Mato Grosso terá primeira brigada indígena de prevenção e combate a incêndios florestais

Colíder, MT – Numa ação pioneira no país, o Estado de Mato Grosso criará a primeira brigada indígena de prevenção e combate a incêndios florestais. O anúncio foi feito pelo superintendente de Políticas Indígenas da Casa Civil do Governo do Estado, Rômulo Vandoni, no início da tarde desta segunda-feira (15.10) ao cacique Raoni, Megaron Txucarramae e outros líderes e guerreiros indígenas na aldeia Metutira, dos índios Caiapós, em Colíder (650 Km ao Norte de Cuiabá).

De acordo com Vandoni, a proposta será possível com a parceria proposta pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco do Brasil (BB), cujos técnicos; Guilherme de Almeida (BID), Edson Anelli e Ana Paula Ratto (BB), também acompanharam o evento.

“Estamos presenciando aqui o início de uma grande parceria entre o Governo do Estado, o BID, o Banco do Brasil, a Funai e o Ibama, não só para a viabilização da brigada indígena de prevenção e combate outros projetos ambientais e de sustentabilidade econômica para os povos indígenas em Mato Grosso”, enfatizou Rômulo Vandoni, que foi até a aldeia juntamente com o comandante geral do Corpo de Bombeiros, coronel BM Arilton Azevedo, e com o superintendente da Defesa Civil de Mato Grosso, major Abadio Cunha.

Para Vandoni, o projeto de criar uma brigada formada pelos próprios índios treinados pelo Corpo de Bombeiros do Estado amplia a capacidade de prevenção e combate a incêndios na medida em que só no Estado de Mato Grosso, o Parque Nacional do Xingu corresponde a 2,9 milhões de hectares de seu território ou cerca de 20% de sua área total e foi uma das mais afetadas com os recentes incêndios florestais. “É preciso aglutinar mais agentes de prevenção e combate e os próprios índios treinados para esse trabalho com certeza responderão com mais rapidez a quaisquer pretensões criminosas neste sentido, ainda mais em suas próprias reservas”, avalia.

O superintendente revelou que nas próximas semanas o governo do Estado deverá se reunir novamente com os representantes dos bancos para a formatação do protocolo de intenções e designação de atribuições na parceria. Vandoni destacou que além da brigada, os bancos têm interesse em financiar projetos de apicultura, breu branco, utilizado para a fabricação de cosméticos e extração e processamento de óleo de copaíba.

Em seguida, a caravana visitou a aldeia Piarassu, que abriga cerca de 200 índios das etnias Kaiapós, Juruna e Trumaie se reuniram na prefeitura municipal de Colíder, com o prefeito Celso Banazeski, que já manifestou apoio ao projeto.

Comissão discute política e novo estatuto dos povos indígenas

Brasília – A Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) encerra hoje (11) sua terceira reunião ordinária, iniciada ontem para discutir o anteprojeto de lei para a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.

De acordo com Pierlângela Nascimento Cunha, representante wapichana (RR) na comissão, o Conselho de Política Indigenista estabelecerá normas e regras para serem cumpridas pelo poder público. Sua prioridade será aprovar o Estatuto dos Povos Indígenas em substituição ao Estatuto do Índio (1973).

"O objetivo de formular um novo estatuto é buscar a autonomia dos povos indígenas no sentido que sejam protagonistas das suas políticas públicas, daquilo que eles querem, respeitando-se a diversidade de cada povo", acredita Cunha. Proposta de novo estatuto tramita no Congresso Nacional há mais de 15 anos.

Marcos Luidson de Araújo, da etnia Xucuru (PE) e membro da subcomissão que redigiu a primeira versão do anteprojeto em discussão na CNPI, considera inovadora a elaboração da proposta. "Não só o governo está formulando a política indigenista, nós seremos ouvidos e construiremos conjuntamente, deliberando sobre ela", pondera.

O anteprojeto deverá ser concluído até abril do próximo ano. A idéia é que a comissão promova oficinas regionais para discussão direta da proposta com os indígenas de todo o país.

Além do anteprojeto, a comissão discute a indicação de um nome do Brasil para o cargo de relator dos povos indígenas na Organização das Nações Unidas (ONU) e a realização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que afetam as comunidades indígenas. Outra discussão é a "agenda social" dos povos indígenas, lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Amazonas, que prevê investimentos de R$ 305,7 milhões no período 2008-2010.

A Comissão Nacional de Política Indigenista reúne-se a cada dois meses. Foi criada em 22 março de 2006 por meio de decreto presidencial e efetivada em 19 de abril deste ano. A comissão é presidida por Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Além de 12 representantes do governo, têm direito a voto na comissão dez lideranças indígenas de todas as regiões do país e dois representantes de organizações indigenistas.

ONGs lançam iniciativa inédita pelo fim do desmatamento na Amazônia

Nove organizações não-governamentais* lançaram nesta quarta (3 de outubro de 2007), em Brasília (DF), o Pacto Nacional pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia. A proposta, inédita, é estabelecer um amplo compromisso entre diversos setores do governo e da sociedade brasileira que permita adotar ações urgentes para garantir a conservação da floresta Amazônica. A iniciativa ressalta o papel fundamental da Amazônia na manutenção do equilíbrio climático, conservação da biodiversidade e preservação do modo de vida de milhões de pessoas que dependem da floresta para sobreviver.

