Estudo mostra mortalidade maior entre crianças indígenas que entre velhos

O estudo Saúde Brasil 2005, do Ministério da Saúde, revela que a mortalidade indígena entre as crianças é maior do que entre os índios com mais de 70 anos. Mais de 30% das mortes de índios registradas em 2003 ocorreram entre menores de cinco anos (659 óbitos), enquanto 27,5% do total verificou-se entre as pessoas com mais de 70 anos.

Segundo o estudo, o segmento indígena é o único em que esse fenômeno ocorre. Em todos os outros (brancos, pretos, pardos e amarelos), a proporção de mortes é maior entre os mais velhos. Entre a população branca, por exemplo, metade das mortes registradas em 2003 ocorreu entre idosos e de cada 100 mortos apenas 5,1 eram menores de cinco anos. O estudo destaca que a mortalidade entre os índios com idade até 5 anos "suscita urgência de desenvolvimento de ações, programas e políticas de saúde direcionadas a esta população".

O diretor do Departamento de Saúde Indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), José Maria de França, disse que as ações de atendimento básico estão contribuindo para reverter esse quadro. "Se continuarmos o trabalho na condição em que nós estamos fazendo, se os indicadores continuarem assim [reduzindo-se], com pouco tempo, vamos ter uma mortalidade muito baixa", afirmou.

A mortalidade na população indígena como um todo é mais grave na Região Norte, com 1,4% de todos os óbitos registrados em 2003, seguida do Centro-Oeste, 0,9%. No Norte, a mortalidade entre as crianças com menos de um ano de idade é 2,7 vezes maior do que entre todas as crianças dessa faixa etária na região. Os dados usados no estudo levam em consideração tanto a população indígena que vive nas aldeias, cerca de 438 mil pessoas, quanto a das áreas urbanas, 332 mil.

Outro levantamento, feito pela Funasa, que leva em consideração apenas os índios das aldeias, registra significativa queda na mortalidade infantil nos últimos anos. Em 2000, foram 74,6 mortes entre crianças para cada 1.000 nascidos vivos contra 47,7 mortos para cada 1.000, em 2004. No ano passado, com 68% dos dados consolidados, o registro é de 28,5 para cada 1.000.

Perda de diversidade biológica está cem vezes mais rápida que o ritmo natural

A perda da variedade de vida na Terra, nos últimos 50 anos, atingiu uma taxa cem vezes maior que a perda de diversidade biológica que ocorre naturalmente ao longo do tempo. Essa é a conclusão preliminar de um estudo realizado por mais de 1,3 mil pesquisadores de 95 países e encomendado pelo secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). A pesquisa deverá servir como referência para os países que concordaram em reduzir as taxas de perda de biodiversidade até 2010.

O cumprimento de metas como essa e outros temas serão discutidos, em março, em Curitiba em dois encontros relativos à Convenção, a 8ª Reunião da Conferência das Partes da CDB e a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena de Biossegurança. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, recebeu hoje (17) o secretário-executivo da Convenção, o argelino Ahmed Djoghlaf, para tratar dos preparativos das duas reuniões.

Documento que nasceu a partir da preocupação com as conseqüências da perda de biodiversidade, a Convenção entrou em vigor em 2003 e hoje tem a adesão de 188 países. O Protocolo de Cartagena é o tratado internacional que regulamenta o trânsito de organismos vivos modificados no mundo e foi adotado pela conferência das partes da CDB em 2002 para proteger o meio ambiente e a saúde humana dos possíveis danos que o transporte de transgênicos entre os países pode acarretar.

Mais de cem ministros de Meio Ambiente confirmaram presença na 8ª Reunião das Partes, que vai de 20 a 31 de março. A reunião do Protocolo de Biossegurança vai de 13 a 17 do mesmo mês. Segundo a ministra, um dos pontos em discussão com o secretariado da CDB é o convite de chefes de estado, para fortalecer o papel político da conferência. "Ainda é uma possibilidade. Afinal, os ministros são a representação política dos países, mas a presença de chefes de estado poderia reforçar a importância do encontro", explicou Marina Silva.

