Estudo de geógrafo aponta novo perfil da violência no campo

O crime na área rural brasileira mudou de perfil. Em vez de matar de forma indiscriminada, os assassinos agora escolhem suas vítimas, praticam tortura e intimidação para expulsar os pequenos agricultores da terra. A nova forma de agir foi verificada pelo geógrafo Francisco José Avelino Júnior.

Professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), ele acaba de finalizar uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP). O estudo traz um panorama histórico sobre a violência no campo em Mato Grosso do Sul, mas também destaca os dados mais recentes sobre o tema em todo o Brasil.

"Não só aqui no estado, mas em quase todo o Brasil, o número de assassinatos tem diminuído. Em compensação, tem aumentado o número de ações terroristas, ameaças de despejo, queima de terras, invasão de casas, seqüestro de pertences e intimidação do trabalhador. O assassinato passa a ser seletivo", diz Avelino.

As principais vítimas fatais agora são líderes camponeses, advogados, políticos e agentes sociais que agem em defesa dos direitos de trabalhadores rurais. Eles fazem parte de organização que, a partir da década 80, passaram a atuar no campo. Entre elas, Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O estudo do pesquisador do Mato Grosso do Sul confirma a tendência apontada no último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de aumento e profissionalização dos assassinos da área rural. Em 2003, 73 pessoas morreram em conflitos no campo. Esse número caiu para 39 em 2004. Mas, em compensação, o número de pessoas envolvidas nos conflitos agrários subiu de 1,6 mil para 1,8 mil.

Desmatamento na Amazônia destrói área que corresponde ao estado do Alagoas, segundo Inpe

Brasília – Na Amazônia, o número de áreas desmatadas cresceu 6% em um ano, de 2003 a 2004. A floresta perdeu 26.130 quilômetros quadrados de mata: um território que praticamente corresponde ao tamanho do estado do Alagoas. Com isso, 17,3% da floresta já foi destruída.

Esse índice é uma projeção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), feito a partir de 103 imagens de satélites. O número, contudo, tem margem de erro de 5%. O último índice será apresentado até o fim do ano.

Essa é a segunda maior taxa de desflorestamento desde 1995, quando foi registrado um recorde de 29 mil quilômetros quadrados destruídos.

"O desmatamento dialoga fortemente com a dinâmica do desenvolvimento. Se não incorporarmos o critério de sustentabilidade para todos os aspectos da economia na Amazônia, será impossível combater o desmatamento apenas com ações de fiscalização e controle – e é isso que o governo está fazendo no âmbito do Plano de Combate ao Desmatamento", acredita a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

O desmatamento foi maior nos estados do Mato Grosso e Rondônia, como indica o caso do município de Aripuanã (MT). Por outro lado, São Félix do Xingu (Pará) – uma cidade com índices críticos – conseguiu reduzir em quase 40% o problema.

Semana da Mata Atlântica

A 44ª Reunião Extraordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) abre nesta quarta-feira (18) as comemorações da Semana da Mata Atlântica, que se estende até o próximo domingo(22) na cidade de Campos do Jordão (SP). O Ministério do Meio Ambiente escolheu a Araucária, o pinheiro brasileiro, como tema desse ano.

O objetivo é chamar a atenção da sociedade para a necessidade de proteger o que resta das florestas com araucárias, vegetação típica do bioma (veja box). As araucárias ocupavam uma área de 200 mil quilômetros quadrados,  localizada principalmente nos estados do sul do País. Atualmente restam menos de 3% da área original.

Durante a reunião, serão anunciadas medidas do governo federal e do governo do estado de São Paulo para proteção das florestas com araucárias. A secretaria do Conama vai discutir e avaliar as 29 resoluções que  definem  vegetação e orientam procedimentos de licenciamentos para as atividades florestais no bioma Mata Atlântica.

O Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) poderá aprovar três novos editais. Com pelo menos R$ 23 milhões, o Fundo apoiará o fortalecimento da gestão ambiental nos municípios da área de influência da rodovia BR-163, a recuperação de matas em margens de rios, de nascentes e outros mananciais, e ainda financiar pequenos. Também estão previstas reuniões e seminários para debater e propor ações para preservação do bioma e para afastar o risco de extinção das araucárias.

O bioma Mata Atlântica está reduzido atualmente a 7,84% de sua cobertura original que já se estendeu por 1,3 milhão quilômetros quadrados do território brasileiro. Apesar da devastação, ainda abrange 17 estados brasileiros e ainda abriga uma das mais altas taxas de biodiversidade do planeta, somando cerca de 20 mil espécies de plantas e  1650 de animais(veja quadro). A Mata Atlântica é considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal e pelo decreto 750/93. Em 1999, outro decreto presidencial instituiu o dia 27 de maio como Dia da Mata Atlântica.

Nos seminários e reuniões, em Campos do Jordão, técnicos do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, representantes de organizações não governamentais e cientistas discutirão estratégias de conservação e recuperação do bioma, apresentarão experiências de gestão nas unidades de conservação, experiências dos trabalhos realizados por ONGs e debaterão as propostas de monitoramento e fiscalização do bioma implantado pelo Ibama.

Com a Semana da Mata Atlântica, Além de apresentar e divulgar as medidas governamentais que estão sendo adotadas, o Ministério do Meio Ambiente quer mobilizar a sociedade brasileira para apoiar iniciativas que visem preservar o que resta da floresta com araucárias e atingir a meta do desmatamento zero no bioma Mata Atlântica. 

Araucária, o pinheiro brasileiro – Árvore de tronco cilíndrico e reto de copas com bem características, dando um destaque especial à paisagem. A araucaria angustifolia chega a viver 700 anos, alcançando diâmetro de dois metros e altura de 50 metros. No sub-bosque da floresta ocorre uma complexa e grande variedade de espécies, como a canela,  sassafrás, a imbuia, a erva-mate e o xaxim.

Originalmente ocupava 200 mil quilômetros quadrados do território brasileiro, abrangendo, principalmente os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mas também aparecia nas partes elevadas das serras do Mar, Paranapiacaba, Bocaina e Mantiqueira, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. 

Políticas contraditórias conduzem ao desmatamento na Amazônia

O desmatamento na Amazônia chegou a 26.130 quilômetros quadrados entre agosto de 2003 e agosto de 2004, segunda maior taxa desde 1995, quando foi registrado o recorde de 29.059 quilômetros quadrados. Os dados foram anunciados hoje pelo Ministério do Meio Ambiente. Eles foram obtidos a partir de análises feitas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A área é pouco menor que à do estado de Alagoas. Com isso, 17,3% da cobertura florestal da Amazônia brasileira já foi destruída. Parte do potencial florestal brasileiro corre portanto o risco de desaparecer antes mesmo de se tornar conhecido.

A elevação da taxa anual de desmatamento demonstra que o Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pela Casa Civil e criado em julho de 2003 para reduzir os índices de desmatamento na Amazônia Legal não conseguiu, no primeiro ano de existência, cumprir seu principal objetivo. Apesar de medidas positivas como a criação de novas unidades de conservação como as viabilizadas pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia[1] (Arpa, apoiado entre outros parceiros pelo WWF-Brasil) e o aumento da fiscalização em algumas áreas, outras iniciativas levam ao descontrole e à degradação social e ambiental. O Arpa já apoiou a criação de quase 16 milhões de hectares, mas ainda há muito por fazer.

Para o WWF-Brasil, o desenvolvimento sustentável ainda não foi adotado como política para a Amazônia pelo governo federal e por grande parte dos governos estaduais, apesar de constar de documentos, projetos e discursos oficiais. Enquanto poucos setores no governo federal seguem as diretrizes da sustentabilidade, a maioria promove ações que induzem a projetos de impacto negativo, por meio de incentivos ao avanço da especulação imobiliária rumo a áreas florestais, com o argumento de que é necessário expandir a agricultura. No entanto, grilagem, crimes, trabalho escravo e devastação ambiental estão entre as conseqüências dessas ações.

