Conferência pode ser a base de parlamento indígena, diz presidente da Funai

Durante os sete dias da Conferência Nacional dos Povos Indígenas, os cerca de 800 representantes indígenas de 225 etnias se reunirão em plenárias pela manhã e formarão dez grupos de trabalho no período da tarde. Cada dois grupos debaterá um tema proposto pelo encontro e apresentará relatórios que serão discutidos pelos demais. Eles participarão, assim, da formulação de uma política indigenista.

Para o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, a base do parlamento indígena pode surgir da conferência. "Seria um lugar onde os índios debateriam como representantes de seus povos, não como associações. Seriam representantes eleitos por seus povos para discutir o desenvolvimento e o futuro das políticas indígenas", observou.

A conferência será aberta amanhã, por volta das 19 horas, seguindo até o dia 19 de abril, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília. Durante a abertura, será feito um resumo das nove conferências regionais realizadas no ano passado. Além disso, será distribuído material sobre o Programa Índio Cidadão Brasileiro.

"Neste programa, foi feita a análise de todos os povos indígenas, da situação dos jovens e das dificuldades pelas quais estão passando. O que queremos é que a sociedade veja o índio como cidadão brasileiro", afirmou Mércio.

Entre os temas que serão discutidos estão autonomia cultural e política, tutela e autodeterminação dos povos, além da questão das terras, como processos de demarcação. Segundo Mércio, eles também vão debater se querem que a Funai continue a sendo responsável pelos povos indígenas. "É preciso que as falas sejam sinceras na conferência", salientou.

Mércio lembrou que existem hoje no Brasil 450 mil índios, sendo cerca de 300 mil eleitores. "Eles votam e são votados", destacou.

Segundo a assessoria de imprensa da Funai, a greve dos servidores federais (iniciada em 15 de março) não vai prejudicar a organização do evento. Um acordo teria sido feito com os grevistas para que a conferência siga com normalidade.

Florestas de Araucárias possuem animais em extinção, plantas e pinturas rupestres

Na próxima semana, um decreto presidencial deve passar para a mesma categoria o Refúgio da Vida Silvestre do Rio Tibagi, também na região Sul.

De acordo com o coordenador da força-tarefa das Araucárias do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Savi, essas unidades abrigam não só animais e plantas em extinção das florestas de Araucárias, como grutas com pinturas rupestres.

O Refúgio da Vida Silvestre do Rio Tibagi, por exemplo, é o habitat do papagaio-do-peito-roxo, ameaçado de extinção. Com cerca de 30 mil hectares, o refúgio ainda possui os últimos remanescentes de várzea em bom estado de conservação e protege as nascentes do rio Tibagi. Além do papagaio-do-peito-roxo, a região abriga o lobo-guará e o macuquinho do brejo.

Outra Unidade de Conservação recém-criada, a Reserva Biológica das Perobas guarda em seus 8,1 mil hectares o último fragmento desprotegido de Floresta Estacional Semidecidual, uma das formações da Mata Atlântica. "Nessa região, além da peroba existem outras espécies ameaçadas como o xaxim, a canela, a anta, a jaguatirica e o puma", conta o coordenador da força-tarefa das Araucárias e também biólogo, Maurício Savi.

Segundo ele, as novas unidades de conservação Reserva Biológica das Araucárias e Parque Nacional dos Campos Gerais também abrigam material genético raro e único. A área é caracterizada não só pela presença da Araucária, mas também por ter 30% de cobertura com campos naturais, outro ecossistema ameaçado.

"Atualmente, só existem 0,2% da cobertura original desse tipo de formação no país", revela Savi. Localizado nos municípios de Ponta Grossa, Castro e Carambei, o Parque Nacional dos Campos Gerais possui afloramentos rochosos e diversos sítios com pinturas rupestres e manifestações indígenas. Nele, existem plantas que não são encontradas em nenhum outro local, também chamadas de endêmicas. É o caso da palmeira anã.

De acordo com dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em 1890, as áreas de floresta com Araucária cobriam originalmente cerca de 7,38 milhões de hectares no Paraná. O desmatamento fez com que este número chegasse a 269 mil hectares em 1984 e atualmente o Estado possui 0,8% de araucárias em estágio avançado de regeneração, ou seja, árvores mais antigas e originais.