O Pacto pressupõe o estabelecimento de um regime de metas anuais de redução progressiva da taxa de desmatamento da Amazônia, que seria zerada em 2015. Para isso, as ONGs estimam serem necessários investimentos da ordem de R$ 1 bilhão por ano, vindos de fontes nacionais e internacionais. A proposta prevê a criação de um fundo para gerir os recursos, que se destinaria a compensar financeiramente aqueles que promoverem a redução efetiva do desmatamento e também ao pagamento de serviços ambientais prestados pela floresta.

Segundo as ONGs, os incentivos econômicos seriam voltados para o fortalecimento da governança florestal (monitoramento, controle e fiscalização; promoção do licenciamento rural e ambiental para propriedades rurais; criação e implementação das unidades de conservação e terras indígenas), para otimizar o uso de áreas já desmatadas e compensar financeiramente os atores sociais responsáveis pela manutenção das florestas (povos indígenas, comunidades locais, populações tradicionais, agricultores familiares e produtores rurais).

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva, os governadores estaduais Blairo Maggi (MT), Waldez Góes (AP) e representantes dos governos estaduais do Acre e Pará, além de parlamentares e outras autoridades, estiveram na cerimônia de lançamento.

Segundo o documento das ONGs, “um dos principais desafios que se coloca é assegurar políticas públicas que incorporem o fim do desmatamento como benefício social, ambiental e econômico. É necessário ir além dos instrumentos de comando e controle, promovendo a revisão e re-orientação dos incentivos financeiros historicamente canalizados para atividades predatórias”.

Até 2006, cerca de 17% da floresta Amazônica já haviam sido destruídos. Além de provocar o empobrecimento acelerado da biodiversidade, com impactos diretos no modo de vida de milhões de pessoas que dependem da floresta para sobreviver, o desmatamento é também uma importante fonte de emissão de gases do efeito estufa, que contribui para acelerar o aquecimento global. Os desmatamentos e queimadas, principalmente na Amazônia, tornam o Brasil o 4o maior poluidor mundial do clima.

*Instituto Socioambiental, Greenpeace, Instituto Centro de Vida, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, The Nature Conservancy, Conservação Internacional, Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, Imazon e WWF-Brasil.

Igatu, Caminhos de Pedras

A exposição e documentário sobre a cidade de Igatu, na Chapada
Diamantina, realizados por Tainá Del Negri. Daniella Guedes, Mariana
Alves Campos e Bernardo Abreu, serão exibidos no espaço Casa do Lago,
da Unicamp, entre os dias 4 e 13 de setembro.

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Site do projeto Igatu, Caminho de Pedras

Sobre Igatu

Igatu é um povoado de Andaraí, cidade localizada na Chapada Diamantina, Bahia. A população, hoje com 354 habitantes, chegou a abrigar mais de nove mil pessoas durante o auge do ciclo e exploração do diamante. Na época chamada de Xique-Xique, a vila, toda construída em pedras, logo testemunhou o declínio da economia e seu conseqüente esvaziamento. Abandonado, o vilarejo foi aos poucos se transformando em ruínas – o que lhe rendeu o apelido de "cidade-fantasma" – devido às últimas tentativas dos garimpeiros de encontrarem diamantes.


Foto: Tainá del Negri

Hoje, a economia de Igatu é sustentada pelo turismo. Grutas, cachoeiras e cursos dágua, picos e vales fazem parte do cenário local e de toda a Chapada Diamantina, o que atrai turistas do mundo inteiro e inspira o trabalho dos guias da região.

Gruta Brejo-Verruga

A gruta Brejo-Verruga foi aberta por garimpeiros na década de 1940, mas devido a uma briga entre os sócios, foi fechada na década seguinte. Eles interditaram as entradas e o subsolo do garimpo desabou. Por conta disso, um grupo composto por quatro homens resolveu, há sete anos, tentar abrir o caminho novamente. O objetivo é transformar o antigo local de exploração em atrativo ecoturístico da região.

Entre as duas extremidades da gruta (Brejo é o nome da entrada e Verruga, da saída) há uma distância de 486 metros, e o grupo já cavou aproximadamente 400 metros. Depois de concluída a abertura do Verruga, os turistas poderão conhecer todo o caminho. Segundo os autores da empreitada, não há nenhum tipo de apoio ou auxílio financeiro do governo local e de empresas particulares.

Algo que chama a atenção é o fato de que um deles, Seu Diga, de 79 anos, foi garimpeiro da gruta em sua época áurea. Ele já consegue visualizar Igatu repleto de turistas e acredita que o projeto, por conta disso, trará benefícios à economia do vilarejo.

Soja representa risco para florestas dentro de três anos, avalia professor

Se não houver mudanças nas regras e parâmetros do setor, em três ou quatro anos a produção de soja exigirá desmatamento de novas áreas, avalia o professor Fernando Homem de Melo. Ele foi um dos participantes do debate Impacto dos Biocombustíveis na Agricultura e na Indústria de Fertilizante do Brasil, promovido hoje (16) pelo Laboratório de Estudos do Futuro da Universidade de Brasília (UnB).

Entretanto, na avaliação do professor, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), a produção de biocombustíveis pode ser feita de forma sustentável apoiada na tecnologia e principalmente na fiscalização governamental.

