Governo pretende reduzir déficit habitacional de indígenas nos próximos dois anos

Cerca de 30 mil famílias de índios que vivem perto das grandes cidades nas regiões Nordeste, Centro-Sul e Sul não têm casa para morar ou estão com suas habitações em condições de degradação total. Para reverter esta situação, o Ministério das Cidades, a Fundação Nacional do Índio e a Fundação Nacional da Saúde assinaram nesta segunda-feira, em Brasília, o protocolo de intenções que deve reduzir este déficit habitacional indígena em pelo menos um terço nos próximos dois anos.

As casas terão em média de 60 m² e obedeceriam critérios culturais das diversas etnias. O custo gira em torno de R$ 7 mil. O dinheiro será aplicado na compra de material e no pagamento da mão de obra, que deverá ser executada pelos próprios índios e, em alguns casos, por especialistas como mestres de obras.

A Funai está enviando equipes de engenheiros e arquitetos às comunidades indígenas para observar e aplicar nos projetos os aspectos culturais de cada etnia. Já em 2005 deverão ser construídas 3.000 casas em comunidades na cidades de Mambaí/GO, Santa Cruz de Cabrália/BA, Xambioá/TO e Caseiros/RS.

Segundo o índio Sererê Xavante, da Nova Xavantina/MT, as comunidades indígenas começaram a precisar de ajuda porque estão ficando sem condições de conseguir até mesmo o material para construir suas moradias. "As fazendas que ficam perto das aldeias estão desmatando essas regiões e nós não conseguimos mais palhas e outros materiais naturais que a gente usa na construção das casas indígenas", afirma.

Para o ministro Olívio Dutra, o programa, inédito no país, é uma demonstração de respeito governo federal à cultura e aos povos indígenas brasileiros. "Isso é uma forma de dizer que os povos indígenas têm a sua identidade e elas são a coisa mais sagrada no governo do companheiro Lula".

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, garantiu que a cultura indígena será preservada. "Eles já utilizam tijolos, barro, madeira de uma forma diferente que nas aldeias tradicionais, para construíram suas casas. O projeto das novas casas foi discutido com os índios. Eles viram e opinaram como essas casas devem ser. O material a ser utilizado é diversificado, como palha, madeira e diversos tipos de produtos que ainda dão uma idéia e um sentimento da cultura em que eles vivem", explica.

No total, o governo federal vai aplicar neste primeiro ano do programa de construção de moradia para os índios R$ 27 milhões. A maior parte dos recursos será do Ministério das Cidades: R$ 21 milhões. A Funasa, que tem como função promover ações em prol da saúde dos índios, irá participar com um total de R$ 5 milhões, que serão aplicados em obras de saneamento. A Funai terá uma participação de R$ 1 milhão.

Programa de Biodiesel pode contribuir para diversificação da matriz energética brasileira

O Programa Nacional do Biodiesel, autorizado hoje pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio de Medida Provisória, vai permitir o uso de um novo combustível no país. O Brasil vai colocar no mercado um produto obtido a partir de matérias-primas como mamona, soja e dendê.

Com o Biodiesel, o Brasil inicia um novo ciclo do setor de energia e reforça a promoção do uso de fontes renováveis e a diversificação da matriz energética. Hoje, as fontes renováveis representam 43,8% da nossa matriz, enquanto a média mundial é de 13,6%, e a dos países desenvolvidos de apenas 6%.

O Biodiesel é um combustível biodegradável derivado de fontes renováveis como óleos vegetais e gorduras animais que, estimulados por um catalisador, reagem quimicamente com o alcool ou o metanol. No Brasil, existem diferentes espécies de oleaginosas, das quais se pode pdroduzir o biodiesel, entre elas, mamona, dendê, girassol, babaçu, soja e algodão.

No Programa Nacional do Biodiesel, lançado hoje pelo governo, o combustível substitui total ou parcialmente o diesel de petróleo em motores ciclodiesel de caminhões, tratores, camionetes, automóveis e também na geração de energia e calor. Ele pode ser usado puro ou misturado ao diesel em diversas proporções. A mistura de 2% de biodiesel ao diesel é chamado de B2 e assim sucessivamente até o biodiesel puro, denominado de B100.

A adição de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo não exigirá alteração nos motores. Os motores que passarem a utilizar o biodiesel misturado ao diesel nesta proporção têm garantia de fábrica assegurada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA).