Devido à qualidade da madeira da araucária, leve e sem falhas, a espécie foi muito procurada por madeireiras a partir do início do Século XX. Estima-se que, entre 1930 e 1990, cerca de cem milhões de pinheiros tenham sido derrubados. Entre 1950 e 1960, foi a principal madeira de exportação do país.

Nenhum posseiro de Raposa Serra do Sol foi indenizado no prazo de um ano

A uma semana de expirar o prazo para a retirada de todos os ocupantes não-índios da terra indígena Raposa Serra do Sol, conforme estabelecido no decreto de homologação, assinado em 15 de abril de 2005, nenhum posseiro foi indenizado, de um total estimado de 250 famílias.

O administrador da Funai em Boa Vista, Gonçalo Teixeira, informa que a Instituição tem recursos para pagar 28 processos de famílias em que o levantamento fundiário já foi concluído.

De acordo com o decreto homologatório, o Governo Federal deveria, no prazo de um ano, indenizar os ocupantes de boa-fé e reassenta-los em áreas do Incra, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

A competência do Incra é reassentar clientes da reforma agrária, em áreas de 100 ou 500 hectares, a depender do tamanho da posse. A maioria absoluta dos posseiros é considerada pequeno produtor.

Raimundo Lima, diretor de Programas para a Região Norte, do Incra Nacional, garante que o Instituto já dispõe de áreas para reassentar as famílias. “Apenas os rizicultores (grandes produtores), que se negaram a discutir uma alternativa para a desintrusão, não serão atendidos de imediato pelo Governo”, informa.

Além de receberem a indenização e os lotes de terra do Incra, os pequenos produtores poderão acessar financiamentos do Pronaf [Programa Nacional da Agricultura Familiar]. “Essa uma forma que o Governo Federal está buscando para amparar as famílias”, acrescenta Lima.

Nagib Lima, coordenador do Comitê Gestor, encarregado de cumprir as metas pós-homologação, inclusive a desintrusão da terra indígena, assegura que até o dia 15 de abril, todos os posseiros serão cadastrados. “A partir do dia 17 de abril, eles [posseiros] poderão procurar o escritório do Grupo de Trabalho formado por Funai e Incra, para receberem as indenizações”, comenta Lima.

O coordenador destaca, ainda, que até hoje, 10/4, cerca de 95% dos posseiros já foram cadastrados e que a única resistência enfrentada pelo Grupo de levantamento fundiário foi nas lavouras de arroz e na vila Surumu.  Para que o trabalho seja concluído, a Polícia Federal está fazendo a segurança dos servidores.

O Conselho Indígena de Roraima – CIR, está atuando no sentido de que o Comitê Gestor conclua o levantamento fundiário e o Governo Federal pague as indenizações imediatamente. Devido aos rumores de possíveis conflitos na região da Raposa Serra do Sol, o CIR solicitou a presença da Polícia Federal para garantir a segurança das comunidades indígenas.

Apesar de toda a tensão vivenciada na terra indígena Raposa Serra do Sol, principalmente na região de Surumu (próxima aos arrozais), nenhum incidente foi constatado até esta data.

Líderes indígenas acusam o governo Lula de traição

Mais de 500 índios de 20 estados brasileiros deram início ontem em Brasília ao Acampamento Terra Livre, mobilização que abre a agenda do Abril Indígena, série de eventos, debates e reivindicações dos povos indígenas brasileiros que ocorre ao longo deste mês. Sob uma lona de circo há poucos metros do Congresso Nacional, representantes de dezenas de etnias somaram críticas à política indigenista do governo federal. Destacaram, entre as principais falhas e omissões da gestão do presidente Lula, a falta de demarcações de terras indígenas há muito tempo reivindicadas e o descaso com a saúde indígena.

“Sempre tentamos eleger um presidente que representasse o movimento social. Nos enchemos de esperança quando Lula ganhou, pensamos que finalmente teríamos saúde, terra e educação”, lembra Jecinaldo Barbosa Cabral, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). “Mas tudo mudou. O governo fechou o diálogo conosco e se aliou aos inimigos dos povos indígenas, traindo todos os compromissos antes firmados”.

O loteamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a concessão a deputados e governos estaduais – principalmente de Santa Catarina e Roraima – colocando os direitos indígenas como moeda de troca, para o fortalecimento da base governista no Congresso, foram apontados pelas lideranças presentes ao evento como as práticas do governo Lula que mais contrariaram os interesses indígenas. “Como o governo nunca teve maioria na Câmara Federal, precisou barganhar nossos direitos nos estados para formá-la. Isso é inaceitável”, afirmou Uiton Tuxá, do povo Tuxá, de Pernambuco. “Como é inaceitável que o Estatuto dos Povos Indígenas esteja engavetado a 12 anos no Congresso Federal e o governo não mova uma palha para votá-lo”.

"Mortos como cachorros"

A abertura dos trabalhos foi marcada por discursos revoltados e emocionantes. Muitos denunciavam o perigo de povos inteiros serem extintos. “Estamos sendo mortos como cachorros”, gritou o cacique Anastácio, do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. “Os fazendeiros atacam a gente e nada acontece com eles, nenhuma punição”. O cacique Nailton Pataxó denuncia o descaso com o atendimento sanitário de sua aldeia, no sul da Bahia. “Quando um parente fica doente, demora mais de um mês para conseguir medicamento. Quando o remédio chega, o quadro já piorou tanto que não serve mais”.

Membros do Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) também tomaram a palavra ontem para analisar a atual conjuntura política nacional em relação aos interesses e lutas dos povos indígenas. O antropólogo Marco Paulo Schettino, do Ministério Público Federal, afirma que o governo federal confunde os direitos dos índios com os interesses da Fundação Nacional do Índio (Funai). “E a Funai age como se a demarcação de terras fosse um favor aos índios, como se a tutela exercida por ela fosse a melhor política indigenista”.

As críticas à Funai seguiram na voz de Gilberto Azanha, do Centro de Trabalho Indigenista. “O papel do órgão não é brecar as reivindicações dos índios, mas buscar atendê-las. Infelizmente esse governo faz menos pelos interesses indígenas do que qualquer outro governo, inclusive o dos militares”. O advogado Raul Silva Telles do Valle, do ISA, lembra também que a mobilização dos povos indígenas é fundamental para enfrentar a frente anti-indígena existente no Congresso Nacional e nos estados brasileiros. “Vivemos um momento histórico em que muitas conquistas recentes, como as da Constituição Federal, estão sendo ameaçadas. Mais do que nunca os povos indígenas precisam estar unidos e atuantes”.

A realização do Abril Indígena pelo terceiro ano consecutivo também foi valorizada ontem pelos líderes indígenas. A criação no mês passado da Comissão Nacional de Política Indigenista , pelo governo federal, atendeu a uma demanda expressa no acampamento de 2005. Os povos indígenas presentes ao acampamento querem, agora, que a comissão priorize o encaminhamento, pelo Ministério da Justiça, das terras que estão paradas no órgão à espera da publicação da portaria que define seus limites, para que o processo de demarcação possa avançar. Cinco das 13 terras que já haviam sido levantadas pelo movimento indígena como prioritárias desde o ano passado estão localizadas em Santa Catarina.

As atividades no Acampamento Terra Livre continuam hoje, quando os participantes do acampamento se dividem em grupos para debater demarcação de terras, proteção dos territórios, sustentabilidade e gestão territorial, saúde Indígena, política indígenista e gênero. Após os trabalhos em grupos, as conclusões serão compartilhadas entre os participantes. Na quinta-feira, as atividades serão finalizadas com a discussão e aprovação de um documento final do Abril Indígena/Acampamento Terra Livre 2006, que será apresentado ao Senado Federal em audiência pública no mesmo dia.

Carta Aberta de antropólogos sobre situação no Mato Grosso do Sul

Prezados,

Queremos fazer uma breve análise sobre a grave situação dos aproximadamente 40.000 indivíduos guarani-kaiowa e guarani-ñandéva do extremo sul de Mato Grosso do Sul.

O sinistro episódio do dia 01.04.2006 no Passo Piraju (Dourados, MS), além de se apresentar com toda sua dramaticidade, permitiu que determinados preconceitos e estigmas sobre os índios se manifestassem com extrema virulência. A imediata caracterização do evento por parte da Polícia Civil de que os Guarani-Kaiowa teriam tecido uma emboscada aos seus três agentes foi rapidamente divulgada pela mídia local como sendo “a verdade”, e não simplesmente uma hipótese preliminar, como de fato é.

