ndios acampados em Brasília pedem política coerente e digna

O principal objetivo do 3º Acampamento Terra Livre é discutir formas para garantir os direitos dos povos indígenas, segundo um dos diretores da organização não-governamental (ONG) Centro de Trabalho Indigenista, Gilberto Azanha. A mobilização indígena começou hoje (4) e prossegue até amanhã. Participam cerca de 500 lideranças de mais de 120 povos em 20 estados, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Durante o encontro serão debatidos os problemas da terra, da saúde, da biodiversidade e a falta de políticas públicas especificas. De acordo com Azanha, os participantes vão cobrar do governo uma política indigenista "mais coerente e digna".

"A questão dos direitos indígenas está cada vez mais complicada. A questão de saúde a mídia já divulgou bastante como está: precária. Os direitos indígenas não são feitos para serem negociados, mas para serem levados em conta e efetivados", afirmou Azanha.

Melhores condições de atendimento à saúde da população indígena permanecem como uma das principais reivindicações das lideranças. O líder Marcos Luidson, do povo Xucuru que habita Pernambuco, defende maior participação dos índios na elaboração das políticas de saúde.

"Um primeiro passo seria o fortalecimento de autonomia dos distritos indígenas, onde os conselhos distritais de saúde pudessem ter autonomia plena para definir a gestão da saúde dos povos indígenas", aponta. Essa foi também a principal reivindicação da 4ª Conferência Nacional da Saúde Indígena, que terminou sexta-feira passada em Rio Quente (GO).

Luidson também defende que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) crie um grupo dentro da instituição que tenha a participação dos indígenas no controle social das ações e do uso dos recursos. "A Funasa não está correspondendo com a necessidade das populações indígenas; deixa muito a desejar e permite a quase municipalização dos serviços, sem o controle social os recursos não chegam nas bases da forma que deveria chegar", diz ele.

A criação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), aprovada por decreto presidencial no dia 23 do mês passado, é apontada como uma conquista pelos índios. Agora, eles aguardam a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que fará parte do Ministério da Justiça. "O conselho vai unificar nossas propostas, de modo a inserir os povos indígenas na discussão de políticas especificas", diz o líder xucuru.

A realização do 3º Acampamento Terra Livre faz parte do Abril Indígena, assim chamado por causa das intensas manifestações que ocorrem ao longo do mês. Na quinta-feira (6), indígenas participarão de uma audiência pública no Senado Federal para tratar da situação dos direitos dos povos no país.

Guarani-Kaiowá diz que conflitos em Dourados devem continuar

Até que se resolva a demarcação e homologação de terras guarani-kaiowá na localidade de Porto Cambira em Dourados (MS), os conflitos devem continuar. É que o prevê o líder indígena Anastácio Peralta, em entrevista à Agência Brasil. No dia 1º, dois policiais civis foram assassinados a tiros, pauladas e facadas por indígenas guaranis-kaiowá, segundo a Polícia Civil do estado.

"Essas violências vão continuar, ninguém vai ficar tranqüilo. Ali, onde os assassinatos aconteceram, é um lugar de conflito. Ainda é uma terra de confusão, que não está demarcada nem homologada", disse Peralta.

De acordo com o delegado Fernando Paciello Júnior, assessor de comunicação da Polícia Civil do estado, os índios teriam atirado nos policiais com armas tomadas dos próprios agentes. Para Anastácio Peralta, o fato de os policiais não terem se identificado como agentes da Policia Civil, de estarem armados e desacompanhados dos representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) teria assustado os índios.

Segundo o Guarani-kaiowá, os índios teriam confundido os policiais com jagunços. "Eles não se identificaram, foram por conta própria e por isso aconteceu isso. O fato de os índios reagirem assim revela medo, porque lá eles [os jagunços] matam mesmo. Lá tem jagunço e quando as pessoas chegam sem se identificar isso já é bastante suspeito. Aí, o pessoal reagiu também de uma forma bastante assustada".

Ontem, o presidente em exercício Fundação Nacional do Índio (Funai), Roberto Lustosa, considerou lamentável o assassinato dos policiais civis. Porém, alertou que os riscos poderiam ter sido menores se funcionários da Funai estivessem presentes. "Infelizmente, essa equipe [de policiais civis] adentrou o acampamento sem qualquer acompanhamento da Funai e sem qualquer aviso à nossa administração".

De acordo com Paciello Júnior, os policiais foram ao acampamento para procurar um suspeito de ter matado um pastor evangélico. Segundo Lustosa, os índios relataram que os agentes estavam à paisana e chegaram em carro sem identificação da Polícia Civil.

"Mesmo que a operação tenha sua legitimidade, na busca de supostos criminosos, não poderia ter havido sem que houvesse plena participação da Funai exatamente para evitar um conflito dessa ordem", avaliou. "Ninguém está aqui descriminalizando esses homicídios, mas, numa área de conflito como essa toda cautela é necessária para a condução de qualquer intervenção de agentes públicos de segurança que não sejam aqueles orientados pela Funai."

Mosquitos saudáveis

No último mês, cientistas anunciaram o desenvolvimento de um Aedes aegypti imune à dengue e de um Anopheles spp resistente à malária. A idéia é que, ao inserir os insetos modificados num habitat natural, eles se reproduzam e se estabeleçam, levando à extinção ou à diminuição significativa dos mosquitos originais, transmissores das doenças. O problema é que não se sabe ao certo que conseqüências tais interferências podem acarretar. A polêmica está lançada, no mundo acadêmico e entre ambientalistas.

A edição de 14 de março da revista Proceedings of the National Academy of Sciences, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, traz artigo de Ken Olson, Anthony James e colaboradores anunciando a obtenção de um Aedes aegypti resistente ao vírus da dengue tipo 2, o causador mais freqüente da doença.

