MP que “interditou” 8,2 milhões de hectares no Pará para criação de UCs pode ser derrubada na Câmara

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) está trabalhando contra o tempo para impedir a derrubada na Câmara dos Deputados de um dos pilares do “Pacote Verde”, lançado em fevereiro pelo governo. Corre risco de ser rejeitada a Medida Provisória 239/05, que possibilitou a “interdição administrativa provisória” de 8,2 milhões de hectares ao longo da rodovia BR-163, no Pará, para permitir a realização de estudos visando a criação de Unidades de Conservação (UCs) na região. A iniciativa é considerada fundamental para conter o corte indiscriminado das árvores e a grilagem de terras em uma das áreas de maior conflito fundiário e desmatamento da Amazônia e é extensiva a todo o País. O relator da matéria, deputado Nicias Ribeiro (PSDB-PA), fez um parecer contrário à MP, que deverá ser votado em plenário na próxima terça ou quarta feira.

A ameaça de desaprovação do texto proposto pelo governo paira sobre o Palácio do Planalto pouco depois de ser anunciado, no último dia 18 de maio, o número alarmante de 26 mil quilômetros quadrados de florestas desmatadas na Amazônia, de agosto de 2003 a agosto de 2004. Trata-se do segundo maior índice da história, que só perde para os 29 mil quilômetros quadrados desmatados no período entre 1994 e 1995. O anúncio repercutiu negativamente na imprensa nacional e internacional e a taxa apresentada foi interpretada como uma séria derrota para a administração Lula.

Na última quarta-feira, dia 25 de maio, no MMA, a ministra Marina Silva esteve com Ribeiro e tentou convencê-lo a mudar o teor de seu relatório. Não chegaram a um acordo, mas as negociações prosseguirão até a véspera da votação. A assessoria do deputado deverá apresentar uma nova proposta ao ministério na segunda-feira, dia 30 de maio. O encontro com Marina aconteceu por exigência do parlamentar paraense, que se recusou a discutir o problema com representantes de escalão inferior. Também estavam presentes o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, e o deputado Luciano Zica (PT-SP), um dos principais negociadores do governo para o tema.

Na noite da terça-feira, dia 24, o governo havia fechado um acordo com Ribeiro ao aceitar modificar o texto da MP para deixar claro que, nos empreendimentos legalizados em áreas já alteradas (para agricultura, pecuária e garimpos), poderia ser feito o corte de vegetação em processo de regeneração, arbustos nativos daninhos ao pasto, por exemplo. No dia seguinte, o deputado voltou atrás e atacou de forma contundente a medida e o governo. “A MP dá ao presidente da República um poder discricionário, autoritário, ditatorial e imperial. Ela paralisa uma série de empresas e atividades econômicas como fazendas, garimpos e madeireiras, mesmo que elas estejam legalizadas”, afirmou Ribeiro à TV Câmara. Pouco depois, ele reuniu-se com a ministra Marina Silva.

Existe a suspeita de que o deputado Nicias voltou a endurecer o discurso por pressão de seu partido, o PSDB, e da bancada ruralista na Câmara, que estaria interessada em derrubar ou pelo menos flexibilizar ao máximo a MP. Cogitou-se, por exemplo, limitar o alcance da medida à Amazônia e a um período de tempo menor – o texto atual estipula um prazo de seis meses, que pode ser renovado por mais seis meses, para a realização dos estudos que poderão legitimar a criação das UCs. A oposição também propôs a retirada do regime de urgência constitucional do Projeto de Lei (PL) nº 4.776/05, que pretende regulamentar a gestão de florestas públicas e também poderá ser votado durante a semana.

Por outro lado, o PSDB estaria tentando desgastar o governo no maior número possível de frentes. O motivo seria a “guerra” que envolve a chamada CPI dos Correios, aprovada na quarta-feira, dia 25, e que poderá investigar denúncias de corrupção que pesam sobre o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), presidente de seu partido e um dos principais aliados do Palácio do Planalto.

“O ex-presidente FHC, do PSDB, editou medida muito mais drástica e impopular para os ruralistas, quando do lançamento dos dados recordes de desmatamento, entre 1994 e 1995, com o aumento da reserva legal de 50% para 80% na Amazônia”, lembra o advogado André Lima, do ISA. Ele conta que, depois disso, o governo tucano também conteve energicamente, em 2001, a pressão ruralista que tentou a rejeitar Medida Provisória que previa a alteração (MP nº 2166/01).

“Não há acordo em relação a tentar limitar o alcance da medida apenas à Amazônia ou retirar o pedido de urgência do PL nº 4.776 (da gestão de florestas públicas). Isso nós não vamos aceitar. Também não está em discussão a tentativa de diminuir os prazos”, garantiu João Paulo Capobianco, ao término da reunião. Ele confirma que a MP corre riscos, mas considera que é possível chegar a um consenso antes da votação. “O deputado Nicias concorda que é necessário manter a essência do texto, ou seja, nas áreas de floresta primária, a vegetação deve continuar intocada.”

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A MP e o Pacote Verde

Publicada em 18 de fevereiro deste ano, a MP 239 prevê o instrumento legal da “limitação administrativa provisória” que autorizou o governo a paralisar todas as atividades econômicas efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental em uma área de florestas primárias (ainda intocadas) de 8,2 milhões de hectares, no Pará, ao longo da BR-163. Em outras palavras, ficou proibido o corte raso de floresta no local. A intenção é de realizar estudos com vistas à criação de Unidades de Conservação na região. O território abrangido pela medida inclui terras nos municípios de Altamira, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso e Trairão, todos localizados no sudoeste do Pará.