"O Ministério do Meio Ambiente tenta fazer sua parte ao criar áreas protegidas, um mecanismo comprovadamente eficaz, mas não suficiente, para frear o avanço do desmatamento, e ao propor e defender o projeto de lei de gestão de florestas públicas que está em discussão no Congresso Nacional. É preciso ainda convencer empresas e governos a dar uso social e econômico às florestas de modo efetivo", diz Denise Hamú, Secretária Geral do WWF-Brasil. “Falta aos governos federal e estaduais empenho na aprovação do projeto de concessão de florestas públicas e na implementação do plano de combate ao desmatamento”, enfatizou.

Emissão de CO2

A destruição de florestas também tem impacto direto sobre a emissão de gás carbônico e as mudanças climáticas. O Brasil é responsável por 2,51% das emissões de gás carbônico, sem incluir o percentual de queimadas. Quando incluído, o número sobe para 5,38% (segundo dados de 2000 do World Resources Institute), o que eleva a posição do Brasil de oitavo para quinto país emissor. Só as queimadas geram 370 milhões de toneladas de carbono a cada ano.

O risco é claro: se o ritmo atual de desmatamento for mantido, o Brasil poderá jamais se beneficiar do potencial da Amazônia, que desaparece num ritmo contínuo. Esse potencial é comprovado por números: hoje, os produtos de base florestal constituem o segundo maior setor do agronegócio. São opções de desenvolvimento mais adequadas aos recursos naturais brasileiros, e que podem beneficiar diferentes setores sociais. Quando adequadamente conduzida, mesmo a exploração industrial da floresta e o uso de áreas protegidas podem resultar em desenvolvimento, com fortes vínculos locais. Uma situação muito diferente da atual atividade predatória ilegal.

[1] O Arpa é um programa do Governo Federal, com duração prevista de dez anos, destinado a proteger uma amostra representativa da diversidade biológica no bioma Amazônia, criando e consolidando ao menos 50 milhões de hectares por meio de unidades de conservação e promovendo o desenvolvimento sustentável na região. Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo Ibama, é implementado em parceria com governos estaduais e municipais, com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), o Banco Mundial, o KfW (banco de cooperação do governo da Alemanha), a GTZ (agência de cooperação técnica do governo da Alemanha) e o WWF-Brasil.

Duas florestas nacionais do Amazonas com 567 mil hectares terão plano de manejo

Duas Florestas Nacionais (Flonas) de Boca do Acre, no sudoeste do Amazonas, criadas na década de 80, terão enfim o Plano de Manejo: a Flona Purus e a Mapiá-Inauini. A primeira tem 256 mil hectares e foi criada pelo decreto 96.190/88; a segunda tem 311 mil hectares e foi estabelecida pelo decreto 98.501/89.

"Os técnicos do Ibama e da Universidade Federal de Viçosa (UFV) há uma semana percorrem a área para fazer o laudo biológico e sócio-econômico", informou Virgílio Ferraz, chefe de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Amazonas. Segundo ele, o instituto não sabe hoje quantas famílias moram nas duas reservas nem tem clareza ainda do potencial extrativista dessas áreas. "Por isso esse levantamento é etapa fundamental para a elaboração do Plano de Manejo, que deve contar com a participação dos moradores das Flonas", esclareceu Ferraz.

Flonas são unidades de conservação de uso sustentável – ou seja, áreas de proteção ambiental que permitem a existência de moradores. O objetivo principal delas é o de promover a exploração regulada dos recursos madereiros. Desde a publicação da Lei nº 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), toda unidade de conservação foi obrigada a ter um Plano de Manejo – documento que estabelece como e por quem as riquezas naturais podem ser economicamente aproveitadas, com baixo impacto ambiental.