A novidade empolgou o biólogo molecular Elói de Souza Garcia, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro da Academia Brasileira de Ciências. "Os mosquitos que sobreviveram à transformação gênica foram capazes de se reproduzir e estabelecer colônia em laboratório, tornando-se assim uma ferramenta genética e uma estratégia importante para o controle da dengue, doença que afeta aproximadamente 50 milhões de pessoas por ano, e mata cerca de 20 mil, em todos os continentes. A sociedade deve começar a avaliar os resultados e impactos da liberação de insetos transgênicos na natureza", defende Garcia, que é superintendente de Desenvolvimento Científico da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro.

Desde a década de 90, cientistas de diversas partes do mundo vêm desenvolvendo metodologias para modificar o genoma de mosquitos, inserindo genes artificiais ou de outros seres vivos. No caso da dengue, para que a doença seja transmitida é necessário que o vírus infecte as células do intestino do Aedes aegypti. Explorando características do processo de multiplicação do vírus da dengue nas células do inseto, pesquisadores do Colorado e da Califórnia, autores do estudo, conseguiram produzir uma linhagem de mosquitos geneticamente modificados resistentes ao vírus.

Os pesquisadores clonaram parte do RNA do vírus, utilizando-o para produzir um gene artificial. Então inseriram esse material genético em embriões do mosquito. O gene aciona um mecanismo de defesa nas células do mosquito que faz com que elas, ao serem infectada com o vírus, imediatamente reconheçam o RNA duplicado e o destruam. Assim interrompem o processo infeccioso e portanto a transmissão da doença.

O grande sucesso da experiência está no fato de que os descendentes dos embriões transformados também apresentaram o RNA modificado e ficaram altamente resistentes à infecção da dengue. A transmissão do material genético para a prole significa que disseminação dessa variante de mosquito na natureza é uma possibilidade real.

Veneno de abelha
Esta semana, pesquisadores do Laboratório de Malária do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais, anunciaram a criação de um mosquito transgênico do gênero Anopheles spp., transmissor da malária. O mosquito – o primeiro geneticamente modificado na América Latina – é resistente à infecção pelo protozoário Plasmodium spp, parasita da doença. A pesquisa representa o primeiro passo em busca de uma nova estratégia para bloquear a propagação da malária.

Em parceria com pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, a equipe mineira introduziu no genoma do mosquito uma forma modificada da proteína fosfolipase A2, retirada do veneno de abelhas, que funciona como uma vacina contra a malária no inseto, impedindo o desenvolvimento do parasita em seu organismo. Com essa interferência genética, feita através de microinjeção em embriões, os mosquitos passaram a produzir a enzima protetora por conta própria. A técnica de ponta foi financiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A malária (ou paludismo) é a doença tropical e parasitária que mais causa problemas sociais e econômicos no mundo, só superada em número de mortes pela Aids. É considerada problema de saúde pública em mais de 90 países, onde 2,5 bilhões de pessoas (cerca de 40% da população mundial) convivem com o risco de infecção. Só na África, cerca de 400 milhões de pessoas são infectadas por ano, das quais 1 milhão morre. No Brasil, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) registrou 591 mil casos de malária em 2005.

De acordo com o pesquisador Luciano Andrade Moreira, coordenador do projeto no CPqRR, nesta primeira fase foram gerados mosquitos transgênicos da espécie Aedes fluviatilis, vetor da malária aviária, causada pelo Plasmodium gallinaceum. Além de ser mais seguro, uma vez que não há risco para as pessoas, é mais fácil obter o ciclo completo deste parasita em laboratório. "Já possuímos uma criação de mosquitos transmissores de malária humana, da espécie Anopheles aquasalis. Esperamos em seis meses obter as primeiras larvas transgênicas desta espécie", diz Moreira. O trabalho é parte da tese de doutorado de Flávia Guimarães Rodrigues, aluna de Moreira.

Futuramente, os pesquisadores pretendem alimentar os mosquitos transgênicos com sangue de pacientes com malária, para confirmar a inibição do desenvolvimento do parasita. Moreira acredita que ainda serão necessários no mínimo dez anos para se ter certeza de que estes insetos podem ser introduzidos no campo, onde se misturariam aos mosquitos comuns e transmitiriam aos seus descendentes genes antimalária.

O mosquito transgênico foi recebido como alternativa promissora de combate à doença, já que não há vacina eficaz contra malária e o protozoário parasita tem se mostrado resistente aos medicamentos, assim como o mosquito aos inseticidas.

A questão agora é estudar os riscos ao meio ambiente.

Competição
Desde que surgiu o primeiro mosquito transgênico, um Aedes aegypti criado em 1998 nos Estados Unidos, nunca foram realizados testes na natureza.

Para Elói Garcia, esse tipo de manipulação da transgenia, voltada para o bloqueio do desenvolvimento do vírus ou do parasita, não representa perigo potencial. "No entanto, experimentos controlados precisam comprovar essa minha opinião. Não se sabe, por exemplo, qual a viabilidade desses insetos quando liberado na natureza. Há pesquisadores que acreditam que o melhor transgênico é o feito pela natureza nos milhões de anos do processo evolutivo. Numa competição com os insetos produzidos no laboratório, os ‘selvagens’ seriam mais ‘adequados’ para as condições naturais", diz.