Construção de cisternas e adutoras busca soluções para semi-árido do São Francisco

Até hoje, moradores do semi-árido da Bacia do São Francisco vivem a poucos quilômetros do rio e não são abastecidos por ele. Para solucionar esse problema, o governo federal criou programas para a construção de adutoras – canais de abastecimento (Pró-Água Semi-Árido), a cargo do Ministério da Integração Nacional, e para a instalação de um milhão de cisternas – sistema que coleta água da chuva e a armazena em um reservatório – em todo o semi-árido, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com a rede de organizações não-governamentais Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA).

Estudante e mobilizador social, o baiano Orlando Rosa Araújo peregrinou nos últimos meses por diversas comunidades da bacia do rio São Francisco. Ele conta que as ações do governo já começam a surtir efeito, mas a população ainda enfrenta dificuldades. Orlando se diz contrário ao projeto de integração. Para ele, é preciso primeiro resolver, de forma definitiva, o problema dos moradores da própria bacia.

"Esse povo, eles vivem numa situação… Vegetam, escapam, porque abrem buracos na beira da estrada, essa água vai se juntando durante a chuva e, no período da seca, eles vão se mantendo ali", revela Orlando. "Mas hoje, com o programa de cisternas ou captação de água de chuva, eles se mantêm muito bem, porque grande parte da população já tem cisternas de placa, que é uma alternativa para o semi-árido."

O Ministério das Cidades também tem atuado na bacia do São Francisco com ações de saneamento incluídas no programa de revitalização. De acordo com o diretor de Água e Esgoto do ministério, Clóvis Francisco do Nascimento, até o final do governo Lula, estão previstos investimentos de R$ 600 milhões.

"Essas ações visam dotar os municípios de sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo", explica Nascimento. "O rio São Francisco recebe hoje uma grade quantidade de esgotos in natura, o que acaba acarretando uma situação de poluição."

Impacto ambiental de projeto no São Francisco será avaliado em audiências públicas

O Ministério da Integração Nacional espera que, até o fim deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) encerre as discussões sobre o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima) do projeto de integração da bacia do rio São Francisco e delibere sobre a concessão de Licença Prévia Ambiental (LPA).

Durante reunião ontem (30) do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, estava marcada a votação de um parecer da Agência Nacional de Águas (ANA) que garantia haver água suficiente no São Francisco para o projeto de integração de bacias do Nordeste. Caso o parecer fosse aprovado, o conselho publicaria resolução viabilizando a concessão do uso da água e o licenciamento ambiental para o projeto. Uma liminar, entretanto, da juíza substituta da 16ª Vara da Justiça Federal, do Distrito Federal, Iolete Maria Fialho de Oliveira, determinou que o conselho suspendesse a votação. A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu da liminar e o pedido de cassação deve ser julgado a partir de hoje pelo Tribunal Regional Federal (TRF).

O relatório de impacto ao meio ambiente foi entregue ao órgão em julho deste ano. O documento será debatido entre 6 e 20 de dezembro em audiências públicas regionais. Serão nove audiências públicas. Os encontros começam em Salvador (BA) e terminam no dia 20 de dezembro em Salgueiro (PE), passando por Belo Horizonte (MG), Juazeiro (BA), Penedo (AL), Aracaju (SE), Fortaleza (CE), Natal (RN) e Souza (PB).

O levantamento que será discutido nas reuniões mostra impactos positivos da obra como abastecimento da população e desenvolvimento da economia. Apresenta também impactos negativos do empreendimento, entre eles a transferência de fauna, a perda de 430 hectares de vegetação nativa e a redução de 2,4% da energia média gerada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf).

Para o coordenador técnico do projeto de integração, João Urbano Cagnin, o benefício que a obra trará vai compensar esses prejuízos. "É um projeto de baixo impacto, porque ele retira do rio apenas cerca de 3% da água, aproveita toda uma infra-estrutura de açudes e barragens e vai atender populações interiores que não têm fontes hídricas seguras", avalia o coordenador.

Entre as medidas compensatórias para os impactos ambientais negativos está a criação de unidade de conservação com 1 milhão de hectares no bioma caatinga. O governo federal também planeja criar um programa de apoio às comunidades indígenas localizadas nas proximidades das áreas onde os canais serão construídos e a água do São Francisco captada.