Segundo Ferraz, outro ponto importante do levantamento é que ele possibilitará que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheça as famílias que moram nas duas Flonas como beneficiárias da Reforma Agrária. De acordo com Miguel Abi Abib, chefe da administração do Incra no Amazonas, a visita às Flonas Purus e Mapiá-Inauini está na programação dos técnicos da unidade avançada do Incra em Boca do Acre. "Eles já deveriam estar em campo para fazer o cadastramento dessas famílias, mas o trabalho foi adiado porque o escritório local do Incra foi ocupado há uma semana", informou.

BR-163 integra eixo Mato Grosso-Pará ao resto do país

A BR-163 é um desafio do governo de integração do eixo Mato Grosso-Pará ao resto do país, afirmou Fábio Duarte, diretor do Departamento de Outorgas do Ministério dos Transportes, na audiência pública sobre o projeto de pavimentação e restauração da estrada. Ele destacou que, com a obra ligando Cuiabá (MT) a Santarém (PA) o Estado estará mais presente na região "trazendo desenvolvimento regional, dando atendimento às populações marginais, impulsionando a produção agrícola, viabilizando uma exportação mais econômica para países europeus, asiáticos e para a América do Norte", destacou.

Segundo ele, a região é "inóspita", localizada no "coração da Amazônia", e precisa da integração de diversos órgãos do Governo Federal. Uma região que carece de desenvolvimento e emprego, segundo o coronel Paulo Roberto Dias Morales, chefe da Divisão de Ensino e Pesquisa do Instituto Militar de Engenharia (IME).

O coronel apresentou, na audiência pública, realizada hoje no Ministério dos Transportes, Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica, o Plano de Exploração Rodoviária e o Plano Básico Ambiental da BR-163. Na sua opinião, a rodovia levará emprego para a região. "A vantagem é trazer para uma região que carece de desenvolvimento soluções que possam reverter essa situação da falta de um emprego, de uma condição de trabalho, de implantação de indústrias", considerou.

Morales afirmou ainda que, nos primeiros três anos, com a realização da obra, haverá maior integração e oferta de empregos para a construção. "Depois, com os programas ambientais, haverá a absorção natural das pessoas nos trabalhos que devem ser desenvolvidos, integrando o empreendimento com os municípios, as universidades".

Gerente do Ibama acompanha no Pará situação de colonos ameaçados por madeireiros

O gerente-executivo do Ibama em Marabá, Ademir Martins, viajará nesta terça-feira para Conceição do Araguaia (PA) a fim de acompanhar a situação dos colonos do assentamento Padre Josimo Tavares, que invadiram as sedes do Ibama e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Eles alegam que a invasão foi para se protegerem de ameaças feitas por exploradores ilegais de madeira do município de Redenção (PA).

O gerente-executivo do Ibama no Pará, Marcílio Monteiro, disse que 25 agentes de Belém, Tucuruí e Marabá chegarão na quarta-feira (18) a Conceição do Araguaia "para dar apoio aos assentados".

O assentamento Padre Josimo Tavares foi criado em 1997 junto com uma reserva legal federal de 30 mil hectares. No local estão assentadas 863 famílias. Em setembro do ano passado, a reserva foi invadida para exploração ilegal de madeira. Segundo Monteiro, na época, agentes do Ibama permaneceram na região por um mês, quando fizeram um levantamento da situação. "Foram realizados autos de infração e conseguimos retirar as pessoas da reserva", acrescentou.

Mas no dia 14 de fevereiro a invasão foi retomada e o gerente do Ibama disse ter encaminhado relatório ao Incra informando que a situação "estava muito mais grave que no ano passado". Monteiro contou que os barracos montados pelos invasores são próprios para exploração de madeira. Um relatório pormenorizado da situação já foi feito pelo Ibama apontando não só o crime de retirada ilegal de madeira, como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

De acordo com Marcílio Monteiro, "gente humilde" está sendo explorada por pessoas do município de Redenção já devidamente identificadas: são cerca de 100 e aemaçam a vida dos colonos. O Ibama aguarda, agora, que a Polícia Federal cumpra o mandado de reintegração de posse expedido pela Justiça Federal em 23 de fevereiro.