A publicação da MP faz parte do chamado “Pacote Verde” apresentado pelo governo federal para tentar conter a violência, a grilagem de terras e o desmatamento em toda a Amazônia, sobretudo no Pará. O conjunto de medidas foi tomado em resposta ao assassinato da missionária Doroty Stang, no dia 12 de fevereiro, em Anapu (PA). A freira estadunidense foi morta a mando de fazendeiros por defender trabalhadores rurais e pequenos agricultores que disputam terras com latifundiários da região. Além da MP 239, o governo também criou 5,2 milhões de hectares de áreas protegidas, localizadas em vários estados da Amazônia e enviou ao Congresso o PL nº 4.776. (Para saber mais clique aqui).

Organizações da sociedade civil se mobilizam

Uma carta assinada por mais de 27 instituições, entre elas o ISA, já está circulando em Brasília e pela Internet pedindo a aprovação da MP nº 239 (confira a íntegra abaixo). Contando as organizações filiadas à Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), mais de 300 entidades estão apoiando a mobilização. A idéia é pressionar os parlamentares pela aprovação da medida. Os responsáveis pelo documento estão recomendando que todos aqueles interessados na questão enviem-no aos deputados por e-mail (veja lista abaixo).

“A eventual rejeição da MP nº 239 representará uma vergonha sem precedentes para a sociedade brasileira às vésperas da Conferência das Partes (COP) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que será sediada aqui no Brasil, no ano que vem”, constata André Lima. O advogado do ISA também avalia que o Congresso Nacional não aprovou nada de relevância estratégica e de dimensão nacional para a proteção da biodiversidade durante o mandato atual. “Esta legislatura poderá entrar para a história como uma das piores dos últimos 20 anos em matéria socioambiental, infelizmente”.

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Parecer sobre projeto que regulamenta gestão de florestas deve ser votado hoje na Câmara

Brasília – O parecer sobre o projeto de lei que regulamenta a gestão de florestas públicas pode ser votado hoje (24) na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a matéria. O relator, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), sugeriu 20 mudanças na proposta do Executivo.

Uma das alterações restringe a participação de empresas e organizações não-governamentais estrangeiras nas licitações para concessões florestais. Além disso, só poderão concorrer às concessões empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no país. O texto garante ainda a autonomia do estados e municípios para suplementar as normas estabelecidas sobre a gestão de florestas públicas.

O relator também modificou o prazo de duração dos contratos para exploração das áreas florestais. A proposta original estabelecia sucessivas renovações até o prazo máximo de 60 anos. Albuquerque propõe um período de até 40 anos, institui a realização de auditorias ambientais como requisito para as empresas concessionárias renovarem os contratos e torna obrigatória a avaliação do sistema de concessões após os primeiros cinco anos.

Além disso, o concessionário poderá deter, individualmente ou em consórcio, até dois contratos de lote de concessão florestal. A idéia, segundo o deputado Beto Albuquerque, é evitar a concentração econômica na concessão florestal.

O fortalecimento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e de suas funções de fiscalização ambiental está entre as medidas previstas no projeto.

Na quarta-feira passada (18), no entanto, mais de 1,2 mil servidores do Ibama paralisaram as atividades em protesto contra o projeto. Na ocasião, o presidente da Associação dos Servidores do Ibama, Jonas Morais Corrêa, afirmou que o projeto não fortalece o órgão, nem foi discutido com seus técnicos e com a sociedade. "Favorece apenas as organizações não-governamentais e empresas de certificação", afirmou.

O projeto prevê ainda a intensificação do controle social do regime de concessão proposto pelo Executivo e a simplificação dos procedimentos para as concessões florestais. O projeto, encaminhado ao Congresso no dia 17 de fevereiro, prevê a disponibilização de até 13 milhões de hectares de florestas na Amazônia para concessão de uso sustentável nos próximos 10 anos. O objetivo é combater a grilagem e impedir a privatização das terras.

Com informações da Agência Câmara.

Secretário nega falta de diálogo e diz que floresta só se conserva se for rentável "de pé"

Brasília – O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, afirma que o governo vem adotando as medidas necessárias para combater o desmatamento na Amazônia e escuta os especialistas nas discussões ambientais, ao contrário do que o geógrafo Aziz Ab’Saber declarou. Em entrevista, à Agência Brasil, Capobianco reiterou a ênfase no Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas para conter a devastação no norte do país. "Só conseguiremos preservar a floresta se, em termos de emprego e geração de renda, ela for mais interessante de pé do que derrubada".

Agência Brasil: Com relação aos novos dados de desmatamento na região amazônica, o professor Aziz Ab’Saber afirma que o Ministério do Meio Ambiente "está totalmente enfraquecido" e não consegue efetuar as medidas necessárias. O senhor concorda?

João Paulo Capobianco: Os dados se referem a um período em que o novo sistema de monitoramento (o Deter) ainda não estava operacional. Esse sistema, construído graças a um esforço muito grande do governo – não só do MMA –, acompanha em tempo real o desmatamento e começou a funcionar no início deste ano. Até então, você verificava um ano depois. Com base nesse sistema já realizamos, em 2005, um conjunto de operações de inteligência que resultou na apreensão de 75 mil metros cúbicos de madeira. Isso em quatro meses, sendo que em 2002 (último ano do governo Fernando Henrique Cardoso) inteiro haviam sido apreendidos 40 mil metros cúbicos. Nunca se fiscalizou tanto como agora.

ABr: Vocês já têm os dados referentes a desmatamento nos quatro primeiros meses de 2005? É possível fazer uma previsão de desmatamento para o ano?

Capobianco:Ainda estamos sistematizando esses dados. O que podemos dizer é que a capacidade de desmatar foi intensificada. Mato Grosso (estado que respondeu por 48,1% do desmatamento total na Amazônia de agosto de 2003 a agosto de 2004), por exemplo, iniciou o desmatamento em janeiro, época da chuva. Normalmente, isso acontecia a partir de abril.

ABr: O professor Aziz Ab’Saber também criticou o projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, uma das principais apostas do ministério contra o desmatamento. Segundo ele, o projeto resultou de pressão de ONGs interessadas e deixa de promover um redirecionamento do uso dessas áreas – que, na opinião dele, deveriam priorizar a proteção da biodiversidade. Além disso, ele disse, poderia se complicar a retomada dessas áreas no futuro, pela presença de entidades e empresas estrangeiras.