A imprensa e a rádio não perderam a oportunidade de desenhar uma imagem dos índios como selvagens e truculentos, beirando os limites da desumanidade; as manchetes apontam que estes armam emboscadas e matam por motivo vil. Há aqui, antes de tudo, incitação ao preconceito e ao ódio – o que acaba por colocar em risco indistintamente toda a população guarani, inclusive as que não têm qualquer ligação com o episódio.

Cabe ressaltar aqui o modo de proceder dos kaiowa e dos ñandéva contemporaneamente. Estes têm demonstrado que priorizam a via diplomática a arroubos belicosos diante das muitas ocasiões em que são agredidos pelo “branco” – o que se manifesta em espectro amplo, que vai do racismo cotidiano (em ônibus intermunicipais, nos supermercados, nas lojas dascidades) até a freqüente presença de jagunços e seguranças particulares (que, observe-se, muitas vezes são policiais atuando em “bicos” fora do emprego oficial), os quais atuam rondando e atirando para o ar nas proximidades de áreas de conflito.

Uma variável importante deve ser considerada na análise do episódio.

Recentemente, em reunião no Gabinete do Chefe de Governo da Prefeitura de Dourados, com a presença das autoridades de segurança locais (inclusive a Polícia Civil e a FUNAI), foi encaminhada a decisão de que qualquer intervenção policial em comunidades indígenas não ocorreria sem se acionar prioritariamente a FUNAI. A iniciativa policial no Passo Piraju se furtou a esta determinação. A Polícia Federal, por sua vez, teve sua atuação marcada pela falta de empenho. Por fim, o argumento da Polícia Civil de que não estava em questão uma terra indígena oficial visa ofuscar o fato notório da presença no local de uma comunidade indígena, em área de conflito, com permanência autorizada (através da intervenção do Ministério Público Federal) pelo 3º Tribunal Federal de São Paulo, desde 2004.

Embora se espere da prática de um jornalismo democrático que investigue com acuidade os fatos para divulgá-los com responsabilidade, contrapondo fielmente versões das partes envolvidas de modo a que a opinião pública possa construir pensamento isento, não é o que se constata na mídia local diante do caso da morte dos dois policiais. Paradoxalmente ou estranhamente a postura dessa mídia foi oposta quando do homicídio de Dorvalino Rocha.

Este índio kaiowa, das terras homologadas do Ñande Ru Marangatu (Antonio João, MS), foi assassinado a queima roupa em dezembro passado por um segurança privado a serviço de fazendeiros que se opõem à regularização da terra em benefício dos índios. A mídia aqui evitou emitir opinião unilateral e precipitada, divulgando simultaneamente a versão dos indígenas e da empregadora do autor do disparo.

Constata-se que na divulgação de notícias e formação de opinião, os meios de comunicação locais podem sopesar diferentemente as informações e assim alimentar preconceitos latentes na opinião pública; policiais, comerciantes, estudantes universitários e cidadãos refletem esse proceder e reproduzem informações da mídia colhidas junto aos produtores rurais. Quando segmentos da população regional procuram compreender os índios, seu estilo de vida, suas exigências econômicas, políticas e simbólicas, não o fazem a partir de uma aproximação minimamente científica e pautada em algum rigor descritivo e analítico, mas a partir de um corpus de informações e de valores, que são antíteses da produção erudita: o senso comum.

Não constitui novidade que o senso comum seja responsável por grande parte das ações e das opiniões manifestadas na vida social pelo cidadão comum.

Tampouco é possível pensar, ingenuamente, que essas pessoas possam se transformar em cientistas sociais, chegando a uma visão relativística da vida humana, compreendendo em detalhes a visão do mundo dos índios e suas características organizativas. Ademais, não surpreende o fato de que, com base em seus interesses econômicos e de poder local, os produtores rurais, procurem por todos os meios impedir que os ditames constitucionais sejam cumpridos. Uma analise sumária é suficiente para mostrar que o senso comum que vigora no Mato Grosso do Sul é amplamente construído a partir de uma ideologia ruralista. Nesse sentido, não há dúvida alguma sobre o fato de que para a maioria da população sul mato-grossense os índios são um obstáculo ao progresso – identificado este nos empreendimentos do agronegócio.