Ele atribuiu ao recuo do plantio da soja a redução do desmatamento registrado no período 2005-2006, divulgada na última quinta-feira (9). “Nesse período a que a ministra [Marina Silva] se referiu, não havia necessidade de aberturas de novas áreas”, avaliou. Segundo ele, nas duas últimas safras o Brasil deixou de plantar cerca de 4 milhões de hectares, metade dos quais relativa à soja. Cada hectare corresponde aproximadamente a um campo de futebol.

O grão registrou safra recorde este ano, apesar da redução na área plantada. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prevê expansão da sojicultura na próxima safra no Mato Grosso, que responde por mais de um quarto da produção nacional, usando principalmente áreas que já têm ocupação humana. O Instituto Socioambiental (ISA) identifica risco para a floresta amazônica e para o Xingu.

Questionado sobre a possibilidade de a corrida pelo biocombustível comprometer a produção de alimentos, o professor Homem de Melo, especialista em economia agrícola, disse que o problema é “extremamente sério”. “Existem estudos de instituições renomadas, e que também foram publicadas na Foreign Affairs [revista científica norte-americana sobre relações internacionais], que dão projeções para 2020 extremamente preocupantes quanto aos preços dos grãos em geral”, comentou.

De acordo com ele, os valores previstos para a compra dos grãos no ano citado já foram ultrapassados. “Já está ocorrendo uma inflação de preços de alimentos. O problema é que isso vai afetar a segurança alimentar dos mais pobres, em todo o mundo, um vez que os produtos das cestas básicas são os que mais sobem”.

Para Fernando Homem de Melo, o Brasil poderá enfrentar uma possível falta de alimentos utilizando-se das reservas cambiais e dos acordos comerciais feitos com os países vizinhos. “Hoje temos US$ 160 bilhões de reservas. Temos o Mercosul, com a Argentina muito competitiva na produção de alimentos de clima temperado, com tarifa zero”, disse.

Durante o evento também foram debatidas questões técnicas sobre a utilização e classificação dos biocombustíveis. Para o professor José Carlos Gaspar, do Instituto de Geociências da UnB, o maior erro cometido atualmente é a classificação dos biocombustíveis como fontes renováveis de energia. “Tem-se a idéia de que, se eu planto a soja todo o ano, isso é ser renovável. Mas se esquece que para plantar soja eu preciso dos fertilizantes, e para produzi-los é preciso de amônia, fósforo e potássio, cujas fontes são finitas”, disse.

Segundo ele, o atual debate sobre os biocombustíveis não é feito com base em dados, mas apenas ideologicamente. “Nós precisamos das informações para discutir com propriedade, para que possamos aproveitar os benefícios que virão e tentar reparar ou evitar e administrar do modo mais competente possível aquilo que não é conveniente. Isso só se faz não negando que não haverá impactos”, concluiu.

Arqueólogo reivindica reconhecimento de civilização milenar no Xingu

O arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, afirma que a região do Parque Indígena do Xingu comportou uma sociedade altamente complexa vários séculos atrás.

Heckenberger relata a existência de vestígios seguros de ocupação humana há pelo menos 1.100 anos na região, que corresponderia, grosso modo, ao território atual do parque indígena, de quase 30 mil quilômetros quadrados. Segundo o pesquisador, que trabalha em colaboração com os antropólogos Bruna Franchetto e Carlos Fausto, o auge do que ele chama de Nação Xinguana se deu entre os séculos XIV e XVI.

Ele falou à Agência Brasil no dia da inauguração do Centro de Documentação Kuikuro, 22 de julho, enquanto moradores e visitantes embrulhavam tucunarés e outros peixes moqueados (assados e defumados durante horas) em beiju de mandioca.

Quando o senhor teve uma pista mais concreta sobre a dimensão dessa sociedade antiga no Xingu?
Logo no começo do trabalho. Quando cheguei em 1993, o cacique Afukaká [dos Kuikuro] me levou para ver um sítio antigo, eu esperava um sítio de praça circular relativamente pequeno igual ao de hoje. Mas era muito maior. Tinha muitas obras, muita elaboração. O mesmo formato que o de hoje, uma praça circular com estradas radiais partindo dele, mas era dez ou 15 vezes maior. Onde tinha uma aldeia atual, a gente achou uma rede de 20 sítios ligados por estradas, que tinham até 50 metros de largura.

Seria algo como a Civilização Marajoara, também amazônica?
Lá, também, se mostra uma rede regional de assentamentos, obras de aterro, conhecidas como tesos, relativamente grandes. Aqui, no Xingu, não tem tesos, não tem pirâmides, era uma monumentalidade horizontal. Mas em termos de quantidade de pessoas e tecnologia acho que era bem mais complexo. Estou discutindo e até brigando para abrir um espaço de que essa era uma verdadeira civilização, não era obviamente aquele estilo europeu, com prédios grandes e essas coisas, mas em termos de sofisticação era supercomplicado, e tinha bastante gente. Na Europa, na América do Norte, no litoral do Peru esse sistema seria chamado de civilização.

O que eles tinham em termos de conhecimentos e técnicas?
O que mais me impressiona é o sistema, vamos dizer, cartográfico. A posição das aldeias, praças, estradas, ligava-se a conhecimento cartográfico, baseava-se em mapeamento, planejamento supersofisticado. Era um sistema ligado a astronomia, com rituais calêndricos. Um mundo que junta cosmologia, política e cartografia, e no qual a Terra é um espelho para o que tem no céu. Um planejamento urbano, até. As estradas sempre na mesma direção, a distância de um sítio a outro praticamente o mesmo, ângulo e distância. Eram também sociedades com lado agrícola bem sofisticado, pesca e manejo bem sofisticado de outros recursos aquáticos, mas não acabaram com as florestas. De lá para cá não mudou muito isso. Eu vim da Alemanha, e vi coisas que me lembram mais de lá que o clássico dos povos de floresta tropical.