Segundo Pedro Lagerblad de Oliveira, coordenador do Instituto Virtual da Dengue do Estado do Rio de Janeiro, muitos cientistas conceituados acham que a introdução de mosquitos transgênicos na natureza para controlar a disseminação de doenças nunca vai funcionar. Ele, entretanto, acredita que a tática pode dar certo. "Mesmo que o novo mosquito não extinga o outro, poderá diminuir as taxas de transmissão. Se a estratégia funcionar, o custo será mínimo, uma vez que o mosquito se espalha. É uma questão de sobrevivência crucial para países africanos, por exemplo, onde o investimento em saúde por habitante é de dez dólares por ano, mal garantindo a vacinação antipólio", afirma.

Antes disso, entretanto, ele defende a ampla realização de testes. "No caso da malária, uma idéia em discussão é um teste de campo numa ilha onde a doença seja endêmica. Espalharia-se o mosquito e, caso algo desse errado, a extinção seria factível com inseticida", diz.

Lagerblad de Oliveira, que é professor do Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, não nega a existência do risco, mas diz que ele não é maior do q

ue o da introdução de uma espécie exógena num ecossistema, podendo se tornar vetor de outra doença. "É um problema novo. É preciso pensar em que testes fazer e fazê-los", defende.

* Marina Lemle é jornalista especializada em ciência e tecnologia. Trabalhou na Ciência Hoje/SBPC, em O Globo e no Jornal do Brasil. Atualmente trabalha na Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e colabora para os sites No Mínimo e SciDev.Net.

Representantes da sociedade civil expõem frustração com a COP-8

Enquanto aguardavam o início da plenária final da 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que se encerrou na sexta-feira, 31 de março, participantes foram convidados a fazer uma breve avaliação do evento, apresentado como o mais importante realizado no país desde a Rio-92. As opiniões, em sua maioria feitas em tom de desabafo, apontam que, com exceção da moratória às tecnologias Terminator, não houve avanço sobre os principais temas discutidos. Leia a seguir alguns trechos dos depoimentos.

Martin Kaiser, do Greenpeace Internacional
“Basicamente, essa conferência foi um fracasso. Perdeu-se a oportunidade de estabelecer acordos para brecar a perda global da biodiversidade e práticas ilegais e destrutivas de extração madeireira ou de exploração marinha. Foram adiadas decisões de combate à biopirataria e a respeito da adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios, em vez de negociar essas questões aqui. Em relação ao financiamento da CDB, os Estados Unidos querem enfraquecer as contribuições do GEF para a biodiversidade, e os outros países doadores não pretendem dar mais dinheiro. Também não se chegou a nenhum resultado sobre financiamento a áreas de proteção marinhas ou terrestres. Sobre a meta de redução de perda de biodiversidade até 2010, nenhum país estava realmente preparado e teve vontade política para que fosse atingida. O Brasil, como anfitrião da conferência, fracassou em desencadear uma agenda para a criação de novos mecanismos de financiamento para a proteção da biodiversidade.”

Lim Li Lin, da Rede do Terceiro Mundo
“Esta foi uma das mais intensas e difíceis COPs das quais eu já participei. O tema particularmente mais difícil foi o de acesso e repartição de benefício. Nós não estávamos nem discutindo a sustância do regime internacional, mas seu modus operandi. Isso é muito crítico, porque os países em desenvolvimento querem um processo claro, com um cronograma definido a respeito de quando terminaremos as negociações, e os países desenvolvidos, tais como Austrália, Nova Zelândia e Canadá, não querem um regime de nenhuma maneira. Nós tivemos, entretanto, decisão boa em relação às sementes Terminator. Por causa da pressão pública de fora e do bom trabalho dos negociadores, a moratória foi mantida. Em relação às árvores transgênicas, existe uma decisão de que seja aplicado o princípio de precaução porque não existem suficiente dados, conhecimento e capacidade técnica acumulada sobre o assunto. Não é a melhor decisão que poderíamos ter tido. A melhor decisão seria a moratória às árvores transgênicas, mas, dentro das circunstâncias, ao menos existe um acordo de que existem efeitos de longo prazo e transfronteiriços, pouca informação a respeito dos impactos no meio ambiente e também foram reconhecidos os possíveis impactos sobre comunidades indígenas e locais. Parte da decisão é que esse tema será discutido no SBSTTA – órgão subsidiário de aconselhamento científico, técnico e tecnológico da CDB – e redefinido na COP-9; então, daqui até lá nós temos muito trabalho pela frente.”

Marciano Toledo da Silva, da Via Campesina
“De certa forma ela reflete o que está acontecendo em outras convenções: todas as questões estão virando produtos comercializáveis. Os resultados da conferencia não foram satisfatórios. Tivemos grandes vitórias, como a moratória aos GURTs e a adoção do princípio de precaução em relação às árvores transgênicas, mas muitos pontos não avançaram, empurrados para serem discutidos daqui a alguns anos, e a redução da perda da biodiversdade até 2010 não vai ser conquistada e, até lá, perderemos muita biodiversidade e consequentemente conhecimento tradicional associado.”

Fernanda Kaingang, do Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual
“Os povos indígenas do mundo estão frustrados. A gente assistiu aos países iniciarem uma negociação sobre a criação de um regime internacional de acesso repartição de benefícios na qual eles não reconhecem o nosso papel de protagonistas na conservação da biodiversidade, não reconhecem o nosso direito de decidir sobre o uso dos conhecimentos tradicionais – o consentimento prévio e informado e o direito de dizer não, eu não quero o acesso. Países desenvolvidos como o Canadá, Austrália e Nova Zelândia sistematicamente resistiram a reconhecer os direitos fundamentais dos povos indígenas. Por que durante a discussão do regime internacional e dentro da convenção todo mundo se lembra da OMC, da OMPI, mas ninguém se lembra dos tratados de proteção dos direitos indígenas, como a Convenção 169? Saímos frustrados. Mesmo em relação ao artigo 8j nós não vimos nenhum avanço. Mais uma vez a voz e a participação dos povos indígenas foi restrita. Esperamos que nas próximas COPs se passe a retroceder menos e a implemente mais um pouco do muito que já foi discutido.”