Capobianco: É preciso dizer que o governo atual possui o recorde histórico de criação de reservas na Amazônia. Foram 8,3 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 60 % são áreas de proteção integral. E o uso sustentável, previsto nos outros 40 % das áreas, também promove a proteção à biodiversidade. É uma visão estreita essa (de que as duas coisas não são compatíveis). A iniciativa do projeto não tem nada a ver com pressão de ONGs. Elas não fazem manejo e não terão, portanto, nenhum benefício nesse sentido. Nosso entendimento é o de que o desmatamento não será combatido com controle. A Amazônia não será preservada só com polícia, mas também com medidas de macroeconomia. Nosso objetivo para as florestas públicas é mantê-las públicas e como florestas. Com relação a qualquer vínculo internacional, o que cabe esclarecer é que o manejo só será permitido a cooperativas nacionais e empresas regularmente constituídas no Brasil.

ABr: O professor também se queixa de que os especialistas não estariam sendo ouvidos nesse e em outros projetos.

Capobianco Foram ouvidos vários especialistas, em dezenas de ocasiões. A proposta passou por reuniões, seminários. Foi aprovada pela Comissão Nacional de Florestas – na qual governo, academia, empresários, estados, municípios, ONGs e a própria Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, da qual Ab’Saber é presidente de honra) estão representados. Depois de encaminhada ao Congresso como projeto de lei, passou por audiências públicas. A ministra Marina Silva e sua equipe técnica receberam o professor Aziz em longa audiência.O que há é divergência de visão, de encaminhamento. Não falta de diálogo.

Ab’Saber defende pavimentação de estradas sem devastação no entorno

Brasília – O geógrafo Aziz Ab’Saber, neste quarto e último trecho de entrevista à Agência Brasil cujo tema é o desmatamento da Amazônia, defende a pavimentação de estradas importantes na região. Segundo ele, isso permitiria aos órgãos responsáveis maior controle. AbSaber destaca, no entanto, que é fundamental impedir o avanço da devastação às margens da estrada.

Agência Brasil: Qual é a opinião do senhor quanto à pavimentação da BR-163, planejada, entre outros motivos, para melhorar o transporte da produção de grãos?

Ab’Saber: Qualquer pavimentação de estradas de importância, para transportar produtos econômicos e interligar socialmente regiões que já estão interligadas por estradas rústicas, é aconselhável. Isso desde que se faça uma estratégia para prevenir o não-avanço da devastação aos lados da estrada, além do que já se avançou. Cada rodovia na Amazônia, dessas tipo Belém-Brasília, Transamazônica, PA-150 (que sai de Guamá, nas proximidades de Belém, até o sul do Pará), mostra os caminhos de devastação que podem acontecer ao longo de qualquer rodovia. Você olha a imagem de satélite, parece que o governo não sabe olhar imagem de satélite, tem cortes de florestas em 500 metros, outro proprietário a 1 quilômetro. É um retalhamento quadrangular nas margens da rodovia, tanto à direita, quanto à esquerda.

Depois, vêm os ramais que saem dessas estradas e que também têm recortes de proprietários que tiram uma parte da floresta mais perto da estradinha, do ramal e tentam fazer alguma pecuária. Se não der certo a pecuária, eles passam a vender a madeira que possa existir no resto da propriedade. Depois, tem os sub-ramais, a mesma coisa. Depois tem os quadrados, quarteirões enormes talhados no meio da floresta para facilitar a venda de pequenas propriedades, a incautos que moram no Paraná, Goiás ou Maranhão e que não têm recursos, nem meios de ir lá depois. É mais difícil chegar lá, do que qualquer outra coisa, do que o dinheiro que se gastou para comprar a fazendinha.

Esses quarteirões são totalmente desmatados porque estão escondidos dentro do corpo geral da floresta, à margem das rodovias. E tudo isso que estou falando se completa com devastação ao longo dos rios, riozinhos e igarapés, que tenham um sentido de ligação com áreas urbanas importantes, como o Rio Guamá, por exemplo. Tudo o que está acontecendo ao longo da rodovia, dos ramais, dos sub-ramais e dos quarteirões também está acontecendo em certas beiras de rios, seja a partir de Belém do Pará, seja a partir de Tefé (no Amazonas) ou qualquer outro lugar.

ABr: Tudo isso não é um paradoxo num momento em que o país desenvolveu tecnologias como a de acompanhamento por satélites, para conseguir visualizar com mais facilidade esse desmatamento?

Ab’Saber: Exatamente. Esse é outro assunto. Quando se pensa em fazer proteção ambiental de situações como essas que estamos descrevendo, faz-se um projeto variado, com alta tecnologia, dizendo que vai servir para observar. Mas não adianta observar a partir de aviões, de satélites, se não se tem a vontade de ter ações corretas e estratégicas para corrigir o que está sendo observado e que comprova uma tendência forte de devastação. Isso é o mais importante, a capacidade de desenvolver ações em relação ao que está sendo observado. O governo diz: "Agora vamos colocar aviões para ver como é que estão as coisas."Mas nunca diz: ‘Nós temos, em função das observações, um pré-projeto para realmente gerenciar". Isso me deixa indignado.

Colaborou Lana Cristina

Ab’Saber alerta para risco de entregar Amazônia a grupos internacionais

Brasília – O projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, de autoria do governo, é criticado pelo geógrafo Aziz Ab’Saber neste terceiro trecho da entrevista concedida à Agência Brasil. Para ele, se aprovado como está, o texto permitirá a entrega de parte das florestas amazônicas a grupos internacionais, que não entendem de seu uso sustentado.

ABr: O que o senhor acha do projeto de gestão de florestas do governo?