Como era a organização espacial desse sistema?
Eles eram organizados em conjuntos hierárquicos, com uma ou duas aldeias principais, várias secundárias e cinco a dez sítios-satélites menores, e você passa ao território de outro conjunto. O diâmetro de um conjunto era 20 quilômetros. O normal era ter oito a 12 aldeias num conjunto. Eu os chamo de polities a pari – pare polities. Um conjunto é um polity [comunidade organizada politicamente] e o outro é a pari [por igualdade]. Não era um sistema como o dos Incas ou o de Roma, que tinha um centro e todos os outros conjuntos abaixo. Todos os conjuntos eram iguais, como os caciques de hoje são iguais. Tinham espaço de 250 a 400 quilômetros quadrados cada um.

Quantos eram no total?
Pelo menos 20 ou 25, talvez bastante mais, no que eu chamo de Nação Xinguana, que é mais ou menos a área ocupada hoje pelo parque, mas se espalha um pouco mais para o norte. Diminuiu um pouco a área deles durante a época histórica [depois dos registros escritos], por causa de epidemias, da fronteira de colonização. Comparando com as outras civilizações… Por exemplo, as pólis da Grécia eram centenas. Atenas era enorme, Esparta também, mas a maioria das pólis era muito menor, milhares de pessoas num território de 150-200 quilômetros quadrados. Mas ninguém duvida de que a Grécia clássica era uma civilização. Os incas eram uma anomalia, um império, durou 60-70 anos, durante uma pré-história de 10 mil anos. Roma também era anômala. Todos os outros assentamentos na Europa eram do tamanho deste. Eles tinham um centro e uma periferia, aqui era multicêntrico.

E qual era a área ocupada pela nação inteira?
Pelo menos 20 mil quilômetros quadrados. E a gente não sabe bem. Eu estou trabalhando na área kuikuro, um bloco de uma nação bem maior.

A existência dessa sociedade vem sendo aceita no meio científico?
Tem gente que não acredita, de jeito nenhum, que sociedades como essas poderiam sobreviver em floresta tropical. Obviamente, as pessoas não vão abandonar seus modelos de um dia para outro e dizer “a gente estava totalmente errado”. Outros vão se convencendo. Carlos Fausto [antropólogo do Museu Nacional] entrou na área em 1998. Não foi a favor nem contra, entendeu a possibilidade. Mas veio aqui e concordou com o que eu tinha pensado para os grupos atuais: que eles eram hierárquicos, sedentários, regionais, e montou uma etnografia superdetalhada. Nós, e a lingüista Bruna Franchetto, concordamos em quase tudo. E se essa sociedade hoje é sedentária, tem uma cultura, uma vida ritual, social e política complexa, superprodutiva, com manejo de terras sofisticado, e aqueles de ontem, que eram dez vezes maiores?

Como o atual modo de modo de vida dos xinguanos pode dar indicações sobre essa ocupação antiga?
Você não precisa inventar as formas econômicas, cosmologia, rituais dessas sociedades. Eles [hoje] já são muito parecidos com muitas sociedades complexas. Têm astronomia, conhecimento de biologia. Só que dá um choque no pessoal [da área científica], porque eles pensam: é um povo muito pequeno. Mas ignorar a porrada demográfica que esses povos levaram durante os últimos séculos é impossível.

Qual foi o impacto da chegada dos colonizadores sobre essa nação?
O choque de colonialismo botou eles no chão, [a população] era muito maior. A gente sabe que no Caribe, nos Andes, Mesoamérica, América do Norte – todo lugar onde tem registros documentais escritos – epidemias levaram muita gente. Aconteceu aqui na Amazônia também, mas escondido. Ninguém estava lá para testemunhar. Nesta área, os primeiros registros escritos são de 1884, e aí já era uma fração do que era em 1500.

Quais foram as descobertas recentes nessa pesquisa?
A gente sempre encontra algo que mostra um entendimento novo. Nos últimos anos era mais fechar que a gente já sabia existir. Estou terminando o relatório dos últimos quatro anos para entregar aos órgãos federais e às lideranças indígenas, especialmente a Aikax [Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu]. E aí a gente continua com essa campanha de destacar esta sociedade. Mundialmente você não encontra muitas sociedades assim que estão inteiras, vivas. É um patrimônio mundial. Esse e outros grupos amazônicos estão abrindo um novo capítulo sobre a história humana: o das civilização amazônicas.

Apesar da queda do desmatamento, faltam políticas para garantir redução, diz WWF- Brasil

A redução de cerca de 25% da taxa de desmatamento na Amazônia Legal, de 2005 para 2006 – anunciada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, nesta sexta (10) – é uma boa notícia. Mas os índices acumulados no governo Lula são alarmantes. No primeiro mandato, foram desmatados cerca de 85 mil km quadrados. Comparado aos governos anteriores, esse número ainda é recorde.