Ricarda Steinbrecher, da Federação dos Cientistas Alemães
“Em termos do que essa conferencia conquistou, parece que foi muito pouco, o que é muito triste, uma vez que é essa é única convenção internacional que nos temos com mandato para proteger a biodiversidade e o seu uso sustentável. Nós deveríamos passar para frente o eu nos foi dado e nós estamos fazendo uma bagunça disso. Sobre as questões que acompanhei na COP-8, acho que são únicas bem–sucedidas: a reafirmação da moratória às tecnologias Terminator, o que é crucial, especialmente quando pensamos em termos dos impactos sobre as comunidades indígenas e locais e pequenos agricultores, e a outra foi a adoção do princípio de precaução em relação às árvores transgênicas. Todos concordaram que não temos dados suficientes, não sabemos quais são os impactos e potenciais destrutivos sobre os ecossistemas florestais mundiais.”

Ângela Cordeiro, do Centro Ecológico – Assessoria e Formação em Agricultura Ecológica
“Não sei se é muito pessimista, mas a minha avaliação é de que temos uma série de derrotas consolidadas. Acho que os textos aprovados são versões enfraquecidas das propostas iniciais. Prevaleceram as propostas de eliminar qualquer coisa que envolvesse incentivo para a biodiversidade local e participação das comunidades locais, não só nas discussões especificas de 8j e ABS, mas em outros temas. Essa foi uma prática do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia. Acho que isso reflete um despreparo, uma incapacidade e falta de coordenação de outras delegações, inclusive a do Brasil. Acho que a decisão a respeito das árvores transgênicas ficou ruim. Temos também algumas outras derrotas adiadas, como é o caso do Terminator, uma vez que a gente nunca sabe o que vem na próxima COP. O que a gente tem ouvido dos povos indígenas eles também estão bastante frustrados.”

Marcos Terena, do Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade
“A participação dos povos indígenas no Brasil aqui na COP-8 foi importante para mostrar que a megabiodiversidade do Brasil envolve também uma sociobiodiversidade. Em relação às discussões e decisões, em todo processo da ONU não podemos falar como agentes principais, quem fala por nós sãos os Estados. Além disso, os acordos são definidos nas plenárias oficiais, onde nós não podemos participar.”

Michael Schmdleher, da Amazonlink.org
“Esse é um processo muito, muito lento. O que é um problema, uma vez que a adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios é uma questão urgente. E, nesse ritmo, a gente vê vai demorar muito para sair. Outra notícia preocupante é a que diz respeito da intenção dos Estados Unidos de diminuir em 50% as contribuições para o Fundo Mundial para o Meio Ambiente. A gente percebe que a CDB e

stá um pouco afastada da realidade. As decisões tomadas aqui não têm tanta validade, pois, muitas vezes, outras práticas e outros acordos internacionais, como os da OMC, prevalecem. Além disso, a gente está vendo que a mídia nacional e internacional deu pouca atenção à conferência.”

Edna Marajoara, da Cooperativa Ecológica das Mulheres Extrativistas do Marajó
“Nós participamos de todo o processo e durante as decisões sobre acesso e repartição de benefícios as discussões foram feitas em inglês, sem tradução, e a gente não tinha como acompanhar. Acho que o governo brasileiro deveria prover um intérprete para acompanhar as comunidades tradicionais. Em relação às decisões, nós temos uma proposta de regime internacional de acesso a repartição de benefícios que vai começar a ser discutida daqui a quatro anos. Isso até parece a questão dos transgênicos. Daqui a alguns anos os nossos conhecimentos tradicionais terão sidos todos violados. E aí, eles vão proteger o quê?”

José Naim Perez, Machupe, Chile, do Fórum Internacional Indígena sobre Biodiversidade
“Eles nos deixam com um sabor amargo em nossas bocas. Não houve nenhum avanço em relação às questões dos povos indígenas. Eles não querem se comprometer com os direitos indígenas. Eles não querem entender que o acesso à biodiversidade e aos recursos genéticos muitas vezes afeta diretamente os povos indígenas. E se eles não estabelecerem um mecanismo sobre acesso e repartição de benefícios vai ser muito complicado, porque nós não vamos permitir que eles se apropriem dos nossos últimos recursos e de nossos conhecimentos.”

Reunião de Curitiba sobre biodiversidade termina em fracasso

O Greenpeace decretou o completo fracasso da última reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que termina hoje, em Curitiba. Os países membros que participaram da 8ª Reunião das Partes (COP 8) da convenção perderam a oportunidade, durante duas semanas de negociações, de costurar algum acordo real que pudesse brecar a perda global da biodiversidade e da vida nas florestas e oceanos do planeta.

“A CDB é como um navio no meio do oceano, sem capitão”, afirmou Martin Kaiser, assessor do Greenpeace Internacional para Florestas. “As negociações tiveram um resultado pífio na adoção de medidas que colocassem um fim à biopirataria e a práticas ilegais e destrutivas de extração madeireira ou exploração marinha. Também não se chegou a nenhum resultado sobre financiamento a áreas de proteção marinhas ou terrestres”, concluiu.

Apesar de a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, presidente da COP 8, ter convocado os participantes no início da reunião a aderir a um acordo contra a biopirataria, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá bloquearam qualquer avanço no processo, se negando até mesmo a aceitar um prazo para as negociações. “Isso simplesmente dá mais tempo às indústrias de biotecnologia e farmacêutica de assegurar patentes de seres vivos sob o regime da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, disse Kaiser.