Ab’Saber: Esse projeto é o maior escândalo em relação à inteligência brasileira de todos os tempos. Vai ser um crime histórico. Ele partiu do Ministério do Meio Ambiente, forçado por gente que era de organizações não-governamentais, as chamadas ONGs. Todas as ONGs estão dentro do ministério, com algumas das pessoas mais cretinas desse país. Então é evidente que o ministério não vai ter condições de fazer nada favorável à defesa da Amazônia e das florestas. É preciso saber que as pessoas, que estão ao lado de dona Marina Silva (ministra do Meio Ambiente), foram até a Suíça oferecer o gerenciamento de algumas Flonas, as Florestas Nacionais, para estrangeiros.

ABr: Por que isso será um "crime histórico"?

Ab’Saber:Tentando conciliar esse erro estúpido, de florestas para ONGs, partiu de dentro do ministério a idéia de propor, paralelamente, o aluguel das Flonas para empresas particulares, que podem ser brasileiras ou internacionais. Isso porque existe uma cláusula que diz que as pessoas que têm a concessão podem repassar, vender para outros. É uma situação grave, por falta de inteligência. Porque as Flonas foram preservadas no passado, como possíveis áreas de exploração sustentada. Mas acontece que mudou o quadro, agora todas as áreas foram perturbadas e sobraram as Flonas. Era hora de dar o direcionamento para utilizar as Flonas como reservas de biodiversidade intocáveis. E o governo não sabe mudar o ideário, em função da necessidade de defender a Amazônia.

Uma das coisas que me deixam indignado é aquela expressão, no projeto, que diz que as florestas serão concedidas para ONGs estrangeiras. Depois tem uma frase assim, bem curtinha, "desde que seja para um gerenciamento auto-sustentado". Como se as pessoas que estão na Suíça, na França, ou em qualquer parte da Europa Ocidental, tivessem capacidade para fazer um gerenciamento auto-sustentado de uma área que eles mal conhecem. E, ao mesmo tempo, eles vão achar que as Flonas alugadas vão ser trabalhadas de modo discreto, limitado, por 30 ou 60 anos. E o mais grave é isso, se as Flonas forem parar nas mãos de organizações, instituições, empresas estrangeiras, a discussão mais tarde, se houver governos mais inteligentes no futuro, sobre a retomada de áreas que foram contratadas rapidamente nesse fim de governo do presidente Lula, não poderá ser mais discutida em instituições jurídicas nacionais, terá que ser no foro internacional. Eu acho que o povo brasileiro tem que estar consciente de tudo isso que está acontecendo.

ABr: Quais são os riscos do manejo?

Ab’Saber:Basta lembrar que cada Flona dessa pode ter 2 mil ou 2,5 mil quilômetros quadrados, e que as madeiras que estarão disponíveis para o aluguel não se encontram agrupadas na borda da floresta. Então, para poder explorar essas árvores, que têm troncos de madeira nobre, é preciso levar primeiro os mateiros, gente simples que, para ganhar uma miséria, vai até o coração dessas Florestas Nacionais, buscar o lugar onde tenha uma árvore, duas ou três. Depois dos mateiros, entram os moto-serristas, os que levam a moto-serra pela trilha e fazem o corte. Depois, tem que organizar caminhos. E, como tem árvore que está a 200 metros da borda, outra a 5 quilômetros, outras a 7 quilômetros, já imaginou o que vai acontecer com essas florestas?

Colaborou Lana Cristina

Falta diálogo do governo com especialistas, afirma Ab’Saber

Brasília – Neste segundo trecho da entrevista à Agência Brasil, o geógrafo Aziz Ab‘Saber fala de experiências de uso racional da floresta e lamenta que o ministério do Meio Ambiente não as estimule. Ele afirma que o governo não ouve os especialistas antes de executar ações ou propor projetos.

Agência Brasil: Há alguma experiência internacional que poderia de servir como exemplo ao Brasil?

Ab’Saber: Não. É preciso usar as experiências que apareceram aqui e ali, da própria Amazônia. Por exemplo, na fronteira de Rondônia com o Acre, surgiu, em função da iniciativa de um ex-padre francês de origem rural, um novo projeto de uso das porções periféricas desmatadas, mas a partir do bordo não-desmatado da floresta. O bordo da floresta funciona como se fossem nossos cabelos, tem uma umidade que não se esgota com a rapidez das outras partes da floresta. Em função disso, esse ex-padre começou a executar um projeto de plantações no bordo da floresta, em direção ao lado já devastado. Ao mesmo tempo, ele tentou fazer uma espécie de corredores radiais, na área de sub-bosque da floresta para plantar açaí, castanheiras, abacaxis. Com essa gente da terra, plantaram-se espécies locais como pupunha, açaí e cupuaçu, e também mandioca, hortaliças e frutas para o consumo próprio. Eles usaram os métodos tradicionais de entrar na floresta para coletar ouriços de castanheiras, caídos no chão da floresta, o que não prejudica em nada. Não havia ação predatória. Eles entravam na mata por meio de trilhas pequenas, nas estradas das seringueiras e castanheiras. Esse esquema foi desenvolvido de forma cooperativa com a população local, tudo discutido numa igreja da cidadezinha de Nova Califórnia. O resultado é que em todos os bordos de florestas, que sofreram uma devastação grande, hoje têm um muro florestal.

ABr: Mas essas propostas não podem ser discutidas com o governo?

Ab’Saber: Mas quem do governo está preocupado com isso? O senhor Capobianco (João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente), a dona Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) não adianta nem falar, eles não querem ouvir ninguém. Soube que um dia desses, fizeram uma reunião, para mandar para o Lula os sub-projetos (de gestão de florestas), e alguém disse: "Precisaríamos conversar um pouco com o professor Aziz Ab’Saber". Eu não sou vaidoso, mas achei interessante alguém dizer isso. E a resposta foi essa da dona Marina Silva, segundo me contaram: "Não dá tempo para convencer o professor Aziz."Então, eu paro aqui.

ABr: Então não há debate?