Representante dos índios que moram na região do Velho Chico, o líder indígena Ailson dos Santos pede que a integração das bacias seja mais discutida com a população ribeirinha. Ailson faz parte da tribo Truká. Com 4 mil índios, ela será diretamente afetada pelas obras.

"A gente vive da cultura de subsistência que é arroz, milho, feijão e mandioca e o que restou da pesca", conta Santos. "A gente já não tem mais a pesca, mas o pouco que restou a gente ainda consegue pescar para sobreviver. Se essa transposição sair, nós literalmente vamos ser um dos mais afetados porque tá em cima da nossa terra."

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

Governo federal quer iniciar integração da bacia do rio São Francisco em 2005

Uma das principais ações do governo federal para 2005 ainda está no papel. Mas, se aprovada em todas as instâncias previstas por lei, promete ser uma das maiores obras de infra-estrutura realizadas na gestão do presidente Lula. Os números impressionam, e ainda são discutidos os possíveis benefícios que pode trazer a integração da bacia do rio São Francisco com outras seis bacias do norte nordestino.

No início do mês, durante a inauguração da nova área do aeroporto internacional de Petrolina (PE), o presidente afirmou que levar água para o Nordeste "não é um compromisso de presidente, mas de retirante nordestino", que em 1952, por falta de oportunidade, foi obrigado a deixar a região. Para cumprir esse "compromisso", o governo federal já reservou R$ 1,07 bilhão no orçamento de 2005 para o projeto de integração das bacias.

Na avaliação do governo, caso o projeto de integração seja aprovado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e obtido o aval do Congresso Nacional para o orçamento, as obras começam a partir de fevereiro. Ao todo, a construção de dois canais que, somados chegam a 720 km, com estações de bombeamento e mini-hidrelétricas no caminho, custará cerca de R$ 4,5 bilhões.

A primeira etapa do projeto tem conclusão prevista para 2006. Até lá, o ministério da Integração Nacional pretende convencer os brasileiros que o termo mais usado para transferência das águas, transposição, deve ser substituído por integração.

"Transposição significa que você está pegando uma parte importante do rio e levando para outro lugar. Na transposição do rio Tejo, em Portugal, 50% da vazão do rio foi retirada e transferida para a Espanha. No Colorado (EUA), retiraram 80% da vazão do rio para irrigação", conta o coordenador-geral do projeto de integração do São Francisco, Pedro Brito, ex-secretário de Fazenda do Ceará.

"No nosso caso, a palavra correta é integração, porque vamos retirar entre 1% e 3,5% da vazão regularizada a partir da Barragem de Sobradinho (porcentagem calculada com base na vazão 1.850 m³, ou seja, a vazão firme da foz, número importante para avaliar a interação entre rio e mar)."

Pelos cálculos do ministério da Integração Nacional, cerca de 15 milhões de pessoas devem ser beneficiadas pela integração. A água, levada por canais de concreto nos eixos norte e leste, deverá ser usada, prioritariamente, para consumo humano. Norma cumprida, o gestor do sistema deve avaliar a possibilidade de liberação da água para agricultores e industriais.

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

Comitê admite apenas uso emergencial das águas da bacia do São Francisco

Secretário executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, o professor Luiz Carlos da Silveira Fontes, da Universidade Federal do Sergipe, representa a sociedade civil no órgão. O comitê, formado, além da sociedade civil, pelas três esferas de governo, realizou recentemente uma série de consultas públicas relativas ao projeto de integração da bacia do rio.

Fontes relata que os cerca de 4 mil participantes desses eventos rejeitaram unanimemente o projeto apresentado pelo governo, embora admitam o uso das águas do São Francisco fora da área da bacia para o abastecimento emergencial em caso de seca. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Como foi a dinâmica da consulta do Comitê sobre o projeto?

O comitê estava concluindo o Plano de Recursos Hídricos da Bacia do rio São Francisco. O último ponto analisado e deliberado foi o uso externo das águas da bacia. Nesse momento, o governo federal, por meio dos ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional, solicitou um prazo para uma possível negociação com o Comitê. Nós condicionamos que qualquer proposta que viesse a ser formulada deveria ser submetida às consultas públicas. Isso foi feito, as consultas públicas começaram a partir de 14 de outubro e se encerraram dia 24, nas cinco regiões que compõem a bacia.

