Colonização gaúcha

Os caminhos abertos pela Expedição Roncador-Xingu também foram utilizados por uma outra onda de colonização, mais recente, ocorrida nos anos 70. Com apoio governamental, colonos gaúchos deixaram o sul do país em busca de grandes propriedades a preços baixos, fazendo surgir típicas vilas sulistas no centro e no norte do Brasil.

As cidades de Água Boa e Canarana, por exemplo, são típicas vilas sulistas em pleno Mato Grosso. A ocupação da região foi extremamente organizada e planejada, o que possibilitou um rápido desenvolvimento econômico. Por outro lado, a voracidade dos primeiros moradores acabou com a vegetação nativa. Mais conscientes hoje, muitos fazendeiros lamentam a maneira como a ocupação ocorreu. “Não tivemos a menor preocupação com o cerrado, queríamos fazer lavouras. Hoje estamos vendo rios assoreados e as terras virando areia”, conta um dos fundadores de Água Boa, o fazendeiro gaúcho Elcides Salamoni.

Nos últimos anos, o avanço desenfreado da criação de gado e a devastação da vegetação nativa para o plantio da soja, ameaçam também os mananciais da região. Um dos maiores riscos é a degradação dos rios que formam o Xingu. Isto põe em risco a saúde das várias comunidades xinguanas que tem nos rios a base de sua sobrevivência.

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Extraterrestres e minas de ouro

Nova Xavantina, no Mato Grosso, é outra cidade que nasceu na sombra da expedição. Com 5 700 quilômetros quadrados de extensão – quase quatro vezes a área da cidade de São Paulo -, o município tem pouco mais de 20 mil habitantes. Há 60 anos, era só mato.

A cidade foi batizada por Orlando Villas Bôas como explica o pioneiro e ex-expedicionário, José Celestino da Silva. Conhecido como Zé Goiás ele conheceu o acampamento que originou a cidade ainda em 1946 quando chegou para integrar o pelotão de frente do avanço mata adentro. “O pessoal queria dar o nome de São Pedro do Rio das Mortes para a nova cidade, mas seu Orlando falou que achava que tinha que dar um nome sobre a origem da cidade e aqui era território Xavante”, conta o ainda morador de Nova Xavantina. “Eu queria muito conhecer o Rio das Mortes, aqui tinha muita história, muita lenda”, completa orgulhoso.

Cercada de belos morros, cachoeiras e com enorme potencial para o eco-turismo, a cidade ainda explora pouco a beleza de seus arredores como uma fonte de desenvolvimento sustentável. O lugar também tem fama de pólo esotérico. Muitos forasteiros vêm à cidade atrás dos segredos e mistérios da Serra do Roncador. Eles acreditam que ali existem passagens secretas, que levam a um mundo oculto, relacionado à lenda da cidade perdida de Atlanta. Outros crêem nas aparições de extraterrestres.

Durante anos, no entanto, a principal atividade da região foi o garimpo. Próximo à Nova Xavantina, está a famosa mina de Araés. Descoberta pelos bandeirantes, o local tinha tanto ouro que foi confundido com a lenda do Eldorado, que falava de terras onde jorravam enormes quantidades do metal dourado. Depois de séculos de exploração, até hoje ainda existe jazidas do metal no lugar, mas atualmente estão a cerca de 70m de profundidade e a prospecção está proibida na área. Mesmo assim, garimpeiros clandestinos ainda se aventuram nas profundezas das minas na esperança de encontrar uma pepita que lhes mude a vida. Porém, quase sempre o resultado desta busca são problemas sociais, mortes e crimes ambientais.

As cicatrizes do garimpo são vistas não apenas na poluição e destruição da terra a poucos metros do rio das Mortes, várias pessoas morrem de males causados pela atividade. Sinvaldo Vieira Rodrigues, ex-garimpeiro, afirma: “a única coisa que o Araés já fez foi matar muita gente”. Há cinco anos, ele sofre de silicose, doença terminal causada pela respiração de pó de pedra que vagarosamente endurece as paredes do pulmão até impedir completamente a respiração. O mesmo mal foi responsável pela morte de seu irmão. Esforçando-se para conversar entre períodos de falta de ar, ele conta que outros sessenta colegas faleceram da mesma forma ou por acidentes.