No começo da COP 8, o Greenpeace apresentou um detalhado estudo que alertava para a necessidade urgente da criação de uma rede de proteção das últimas florestas preservadas e de áreas marinhas internacionais. No entanto, os governos não deram ouvidos ao chamado, mas o que se viu foi um verdadeiro retrocesso. Na CDB passada, em 2004, na Malásia, os membros tinham acordado sobre a necessidade de uma rede global de áreas protegidas, e os países ricos prometeram dinheiro para a implementação dessa rede.“Tanto os países ricos quanto os países pobres quebraram a promessa, e a rede global de proteção não saiu da retórica” disse Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace. “Ao invés disso, os governos colocam a natureza em risco ao tratar a biodiversidade como uma commodity”, afirmou.

A proteção dos oceanos também não avançou. “Em relação aos oceanos, a moratória sobre a prática altamente destrutiva de pesca de arrasto em alto mar foi bloqueada por alguns países com atividade pesqueira, que priorizaram seus interesses comerciais em detrimento da proteção da biodiversidade marinha”, disse Karen Sack, assessora política do Greenpeace Internacional para Oceanos.

Há quatro anos, os líderes mundiais comprometeram-se a acabar com a perda da biodiversidade até 2010, mas até hoje não foi dado dinheiro para impedir que os países pobres continuem a explorar de forma insustentável sua biodiversidade. “O Brasil, como anfitrião da conferência, fracassou em impor uma agenda que criasse novos mecanismos de financiamento para a biodiversidade”, disse Kaiser.

Enquanto as negociações sobre proteção da biodiversidade não avançaram na COP 8, a cidade de Porto Alegre tornou-se mais uma cidade amiga da Amazônia. O prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PPS-RS), assinou hoje termo de compromisso com o programa Cidade Amiga da Amazônia, do Greenpeace, em solenidade realizada à bordo do navio MY Arctic Sunrise, da entidade ambientalista, que está na capital gaúcha para mobilizar a população em defesa da floresta. O objetivo do Cidade Amiga da Amazônia é incentivar prefeituras brasileiras a adotarem leis que evitem o consumo de madeira nativa de origem criminosa nas compras e licitações públicas.

Professor da UFMG vê riscos para a floresta amazônica

O desflorestamento permanece sem controle e seis das maiores bacias hidrográficas da Amazônia perderão, pelo menos, dois terços da sua cobertura florestal. Com isso, 382 espécies de mamíferos perderão o habitat. A informação foi divulgada na revista científica Nature e é fruto do desenvolvimento de um programa de informática por instituições de pesquisa brasileiras e norte-americanas.

"O que motivou a gente a desenvolver esse projeto é exatamente analisar as possíveis conseqüências do que está acontecendo com a Amazônia e usar esse resultado como um alarme para alertar que, se continuar desse jeito, vai ser um desastre com trágicas conseqüências para o meio ambiente", afirmou Britaldo Soares Filho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

Ele disse que o programa vem sendo desenvolvido desde 1998 e apresenta, além da situação atual e do que pode acontecer, alternativas para solucionar a questão. Afirmou que o problema do Brasil é a falta de recursos. O dinheiro para investir na floresta pode sair dela própria ou por meio do Protocolo de Kioto, frisou.

"Ele estabelece redução de emissões carbônicas que estão indo para atmosfera. Se esse cenário pessimista predominar, haverá uma emissão de 32 bilhões de carbono para a atmosfera, até 2050. Se o Brasil negociasse o protocolo para evitar o desmatamento, creditando recursos da compensação, se reduziria a emissão de carbono e investiria os recursos na preservação da Amazônia", afirmou.

Está previsto no Protocolo de Kioto o Mecanismo de Desenvolvimento Livre (MDL), por meio do qual países em desenvolvimento podem converter a redução da emissão de gás carbônico em créditos que podem ser vendidos aos países industrializados. Britaldo deu entrevista ao Programa Revista Brasil, da Rádio Nacional AM.

Tradições e Modernidade

A edição 2006 da Bienal Internacional de Artes Visuais e Fotografia de Liége, Bélgica, teve como foco a diversidade cultural e o contraste da riqueza étnica do Brasil num mundo cada vez mais globalizado. Entre 18 de fevereiro e 31 de março, os visitantes caminhavam por galerias de fotos, vídeos e instalações que ilustravam um pouco do mosaico cultural brasileiro, com foco especial para os 220 povos indígenas do país e sua biodiversidade. Entre os artistas, estavam nomes consagrados como Cláudia Andujar, Ana Bella Geiger e outros. O Rota Brasil Oeste participou do evento a convite da curadora da exposição “Tradições e Modernidade”, a artista plástica Babi Avelino.

Em sua quinta edição, a Bienal levou um panorama visual completo com mais de dez exposições espalhadas por museus e centros culturais da cidade que tentavam mostrar ao público local um pouco da realidade de um país tão diferente da Bélgica. Com um território de 30mil km2 e apenas 6 milhões de habitantes, 97% deles vivendo em áreas urbanas, as diferenças entre os dois países são enormes. O desafio da Bienal foi este: aproximar dois mundos tão distantes por meio da arte.

Liege_Fernando_Zarur.jpgMontada no Centro Cultural Lês Chiroux, a exposição “Tradições e Modernidade” teve como objetivo destacar a pungente diversidade étnica e o conhecimento das populações indígenas brasileiras levantando as seguintes questões: O que significa ser índio no mundo de hoje? Como as comunidades indígenas vêem a si próprios? Qual sua mensagem e o que podemos aprender com eles?