Cerca de quatro mil pessoas compareceram às consultas. Elas foram unânimes em rejeitar por completo qualquer projeto de transposição para qualquer tipo de uso, inclusive, abastecimento humano e animal. Com esse resultado em mãos, o Plenário e o Comitê se reuniram em Salvador nos dias 26 e 27 de outubro, para deliberar os usos do São Francisco para outras bacias, as chamadas transposições.

Quais foram os motivos da recusa do projeto?

O Comitê entende que o objetivo do projeto é minorar o problema da sede nesses estados mais ao norte. Quando vimos o resultado das consultas, fizemos uma leitura de que, na realidade, o que estava sendo rejeitado não era essa possibilidade de atendimento a quem tem sede, a rejeição era ao projeto que estava sendo defendido pelo Ministério da Integração. As pessoas temem que a possibilidade de se abrir ao uso humano e animal a água seja utilizada como uma porta aberta para a concretização desse projeto que está aí.

Na reunião do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco em Salvador, entendemos que não poderíamos fechar as portas para uso humano e animal. Fizemos o seguinte: os usos das águas do São Francisco como insumos produtivos, para serem usadas em projetos de natureza econômica, se restringem única e exclusivamente ao desenvolvimento da bacia do São Francisco, ou seja, só pode ser usada a água dentro da bacia.

A única inserção aberta para usar as águas do São Francisco para outras bacias é no atendimento em situações de escassez comprovada de uso humano e animal. Isso, na prática, significa uma total rejeição ao projeto de transposição proposto pelo Ministério da Integração. Ele inviabiliza o projeto, particularmente no eixo norte, porque esse eixo pretende levar 70% da água para outros usos.

Também questionamos os valores apresentados nesse projeto já que os números não batem. Eles estão pedindo um valor muito acima do que seria necessário para complementar a água que já existe e atende essa população. Essa foi a forma que o Comitê encontrou para também se manifestar contrário a esse projeto. Isso ficou claro em todos os posicionamentos apresentados na reunião plenária.

E quanto à avaliação das outorgas?

O Plano de Recursos Hídricos da bacia, fruto de estudos realizados pela Agência Nacional de Água (ANA), mostra claramente que, hoje, temos outorgados na bacia 335 m³/s. O Comitê fixou a vazão máxima que pode ser retirada do rio em 360 m³/s. Entendemos que é preciso deixar no rio quantidade suficiente para manter a vida, a biodiversidade, os múltiplos usos. Isso significa, que no momento, só temos 25 m³/s para ser distribuído por todos os novos projetos que venham a surgir na bacia, nos próximos anos e no restante da vida do rio.

É uma situação muito crítica do ponto de vista de ordem legal, essas pessoas detêm o direito de tirar essa água. Então, o Comitê apontou a necessidade de se fazer uma revisão das outorgas para verificar a situação real, saber exatamente quanto está disponível para novos projetos. O que se sabe é que, desses 335 m³/s que já foram concedidos, só 100 m³/s está sendo usado. A revisão da outorga é necessária, e a prudência mostra que um projeto que pede 127 m³/s no máximo e 65 m³/s em média não pode ser atendido sem que antes se faça essa revisão das outorgas.

Manobras são feitas na tentativa de justificar o projeto. Procura-se vender a idéia que está sendo tirado apenas 1% ou até 3,5% da vazão existente no rio, quando, na verdade, o cálculo correto é saber quanto o projeto de transposição quer levar da água do rio. Quer dizer, pretende-se levar quase metade da água que o rio São Francisco dispõe para todo o uso dentro da bacia.

Qual a representatividade do Comitê e do Conselho?

De forma participativa, o Conselho é a última instância. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é, em sua maioria, formado pelo governo federal e tem representantes dos estados e uma participação muito pequena da sociedade e dos usuários. De forma participativa, representando os interesses e pensamentos da bacia, que é um dado de planejamento definido na Lei das Águas, é realmente o Comitê. A lei 9.433 diz que compete ao Comitê aprovar o plano da bacia. Então, esse plano não tem que ser encaminhado ao CNRH.

Para que isso aconteça, tem que ser por um documento contra a decisão do Comitê. Outra forma de esse assunto ir para o CNRH é, como foi dada entrada hoje, por meio de regime de urgência, sob alegação de que o projeto afeta mais de um estado e que, portanto, seria de competência do Conselho.

O Conselho decidirá em última instância como o Comitê vai acompanhar a decisão?