Ab’Saber: Sempre dizem que os projetos estão sendo baseados em vários debates com pessoas que conhecem as regiões. Não houve um projeto correto com cientistas, com gente que conhece o Nordeste Seco, Vale do São Francisco ou Amazônia. Não está havendo em relação às Flonas (Florestas Nacionais) nenhuma preocupação de ouvir terceiros.

Colaborou Lana Cristina

Ministério do Meio Ambiente está "enfraquecido" na defesa da Amazônia, diz geógrafo

Brasília – O geógrafo Aziz Ab’Saber contribuiu para o conhecimento da história geoecológica do país ao buscar a relação do homem com o meio ambiente. Foi pioneiro também ao propor a empresários que colaborassem para reflorestar áreas de acordo com suas características. Hoje, suas idéias inovadoras, que antes causavam resistência quando Ab’Saber era jovem, são modelo para a geografia brasileira.

Em entrevista à Agência Brasil, o professor Aziz, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor emérito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), diz que "existe no sul do Pará um estado paralelo em que fazendeiros e madeireiros ditam as próprias regras", desmatando sem qualquer medo de serem repreendidos.

Ab’Saber avalia que o Ministério do Meio Ambiente está "enfraquecido" na defesa da Amazônia, ainda que tenha o poderoso instrumento tecnológico de observar a Terra a partir de satélites. "O mais importante é a capacidade de desenvolver ações em relação ao que está sendo observado", comenta ao analisar os índices de desmatamento da Amazônia.

Segundo levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados na semana passada, a Amazônia perdeu uma área de mais de 26 mil quilômetros quadrados de agosto de 2003 a agosto de 2004: um território quase do tamanho do estado de Alagoas.

Agência Brasil: Além de ser o segundo maior desmatamento já verificado na Amazônia, como o senhor avalia esse problema?

Aziz Ab’Saber: Não é só o problema do desmatamento da Amazônia que me preocupa. Uma série de fatos recentes demonstra uma espécie de estado paralelo formado por fazendeiros e madeireiros. Os fazendeiros fazem o que querem, desafiando o poder público. Dão um atestado de que eles estão tentando se isolar de qualquer presença do Estado. Além deles, tem também os madeireiros, que confabulam com os fazendeiros e compram as árvores que sobram à medida que as atividades dos primeiros avançam. Então, a situação é muito mais grave do que se pensa.

ABr: Tem ainda a questão das populações tradicionais, como os povos indígenas…

Ab’Saber: Quanto às populações tradicionais, o problema é muito sério. Enquanto os fazendeiros dominam tudo e causam medo nas populações tradicionais, como índios, eles vão fazendo tudo o que querem. Eu, pessoalmente, julgo que, no momento, está havendo um governo paralelo no centro-sul do Pará, sem que haja nenhuma atitude dos diversos níveis do governo Lula para traçar uma estratégia que evite isso.

ABr: E como o senhor vê a ação do governo diante desse quadro?

Ab’Saber: O Ministério do Meio Ambiente está totalmente enfraquecido e não tem condições de tomar atitudes corretas para defender a Amazônia. Poderia, por meio de um plano, programa ou projeto, organizar-se melhor no centro-sul do Pará e em outras áreas onde o desmatamento ainda tem esses outros fatores. O que, para nós, significa um problema muito sério, do ponto de vista da observação internacional. Lá nos Estados Unidos houve tempo em que eles diziam: "Os brasileiros não têm competência para gerenciar a Amazônia."E o problema é esse no momento.

ABr: O que imediatamente essa falta de gerenciamento provoca?

Ab’Saber: Essas dificuldades de gerenciamento dão então abertura para aqueles que estão de olho na Amazônia, não só pela floresta, mas pela água doce, pelos recursos minerais, pelas florestas que têm fármacos, uma série de produtos de importância econômica e social. E ainda pelo petróleo que foi descoberto no oeste da Amazônia, na Amazônia Ocidental. Ela, com seus 4,2 milhões de quilômetros quadrados de zona equatorial, é uma reserva de biodiversidade máxima do planeta Terra. E não pode ser colocada nas mãos de especuladores em função de uma invasão complicada do capitalismo.

Colaborou Lana Cristina

O que significa mais de 26 mil km2 devastados na Amazônia

O governo divulgou anteontem mais um índice anual de desmatamento na Amazônia produzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe): entre agosto de 2002 e julho de 2003, 24,6 mil km2 de florestas foram suprimidos, mais do que os 23,7 mil km2 que haviam sido estimados no ano passado. Divulgou, ainda, a estimativa oficial de que outros 26,1 mil km2 teriam sido desmatados entre agosto de 2003 e julho de 2004, a ser confirmada até o final deste ano. O índice de 2003 só é inferior ao pico histórico de 29 mil km2 ocorrido em 1995, ano de implantação do Plano Real, mas, caso se confirmem as estimativas, o índice de 2004 ocupará o seu lugar, representando um aumento de cerca de 6% em relação ao índice anterior.

A média do desmatamento durante os anos 90 havia sido de 16,8 mil km2 anuais. Aquele patamar já havia sido considerado mundialmente extravagante e colocado o Brasil como foco principal das preocupações sobre o futuro das florestas tropicais do planeta. Já o destacava como recordista entre outras graves situações, como a do sudeste asiático – Indonésia e Malásia, principalmente – fortemente impactado pela gula japonesa em consumo de madeiras tropicais. O país assumia, então, um papel destacado entre os maiores emissores atuais de gases estufa, sendo que apenas o desmatamento na Amazônia representou a liberação de cerca de 200 milhões de toneladas (líquidas) de carbono por ano na atmosfera terrestre. Em 1994, o desmatamento na Amazônia já respondia por mais de 70% das emissões brasileiras destes gases, segundo o inventário nacional de emissões divulgado pelo governo brasileiro no ano passado. Um perfil de emissões invertido em relação à composição das emissões globais, já que ¾ destas estão associados à queima de combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás natural – e apenas o quarto restante decorre dos desmatamentos e usos inadequados do solo.