Como antropólogos estamos, portanto, acostumados a lidar com categorias e representações morais nativas – e o senso comum da região em pauta não constitui uma exceção. Há, porém que se constatar que nestes últimos anos o nível dos conflitos locais entre fazendeiros e índios tem-se acirrado, os primeiros procurando cada vez mais se articular para que sua própria política seja mais eficiente, enquanto que os segundos multiplicam as reivindicações para recuperar seus territórios tradicionais. Nesse processo, cujos desfechos podem ser dramáticos (como o episódio de Passo Piraju ou de Ñande Ru Marangatu), o que parece surpreendente é o papel do Estado, a falta de um posicionamento claro, enérgico e ético, para enfrentar a situação e dar solução ao problema fundiário local, respeitando a Constituição Federal. (Observe-se que para este propósito não faltou assessoria cientifica qualificada para delinear propostas apropriadas).

Muito embora há décadas tenha sido aclarado (por nós e por outros colegas) aos responsáveis pela condução da política indigenisa oficial, sobre a importância de uma ação indigenista específica, pensada e planejada, priorizando a atenção sobre a produção de alimentos e as questões fundiárias, não houve reações compatíveis às dimensões do problema por parte do Estado brasileiro.

Nos últimos tempos, como dito, a situação vem se agravando, e, de 2003 para cá, isso tem se dado em progressão geométrica, uma das razões que nos levam aqui a apresentar algumas informações e análises, no intuito de contribuir para um mais acurado entendimento da realidade local.

Cabe destacar o fato de que o problema fundiário que embasa conflitos e crises permanentes foi detectado no final da década de 1970, quando os guarani-ñandéva e guarani-kaiowa do Mato Grosso do Sul iniciaram um movimento, organizado a seu modo, de recuperar parte das terras de ocupação tradicional tomadas pela colonização da região, mais intensa a partir dos anos 1960 e sôfrega a partir do milagre brasileiro dos anos 1970. O cenário regional criado nesse processo foi determinado a partir de interesses hegemônicos relacionados ao propalado agronegócio. Como revelado em inúmeros relatórios de Identificação de Terras guarani no estado, observadores atentos da vida indígena têm apontado o fato de que nas últimas três décadas os organismos de Estado vêm, de um modo ou de outro, contribuindo para a reprodução de uma sistemática desapropriação de terras tradicionais guarani que se transformaram em fazendas e empresas agro-pecuárias, resultando na superpopulação das áreas reservadas pelo SPI no início do século passado e na ampliação de conflitos e mortes por violência e fome, dada a impossibilidade desse povo agricultor te

r acesso à terra.

Observando o desempenho da Fundação Nacional do Índio, constata-se que por três ou quatro gestões se divulgou que os guarani do país e em especial os do Mato Grosso do Sul teriam atenção prioritária, reconhecendo-se formalmente, assim, a existência do problema. Da última vez, em 2003, o anúncio foi feito na presença de número representativo de índios em assembléia na Terra Indígena Jaguapire (Tacuru/ MS), organizada para receber o seu Presidente. Não houve, contudo, qualquer ação efetiva na continuidade.

A questão fundiária, ponto primordial na cadeia operativa dos problemas, se manifesta de modo flagrante. As ações dos organismos de Estado têm sido dirigidas no sentido de impedir a solução da dívida histórica para com os povos indígenas no Brasil, como determina a Constituição de garantir a ocupação de terras tradicionais. Cabe indicar que em relação aos Ñandéva e Kaiowa do Mato Grosso do Sul, não há qualquer dúvida quanto à tradicionalidade de ocupação, como revelam fontes documentais e estudos contemporâneos e recentes. Esta comprovação não exige nenhum esforço.

A morosidade administrativa em instâncias decisórias de poder, no entanto, tem sido fator relevante no acirramento de conflitos na disputa por terras entre fazendeiros e indígenas. As atitudes protelatórias do Poder Judiciário e a desconsideração tanto da especificidade étnica quanto da argumentação científica antropológica sobre os Guarani têm suscitado julgamentos sobre um universo social desconhecido, fortalecendo o senso comum e ampliando a dificuldade de administrar um país a partir da determinação de sua multiplicidade étnica.