“O declínio da taxa de desmatamento é positivo, mas continuamos sem um projeto para a Amazônia que inclua a proteção e o desenvolvimento, considerando a vocação da região”, afirma Denise Hamú, secretária geral do WWF-Brasil. “O Brasil necessita de metas claras de redução deste índice. Resta saber se o governo quer realmente manter esta tendência de queda até chegar a níveis próximos de zero. Caso esta seja a opção, precisamos esclarecer como vamos fortalecer essa política contra a nova onda desenvolvimentista, que considera a proteção do meio ambiente como um entrave, gerada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).”

Neste ano, por exemplo, desde janeiro o número de focos de incêndio na Amazônia subiu 39% segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), em comparação ao mesmo período do ano passado. Além disso, em 2007 não foi criada nenhuma Unidade de Conservação pelo governo federal, apesar dos decretos estarem prontos para assinatura. Essas áreas ajudariam a evitar danos causados por obras de infra-estrutura como a BR 319, que liga Porto Velho a Manaus, e estimularia o desenvolvimento regional – como por exemplo com as florestas públicas de produção.

A taxa de desmatamento entre agosto de 2005 e julho de 2006 foi de 14.039 km quadrados, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), do Inpe. No período anterior, o índice havia sido de 18,739 km quadrados. O Ministério também apresentou a estimativa entre agosto de 2006 e julho de 2007, baseado em dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter): 9.600 km quadrados, o equivalente a metade da área do Estado de Sergipe.

Lei de Gestão de Florestas Públicas

Um importante instrumento para garantir o desenvolvimento sustentável e a contínua queda do desmatamento é a implementação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada no ano passado. A lei estabeleceu o marco legal para a concessão das Florestas Nacionais e das florestas localizadas em áreas públicas. Também promoveu a descentralização das atribuições de licenciamento e controle da atividade florestal, agora sob responsabilidade dos governos estaduais. “A lei representou um grande passo para a modernização do sistema florestal brasileiro”, diz Denise. “O governo federal deve apoiar os Estados para que eles possam realmente assumir a aplicação da lei.”

Sobrevôo na região do Xingu revela a tapeçaria do agronegócio

Sobrevoando a região do Parque Indígena do Xingu em um monomotor rumo ao oeste, constata-se que o agronegócio está mesmo ali, 6 minutinhos pelo ar, ou menos de 30 quilômetros para além do parque, de acordo com a percepção do piloto que conduz os repórteres ao município mato-grossense de Sinop.

O tapete verde da área indígena dá lugar, então, a amplos quadrados e retângulos beges, marrons, vermelhos ou verdes claros, com retalhos verde-escuro de mata aqui e ali. Talvez por ironia, as linhas que os tratores escavam e os arados riscam  muitas vezes lembram as pinturas corporais com jenipapo e urucum e as tapeçarias de buriti e algodão dos povos indígenas.

Ou a escarificação feita com um pente de dentes de peixe-cachorro, com o qual os alto-xinguanos preparam os jovens em reclusão no programa de fortalecimento para lutar o huka-huka numa das festas desses povos.

Os desenhos mecanizados significam dinheiro para o país: no ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio – isto é, a soma das riquezas produzidas no setor – foi de R$ 540,06 bilhões, segundo estudo da Confederação da Agricultura e da Pecuária (CNA).

Significam também obtenção de divisas, isto é, entrada de moeda estrangeira. Segundo os dados do governo federal, o agronegócio respondeu por 93% do superávit (saldo positivo) comercial brasileiro em 2006, que totalizou US$ 46 bilhões. Os setores que mais colaboraram para isso foram os ligados à soja, com saldo de US$ 9,37 bilhões.

O Mato Grosso responde por mais de um quarto da produção nacional do grão, que registrou safra recorde este ano, apesar da redução na área plantada. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prevê expansão da sojicultura na próxima safra no estado, usando principalmente áreas que já têm ocupação humana.

O Instituto Socioambiental (ISA) identifica risco para a floresta amazônica e para o Xingu nessa perspectiva. “Abraço da morte” é o cercamento do parque indígena pela derrubada de vegetação, pela soja e pelo gado, nas palavras do secretário executivo da entidade, Márcio Santilli.

Washington Novaes : Os índios mudaram sua maneira de encarar o mundo

Para Washington Novaes, jovens e velhos vivem conflito latente no Xingu. O jornalista destaca a circulação de dinheiro nas comunidades como o grande fator de perturbação no cotidiano do Parque Indígena do Xingu e diz que existe um conflito enunciado, ainda sem desfecho, entre as novas e as antigas gerações.

Novaes retratou o Xingu numa série de 11 documentários, gravada em 1984. Voltou à região em 2005 para documentar as mudanças nos grupos de cinco povos que havia visitado – Kuikuro, Kayapó (no caso, os Metuktire), Panará (antes conhecidos como Kren-Akrore), Waurá e Yawalapiti. No último fim de semana, os Kuikuro da Aldeia Ipatse e fizeram uma festa para, entre outros motivos, celebrar o lançamento de seu novo vídeo, com estréia na TV marcada para domingo (29).

Em entrevista à Agência Brasil, o jornalista aponta as razões pelas quais diz que os índios mudaram sua maneira de encarar o mundo. 