José Eurípedes Pinto Aguiar, um dos trabalhadores rurais do assentamento Padre Josimo que deixou sua casa para refugiar-se com a família na sede do Incra, não esconde o medo de ser assassinado ou de ver alguém da família morto pelos exploradores ilegais de madeira. Em entrevista por telefone, ele pediu a presença de tropas federais na região por pelo menos seis meses, até que seja criado um batalhão para defender a reserva.

"Eu queria conclamar toda sociedade, o Ministério da Defesa, o Ministério do Meio Ambiente, para que se sensibilizem e mandem o Exército para cá como fizeram em Anapu. Eu queria pedir para esse pessoal não deixar acontecer o que aconteceu em Anapu. Quer dizer, mataram a freira primeiro e depois mandaram a segurança. Depois que morrer já morreu mesmo e aí deixa ver o que vai acontecer por aqui", desabafou o trabalhador rural.

No dia 12, os assentados de Padre Josimo reuniram-se com o Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho, para relatar os problemas da região. Eurípedes contou que durante a reunião recebeu bilhete de um dos invasores da reserva. No bilhete, acrescentou, estava escrito que "pessoas estavam na minha casa dizendo que queriam me encontrar para me matar". Dessa reunião participaram ainda quatro coronéis, policiais civis do Pará e representantes da Polícia Federal, informou Eurípedes.

Audiência na Câmara dos Deputados serve como palanque contra homologação em área contínua da TI Raposa-Serra do Sol (RR)

Em meio a uma enxurrada de críticas ao processo de demarcação da área, deputados e governador de Roraima aumentam a pressão pela transferência ao patrimônio estadual de terras de domínio da União. Gabeira considera argumentos apresentados contra a homologação “papo furado”.

O que era para ser uma audiência pública com o fim de discutir e avaliar as conseqüências do processo demarcatório da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR) transformou-se em palanque contra a sua homologação em área contínua. O debate foi realizado ontem, dia 11 de maio, durante reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, convocada pelo deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).

A composição da mesa deixou margem à suspeita de que a audiência seria na verdade um espaço aberto para que políticos contrários à homologação se manifestassem livremente. De um lado, o governador de Roraima, Ottomar Pinto (PTB), o presidente da Associação dos Produtores de Arroz de Roraima, Luiz Fernando Faccio, o presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), José Novaes, e o ex-prefeito de Boa Vista (RR) e perito da Justiça Federal, Hamilton Gondim. De outro, o diretor de Assuntos Fundiários da Fundação Nacional do Índio (Funai), Artur Nobre Mendes, e o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Marinaldo Justino Trajano. Quatro contra dois. O mediador da discussão foi o presidente da CMADS, Deputado Luciano Castro (PL-RR), que já ingressou em juízo para contestar a demarcação da Terra Indígena.

Além disso, os expositores escolhidos para defender a homologação foram colocados para falar em primeiro lugar, cabendo o restante de tempo à “acusação”, o que contraria as regras elementares de qualquer debate. Passaram pela audiência 14 parlamentares, grande parte da bancada de Roraima. Todos os deputados que se manifestaram condenaram a homologação em área contínua, com exceção de Babá (PT-PA) e Gabeira.

Por sugestão do deputado do PV do Rio de Janeiro será nomeada uma comissão externa de parlamentares para acompanhar o trabalho do grupo interinstitucional criado pelo presidente Lula com representantes dos governos federal e estadual para discutir e implementar as medidas compensatórias à homologação anunciadas pelo governo federal. São elas: destinar 150 mil hectares de terras da União para implantação de pólos agropecuários no Estado; o Incra vai cadastrar e assentar famílias não-indígenas que estão na TI e regularizar 10 mil propriedades, que assim terão acesso a crédito rural; concluir a avaliação das benfeitorias construídas na região; nenhum ocupante de boa fé será retirado da área sem indenização e sem um local para seu reassentamento.