No entanto, o início do novo século vem dando lugar à exacerbação da extravagância. Entre agosto de 2000 e julho de 2001 o índice já passava dos 18 mil km2 desmatados, subindo nos anos seguintes para 23,1 km2 e 24,6 km2, seguidos agora da estimativa de 26,1 km2 anunciada para 2004, numa tendência contínua de aumento de cerca de 6% a cada ano. No ano passado, quando os dados anteriores do Inpe haviam sido divulgados (os 23,1 km2 referentes a 2002 e a estimativa, agora revista, de 23,7 km2 para 2003), generalizou-se a impressão de que se havia alcançado um novo patamar histórico, mas os dados anunciados anteontem mostram que o que há é uma curva ascendente, indicando uma situação fora de qualquer controle. Significa dizer que, a cada ano, nos últimos três anos, o Brasil vem acrescentando umas 18 milhões de toneladas de carbono a mais à atmosfera, em relação ao nível já escandaloso do ano anterior. Com isto, o país poderá alcançar rapidamente a condição de terceiro maior emissor mundial atual de gases estufa, superando a Rússia, a Alemanha e a Índia, para ficar atrás somente dos EUA e da China.

Expansão Geográfica

Outro aspecto importante dos dados divulgados refere-se ao aumento da participação do Mato Grosso na composição do índice geral da Amazônia. Este estado, que já lidera há anos o avanço do desmatamento, passa a responder por mais de 48% do desmatamento havido, aumentando a sua extensão desmatada em 20% em relação ao ano anterior, quando respondia por 43% da composição do índice geral. O expressivo crescimento do PIB agropecuário do estado nos últimos anos é, sem dúvida, um indicativo importante para explicar o seu lugar de líder do desmatamento. Mas, enquanto o crescimento deste PIB vem ocorrendo há uma década, o estado, que já havia conseguido reduzir o ritmo de aumento do desmatamento através da implantação de um sistema de licenciamento ambiental de grandes propriedades rurais, voltou a apresentar índices alarmantes a partir de 2002, o que demonstra que, além da contínua expansão agrícola, fragilizou os seus instrumentos de controle.

Vários estados amazônicos conseguiram reduzir significativamente os seus índices: Amazonas, Tocantins, Maranhão e Acre. Enquanto o índice do Pará permaneceu estável, Rondônia e Mato Grosso empurraram o índice geral da Amazônia pra cima. Significa dizer que se a responsabilidade política pela extravagância é do Brasil e da Amazônia como um todo, são estes últimos os principais responsáveis pela sua atual exacerbação. Os mais de 12 mil km2 desmatados em 2004 só no Mato Grosso, indicam claramente que a expansão do agronegócio ocupa um papel crescente na conversão direta de áreas de floresta em plantações, além da influência indireta que exerce, dada a sua maior rentabilidade, empurrando outras atividades potencialmente predatórias, como a pecuária, para dentro da floresta amazônica.

Significa dizer que o combate ao desmatamento não pode ser concebido linearmente, pois há estados e atividades econômicas que têm maior responsabilidade que outros no incremento do desmatamento. Portanto, os esforços do governo federal para tentar reduzir o desmatamento precisam incorporar a fixação de metas de redução por estado, de modo a estabelecer incentivos para aqueles que cumpram essas metas, e penalidades para os que as descumpram, em relação ao volume de investimentos e de repasses de recursos federais para os estados. Da mesma forma, instrumentos de política econômica precisam incorporar fortemente a variável do desmatamento, cerceando a expansão da fronteira agrícola em regiões de florestas, priorizando a ocupação de áreas já desmatadas e que estão improdutivas e, sobretudo, valorizando economicamente os recursos florestais e, portanto, a floresta em pé. E, ainda, deveriam ser estabelecidos critérios mais rigorosos para a abertura de novas estradas na região amazônica, ou mesmo a mudança da matriz de transportes para priorizar as ferrovias, já que a maior extensão desmatada se situa nos cem quilômetros às margens das rodovias.

Fragmentação Florestal

Outro aspecto extremamente preocupante quanto à expansão geográfica diz respeito ao chamado “arco do desmatamento”, historicamente formado pelas frentes de ocupação que tornaram o sudeste do Pará, o norte do Mato Grosso e a região central de Rondônia num contínuo de áreas críticas que perfaz este “arco”. Os dados agora divulgados reforçam a constatação que já vinha sendo feita de que novas frentes de desmatamento tendem a se desgarrar do “arco” histórico. É o caso do eixo da BR-163 – Rodovia Cuiabá – Santarém, cuja pavimentação, anunciada mas ainda não iniciada pelo atual governo, desencadeou um processo caótico de grilagem de terras e de especulação imobiliária antes mesmo da execução da obra, transformando o antigo arco numa espécie demoníaca de tridente.

Este quadro está se agravando ainda mais diante de novas frentes de grilagem na chamada “Terra do Meio” (centro-sul do Pará) e na região de Humaitá (sul do Amazonas), que tendem a ligar transversalmente os dentes do tridente. Além disso, o Ministério dos Transportes vem anunciando, irresponsavelmente, o início da pavimentação da BR-319, Rodovia Porto Velho – Manaus, para o que foram alocados cerca de 100 milhões de reais no orçamento da União para este ano. Significa que, antes mesmo de iniciar a pavimentação anteriormente anunciada da BR-163, onde os danos ambientais já progridem geometricamente, fomenta-se a expansão de um novo eixo de ocupação desordenada e de expansão do desmatamento, agora cortando a região central da floresta amazônica. Rumo ao quarto dente.