Brasil será sede da Convenção sobre a Diversidade Biológica neste ano e em 2007

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou hoje (17) a liderança brasileira no processo de implementação da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), não só porque o país será sede dos dois encontros relacionados ao tema 13 anos depois da Conferência sobre o Meio Ambiente (Rio-92) – quando a Convenção foi aberta para assinaturas –, mas também porque presidirá a Convenção até 2007.

Curitiba sediará a 8ª Conferência das Partes da CDB e a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena de Biossegurança – documento adotado pela conferência em 2000 para criar regras de trânsito de organismos vivos modificados, entre os países.

"É um processo complexo. Boa parte das economias dos países em desenvolvimento depende da sua biodiversidade. E os países que se desenvolveram chegaram a esse patamar à custa de uma perda muito grande de biodiversidade. Posso dizer que esse é o desafio do nosso século. É por isso que a discussão sobre meio ambiente não está separada das discussões de caráter econômico, social, cultural e, principalmente, civilizatório", disse a ministra.

Marina Silva lembrou ainda que o Brasil encabeça a lista dos 17 países megadiversos, ou seja, dos que ainda têm uma enorme fonte de recursos naturais, como plantas, animais e microorganismos. "O Brasil é o número 1 dos países megadiversos e tem um plano ousado de conservação e de uso sustentável da sua biodiversidade", disse a ministra, referindo-se às iniciativas brasileiras adotadas no sentido de cumprir metas definidas pela CDB.

O diretor da Divisão de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, Hadil Vianna, enfatizou que a 8ª Conferência das Partes terá o papel de garantir o cumprimento dos três objetivos básicos da Convenção da Biodiversidade. A repartição eqüitativa e justa dos benefícios resultantes da exploração dos recursos genéticos foi um dos objetivos incluídos na Convenção por sugestão brasileira, de acordo com o diplomata. "Não se pode reduzir a implementação da convenção à proteção da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais. Para concretizá-la é fundamental que haja harmonização dos três objetivos", afirmou.

A repartição dos benefícios significa, em poucas palavras, dar em troca uma compensação monetária ou tecnológica às populações tradicionais que detêm conhecimento sobre uso de plantas e animais, como fonte de medicamentos e outros produtos, bem como para os países de onde vêm as riquezas naturais que dão origem a esses produtos e processos tecnológicos.

Governo e ambientalistas procuram soluções para os problemas da soja

A concessão da "certificação voluntária ambiental", pelos ambientalistas, e do adicional sobre o crédito rural ao produtor que respeitar a legislação ambiental, por parte do governo, são duas propostas para diminuir os impactos da monocultura da soja. As duas medidas são analisadas no especial que a Rádio Nacional transmite hoje dentro da série "Soja-um grande negócio" e são completadas pela preocupação dos produtores rurais com o aumento de custos que elas representam para o setor.

A "certificação voluntária ambiental" foi proposta pela Articulação Soja-Brasil, formada por mais de 50 organizações não-governamentais e grupos ambientalistas com base na Europa e na Ásia, que pressionam os grandes compradores da soja brasileira a só fazerem negócios com produtores que comprovem a efetiva proteção do meio ambiente. O cientista Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia, elogia a medida e aconselha a sua atuação também sobre "os critérios dos bancos que capitalizam essas empresas de commodities como a soja".

O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Carlos Speroto, lastima este tipo de defesa que, segundo ele, parece ser "a favor dos interesses internacionais que não os do Brasil". Ele garante que, mesmo assim, os produtores irão vencer essas "barreiras".O secretário-geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, Fábio Trigueirinho, acha a proposta "bastante interessante" mas quer saber quem vai pagar os custos. Segundo ele, para dar certo só se o consumidor "pagar a conta".