Considerada um sucesso de público, com uma média de 50 visitas por dia, a exposição foi composta por diferentes módulos. O Rota Brasil Oeste participou, ao lado de outros fotógrafos, de uma instalação com projeção de fotos de Bruno Radicchi, Fábio Pili e Fernando Zarur. A sala, uma das mais visitadas, foi ambientada com música Ava-ara e decorada almofadas para a comodidade do público.

Em entrevista ao Rota Brasil Oeste, Babi Avelino, curadora de “Tradições e Modernidade”,  explica detalhes do evento e qual a importância da questão indígena no contexto cultural europeu atual. Acompanhe:

Porque a escolha do Brasil como tema da Quinta Bienal Internacional de Artes Visuais e Fotografia de Liége?

A direção da Bienal queria homenagear o Brasil, o gigante de contrastes. Um país tão diferente da Bélgica, para talvez assim, dar informações autênticas do que compõem o nosso país. Pois aqui na Europa, para a grande maioria, o Brasil é conhecido só pelos estereótipos. Seria também a oportunidade de apresentar na Europa uma seleção inédita da fotografia e da arte visual brasileira contemporânea que é muito pouco conhecida por aqui.

Como tive a oportunidade de apresentar meu projeto "Tradições e Modernidade" composto por uma exposição coletiva e quatro dias de atividades, pude contar com o apoio do Centro Cultural da cidade para realizar projeto dentro da Bienal. A importância de mostrar o tamanho e a qualidade da diversidade cultural do Brasil através da arte e poder sensibilizar vários tipos de público, várias camadas da sociedade.

Qual a relevância de destacar a questão indígena entre tantas outras?

Liege_Fabio_Pili.jpgNo fundo, eu acho que deveríamos abordar a questão indígena em qualquer evento, mesmo em eventos comerciais ou industriais. Ou principalmente nestes. A questão indígena diz respeito a todos nós, pois é a questão da terra, da biodiversidade, da diversidade cultural, da aceitação do outro. Da adaptação ao mundo que está em constante mudança. Esta ligada à preservação das fontes de vida como a água potável, a floresta, as tradições. É o questionamento da origem, é o passado, o presente. E, mesmo se muita gente dúvida, é o futuro do planeta.

Além disso, podemos abordar as dificuldades vividas pelos povos indígenas, mostrar trabalhos de artistas renomados e dos menos conhecidos sobre estes povos, trazer trabalhos de indígenas para provar que não existe indígena "aculturado" e que mesmo se eles usam ferramentas criadas pela sociedade dominante, eles conseguem reinventar a própria cultura para não perder suas tradições. É também a colaboração entre associações e ONGs belgas e brasileiras. É uma mobilização importante para não se esquecer que o planeta sofre e com ele seus habitantes. É questionamento e militância.

Qual tem sido a reação do público estrangeiro em relação ao Brasil e, em especial, nossos índios?

Como disse antes os europeus tem uma visão bem reduzida do Brasil, eles acham que só existem super ricos e os super pobres. Para eles tudo se resume em futebol, carnaval e meninas. E para muitos os indígenas estão na Floresta Amazônica.

Quando eu falo que há mais de 220 povos diferentes com 180 línguas diferentes, eles não acreditam. Conversando com algumas crianças durante as atividades, percebi que realmente se estranha o que não se conhece. E acho que somente pelo fato das crianças belgas verem fotos de indígenas e verem que mesmo com pintura no corpo, brinco de madeira na orelha e cocar na cabeça, eles também usam roupas, ou guarda-chuva, isso mostra que eles não são tão estranhos assim. Eles devem conhecer para poder respeitar no futuro. Durante a Mostra de vídeo de autores indígenas, muitos adultos saiam sensibilizados e alguns admirados de terem visto filmes realizados por autores indígenas, ver a coisa verdadeira.

Por que o Rota Brasil Oeste foi escolhidos para compor a exposição?

Escolhi o trabalho do Rota Brasil Oeste, primeiro por que ele "re-escreve" uma expedição (Roncador-Xingu) muito importante para os povos indígenas e para o Brasil. Também por que as imagens realizadas mostram de uma forma sincera e poética o cotidiano numa parte do Xingu. Além disso, queria apoiar de alguma forma o projeto que eu acho deve continuar para termos uma documentação autêntica e verdadeira do que acontece dentro das aldeias indígenas depois da criação do Parque.  

Sementes “suicidas” continuam sob moratória da CDB

Continuam sob moratória em todo o mundo a pesquisa de campo e a comercialização das sementes conhecidas como “suicidas” ou Terminator, modificadas por tecnologia genética de restrição de uso (GURT, na sigla em inglês) para gerar plantas estéries, incapazes de produzir novas sementes. A manutenção da medida foi confirmada na sexta-feira, dia 24 de março, durante as discussões sobre biodiversidade agrícola na 8a Conferência das Partes (COP 8) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece até o próximo dia 31, em Curitiba (PR).

Logo no início da manhã, o presidente do Grupo de Trabalho (GT) que debatia o tema, o irlandês Mathew Job, propôs a retirada do item 2(b) das recomendações feitas durante a reunião preparatória à COP realizada em Granada, na Espanha, entre janeiro e fevereiro deste ano. O item abria a possibilidade de países autorizarem, mediante análise “caso a caso”, experiências com sementes suicidas, o que representaria uma quebra da moratória contida na Decisão V/5, tomada na COP 5, em 2000. Como não houve nenhuma objeção dos cerca de 15 delegados presentes à plenária, Job considerou a proposta aprovada e deu o assunto por encerrado. E mais: sugeriu e aprovou uma emenda à redação original que estende a moratória a qualquer pesquisa com GURTs, inclusive em laboratório. Segundo uma fonte da delegação brasileira, a deliberação foi fruto de um acordo fechado no dia anterior entre representantes de países contrários e favoráveis à moratória. Os termos da negociação ainda não são conhecidos.

