entretanto, que não há prazo para que o assunto seja definido. Rodrigues participou, em São Paulo, do seminário Novos Instrumentos Privados para Financiamento ao Agronegócio.

Sem-terras que ocupam o Ministério da Fazenda reúnem-se com representantes do governo

Os coordenadores do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), grupo que ocupa o Ministério da Fazenda desde o começo da tarde, estão reunidos com representantes do governo. Segundo o coordenador do MLST, Antônio Arruti, representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério da Fazenda, do Incra e da Presidência da República estão presentes.

Arruti diz que a ocupação quer pressionar o governo a desbloquear R$ 2 bilhões de reais destinados à reforma agrária. "Viemos tomar conta de um espaço que é público". "Queremos o dinheiro que foi prometido. O agronegócio levou R$ 3 bilhões, enquanto tiraram dois [bilhões de reais] nossos. A gente gera mais emprego que o agronegócio".

Além da liberação de recursos, os manifestantes fazem mais seis solicitações: anistia para assentados da reforma agrária e pequenos agricultores; tratamento igualitário para assentados em relação ao agronegócio; continuidade do processo de reestruturação do Incra; universalização das políticas públicas de reforma agrária; punição aos mandantes e assassinos dos trabalhadores rurais; fim da perseguição e tentativa de criminalização dos movimentos sociais do campo.

Comissão do ministério da Fazenda discute reivindicações do MLST

Uma comissão de representantes do ministério da Fazenda foi formada para discutir as reivindicações do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST). A condição para que os coordenadores sejam recebidos é a desocupação imediata do prédio, que foi invadido agora há pouco. Os manifestantes ocupam a Secretaria do Tesouro Nacional, no 2º andar, e o gabinete do ministro, no 5º andar. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que substitui o ministro Antônio Palocci, está trabalhando normalmente.

A Receita Federal informou que, devido à invasão do prédio, foi suspensa a entrevista que seria concedida às 15h30 pelo secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro, para divulgar o resultado da arrecadação de impostos e contribuições federais relativo ao mês de março.

Funcionários da Funai protestam contra política indígena do governo

Os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) paralisaram suas atividades durante todo o dia de ontem (13) e a tarde de hoje (14). O objetivo da paralisação é chamar a atenção do governo para a "lastimável situação em que se encontram as políticas públicas voltadas para os povos indígenas do Brasil", diz nota divulgada pelos funcionários.

De acordo com a nota, o compromisso assumido pelo governo Lula com os povos indígenas "gerou uma grade expectativa" entre os índios e os indigenistas de melhoria de qualidade de vida para os povos. Mas "o governo não chega a resultados satisfatórios", diz o texto.

Os funcionários da Funai reclamam também do "sucateamento do órgão, desvalorização de seu papel institucional, maus tratos dos recursos humanos e achatamento salarial".

Nova portaria demarca reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas

A portaria que determinará a forma de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, prevê a criação da reserva em área contínua com algumas ressalvas, segundo informações do Ministério da Justiça. A portaria deve ser publicada nesta sexta-feira no Diário Oficial da União.

De acordo com o ministério, a nova portaria preserva a essência da reserva, os direitos dos índios, a defesa do interesse nacional e a segurança nas fronteiras, além do princípio federativo. A assessoria informou ainda que posteriormente haverá um decreto presidencial homologando a área.

A nova portaria preserva as áreas militares, para garantir a manutenção da presença do Estado, assegurando a atuação das Forças Armadas, além da Polícia Federal. Prevê ainda que os habitantes dos outros três pequenos vilarejos existentes dentro da área indígena – Socó, Mutum e Surumu – serão transferidos, por meio de trabalho conjunto entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Os arrozeiros que exploram a terras na margem Sudoeste da área indígena também serão transferidos no prazo de um ano. E serão indenizadas todas as benfeitorias de boa-fé. O ministério considera que a medida soluciona questões consideradas controvertidas, de modo pacífico e contemplando todos os interesses públicos relevantes.