Da parte do governo, a solução proposta é, a partir desta safra de soja, dar um incentivo de 15% sobre o crédito rural ao produtor que comprovar que negociou com os órgãos ambientais qualquer tipo de preservação ou mesmo recuperação do meio ambiente. A garantia foi dada pelo secretário de Política Agrícola e Pecuária do Ministério da Agricultura, Ivan Wedequin. O coordenador do grupo Articulação Soja-Brasil, Maurício Galínkin, não concorda: "Quem cumpre a lei não tem que ser premiado", afirmou.

Rio Grande do Sul é primeiro estado a ter mapa hidrogeológico

O governo do Rio Grande do Sul e o Ministério de Minas e Energia anunciaram hoje a conclusão do primeiro mapa hidrogeológico estadual do país. O trabalho foi realizado pelo Serviço Geológico do Brasil,com investimentos de R$ 1,45 milhão do ministério, por meio da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), e R$ 750 mil do governo do estado.

Segundo dados do governo do estado, o mapa levou dois anos para ficar pronto e identificou 7.692 poços tubulares na região costeira e na faixa de afloramento do Aqüífero Guarani. Essa reserva subterrânea de água é uma das maiores do mundo e abrange vários estados do centro-sul brasileiro, chegando até Paraguai, Argentina e Uruguai.

O novo mapa, segundo o governo gaúcho, permitirá a identificação e situação dos recursos hídricos subterrâneos em todas as regiões do estado, potencial ,quantidade qualidade das águas. O governo pretende realizar um plano diretor para definir a perfuração de novos poços artesianos, além de políticas específicas para as bacias hidrográficas da região.

O mapa está disponível na internet, nos sites www.sema.rs.gov.br e www.cprm.gov.br. O documento será entregue em versão impressa a órgãos públicos estaduais e municipais, universidades e comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas.

Articulação Soja Brasil exige responsabilidade social do produtor rural

O coordenador-geral da Articulação Soja-Brasil, formada por mais de 50 organizações não-governamentais e grupos ambientalistas, Maurício Galinkin, afirmou que "não há como negar os impactos negativos da monocultura da soja no Brasil, porque são mais do que evidentes". Segundo ele, a adoção da responsabilidade social por parte das empresas, na questão da soja, "ainda não está acontecendo no Brasil". Por isso, ele colocou em andamento, nesta safra, a proposta da "certificação ambiental voluntária" que envolve grandes compradores internacionais e produtores nacionais que comprovem o respeito à lelgislação, principalmente ambiental.

Galinkin acredita que a proposta, que já funciona no chamado "comércio justo" no caso da banana e do café dos países da América Central, pode apresentar resultados positivos logo de início, no caso da soja brasileira. Ele destaca que basta ser seguida, por exemplo, a exigência de plantar, a partir de agora, somente em terras abertas, sem a necessidade de novos desmatamentos. Ele garantiu que existem 50 milhões de hectares precisando ser reconvertidos à produção agrícola."Só nisto daria para colher 150 milhões de toneladas de grãos por ano" – completa.

O coordenador rebateu as críticas à "certificação ambiental voluntária" feita pelos produtores rurais no documentário "Soja-um grande negócio", transmitido pela Rádio Nacional, afirmando que se trata de um "critério privado". Para ele, tudo dependerá da "lei de mercado" mas espera que, com ela, "os produtores rurais que não andem corretamente, tenham a punição do deságio" na hora de vender o produto. Quanto ao aumento dos custos, ele afirmou que os produtores notarão, com o tempo, a mudança de comportamento dos grandes compradores internacionais de soja.

Para fiscalizar o cumprimento do acordo entre compradores e produtores, Galinkin, disse que primeiro confiará na "teia de controle social, formada por associações locais". O grupo se valerá inclusive de imagens de satélites que permitirão controlar se houve desmatamento numa determinada área e verificar se o responsável foi algum produtor que tenha assumido o compromisso de certificação ambiental voluntária.