A classe política de Roraima considera que a garantia dos direitos territoriais dos índios da região vai implicar atraso no desenvolvimento econômico do Estado e vem exigindo uma “compensação” maior que as medidas anunciadas pelo governo pela demarcação da área.

Homologação é irreversível

“A homologação foi amadurecida durante dois anos e não há disposição do governo em rever a decisão,” sentenciou Mendes. Ele apontou que as medidas compensatórias propostas pelo Palácio do Planalto já estão em curso e que elas serão capazes de “reconciliar” as facções políticas existentes no seio das comunidades indígenas e apoiar o desenvolvimento econômico de Roraima. “Já disponibilizamos R$ 1 milhão para as indenizações. Até o final deste mês, 28 proprietários que já haviam concordado com a retirada serão indenizados. A partir de junho, vamos concluir o levantamento das ocupações restantes.”

“A reserva Raposa-Serra do Sol é um fato irreversível. O que se discute é a possibilidade de atenuar a dureza da medida, como por exemplo, deixando as quatro comunidades [não indígenas] que vivem lá há muitos anos e também preservando o polígono dos arrozais,” insistiu Ottomar Pinto. Ele voltou a afirmar que a homologação em área contínua não tem “suporte antropológico” e também reivindicou a transferência para o seu Estado de uma área equivalente à da TI – 1,7 milhão de hectares – para ser destinada à produção agropecuária. O decreto homologatório assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 15 de abril, incluiu no território da TI todas as ocupações não indígenas, com exceção da sede urbana do município de Uiramutã, e deixou de fora o leito das rodovias que cortam a região, aparelhos públicos (escolas e linhas de transmissão) e a base do Exército localizada na área. (Saiba mais).

“Ao contrário do que se diz, a homologação não vai prejudicar o desenvolvimento do Estado. O que prejudica o desenvolvimento são os desvios de dinheiro público que lá ocorrem. Somos brasileiros também, respeitamos as leis e o Estado Democrático e também queremos o desenvolvimento com respeito ao meio ambiente”, defendeu Marinaldo Trajano. Ele citou os problemas de contaminação de rios e desmatamento descontrolado existentes nas áreas ocupadas pelos rizicultores. Trajano também lembrou que os índios favoráveis à homologação em área contínua são a imensa maioria na região e que eles vêm defendendo isso de forma pacífica há mais de 30 anos.

Em resumo, contra a homologação da TI Raposa-Serra Sol em área contínua foram repisados os mesmos velhos argumentos de que ela prejudicaria o desenvolvimento econômico de Roraima, de que parte considerável dos índios seria contrária à medida e de que ela ameaçaria a segurança nacional ao esvaziar a região e impedir a presença do Poder Público. Em relação a este último ponto, as ONGs com atuação local voltaram a ser acusadas de defender uma suposta “internacionalização” da Amazônia e os interesses de grandes potências sobre os recursos naturais do País.

Luiz Fernando Faccio classificou de “forjado” o laudo antropológico que baseou o processo de demarcação da TI. “Estamos entregando mais de 1,7 milhão de hectares para uma população ‘mínima’ de indígenas, que não deve passar de 9 mil pessoas, porque os dados da Funai extrapolam”, atacou. As estimativas mais recentes apontam a existência de mais de 16 mil índios na área. Faccio sugeriu que haveria um plano arquitetado por organizações indígenas e indigenistas de criar um “novo país” em Roraima com a aglutinação de várias TIs.