Essa multiplicação das frentes de desmatamento, por sua vez, aponta para a fragmentação definitiva da floresta amazônica – a maior massa contígua de florestas tropicais existente no mundo – em blocos estanques de remanescentes florestais. É previsível que este processo crie obstáculos crescentes às trocas genéticas entre as diversas regiõ

es amazônicas, com impacto sobre a sua biodiversidade. E não se sabe se impacto também haverá sobre o complexo regime de chuvas da região, que vão se alimentando e realimentando da costa atlântica para o interior do continente. Pode ocorrer uma redução da umidade em áreas diversas da Amazônia, para o que já contribui o aumento da intensidade e da freqüência da ocorrência do chamado “El Nino”, fenômeno climático, associado ao efeito estufa, que provoca alterações no clima de várias regiões da Terra em decorrência do aquecimento das águas do Oceano Pacífico.

Lula, Campeão do Desmatamento

Se o que os últimos três índices anuais divulgados pelo Inpe indicam é uma curva ascendente de desmatamento da ordem de 6% ao ano, a partir do patamar escandaloso de 23 mil km2/ano, o período de mandato do Presidente Lula poderá vir a ser o recordista histórico neste ramo.

Os índices anuais do Inpe são medidos de agosto a julho porque se fundamentam na interpretação de fotos de satélite obtidas na estação seca, em que há menor ocorrência de nuvens. No entanto, sabe-se o desmatamento costuma ser mais intenso no primeiro semestre – até agosto – quando se prepara a abertura de áreas que serão ocupadas naquele ano, sendo que a massa florestal derrubada será parcialmente queimada no auge da seca, permitindo o plantio no início das chuvas.

Sendo assim, poder-se-ia atribuir os 24,6 mil km2 apurados entre agosto de 2002 e julho de 2003 a desmatamentos ocorridos, na sua maior parte, no período de mandato do Presidente Lula. Mesmo que se debite ao primeiro semestre de 2003 apenas a metade dessa extensão, e se se confirmar a estimativa dos 26,1 mil km2 para os doze meses seguintes, projeta-se um desmatamento médio anual superior a 25 mil km2 para o primeiro ano e meio de mandato presidencial cobertos por levantamentos do Inpe.

O pico histórico do desmatamento ocorreu entre agosto de 1994 e julho de 1995. Pode-se atribuí-lo, pela mesma lógica, ao mandato do Presidente Fernando Henrique e à euforia criada pelo Plano Real (que já vinha sendo implementado no decorrer de 1994). Assim, a média anual de desmatamento na Amazônia durante o seu primeiro mandato chegou a 19,4 km2/ano, já bem acima da média dos anos 1990 e um pouco acima dos primeiros dados colhidos pelo Inpe ainda nos anos 1980. A média anual do seu segundo mandato é de 19,2 mil km2/ano, mas terminou descrevendo uma tendência de crescimento expressiva entre 2001 e 2002 (de 18,1 mil para 23,2 mil km2).

No entanto, os números agora divulgados mostram que essa herança maldita está superada pelo incremento de 6% ao ano, nos últimos dois anos. O governo Lula terá que fazer um grande esforço político no ano e meio de mandato restante para evitar o vexame de ser recordista histórico em desmatamento. Para tanto, terá que haver uma redução expressiva no ritmo do desmatamento, de modo a transformar a média projetada de 25 mil km2/ano para algo inferior aos 20 mil km2/ano. Ademais, a tendência de fragmentação da floresta contínua, que também já se esboçava antes, tenderá a se consolidar durante o atual mandato presidencial, especialmente em função da maneira rocambolesca como se anunciam obras de pavimentação de extensas rodovias em regiões sensíveis de floresta.

Ao anunciar os novos dados do Inpe, a Ministra Marina Silva ressaltou que no período coberto pelos novos números (até julho de 2004), ainda não vinha sendo plenamente implementado o Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia do governo federal. Ela mencionou um conjunto de medidas – combate à grilagem de terras, aumento das operações e autuações da fiscalização do IBAMA, implantação de bases em áreas com notória ausência do estado, criação de áreas protegidas, funcionamento pleno do novo sistema para monitoramento em tempo real do desmatamento e outras – que só teriam se intensificado a partir do segundo semestre do ano passado. Assim, ela espera uma redução expressiva na estimativa para 2005, que deverá ser anunciada até o início do próximo ano, expectativa esta que parece corroborada pela provável redução da expansão da fronteira agrícola em função da queda nos preços internacionais da soja e de outras comodities agrícolas.

Que Deus lhe ouça! Porém, os indícios que vêm do chão ainda seguem sendo preocupantes. De agosto passado a esta data não parece que o ritmo do desmatamento tenha se arrefecido. Os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário intensificaram – de fato – a sua atuação em regiões críticas da Amazônia, mas outros, poderosos indutores de desmatamento, como Agricultura e Transportes, seguem se comportando como se nada tivessem a ver com o problema. Há indicações de que novas técnicas, já dominadas pelo setor mais dinâmico do agronegócio, estão permitindo desmates extensos em meses de chuva, o que teria ocorrido com mais intensidade em fevereiro deste ano, no Mato Grosso. Também se fala estar se esboçando um novo arco do desmatamento acima da calha do Rio Amazonas, entre o sul do Amapá, norte do Pará e sul de Roraima. Não há dados a respeito, mas são informações preocupantes. A expectativa da Ministra dependerá, fundamentalmente, do que vai acontecer daqui até o final de julho.

O Brasil e o Mundo

Mais preocupante que o placar do governo Lula em relação aos seus antecessores, é a situação do Brasil frente à comunidade internacional. Da assinatura do Protocolo de Quioto (que estabeleceu uma meta de redução de emissões para os países desenvolvidos correspondente a 5,2% em relação aos níveis de 1990), em 1997, até 2004, o Brasil já acrescentou umas 300 milhões de toneladas de carbono à atmosfera a mais em relação aos volumes que emitiria caso mantivesse a já elevada média de desmatamento dos anos 90. A prosseguir nesta escalada, o desmatamento na Amazônia poderá, por si só, comprometer boa parte dos esforços internacionais para redução de emissões mesmo sendo cumpridas as metas de Quioto. As emissões brasileiras evoluem de 3 para 4% do total das emissões mundiais atuais. Não se pode comparar a responsabilidade do Brasil com a dos países desenvolvidos, que vêm poluindo a atmosfera há mais de 150 anos, na produção do efeito estufa. Mas não se pode mais negar a sua absoluta responsabilidade em relação aos esforços atuais e futuros para se tentar mitigar as conseqüências do efeito estufa.