O que mudou no Xingu nessas duas décadas?
Eles ainda têm aquele tempo que escorre mais devagar, mas com muitas transformações. Praticamente todas as casas, em várias aldeias, têm antena parabólica, então, quando têm combustível para o gerador, eles vêem Jornal Nacional, novela, jogos de futebol… Os jovens gostam muito de dançar forró, jogar futebol. Agora, talvez a transformação mais funda seja que antigamente não havia dinheiro nas aldeias, não tinha monetarização na cultura. E, a partir desse desejo de ter as nossas tecnologias, de ter televisão, de ter DVD, de ter gravador, de ter câmara de filmagem, trator, barco com motor, foi preciso que passassem a produzir dinheiro. Seja pelas associações de cada aldeia fazendo apresentações de suas danças e cantos fora, seja recebendo de direitos de imagem em filmagens… Também há, em várias aldeias, muitos velhos recebendo aposentadoria. E um salário mínimo é uma renda grande nesses lugares.
Outras pessoas tentam com a produção de artesanato. Os velhos dizem que os jovens não querem mais viver do modo tradicional, querem comprar tudo. Querem ter roupa, tênis, óculos escuros. E aí querem passar o tempo inteiro fazendo artesanato, e não vão se dedicar às atividades tradicionais, como cultivar as roças para produzir comida. Outro ângulo, muito mais complicado, é que os jovens não querem aprender os cantos, as danças, que estão todos relacionados ao mundo dos espíritos.

A presença dos espíritos era uma das origens dessa imagem que o senhor usou, “terra mágica”, não?

Sim. No mundo dos índios a questão do espiritual é decisiva, esse lado é profundamente ligado ao cotidiano, porque tudo tem um espírito que é dono. Se o culto aos espíritos não acontece a vida social começa a perder sentido. Além disso, os jovens não querem ser pajés, que é um caminho cheio de sacrifícios e de perigos, um longo processo. Os Waurá, que em 1984 tinham 13 pajés, hoje têm três; os Kuikuro tinham mais de dez e hoje têm cinco. Os Yawalapiti só têm Sapaim, que está com mais de 70 anos. Já há discussão entre os Waurá sobre um curso para isso. Mas no caminho tradicional o pajé não escolhe, é escolhido. Pode ser por meio de uma picada de cobra, de um rodamoinho que entra na casa, ou de uma doença, ou nascer enrolado no cordão umbilical.

Antes da projeção na Aldeia Ipatse, o senhor disse que os índios alteraram para sempre sua maneira de ver o mundo. Como foi isso?

A nossa cultura, em geral, enxerga-os de uma forma muito limitada. E não olha as culturas indígenas pelo que elas têm de mais importante. Por exemplo: a organização social e política. Entre os índios que vivem ainda na força de sua tradição, o chefe não manda em ninguém. Ele é a pessoa que conhece a história, conhece a cultura, as tradições, e transmite isso para seu povo em cada situação. É o grande mediador de conflitos, o que fala melhor, e, por isso tudo, o que mais sofre. E não dá ordens porque não há delegação de poder, e sem delegação de poder não pode haver repressão, e sem isso não pode haver repressão de um grupo por outro grupo, ou de um indivíduo por outro. Isso aponta na direção das utopias, uma sociedade que não precisa ter poder. E proporciona uma vivência para nós quase inimagináveis: alguém nascer e morrer sem receber uma ordem sequer.

Se formos comparar…
Nossa cultura tenta promover a democracia da maioria e raramente consegue, enquanto eles têm no dia-a-dia a democracia do consenso. O índio, na força de sua cultura, é um ser absolutamente auto-suficiente. Sabe fazer tudo de que precisa para viver – plantar, caçar, pescar, sabe fazer sua casa, fazer seu instrumento, fazer seus objetos de adorno, sua rede, sua esteira, sua canoa. Nasce e morre sem depender de ninguém para nada. Me impressionou ver crianças que não apanham por nada, ver o carinho para com elas, a liberdade e a alegria delas. E, por fim, a informação é aberta. O que um sabe todos podem saber. Ninguém se apropria da informação para transformar em poder. Conviver com isso, ver que é concreto, mudou minha visão: eu sei que outras coisas são possíveis. É preciso que a nossa sociedade aprenda a ver essas coisas.

E as duas outras características – a ausência de informação restrita e a autonomia? Mantêm-se?
Eles [os xinguanos] estão no ápice de um conflito entre os mais velhos e os mais novos que é já enunciado, mas não tem ainda desfecho. Os velhos vêem com enorme temor o que está acontecendo e sabem que a cultura não vai sobreviver se os jovens não tomarem outro caminho. Isso ainda não se traduz em mudanças práticas, por exemplo, na organização social. Os chefes são instituídos pelo caminho tradicional. Em quase todas essa culturas, são escolhidos pela hereditariedade. E isso não é questão de privilégio: um chefe precisa ser educado desde muito pequeno, precisa de convívio permanente com o pai. Quando acontece alguma perturbação nesse caminho, é complicado. Quando os Villas-Boas [indigenistas que fizeram contato com vários povos] se aproximaram dos Kuikuro, nenhum Kuikuro falava português. Eles conheciam o Nahu, de pai nahukwá e mãe kuikuro. Quando morreu o pai do Tabata e do Afukaká, que ainda eram meninos, os Villas-Boas nomearam, entre aspas, o Nahu chefe. Isso gerou conflitos quando Tabata e Afukaká foram chegando à idade adulta, porque eles eram herdeiros tradicionais. Isso seguiu até que o Nahu morreu. O filho dele, Jakalo, que é kuikuro, é cacique hoje.