O próprio deputado Fernando Gabeira qualificou de “papo furado” o discurso da “internacionalização” e as acusações contra as ONGs. Segundo o parlamentar, sua intenção ao pedir o debate foi de tentar resolver o conflito político em Roraima da maneira mais pacífica possível. “Não estou satisfeito com a situação. Precisamos negociar, avaliar as medidas compensatórias propostas pelo governo federal e as reivindicações de Roraima para chegarmos a um consenso”, afirmou. Questionado sobre a composição da mesa do evento ele respondeu que ela havia sido alvo de “negociações políticas” conduzidas pelo presidente da CMADS, Luciano Castro. ”É um espaço para se espernear," disse Gabeira.

Falta de terra é causa da morte de crianças indígenas, conclui relatório de deputados

Brasília – Falta de terra para exercer atividades culturais, agrícolas e ancestrais são o principal problema dos povos indígenas de Dourados, no Mato Grosso do Sul, de acordo com o relatório final da comissão externa da Câmara dos Deputados. Onze mil índios guaranis-kaiowás vivem em uma área de 3,5 mil hectares.

Aprovado hoje (11), por todos os seis deputados presentes na reunião, essa é a base dos problemas de desnutrição, alcoolismo, busca de trabalho nas usinas e fazendas da região, mendicância na área urbana da cidade e a baixo-estima entre os indígenas. A comissão foi criada em março, para investigar as mortes de crianças indígenas ocorridas na região Centro-Oeste, em decorrência da desnutrição.

Para o coordenador da comissão, deputado Geraldo Resende (PPS-MS), a ida de uma equipe multiministerial nessa semana a Dourados (MS) é um sinal de que o governo vai investir mais nas ações. Ele espera que responsabilizem aqueles que deveriam atender os índios e acrescentou que "uma única morte por desnutrição em pleno século 21, num governo que tem como símbolo de sua atuação o Programa Fome Zero, já é suficiente para tomar decisões".

Os deputados lembram que o Ministério Público Federal em Minas Gerais encaminhou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) relatos de problemas semelhantes em outras regiões do país.

Com a aprovação, o relatório será entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalvanti (PP-PE), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Fundação Nacional de Saúde (Funasa) , à Fundação Nacional do Índio (Funaí), ao Ministério Público Federal e à Presidência da República.

Solução para índios em Dourados exige ampliação das terras, diz presidente do Conselho de Saúde

Os problemas das aldeias indígenas na região de Dourados (MS) não tratam apenas da saúde, exigem uma solução para a demarcação de terras. A afirmação é do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, Hilário da Silva. Para ele, a política de distribuição de alimentos é medida paliativa. Na região, foram registradas mortes de crianças indígenas por doenças decorrentes da desnutrição.

"Como indígena, eu acho uma injustiça ter esse tipo de ações paliativas como arrecadação de sacolão. O pessoal está num confinamento. Se não pensar num projeto estruturante, de ampliação da área, nós teremos um futuro pior do que já temos hoje".

A identificação, reconhecimento e homologação de terras é uma das ações em discussão pela comissão multiministerial que avalia a situação dos índios na região de Dourados. Várias das terras guarani kaiowá enfrentam problema de superlotação. Por exemplo, na reserva indígena Francisco Horta Barbosa (a 5 km de Dourados), uma das quase 30 terras ocupadas por esses índios na região sul de Mato Grosso do Sul, são 3.500 hectares para uma população de 11 mil índios. Além disso, o crescimento populacional dos povos indígenas nos últimos 30 anos é progressivamente superior à média nacional.

"Em Dourados é preciso pensar numa ampliação da área e montar projetos estruturantes, para que a própria comunidade seja auto-sustentável com a participação em projetos que o governo venha a desenvolver", defende Hilário.

A comissão multiministerial deve se reunir hoje (10) à tarde com as lideranças indígenas. A equipe também apura denúncias de uso irregular de verbas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). E um pacote de medidas deverá ser lançado para melhorar o atendimento e os serviços prestados aos índios da região.

Composta por representantes do ministério da Justiça, das Cidades, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além de equipes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Funasa, a comissão chegou ontem (9) a Dourados.