O Comitê levou quase dois anos discutindo o projeto, analisando e submetendo a consultas públicas. Esse processo envolveu cerca de 15 mil pessoas em todas as rodadas de consulta. Dialogamos com o governo federal e não era correto nem ético que o Conselho, numa única manhã, decidisse sobre o projeto. Vamos tentar interferir junto aos conselheiros de forma que eles levem em consideração todos os argumentos que estão sendo apresentados pelo Comitê.

As decisões que foram tomadas refletem a vontade da bacia e esse é o entendimento que nós temos que ter com o futuro da bacia do rio São Francisco. Tanto com relação à sustentabilidade do rio, como ao direito de fazer uso desse patrimônio natural. Temos cerca de oito milhões de hectares irrigados na bacia do São Francisco, dos quais três milhões estariam em situação de pequenas distâncias do rio. Hoje, com a água disponível, nós não conseguiríamos irrigar nem um milhão. Abrir mão de uma fatia dessa para outra bacia teria quer ser um processo de ampla negociação.

Na avaliação, quais os impactos trazidos pelo projeto?

Para ele ser viabilizado, terá alterações na operação da barragem de Sobradinho. Elas vão repercutir no leste São Francisco e no baixo São Francisco, que são regiões altamente impactadas, que sofrem há anos as conseqüências da instalação dessas barragens. No lugar de uma revitalização, nós vamos ser submetidos a situações ainda mais graves que as que hoje nós já enfrentamos.

Projeto precisa de aval do Conselho Nacional de Recursos Hídricos

Para que o projeto de integração da bacia do São Francisco seja efetivado, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) precisa decidir sua aprovação em plenário, com a participação de todos os conselheiros, sem passagem do projeto pelas câmaras técnicas.

No Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, responsável pela elaboração de critérios para o uso água do rio, o projeto recebeu várias críticas e foi rejeitado pela maior parte dos integrantes. De acordo com o presidente do comitê, José Carlos Carvalho, isso aconteceu porque o projeto falha por não restringir a destinação das águas para consumo humano, adiantar-se às discussões sobre revitalização e sobrepor às ações no semi-árido do norte setentrional às medidas no semi-árido do São Francisco, que também sofre com a falta de infra-estrutura para transporte e distribuição da água.

"Além disso, de acordo com o projeto, para que a água seja retirada do São Francisco, é preciso que a Barragem de Sobradinho esteja praticamente vertendo, com 94% da sua capacidade. E isso já ficou sem acontecer por praticamente oito anos", afirma Carvalho. "Trata-se de um projeto muito caro para um abastecimento que pode ser limitado por condições que fogem ao controle do gestor. Existem opções mais baratas."

Coordenador-geral do projeto de integração, João Urbano argumenta que o norte nordestino concentra quase 40% a população do polígono das secas. E obriga o governo a pensar em obras maiores. Sobre a viabilidade do projeto, o coordenador argumenta que, após a Barragem de Sobradinho, a vazão é regularizada.

Portanto, segundo ele, é possível retirar dos pontos de captação, no mínimo, uma vazão constante de 26 m³/s, necessária para o consumo humano e animal. Apenas para a retirada do excedente médio de 64 m³/s seria necessária que a barragem estivesse cheia ou prestes a verter.

"Quando você tem uma restrição hídrica e uma população grande, não há como atingir as comunidades com uma obra pequena", defende Urbano. "Esse projeto de integração tem como lema água para viver. E, para viver, as pessoas precisam de água para consumo, mas também precisam de um abastecimento que gere emprego."

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

Conferência Terra e Água termina após participação de 40 movimentos e 9 mil militantes

A Conferência Nacional Terra e Água reuniu nove mil trabalhadores, durante os quatro dias de debate, em Brasília. Conseguiu, pela primeira vez, unir mais de 40 entidades representativas de movimentos sociais, que lutam pela causa da posse da terra e do uso racional dos recursos hídricos.

Além disso, elaborou um documento, o Manifesto da Terra e da Água, a ser entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, com as reivindicações de todos. Nele, há uma crítica ao modelo econômico do governo e ao modelo agrícola desenvolvido no Brasil. A principal reivindicação é pela Reforma Agrária.

"No documento, pedimos ainda acesso à terra, à uma energia que não agrida o meio ambiente, distribuição de renda e respeito à natureza. O manifesto chama a atenção para o problema da política econômica do governo, porque é um dos entraves para o desenvolvimento de uma economia voltada para o mercado interno, para o desenvolvimento interno e não para as exportações", disse o representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isidoro Revers.