E quanto à auto-suficiência?
Logo, logo, vai começar a ter [implicações concretas]. Não se sabe até quando os velhos vão aceitar a postura dos jovens. Eles vão perdendo a autonomia e interrompem um conhecimento, uma habilidade. É o momento em que o conflito se explicita, e vamos ver em que direção ele se desdobra. Uma esperança deles é que a documentação em vídeo leve os jovens a querer saber dos mitos, das lendas, dos formatos tradicionais.

Além das questões culturais, o subtítulo de sua nova série de documentários, A Terra Ameaçada, tem a ver com o entorno do parque.
O Xingu, você vê, é uma ilha de vegetação e de rios limpos, cercado pelo desmatamento da soja, da agropecuária, por hidrelétricas, por garimpeiro, por madeireiro. Já está sendo fortemente afetado pelas mudanças. Há um aquecimento evidente, causado pelo desmatamento no entorno. Alguns dos rios já chegam com agrotóxico, com sedimentos resultantes da erosão nessas atividades, que não respeitam mata ciliar [às margens dos cursos dágua, e cuja conservação é obrigatória], não respeitam nada. Os peixes podem ser afetados pelas hidrelétricas, e peixe é um dos alimentos fundamentais ali, com a mandioca.

O Brasil tinha que ter visão estratégica. Dar-se conta nas suas políticas de que que é detentor do fator mais escasso no mundo, recursos e serviços natu

rais, e de que o índio é guardião deles. Estamos consumindo, no mundo, acima da capacidade de reposição da biosfera, e mudanças climáticas são o segundo problema crucial. Um país que tem uma dimensão continental, tem 12% da água superficial, tem um terço da biodiversidade, tem possibilidade de uma matriz energética limpa e continua atado a um modelo que vigora há 500 anos, de exportar baratinho produtos primários e grãos para os países centrais…

Nesse contexto, como o senhor vê a expansão do biodiesel e do etanol?
As biomassas para produzir energia limpa, que podem ser uma das soluções [no combate ao aquecimento], ameaçam se tornar um grave problema. O álcool, por exemplo: é evidente que precisa haver um zoneamento para saber onde você pode plantar sem danos. É preciso também estabelecer regras, como alternação de culturas, para não ter monoculturas extensas. Juntar isso com a agricultura familiar, para ela não ser despejada dos lugares que ocupa, como já aconteceu no estado de São Paulo. Criar cooperativas para fornecerem cana, ou soja, ou pinhão-manso, ou a matéria-prima que for, para as usinas centrais, mas não transformá-los em fornecedores com preços aviltados. É preciso impedir as queimadas. Criar regras para remuneração dos trabalhadores, que hoje são quase escravos. E não deve ser essa a única alternativa. O Brasil tem altas possibilidades na energia eólica, na energia das marés, na solar. Um estudo mostra que se você ocupasse um quarto da Usina de Itaipu com placas de energia solar produziria o mesmo que a usina. E o Xingu não escapa a essa regra. O entorno precisa ser preservado, ele é uma preciosidade. São mais de 20 mil quilômetros quadrados praticamente intactos. Isso é quase uma Bélgica. Minha tese é que o Xingu deveria ser reconhecido como patrimônio histórico, ambiental e cultural da humanidade.
Levantamento do ano passado mostra bem isso – o baixo índice de desmatamento em boa parte da terras indígenas. Por outro lado, pesquisadores têm alertado para a insustentabilidade de algumas atividades indígenas, como a a caça para arte plumária, em muitos locais. É possível pensar numa limitação, algum tipo de manejo?
De fato, diversos estudos mostram que o formato mais eficaz para a conservação da biodiversidade está nas áreas indígenas. Não está nem nos parques, nas áreas fechadas, nem nas áreas de proteção permanente. As áreas indígenas significam hoje 23% da Amazônia. Mas é preciso pensar nessas questões. No Xingu mesmo, com o uso de caramujos em colares para a venda, eles já estão escasseando. Os Kuikuro estão fazendo intercâmbio com os Pataxó, fornecendo penas para eles. É evidente que isso vai levar a um uso excessivo tanto de caramujos como de aves. Os mais velhos dizem que o centro de preocupação deles está na educação. Desde que se implantou nas aldeias a educação bilíngüe, as crianças e os jovens passaram a aprender a língua portuguesa. A televisão se tornou uma presença muito forte, e eles vão incorporando novos valores e formatos de viver. Esse assunto não está em discussão ainda no Ministério da Educação, nem na Funai, em lugar nenhum. Não sei se se deve interromper [o ensino de português], mas acho que se deve discutir. É possível também que se pense uma política estabelecendo uma uma compensação para não haver um uso excessivo de recursos. Isso tudo precisa ser discutido com urgência.

Como o senhor mesmo apontou, os índios mais jovens, especialmente, manifestam desejo de ter produtos da sociedade de consumo e integrar-se mais aos brancos. Como lidar com isso? É possível um processo mais equilibrado?
Não sei. Eu tenho minhas dúvidas de que simplesmente pela apropriação da tecnologia de documentação em vídeo ou em áudio isso aconteça. Há algumas outras coisas sendo feitas, como o reconhecimento dos conhecimentos tradicionais dos Yaualapiti, com apoio de uma historiadora e uma lingüista. Os antropólogos dizem que as sociedades indígenas são sempre capazes de absorver muitas coisas das outras culturas sem perder a sua natureza. Eu torço para que seja assim, mas, acompanhando há mais de 20 anos o processo no Xingu, fico com o coração apertado, me perguntando se elas vão ser capazes de resistir.