É, assim, alarmante a atitude manifestada pelo Judiciário, do qual se esperaria um posicionamento ponderado, distante das diatribes locais, buscando informações nos acurados e aprofundados trabalhos científicos, como publicações acadêmicas, relatórios de identificação de terras indígenas e laudos periciais. Frustrando estas expectativas, mostra-se estarrecedor que sentenças judiciais possam, ao contrário, fundamentar-se exatamente no senso-comum, a partir de informações levantadas na internet, de modo descontextualizado e de credibilidade, quando menos, questionável, ou então a partir de uma declaração individual explícita de discordância com os ditames constitucionais. A propósito, resulta ser emblemática a seguinte argumentação de um Juiz Federal, retirada de sentença que emitiu liminar paralisando o processo administrativo de demarcação da terra indígena kaiowa de Jatayvary (Ponta Porã/ MS):

“Em artigo publicado [na internet] pelos antropólogos Fabio Mura e Rubem Thomaz de Almeida está escrito que os kaiowás se distribuem no Mato Grosso do Sul numa área de quarenta mil quilômetros quadrados. Esse território faz fronteira com os Terena, ao norte, ao leste e sul com os Guarani Mbya e com os Guarani Nandeva. Algumas famílias vivem nos litorais do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os territórios ainda fazem divisas com outras áreas indígenas de países vizinhos (www.socioambiental.org). Se a tese acima for procedente, os não-índios terão que buscar refúgio em Marte.”

Aqui, o Juiz não se pergunta se as informações veiculadas pelos antropólogos estão fundamentadas cientificamente; ele apenas aceita e faz próprias as mais corriqueiras argumentações procedentes do senso comum, que equaciona a demanda indígena como pretendendo recuperar a totalidade da superfície do Brasil. Tivesse ele consultado outros trabalhos desses autores, especialmente os técnicos, referentes às terras identificadas, poderia verificar que as demandas dizem respeito a famílias indígenas concretas, originárias de lugares também concretos. Tomando-se em conta, porém, a totalidade das reivindicações fundiárias guarani-kaiowa e guarani-ñandéva, o montante calculado não alcança um quinto de seus territórios originários.

Finalizando, continuamos a insistir na necessidade premente do Estado brasileiro se envolver profundamente com o problema Guarani do Mato Grosso do Sul. É seu dever Constitucional assumir e decidir com firmeza e rigor uma dinâmica para fazer respeitar Direitos e investir na composição de uma instância específica e que unifique organismos de Estado; é seu dever viabilizar recursos financeiros e humanos, refletir e planejar estratégias que culminem em soluções efetivas aos problemas fundiários e de produção de alimentos da população aqui focada. Tais iniciativas deverão contribuir, no tempo, para melhorar a qualidade de vida dessa grande parcela do povo guarani, cujas dificuldades, cabe reiterar, se avolumam em progressão geométrica.

Por favor, divulgar o máximo possível.

Rio de Janeiro, 08 de Abril de 2006.

Rubem Thomaz de Almeida (rubem.almeida@ig.com.br)
Fabio Mura (fmura@ig.com.br)
Alexandra Barbosa da Silva (ale.barbosa@ig.com.br)

Antropólogos

Ministério Público Federal recupera amostras de sangue ianomâmi

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima recuperou na última semana amostras de sangue de 90 ianomâmis, que estavam na Universidade Federal do Pará (UFPA). Elas foram coletadas em 1990 sem o necessário consentimento informado, nem um pedido formal aos indígenas, que ignoravam seu uso imediato e futuro.

"Recebemos amostras de DNA em solução aquosa, já sem aparência de sangue", explicou hoje (6) à Radiobrás o procurador-geral da República no estado, Maurício Fabretti. "Estamos em contato com as lideranças indígenas para devolvê-las às seus verdadeiros donos".

"O sangue foi coletado em três localidades da terra indígena Ianomâmi: Alto Mucajaí, Baixo Mucajaí e Paapiú. Para ir até lá, é preciso pegar avião e nem sempre há vôo", explicou o antropólogo do MPF, Jankiel dos Santos. "Queremos entregar as amostras diretamente às comunidades. Acredito que no máximo em um mês isso tenha ocorrido".