Significa dizer que, para além dos efeitos nocivos que provoca para o país e para os brasileiros, desperdiçando recursos florestais, reduzindo sua biodiversidade e os recursos hídricos, afetando as condições climáticas locais, aumentando as doenças respiratórias e gerando passivos crescentes para as futuras gerações, o desmatamento na Amazônia tem impacto crescente sobre a situação do clima mundial.

A diplomacia brasileira teve um papel importante nos avanços até agora conseguidos internacionalmente no combate ao efeito estufa. A Convenção sobre a Mudança Climática da ONU foi assinada no Rio de Janeiro, em 1992. O Brasil esteve ativo na formulação do Protocolo de Quioto e uma sua proposta levou à instituição do MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Estivemos entre os primeiros países a ratificar Quioto e a realizar o seu inventário nacional de emissões. Porém, a opção política de excluir o tratamento das emissões oriundas de desmatamento do escopo dos acordos internacionais (e do MDL, em particular), deixou o país sem instrumentos para trabalhar, neste âmbito, o seu principal fator de emissões.

O crescimento no ritmo do desmatamento significa, portanto, que estamos contribuindo como nunca para a deterioração do clima mundial, e que estaremos expostos, inevitavelmente, a crescentes e justificadas pressões internacionais. Além de incrementar as providências internas de combate ao desmatamento, o governo Lula deveria rever a postura de retranca da diplomacia no tratamento do tema no plano internacional, buscando apoio concr

eto da comunidade internacional para compensá-las. Afinal, fatores mundiais de mercado e o próprio efeito estufa contribuem para o desmatamento na Amazônia, e a sua eventual redução seria muito relevante para mitigar a crise climática mundial. Muito pior será sofrer pressões sem dispor de instrumentos para compartilhar e compensar os esforços em busca das soluções.

Conama pede explicações a governador do Mato Grosso sobre índices de desmatamento

O Conselho Nacional do Meio Ambiente convidou Blairo Maggi a esclarecer porque seu Estado – que teoricamente possui o sistema de licenciamento e controle ambiental mais sofisticado do País – é o campeão do corte de árvores, sendo responsável por quase 50% do desmatamento ocorrido em toda a Amazônia.

Um requerimento de urgência apresentado pelo ISA e aprovado, na manhã de hoje (19/5), pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em Campos do Jordão (SP), convida o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS) a explicar os índices de desmatamento no Estado divulgados ontem, dia 18 de maio, pelo governo federal. Momentos depois, outro requerimento de urgência, apresentado pelo presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso (FEMA-MT), Moacir Pires de Miranda, em nome do governador, e aprovado, convidou o Conama a fazer a próxima reunião, nos dias 14 e 15 de junho, em Cuiabá, com a presença de Maggi. O Conselho está realizando sua 44ª reunião, desde ontem no município paulista de Campos do Jordão,em virtude das comemorações da Semana da Mata Atlântica, que acontece de 18 a 22 de maio.

Segundo os dados apresentados ontem pelo govenro federal, o Mato Grosso foi responsável por 48,1% do desmatamento total ocorrido entre 2003 e 2004 em toda a Amazônia. Foram 26.130 quilômetros quadrados. Depois de registrar 10,4 mil quilômetros quadrados de florestas derrubados, no biênio 2002-2003, o Estado desmatou, nos anos de 2003 e 2004, 12,5 mil quilômetros quadrados – um aumento de 20%. Desse total, apenas 4,1 mil quilômetros quadrados foram derrubados legalmente. Depois do Mato Grosso, os Estados que mais destruíram florestas em 2003-2004 são o Pará (6,7 mil quilômetros quadrados) e Rondônia (4,1 quilômetros quadrados).

“Queremos saber por que o Estado que tem, supostamente, o sistema de licenciamento ambiental mais eficiente e sofisticado é o campeão dos desmatamentos”, conta o advogado do ISA, André Lima, conselheiro responsável pelo requerimento. Ele explica que, no Mato Grosso, os desmatamentos são controlados com informações georreferenciadas, isto é, a partir de imagens colhidas por satélites.

ndice de desmatamento na Amazônia surpreende presidente do Ibama

O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Marcus Barros, disse ter sido surpreendido com o crescimento de 6% do desmatamento da Amazônia em um ano, apurado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Acrescentou que o índice esperado para o biênio 2003/2004 era de 2%.

"Estávamos lutando para isso, mas temos noção de que as medidas que adotamos não se consolidaram todas. Elas ainda não estão casadas para ter os resultados que esperamos e assim diminuir mais expressivamente o desmatamento", afirmou.

Além do Plano de Combate ao Desmatamento, iniciado ano passado, uma outra iniciativa para evitar a devastação da Amazônia aguarda aprovação do Congresso Nacional. É o Projeto de Lei Geral sobre Gestão de Florestas, que prevê a concessão de até 13 milhões de hectares de florestas na Amazônia para uso sustentável nos próximos dez anos.

No entanto, para Jean Pierre Leroy, relator de Direitos Humanos e Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc), não há garantias de que as empresas farão uma gestão sustentável da floresta. E há dúvida sobre a possibilidade comercial desse tipo de estratégia a longo prazo: "Se não funcionar, as empresas vão abandonar o projeto, deixando tudo para trás".

Em cinco dos nove estados que compõem a Amazônia – Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins – foi registrada redução no tamanho das áreas desmatadas. Em Tocantins, a destruição caiu 44%; no Amazonas, 39%; no Maranhão, 26%; no Acre, 18%; e no Pará, 2%. Já o estado de Mato Grosso foi responsável por quase metade do desmatamento total na Amazônia.