Também são exigências para que o produtor possa apresentar a certificação ao comprador internacional da soja o uso de terra comprada ou arrendada legalmente e a contratação de empregados com carteira assinada, sem qualquer vestígio de trabalho escravo ou infantil. O objetivo seguinte, a ser cumprido em três anos, será a negociação de "salários justos", embora alguns produtores de soja já estejam dando prêmio de produtividade aos trabalhadores.

Diretor da Funasa diz que situação de índios guarani-kaiowá é "lamentável"

O diretor-executivo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Forte, avalia como "lamentável" a situação dos índios guarani-kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Despejados há um mês, os indígenas estão desabrigados, vivendo na beira da estrada – que liga as cidade de Antonio João e Bela Vista.

"A tarefa de demarcação de terras não é nossa, é da Funai. É lamentável que aqueles que foram nossos preceptores sejam jogados, despejados a beira de uma estrada, de forma desumana", afirma.

Segundo Forte, a função da Funasa, responsável por garantir a saúde indígena, seria a de fazer um acompanhamento preventivo. Mas, devido a situação em que se encontram as famílias, a fundação tem sua atuação limitada. "A gente tem procurado suprir a nossa tarefa institucional. Mas é claro que deixa muito a desejar", avalia.

De acordo com o diretor-executivo, a Funasa está fornecendo cestas básicas e água e deslocou uma equipe médica até o local. Após o despejo, uma criança indígena morreu e outras 15 estão em estado de desnutrição.

ISA faz balanço da Campanha ‘Y Ikatu Xingu em 2005

A campanha ‘Y Ikatu Xingu, que tem o objetivo principal de proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do rio Xingu no Mato Grosso, fechou o ano de 2005 com um balanço positivo de novas iniciativas em andamento, elaboração de estudos, realização de eventos, aprovação de projetos, divulgação da mobilização, articulações com atores locais e com o governo federal. Além de novas ações que deverão também ser iniciadas, o ano de 2006 abre perspectivas para a realização de mais pesquisas, promoção de cursos e a implementação de novas políticas ambientais para a região.

No início de dezembro, em Canarana (MT), começou o projeto Formação de Agentes Multiplicadores Socioambientais na Bacia do Xingu, que terá duração de um ano e é uma parceria entre o ISA e outras organizações locais para estimular e potencializar iniciativas e projetos socioambientais com o uso sustentável dos recursos agroflorestais no Cerrado (saiba mais). A intenção das organizações que compõem a campanha é ampliar programas de formação semelhantes para outras sub-regiões do Xingu no Mato Grosso.

A partir de negociações feitas com o governo federal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) realizou um estudo socioambiental sobre 26 assentamentos na região. O trabalho foi apresentado em um seminário realizado em Água Boa, cerca de 700 quilômetros a nordeste de Cuiabá, nos dias 21 e 22 de novembro. O evento serviu também para divulgar e atualizar as informações sobre a campanha, além de identificar as principais demandas da agricultura familiar na região e definir uma agenda de compromissos sobre o tema com o governo federal (confira).

Um encontro realizado em Sinop, no dia 21 de outubro, apresentou os resultados de um outro estudo articulado pela ‘Y Ikatu Xingu e patrocinado pelo Ministério das Cidades que constatou que a situação do saneamento em 14 cidades da Bacia do Xingu no Mato Grosso é bastante precária. Como resultado do evento, vários municípios deverão unir-se para colocar em prática políticas conjuntas para o setor.

O trabalho de assessoria a organizações locais e prefeituras feito pela campanha também começa a render os primeiros frutos. Ainda em outubro, o Programa de Alternativas ao Desmatamento e às Queimadas (PADEQ/PDA) aprovou o financiamento de R$ 1,8 milhão para seis projetos relacionados ao tema das matas ciliares e nascentes (leia mais). Dois projetos foram aprovados e dois foram recomendados em editais do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Um outro projeto também foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPQ) para trabalho educativo com foco nos recursos hídricos em escolas da bacia do Xingu.