De acordo com um documento enviado ao MPF pela UFPA, as amostras foram usadas em exames laboratoriais de investigação epidemiológica da malária. Esse era o objetivo original da coleta – mas após os primeiros testes, o sangue foi usado também para obtenção de DNA (informações da cadeia genética). "As amostras foram enviadas pela UFPA à faculdade de Medicina da USP ( Universidade de São Paulo ), em Ribeirão Preto. Depois, retornaram a Belém", detalhou Santos.

De acordo com ele, a devolução do material genético aos ianomâmis é essencial para o bem estar das comunidades. "Quando um ianomâmi morre, os parentes cremam seus restos mortais e seus bens rituais – e nunca mais tocam no seu nome. Agora que eles conhecem a fotografia, elas também são queimadas", explicou. "É difícil dizer exatamente o porquê desse ritual, mas ele está ligado à destruição da lembrança da pessoa morta, para que ela passe para o mundo sobrenatural e não perturbe a sociedade. A existência dessas amostras significa um sofrimento psicológico para os ianomâmis".

Santos afirmou ainda que recuperação das amostras sinaliza para a sociedade que o MPF está atento à ação dos cientistas. "Isso vai desencorajar a realização de novas coletas ilegais de sangue dos indígenas", ressaltou. "Além de estimular outras comunidades indígenas do Brasil a provocar o Ministério Público para que recupere o seu material genético coletado ilegalmente".

Presidente da Funai diz que projeto sobre mineração será submetido a lideranças indígenas

Antes de ser enviado pelo governo ao Congresso Nacional, o projeto de lei que regulamenta a mineração em terras indígenas será submetido à análise das lideranças indígenas que participarão da 1ª Conferência Nacional dos Povos Indígenas. O encontro será realizado em Brasília, entre os dias 12 e 19 de abril.

"Essa foi uma das ressalvas que eu fiz, que tem que passar pela conferência. Os índios têm que dizer se esse projeto de lei que o governo vai enviar ao Congresso está de acordo com aquilo que eles acham que é possível", afirmou o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, em entrevista às emissoras de rádio da Radiobrás.

Segundo Gomes, o texto está sendo finalizado pelos ministérios da Justiça e de Minas e Energia, ao qual o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é ligado. Ele adiantou que uma das principais linhas do projeto é que a mineração deverá ter o consentimento dos índios que vivem na região onde a atividade será desenvolvida.

"Há a possibilidade de participação dos índios como empresa. Depois, tem como partícipe de outras empresas. E tem ainda o aspecto dos royalties, da porcentagem do valor bruto vendido do minério para a população local", explicou.

De acordo com Gomes, o projeto ainda prevê a criação de um fundo para ser usado em benefício da população indígena. "Digamos que tenha ouro numa terra indígena. Aí, que a porcentagem de 4%, 5% – o que foi acordado do retorno para os índios – dê, digamos, uma quantia cem. Desse fundo, metade seria para os índios daquela região e a outra metade seria um fundo geral para atender outras populações indígenas brasileiras", exemplificou.

Atualmente, a mineração em terras indígenas é considerada ilegal. Para o presidente da Funai, a aprovação do projeto poderá resolver o problema da extração de pedras preciosas em reservas indígenas. Ele citou o exemplo da Reserva Roosevelt, ao sul de Rondônia, ocupada pela etnia Cinta-Larga.

"Nos preocupa muito essa questão toda, porque é um garimpo de muita riqueza e atrai muita gente", observou. "A solução final é uma legislação que admita o que é, que pode ser mineração em terra indígena", acrescentou.

Em abril de 2004, índios Cinta-Larga mataram 29 garimpeiros que extraíam diamantes da Reserva Roosevelt.

Presidente da Funai pede agilidade ao STF para resolver situação de Guarani-Kaiowá

Os Guarani-Kaiowá foram despejados da terra Nhanderu Marangatu em 15 de dezembro do ano passado, depois que a presidente do Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF-SP), desembargadora Diva Prestes Marcondes Malerbi, concedeu liminar de reintegração de posse a fazendeiros.