A portaria determina que ficam excluídas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol as seguintes áreas e bens: a área do 6º Pelotão Especial de Fronteira (6º PEF), no município de Uiramutã (RR); os equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes; o núcleo urbano atualmente existente da sede de Uiramutã; as linhas de transmissão de energia elétrica; e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais atualmente existentes.

A Reserva Indígena Raposa Serra do Sol tem cerca de 1,8 milhão de hectares e abriga cerca de 15 mil índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana e Ingarikó.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.

Encontro debate consentimento prévio para pesquisa científica e uso de conhecimentos tradicionais

Durante três dias – de 22 a 24 de março – representantes da Coordenação das Associações Baniwa e Coripaco (CABC) e de comunidades indígenas da bacia do Rio Içana, no Alto Rio Negro, estiveram reunidos na Comunidade Boa Vista, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), para debater temas como propriedade intelectual, pesquisas científicas, bioprospecção, consentimento prévio informado e repartição de benefícios da biodiversidade. O encontro denominado Biodiversidade, Biotecnologia e Conhecimentos Tradicionais foi promovido pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e pelo Instituto Socioambiental (ISA). Algumas das recomendações para a realização de pesquisas na bacia do Içana, sugeridas no evento, aprofundaram orientações do 1º Seminário de Pesquisa em Terras Indígenas do Rio Negro, realizado em 2000 e igualmente organizado pelo ISA e pela Foirn (saiba mais).

A realização da atividade decorreu de uma sugestão dos participantes da última assembléia da CABC, em junho de 2004. Nessa ocasião, as comunidades demonstraram apreensão com as conseqüências que as pesquisas poderiam ter sobre os conhecimentos tradicionais Baniwa e a biodiversidade a eles associada. A iniciativa atendeu também ao compromisso do ISA de levar até seus parceiros locais as discussões realizadas no âmbito do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) e da Convenção da Diversidade Biológica (CDB).

Além de abordar os temas polêmicos mais gerais relativos tanto ao CGen quanto à CDB, debateu-se também a importância das pesquisas científicas na bacia do Rio Içana e dos conhecimentos tradicionais para as atividades de bioprospecção, bem como as condições para a realização desses estudos. O encontro estimulou a reflexão sobre como os povos indígenas devem proceder quando estiverem diante da necessidade de autorizar o acesso a um conhecimento tradicional de que sejam detentores. Em linguagem simples, foram explicadas as regras sobre consentimento prévio informado definidas na Resolução nº 05/2003 do CGen, que atualmente regulamenta o tema.

O consentimento prévio informado é a autorização preliminar das comunidades para o acesso aos seus recursos e conhecimentos. A bioprospecção é a atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre o conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial.

Metodologia alternativa

Para facilitar a compreensão, já que se trata de assunto bastante complexo, foram feitas encenações com caricaturas de situações reais sobre o acesso a conhecimentos tradicionais que levantavam questões polêmicas ou desconhecidas dos participantes. Membros da equipe do ISA e alunos da escola Baniwa Pamáali colaboraram nas dramatizações.

Uma das peças teatrais, encenada exclusivamente pelos estudantes indígenas, buscou introduzir conceitos e questões pertinentes ao tema – biodiversidade, bioprospecção, anuência prévia, CGen, repartição de benefícios etc – e foi baseada numa cartilha elaborada pelo Centro Universitário do Pará (Cesupa). Outra das apresentações tratou de um conhecimento difundido em toda a calha do Içana: o uso de uma planta de conhecimento Baniwa, para fabricação de um xampu, mas cujo acesso havia sido negociado por apenas uma comunidade. Também foi encenada a história de um estudante universitário indígena, detentor de um conhecimento Baniwa, que o utilizou para fazer bioprospecção. Por último, foi dramatizado um caso de acesso cuja anuência havia sido feita exclusivamente entre o pesquisador e o pajé, único detentor do conhecimento entre seu povo.