Além disso, a partir de articulações com organizações do setor da grande produção agropecuária, a Embrapa vai realizar um conjunto de pesquisas e cursos apoiados pelo Fundo Setorial do Agronegócio na região de Querência. O trabalho deve estender-se até 2008 e vai envolver temas como planejamento e uso e ocupação do solo, qualidade de água, recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e integração lavoura-pecuária (veja notícia completa).

“Em 2006, existe a perspectiva concreta de começarmos a implantar uma rede de conservação socioambiental na bacia que terá a tarefa de articular, monitorar e qualificar novos projetos de proteção e recuperação de nascentes e matas ciliares”, conta Daniela Jorge de Paula, analista socioambiental do ISA, que é uma das organizações que integram a campanha ‘Y Ikatu Xingu. Ela informa ainda que, em 2006, serão feitas negociações e articulações com parlamentares, agências privadas de financiamento, governos estadual e federal para a implantação de ações e novos projetos em áreas como saneamento e alternativas à monocultura.

Omissão de frase em projeto permitiu o uso de cobaias humanas, diz pesquisadora da Fiocruz

Um erro na versão em português de um projeto de pesquisa sobre a malária teria permitido que populações ribeirinhas do Amapá fossem usadas, em 2003, como cobaias para serem picadas por mosquitos transmissores da doença.

O estudo foi financiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos ao custo de US$ 1 milhão e estava sendo coordenado pela Universidade da Flórida, em parceria com a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Segundo a pesquisadora da Fiocruz, Mércia Arruda, foi subtraída, na versão em português, uma frase que fazia menção exatamente ao uso de cobaias humanas em determinada fase da pesquisa, prática proibida no Brasil. "A pessoa que traduziu o documento de alguma forma omitiu a frase que falava sobre esse experimento e isso foi uma forma de o projeto ser aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)", informou.

O documento também foi autorizado pelos conselhos de ética da Fiocruz e da USP. "Os órgãos dos comitês de ética só lêem a versão em português e a versão em inglês só foi submetida à universidade norte-americana", acrescentou Mércia.

Mércia diz que a Fiocruz defende a investigação sobre possíveis manipulações. "Vamos estar sempre do lado das pessoas e dos órgãos que vão investigar essas denúncias para colocar o documento na maior transparência possível".

De acordo com a pesquisadora, o projeto teve início em maio de 2003 e terminaria em abril de 2006, se não tivesse sido interrompido por determinação da Conep. Ela explica que, quando começou, a experiência com cobaia humana foi realizada porque, naquele momento, participou dos trabalhos de campo o americano Robert Zimermman, que conhecia apenas a versão inglesa do projeto.

Junto com ele estava o pesquisador ligado ao governo do Amapá, Alan Kardec, que entrou substituindo o pesquisador holandês, Jacó Voorhano, responsável pela tradução. Mércia informa que foi Kardec quem alertou para o uso de cobaias humanas. "Alertada pelo pesquisador Kardec por telefone, a USP determinou que essa parte da experiência fosse suspensa imediatamente", afirmou.

População era paga para ser cobaia, diz senador

O senador Cristóvam Buarque (PDT-DF), que preside a Comissão de Direitos Humanos do Senado, disse ter ficado "horrorizado" com os relatos dos moradores das comunidades ribeirinhas de São Raimundo do Pirativa e São João do Matapim, no Amapá. Ele visitou a região para verificar as denúncias de Haroldo Franco, promotor do Ministério Público Estadual, de que os ribeirinhos estariam sendo utilizados como cobaias em pesquisas sobre malária.