Em março de 2005, a homologação da área já havia sido suspensa por liminar do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim. A assessoria de imprensa do STF informou que o julgamento do mérito da ação pelo plenário ainda não tem data marcada. O relator do processo é o ministro Cezar Peluso.

O presidente da Funai pediu que o STF decida a questão o mais rápido possível. "O problema é que às vezes demora demais a resolver, então queremos muito que o ministro que está atendendo a esse pleito, esse caso tome uma decisão, ponha em julgamento, como ministro relator, para que isso se resolva".

Mércio lembrou que o processo de homologação da terra indígena, de 9,3 mil hectares, durou cerca de seis anos. Ele disse que a retirada dos índios da região trouxe uma série de problemas, como a morte de quatro crianças.

"Esses índios que foram retirados estão na beira da estrada, estão passando por muitas dificuldades, apesar de a Funai e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) estarem ali presentes, morreram já quatro crianças por problemas de desnutrição, do acomodamento em que estão. É muito ruim para a gente ver isso".

O presidente da Funai deu as declarações durante entrevista coletiva às emissoras de rádio da Radiobrás (rádios Nacional AM de Brasília, Nacional do Rio de Janeiro e Nacional da Amazônia). A entrevista foi transmitida ao vivo por emissoras que compõem a rede Nacional de Rádio e contou com a participação de jornalistas de nove emissoras parceiras.

Primeira conferência de povos indígenas reúne 800 representantes de 230 etnias em Brasília

O Brasil terá, pela primeira vez, um encontro nacional entre lideranças indígenas: a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, a ser realizada em Brasília, entre os dias 12 e 19 de abril. Participam do encontro 800 delegados eleitos por comunidades de 230 etnias para debater assuntos relacionados à questão indígena e à política indigenista brasileira.

"Todos os índios, mesmo aqueles cujas populações são menos de 200 pessoas, terão um representante", disse o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, em entrevista às emissoras de rádio da Radiobrás.

No ano passado, a Funai realizou nove conferências regionais, em que foram discutidos assuntos de interesse das comunidades indígenas, como autonomia política, educação, saúde e demarcação de terras. Nesses encontros, foram eleitos os 800 representantes dos povos indígenas que participarão da conferência em Brasília.

O evento será presidido por Gomes, como está previsto no decreto presidencial que convocou a realização da conferência. O presidente da Funai adiantou que, na prática, quem vai conduzir o processo serão os próprios indígenas.

"Eu estarei como um presidente, digamos, como a rainha da Inglaterra, os índios é que estarão decidindo esses assuntos", disse. "A pauta, a organização, a temática, a distribuição, o monitoramento, os trabalhos de plenário, todos serão dirigidos pelos índios", explicou.

Segundo ele, o evento será um espaço para que os índios tratem dos principais problemas que afetam as comunidades e para apresentarem suas reivindicações. "É claro que os índios têm uma pauta de reivindicações muito grande, específica de cada povo", observou Gomes. "A carência de cada povo é uma carência verdadeira, mas a gente tem que olhar – e isso é uma das coisas mais importantes dessa conferência – a médio e longo prazo. Estamos preparando uma visão do índio participando da sociedade de uma forma mais digna, no sentido político, do que tem sido até agora", acrescentou.

População indígena brasileira é de cerca de 450 mil, diz presidente da Funai

A população indígena brasileira tem crescido em uma média de 3,5% ao ano, segundo informou o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes. Segundo ele, existem atualmente no Brasil entre 450 mil e 460 mil índios. "Hoje os índios são quatro vezes mais que em 1950, quando se chegou ao mínimo da população indígena brasileira", observou.

Em entrevista hoje (6) às emissoras de rádio da Radiobrás, ele reconheceu que muitos povos indígenas enfrentam problemas relacionados à demarcação de terras ou à área de saúde, por exemplo. Mas afirmou que não há falta de compromisso por parte do governo. "Temos carências, dificuldades, mas não falta de compromissos", disse.

No que se refere à situação fundiária, Mércio informou que cerca 480 terras indígenas já foram homologadas – das quais 55 nos três anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com ele, cerca de 100 áreas estão em processo inicial para que sejam reconhecidas como terras indígenas. "Mais adiante, várias terão de ser encaminhadas para estudos, grupos de trabalho. E outras terão de ser repensadas para ver se de fato são terras indígenas", observou.