Os organizadores buscaram avaliar como os presentes reagiam a cada situação e o que sugeriam como procedimento ideal. Após as apresentações, os participantes foram divididos em grupos por região (Aiari, Alto Içana, Médio Içana e Baixo Içana), para discutir detalhadamente cada um dos temas. Depois, cada grupo fez sua apresentação em uma plenária, onde foi aprofundado o debate.

“Experiências positivas como essa devem ser difundidas para todas as populações tradicionais brasileiras, qualificando-as a autorizar, com segurança e autonomia, pesquisas e contratos de bioprospecção”, avalia Henry Novion, biólogo do ISA. Ele e o advogado do ISA, Raul. Teles do Valle, foram organizadores do evento ao lado da CABC. Novion lembra que a inclusão de jovens cientistas indígenas nas pesquisas realizadas em suas terras ou com seus conhecimentos contribui para o protagonismo dos povos indígenas e fortalece a autonomia destes na solução de seus problemas, além de promover o respeito e a valorização dos conhecimentos tradicionais e de auxiliar na consolidação dos direitos indígenas. “Somente através do diálogo multicultural, que revela as diferentes óticas e éticas sobre o tema, seremos capazes de formular políticas públicas inclusivas, que realmente garantam a autonomia e os direitos das populações tradicionais”.

Confira algumas conclusões do encontro

:: Importância da pesquisa para a vida dos povos indígenas

Os participantes discutiram as condições para que uma pesquisa científica em Terras Indígenas atenda os interesses das comunidades, valorize os seus conhecimentos e de que forma poderá auxiliar os povos indígenas na elaboração de estratégias de gestão de seus territórios. Nas discussões, foram apontadas diretrizes para a realização de pesquisas na bacia do Içana: 1) devem partir de demandas e necessidades das próprias organizações indígenas (associações de base ou Foirn); 2) quando a iniciativa vier “de fora”, a pesquisa deverá produzir informações relevantes para a região, divulgar para as comunidades e associações os resultados alcançados e, sempre que possível, utilizar “agentes indígenas de pesquisa”, isto é, incluir a formação de alunos indígenas na metodologia das pesquisas.

:: Diretrizes quanto ao conteúdo da anuência prévia

Nesse ponto, os resultados – espontâneos – foram similares aos propostos no seminário de pesquisa do Rio Negro (2000). Em linhas gerais, apontam para a necessidade de se explicar a pesquisa em linguagem simples, apresentar todos os objetivos e condiciona a autorização à divulgação de todos os resultados após sua conclusão.

:: Casos polêmicos de acesso ao conhecimento tradicional

Entendeu-se que, quando o conhecimento está difundido entre todas as comunidades indígenas da região, a anuência deve ser dada primeiramente pelas organizações representativas (CABC e Foirn), para depois se concedida pela(s) comunidade(s) na(s) qual(is) será realizada a pesquisa de campo. A repartição de benefício deve ser negociada com as organizações e deve sempre que possível corresponder às necessidades gerais da região. Os presentes concordaram que um indivíduo não poderia, mesmo que seja parte daquele povo e tenha adquirido o conhecimento pelas formas “tradicionais”, autorizar uma pesquisa ou desenvolvimento de produtos sem uma anuência coletiva, nos mesmos moldes do caso anterior. Quando o conhecimento está restrito a uma família ou clã, ou mesmo a um indivíduo em específico (pajé ou raizeiro), não é preciso haver anuência prévia coletiva, pois o direito de negociar o seu uso por terceiros é exclusivo de seus detentores. Nesses casos, os benefícios também serão negociados e concedidos individualmente, mas, em qualquer dos casos, a negociação pelo uso deve ser acompanhada pela Foirn, não como quem autoriza, mas como assistente da negociação.