Em entrevista à Agência Brasil, o senador disse que cerca de 40 pessoas, todos homens, disseram ter aceito participar dos estudos, recebendo, em troca, de R$ 12 a R$ 20 por dia. De acordo com Cristóvam, os ribeirinhos contaram que eram submetidos, diariamente, a picada de 100 mosquitos. O senador disse que alguns ribeirinhos ainda querem participar da pesquisa porque sentem falta do dinheiro que recebiam. "Confesso que não sei o que foi mais triste: ouvir as pessoas que disseram que foram submetidas a pegar a doença, ou aquele que diz que estava sentindo falta do dinheiro e estava descontente comigo porque tive um papel na suspensão da pesquisa", completou.

Cristóvam explicou que as pessoas tinham que capturar 25 mosquitos por vez e aprisioná-los em um copo. "Depois, eles colocavam o copo na perna para que os mosquitos ficassem chupando o sangue durante uma, duas, três horas, o tempo que fosse necessário para que os mosquitos ficassem tão saciados de sangue que caíssem", contou. "Não era receber uma picada, mas receber tantas picadas quanto fossem necessárias para que o mosquito se sentisse plenamente alimentado e aí, gordo de sangue, caísse", destacou Cristovam, acrescentando que os participantes passavam por esse processo até totalizar 100 mosquitos. Depois de saciados, os insetos eram entregues aos pesquisadores.

O senador contou que um dos ribeirinhos disse se sentir "torturado durante horas e horas enquanto os mosquitos ficavam picando. "Um deles não consegue mais trabalhar. Ele sofre de uma doença permanente fruto da malária que contraiu ao ser picado por mosquito durante as pesquisas", disse.

Cristovam afirmou ainda que, em uma das comunidades, cerca de 50% das pessoas contraíram malária. "A gente não pode garantir que contraíram desses mosquitos, mas eles disseram que há meses não tinham casos de malária na comunidade", destacou.

Pesquisa com cobaias humanas podem não estar restritas só ao Amapá

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que preside a Comissão de Direitos Humanos do Senado, acredita que as pesquisas sobre malária que supostamente envolveram cobaias humanas não tenham ocorrido apenas nas comunidades ribeirinhas São Raimundo do Pirativa e São João do Matapim, no Amapá. "Nada justificaria que só acontecesse no Amapá".

O projeto de pesquisa foi elaborado pela Universidade da Flórida, com financiamento de US$ 1 milhão do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. No Brasil, estava sendo coordenado pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Cristovam destacou que o documento foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) porque não estava previsto, no projeto, o uso de cobaias humanas. "Ele previa apenas a captura, que é quando o mosquito encosta na perna, mas é capturado antes de picar. É isso que estava no documento", disse. O lembrou destacou que, nesse caso, o ribeirinho seria usado como "isca". "Quando você usa a pessoa para atrair o mosquito e prendê-lo, a pessoa é uma isca. Mas quando você usa a pessoa para ser picada, ela vira cobaia".

O senador afirmou que não quer criar um "pânico" com relação a pesquisas de modo geral, já que elas são importantes para o desenvolvimento da ciência. "Se a gente descobrir uma vacina contra a malária é um serviço imenso. Não queremos criar uma fobia contra as pesquisas", disse, acrescentando que elas devem ser feitas de acordo com a lei.

Cristovam informou que vai convocar uma audiência pública no Congresso para discutir o assunto. "Se não tomarmos providências imediatas, corremos o risco de que outros grupos brasileiros continuem submetendo sua saúde em troca de R$ 10 a R$ 20", destacou. A audiência deve ocorrer na segunda quinzena de fevereiro ou na primeira semana de março.

Sobre a punição dos responsáveis pelas pesquisas envolvendo os ribeirinhos no Amapá, o senador afirmou que não existe, na legislação brasileira, um crime específico para enquadrá-los. "Não tem a ver diretamente com o fato dramático, ético, de usar pessoas como cobaias. Mas simplesmente como se fosse um ferimento leve a uma pessoa, induzir a pessoas ao erro, serão penalidades muito pequenas", informou.