O texto aprovado não pode ser considerado definitivo porque precisa ainda ser ratificado pela plenária da COP 8. A expectativa é de que a proposta seja mantida uma vez que o costume nas COPs tem sido não alterar as redações vindas dos GTs. É bom lembrar, no entanto, que a discussão do tema pode ser reaberta não apenas nesta COP, mas também nas próximas e em outros fóruns da CDB (reuniões preparatórias e de grupos técnicos).

A manutenção da moratória foi fruto da pressão e de manifestações constantes de organizações do movimento social de luta pela reforma agrária – como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a Via Campesina – nas plenárias e do lado de fora do Expotrade, centro de convenções onde está ocorrendo a COP 8. O uso de sementes transgênicas vem ampliando a dependência econômica de pequenos e médios produtores rurais e o monopólio do mercado agrícola por empresas multinacionais de sementes. Plantações desenvolvidas com a tecnologia Terminator, por sua vez, podem contaminar e erodir geneticamente (diminuir a variabilidade genética) variedades locais de espécies agrícolas manejadas por populações locais. As sementes manipuladas, portanto, representam uma ameaça à soberania alimentar das comunidades que dependem da agricultura familiar e de subsistência.

Atuação discreta

Apesar da boa acolhida da notícia sobre a deliberação do GT, a atuação discreta da delegação brasileira nos debates sobre o tema voltou a ser criticada por várias organizações da sociedade civil. Elas argumentam que o Brasil deveria posicionar-se de forma mais contundente contra as GURTs já que é o país anfitrião da COP 8, dono da maior biodiversidade do planeta e com uma legislação nacional que já proíbe a tecnologia Terminator e é mais restritiva que a própria CDB.

A defesa da retirada do texto dos itens que liberavam as pesquisas com as sementes suicidas de acordo com o princípio do caso-a-caso ficou a cargo dos delegados da Argentina, Venezuela e Malásia. Enquanto isso, representantes da Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos defenderam a manutenção da redação original. Nos últimos anos, delegados australianos e neozelandeses vêm posicionando-se sob clara influência do governo estadunidesense, que não ratificou nem faz parte da CDB, mas tem direito à voz em suas instâncias de decisão.

“Acho que a posição do Brasil não foi clara e explícita. O país poderia assumir a liderança internacional na luta contra as GURTs, mas perdeu a oportunidade”, argumenta Maria Rita Reis, assessora jurídica da organização Terra de Direitos. Ela avalia que, mais uma vez, divergências entre os vários ministérios envolvidos com o tema foram responsáveis pela ambiguidade da atuação brasileira. A advogada lembra que os ministérios da Agricultura (MAPA) e de Ciência e Tecnologia (MCT) defenderam publicamente a adoção da análise de caso a caso para a liberação de pesquisas de campo com GURTs.

Maria Rita Reis ataca ainda o poderoso lobby da indústria da biotecnologia e do agronegócio tanto na COP8 quanto na 3a Reunião das Partes (MOP 3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (que trata dos transgênicos), ocorrida de 13 a 17 de março, também em Curitiba. Ela explica que nesses dois fóruns internacionais apenas os delegados dos governos podem posicionar-se nas plenárias em nome de seus países, mas vários deles, inclusive o Brasil, convidam um número excessivo de representantes do setor privado para integrar suas delegações, o que lhes permite influenciar diretamente os negociadores oficiais em defesa dos interesses das grandes corporações multinacionais. “Diferente do que acontece na maioria dos tratados internacionais, nas conferências ambientais deveriam prevalecer os interesses do meio ambiente e das populações. Isso não vem acontecendo”.

"As sementes Terminator foram feitas para nos escravizar” , diz líder indígena

Na manhã de ontem, dia 23 de março, quinta-feira, um senhor colombiano chamado Lorenzo Muellas Hurtado pediu a palavra no Grupo de Trabalho (GT) sobre diversidade agrícola que está discutindo o tema das tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTS, na sigla em inglês) na 8ª Conferência das Partes (COP-8) sobre a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece em Curitiba (PR), até o próximo dia 31. Ele fez um discurso contundente contra o uso das sementes modificadas geneticamente, denominadas Terminator, que geram plantas estéreis, incapazes de produzir novas sementes, mas são mais resistentes a mudanças climáticas e a certos tipos de herbicidas. As pesquisas com este tipo de tecnologia estão proibidas atualmente, mas o poderoso lobby das empresas multinacionais de tecnologia, como a Monsanto, tenta liberá-las na CDB. O assunto é considerado um dos mais polêmicos da COP-8.

Hurtado qualificou as Terminator não só como “sementes assassinas”, mas também como “genocidas”. Organizações da sociedade civil, o movimento social e vários pesquisadores temem que plantações desenvolvidas com este tipo de manipulação genética possam contaminar e, em consequência, extinguir variedades locais e tradicionais de algumas espécies agrícolas. Além disso, o uso dos GURTS também pode vir a consolidar o monopólio das grandes empresas multinacionais de transgênicos e a dependência financeira dos pequenos e médios produtores rurais.

Hurtado: "A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia."

Pertencente ao povo Guambiano, Hurtado, 68 anos, mal aprendeu a ler e a escrever, mas já foi governador, senador e deputado constituinte de seu país. Ele concedeu uma entrevista ao ISA logo depois de fazer seu discurso no GT de biodiversidade agrícola. Nela, fala sobre os GURTS, a CDB e sobre o regime de acesso aos recursos genéticos, que está sendo negociado na Convenção e pretende estabelecer regras internacionais para regular as relações entre os países provedores e os usuários dos recursos genéticos.