Que papel, a seu ver, o governo deve ter diante dessas questões?
Acho, em primeiro lugar, o país ter uma estratégia que valorize essas coisas que existem no Xingu. Isso precisa ter desdobramentos na educação, na demarcação de terras, na proteção das áreas. Pelo que vejo, praticamente nada nesse sentido está sendo feito. A área que tenho visto atuar é a da saúde. A Funasa [Fundação Nacional de Saúde] tem tido uma atuação muito forte com vacinação, e isso reduziu muito a mortalidade infantil, e com outras ações que eu me pergunto se são um bom caminho ou não, como colocar poços artesianos e água em cada casa, o que muda também o modo de viver.

O senhor pagou às aldeias por direitos de imagem. Acha que essa deveria ser a prática sempre?

Em 1984, quando consegui autorização da Funai [Fundação Nacional do Índio] para visitar todas essas áreas, uma parte da legislação a cumprir era uma portaria da Funai que estabelecia pagamento para qualquer documentação em área indígena. Só que isso nunca havia sido cumprido. Foi conversado com eles e com a Funai sobre o que seria justo. Foi depositado antes de irmos para lá, e criou um precedente principalmente para televisões do exterior. Agora houve negociação prévia, com participação da Funai, e eles estabeleceram R$ 30 mil por aldeia. Os Kuikuro me mostraram um caminhão e disseram que foi comprado com esse dinheiro. Eu sei que isso é uma contradição, um formato de entrada de dinheiro. Eu tento fazer com que o problema não seja maior fazendo que esse dinheiro vá para a associação da aldeia, e seja usado para acomunidade toda. Numa conversa com índios sobre essa questão, um deles brincou: “Você que ensinou o caminho…”

A série original, Xingu – A Terra Mágica, chegou a ter 20 pontos de audiência. O senhor acha que ajudou a mudar, ainda que seja um pouquinho, o que os brasileiros pensam sobre os índios?

Eu quis mostrar o índio do nascimento à morte – como nasce, como é educado, adolescência, organização social e política, arte, relação homem-mulher… Cada um vai enxergar de uma forma, mas eu espero dar, com isso, alguma contribuição. Em 1986 encontrei o Darcy Ribeiro [um dos mais importantes antropólogos que o país já teve] na escada de um avião e ele me disse: “Você está contribuindo fortemente para mudar a imagem do índio brasileiro”. Agora, quando fui gravar na aldeia kuikuro, me chamaram na frente da casa dos homens [espaço simbólico de muitas aldeias] e falaram, Jakalo e Afukaká, coisas que me emocionaram muito. Jakalo disse que, antes, quando ia ao Aeroporto Santos Dumont, as pessoas batiam na boca, fazendo “U! U! U! U!” [de forma jocosa] e que hoje isso mudou. Talvez a televisão possa dar a sua grande contribuição mostrando o que essas culturas têm de fundamental. Nós não vamos voltar a ser índios, não temos competência para isso, mas essas sociedades podem apontar rumos.

Plataformas de petróleo poderão descartar mais óleo no mar

As plataformas de petróleo espalhadas por toda costa marítima brasileira estarão autorizadas a despejar, agora, mais agentes poluentes no oceano. Decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que flexibiliza as regras de descarte de óleo e graxa no mar, deve ser publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias.

A última reunião do conselho, dia 4 de julho, definiu que a Petrobrás terá permissão para lançar até 29 miligramas (mg) de óleos por litro de água no mar. Antes, a regra era de 20 miligramas por litro.

Representante das entidades da sociedade civil no conselho, Rodrigo Augustinho conta que, em plataformas mais antigas, havia dificuldades para cumprir as regras de descarte quando a quantidade de água era superada. "A situação era preocupante, pois a Petrobrás descumpria a norma há muitos anos", diz ele.

Augustinho explica que, de tudo que é bombeado no fundo do mar pelas plataformas, 90% são água e os 10% restantes, petróleo. A água que volta ao mar possui certa quantidade de óleos e graxas.

Também foi criada uma cláusula que proíbe o descarte de águas com óleos em raio inferior a 10 quilômetros de Unidades de Conservação e a 5 quilômetros de áreas ecologicamente sensíveis.

O analista ambiental Carlos Magno Abreu, da Coordenação Geral de Petróleo e Gás do Ibama, relata que, em países mais desenvolvidos, a taxa de descarte é ainda maior. Contudo, futuramente, novas técnicas deverão reduzir os impactos ambientais. "Embora o valor em outros países seja maior, a tendência global é que as empresas poluam menos", afirma Abreu.

O gerente de Relações Institucionais da Segurança do Meio Ambiente e Saúde da Petrobrás, Flávio Torres, garante que o óleo é despejado vagarosamente, e em baixas dosagens, o que não prejudica o meio ambiente. "A 500 metros da plataforma, não há mais nenhum sinal desse petróleo", afirma Torres.

Outra decisão importante tomada na reunião do Conama é que o órgão ambiental competente poderá autorizar o descarte de água produzida acima das condições e padrões estabelecidos no documento, mas só em contingências operacionais, temporárias, mediante aprovação de programa e cronograma elaborado pelo empreendedor, para solução da questão.