Isidoro disse que a expectativa dos grupos presentes foi superada, tanto do ponto de vista da quantidade de participantes quanto da qualidade das discussões. O evento se encerra com uma marcha, que seguiu do Ginásio Esportivo Nilson Nelson até o Banco Central.

Manifesto da Conferência Nacional Terra e Água pede urgência na reforma agrária

A Conferência Nacional Terra e Água termina hoje, em Brasília, e o manifesto que será entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva já está pronto. Ele foi lido, pela manhã, para os cerca de nove mil participantes, entre trabalhadores rurais, atingidos por barragens, quilombolas, ribeirinhos e indígenas. Segundo o documento, foi reafirmada, durante a conferência "a necessidade urgente de uma reforma agrária ampla, massiva e participativa".

Além disso, o texto diz que é "fundamental e urgente a democratização do acesso à terra, com a garantia da autonomia dos territórios das populações tradicionais, fortalecendo a agricultura familiar e camponesa, garantindo o direito à água, ao acesso aos recursos naturais, à produção de alimentos saudáveis, à soberania alimentar e à preservação da biodiversidade".

As mais de 40 entidades que produziram o manifesto se comprometem "a buscar uma relação diferente, respeitosa e integral, com a terra, a água", por meio da luta por mudanças na estrutura fundiária. "A luta e o compromisso dos participantes da Conferência Nacional Terra e Água são pela construção de um projeto de sociedade justa, igualitária, solidária, democrática e sustentável", afirma o documento.

Ao longo do texto os manifestantes acusam "a política formulada no governo FHC e mantida no governo Lula" como a principal causa do agravamento da situação social e da degradação ambiental. Segundo o documento, a pobreza e a desigualdade foram mantidas, além de taxas de desemprego insustentáveis. Como conseqüências do modelo, cita a marginalização, criminalidade, impunidade e insegurança e exemplifica com casos como o assassinato de sem-terra em Minas Gerais e os crimes contra os indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol.

De acordo com o documento, "é fundamental a realização de uma mudança profunda na atual política macro-econômica, reduzindo as taxas de juros e o superávit primário" (relação entre receita e despesa do governo), utilizando os recursos para a geração de empregos e expansão de serviços públicos.

Cinta Larga começam a receber dinheiro de diamantes

Os índios Cinta Larga já estão recebendo parte do dinheiro do leilão dos diamantes que será feito pela Caixa Econômica Federal (CEF). O indígena que entregar a pedra – extraída, nos últimos anos das reservas Roosevelt, Parque Indígena Aripuanã, Serra Morena e Aripuanã, no sul do estado de Rondônia e oeste do Mato Grosso – recebe no mesmo momento um adiantamento.

Um posto da CEF, com apoio da Polícia Federal (que faz a escolta) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), está instalado nas terras. Ao entregar o diamante, uma conta é aberta em nome do índio e o CPF também é fornecido na hora. "O valor é variável, depende da pureza e dos quilates", explica o vice-presidente da Funai, Roberto Aurélio Lustosa.

Segundo a medida provisória 225, publicada na terça-feira, os índios têm 15 dias para entregarem todos os diamantes que possuem. "É uma anistia assim como a questão das armas. Quem tem arma sem documento vai poder entregar e não se fará perguntas sobre aquela arma e não haverá nenhuma investigação. A mesma coisa se dá com o diamante arrecadado na terra Roosevelt, esse é o espírito da MP", ressalta Lustosa.

Até o momento não há informações de quantas pedras foram entregues. "No posto onde entra o índio ou a sua liderança para fazer a avaliação do diamante, só o funcionário da Caixa tem acesso, além do avaliador", afirma o vice-presidente.

As pedras serão leiloadas pela CEF no Rio de Janeiro e o dinheiro será depositado na conta aberta pelo índio, após serem descontados os impostos e valores referentes aos custos operacionais. Um perito da Caixa também está no local e faz, já no momento da entrega, a avaliação do valor do objeto.

A mineração em terras indígenas é ilegal. Em abril, os cinta-larga mataram 29 garimpeiros que extraiam diamantes da Reserva Roosevelt. O garimpo foi fechado pelo governo federal. O objetivo da medida é por fim aos conflitos.