Por que o Sr. é contra as pesquisas com os GURTS?

Lorenzo Muellas Hurtado – Essas sementes foram feitas para nos escravizar. O tipo de tecnologia dos GURTS foi desenvolvido para nos obrigar a comprar mais e mais sementes de seus fornecedores. Por outro lado, as Terminator também ameaçam nossa identidade cultural. Para nós, Guambianos, as sementes não servem apenas para o nosso sustento, para nossa alimentação e para o nosso vestir. Elas têm papel importante na comunicação com nossos antepassados e com o mundo espiritual. Tem um valor simbólico importante, como oferenda para os espíritos que estão no alto das montanhas e nos lagos.

Mas você não acha que as sementes geneticamente modificadas podem significar uma boa alternativa econômica, se as variedades tradicionais forem preservadas também?

Nossas sementes já estão suficientemente testadas por milhares de anos de inovações e experiências. Se quiserem considerar a questão apenas do ponto de vista econômico, posso garantir que nossas sementes são muito boas e resistentes. Mas este tipo de visão é para capitalistas e nossas sementes não podem ser reduzidas apenas a um bem econômico.

Qual a sua expectativa em relação às negociações da COP-8?

A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia. Essas negociações nos causam preocupação e temor, nos incomodam. Creio que as determinações tomadas na Convenção não servem para proteger e garantir os direitos das populações indígenas. Não esperamos nada de bom da COP. Aqui, estão cegos, surdos e mudos para nossos problemas e nossos direitos.

Qual a solução, então, para proteger os recursos biológicos e os conhecimentos associados à biodiversidade das populações tradicionais?

A solução é articularmos uma mobilização massiva dos povos indígenas, uma grande organização em nível internacional que possa levar adiante a nossa luta.

Como o Sr. avalia a atuação do Fórum Internacional Indígena para a Biodiversidade (FIIB), órgão auxiliar oficial do secretariado da CDB?

Não acho que o FIIB está tendo uma atuação correta. Eles trabalham na perspectiva de que a CDB vai conseguir implementar mecanismos para uma repartição justa e equitativa dos benefícios. Não acho que isso vá acontecer.

O Sr. acha que os delegados indígenas deveriam retirar-se da COP-8? Isso poderia ser uma arma política eficiente?

Alguns indígenas acreditam nessa repartição justa e eqüitativa de benefícios. Eles estão pensando em dinheiro. Estes nem deveriam estar aqui. Os representantes dos povos indígenas deveriam estar lutando contra a venda de seus recursos. Nossa luta é em defesa de nossa dignidade. Estamos na América há milhares de anos lutando por ela.

O Sr. não acredita ser possível instituir um sistema internacional de repartição justa dos benefícios da biodiversidade?

Os colonizadores da América foram responsáveis pelo saque do continente. Eles nos fizeram pobres, não porque fôssemos pobres. Hoje, as grandes multinacionais querem nos levar os últimos recursos. Nunca vão querer dividir de forma justa, mas vão querer arrancar de nós o máximo, nossas águas, nossas terras, nossos recursos biológicos e até o nosso sangue. Isso foi tudo o que os nossos antepassados nos deixaram e é aquilo que devemos deixar para os nossos descendentes. Este é o nosso legado.

O Sr. acha que os recursos e os conhecimentos dos povos indígenas podem ser comercializados?

Nossa luta tem de ser para mantê-los em seus sítios originais. Nossos sábios sabem que não somos os donos de nossas terras e de nossos recursos: somos seus administradores. E os deuses nos orientam como usá-los. Também precisamos sempre presenteá-los com o fruto dessas terras e desses recursos. Assim eles continuarão nos abençoando.

Qual seria a alternativa a um regime internacional de acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios?

Temos duas culturas: a ocidental e a nossa cultura tradicional. Concordamos que deve haver trocas entre elas. A cultura tradicional também desenvolve ciência e deve ser usada pela ciência ocidental para desenvolver tecnologia. Mas isso não deve acontecer a serviço das grandes empresas multinacionais de biotecnologia. Isso deve ser feito com cuidado, com zelo e envolvendo pessoas honestas, pessoas dignas, e não mentirosos. Nós mesmos, povos indígenas, temos nos apropriado da tecnologia ocidental para nosso proveito: estamos usando os computadores e o correio eletrônico para nos organizarmos, por exemplo. Isso é uma coisa positiva.

Em linhas gerais, como é a legislação colombiana sobre o assunto? Os povos indígenas colombianos estão satisfeitos com ela?

A Colômbia ratificou a CDB. A Constituição colombiana reproduz vários dos dispositivos da Convenção. A CDB é muito ampla: trata desde microorganismos até o material colido de seres humanos, como sangue. Não estamos satisfeitos com isso. Temos denunciado as conseqüências disso, porque a legislação liberalizou o acesso aos nossos recursos e conhecimentos. Um pesquisador com a lei na mão tem acesso liberado aos nossos territórios e aos nossos recursos. Somos contra este livre acesso para a bioprospecção (pesquisa biológica com fins comerciais). Eles virão de qualquer jeito, até à força, e queremos tentar impedir isso.

Existem muitos casos de roubo de conhecimentos e recursos dos povos indígenas na Colômbia?

Em 1992, logo nos 500 anos da chegada dos colonizadores, por exemplo, pesquisadores colombianos vieram até mui

tas aldeias afirmando que iriam curar ou pesquisar problemas de saúde. Retiraram o sangue de várias pessoas afirmando que iriam fazer análises para curar essas doenças. Quando nos demos conta, o material já estava em laboratórios de genética dos Estados Unidos. Quando era senador, lutei para repatriar o material, mas até hoje não conseguimos fazê-lo.