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A fundação das novas cidades

Enquanto a vanguarda da Marcha para o Oeste avançava pela selva, na retaguarda um outro grupo tratava de montar a estrutura nos acampamentos que deram origem às primeiras vilas e cidades da região. As duas principais bases para o avanço desenvolvimentista estavam em Aragarças, em Goiás – uma cidade fundada pela Fundação Brasil Central – e em Barra do Garças, uma antiga corruptela localizada nas margens mato-grossense do Araguaia.

Com o incentivo do governo, a região passou a atrair os imigrantes. Caboclos desciam os rios, enfrentando meses de viagem para ocupar o Novo Brasil. O mesmo faziam homens e mulheres do Nordeste. Nessa leva veio o cearense Valdon Varjão, de 79 anos. "Cheguei aqui com uns 14 anos e acabei ficando amigo dos irmãos Villas Bôas", lembra. Apesar da amizade, Varjão culpa os Villas Bôas pelo fato de a região não ter se desenvolvido como ele esperava. “Eu acho que os irmãos desvirtuaram a intenção original que era colonizar toda essa região construindo estradas e novas cidades. A idéia não era catequizar índio e nem fazer Parque Indígena”, reclama.

Mas a nova fronteira brasileira atraia povos ainda mais longínquos. Desde a década de 1950 um grande número de palestinos começaram a chegar num movimento migratório que existe ainda hoje. Atualmente, a colônia domina boa parte do comércio varejista local. “Quando chegamos aqui, tinha um movimento de expansão, esta era uma terra não descoberta. Mas não tinha uma casa de comércio de brasileiros, nem mesmo em Aragarças. Tudo que a gente vendia vinha de São Paulo, pela Transportadora Caçula, e passava por Uberlândia e Goiânia”, contextualiza o veterano Abdel Aziz Ali Saleh cuja família foi uma das primeiras a se instalar no local.

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Colunas de fumaça: o contato com os índios

Logo na primeira avançada da vanguarda para longe das últimas vilas garimpeiras, como Barra do Garça, surgem sinais dos temidos índios do Brasil Central. Colunas de fumaça vistas durante um sobrevôo denunciavam presença humana. Eram aldeias dos xavantes, povo caçador e que utilizava queimadas controladas para espantar os animais e facilitar a caçada.

O coronel Vanique, comandante da expedição na época, relutou em seguir na trilha dos índios e a continuação da viagem selva dentro foi adiada por diversas vezes. Mas a vanguarda prosseguiria, sob a liderança dos Villas Bôas. Em 1945, dois anos depois de iniciada a expedição, o novo presidente, Eurico Gaspar Dutra, remanejou o coronel Vanique para o Exército. Assim, a chefia da Expedição Roncador-Xingu passou definitivamente para os irmãos Villas Bôas.

Na retomada do caminho, por meses, a Expedição foi acompanhada pelos Xavantes, que cercavam os acampamentos à noite em pequenos grupos e imitavam animais. Em algumas ocasiões, chegaram a ameaçar trabalhadores e chefes. Mas a expedição passou ao largo das aldeias e o grupo só deparou com os primeiros índios em 25 de julho de 1945, quando ficaram cara a cara com 30 xavantes, que tentaram um ataque mas, assustados com tiros para o alto, correram mata adentro.

Na Reserva Indígena de Pimentel Barbosa, até hoje os mais velhos lembram da chegada da chegada do não-índio à região. O xavante Rupawe recorda que ficou incrédulo com chegada de um povo estranho. “Só quando eu era rapaz, comecei a entender que tinha outro povo querendo se aproximar. Naquela época, a tribo tinha rastreadores, que fiscalizavam a terra. Eles começaram a trazer notícia do branco. Um dia eu ouvi tiro e um rastreador me avisou de onde veio. Aí eu fui lá e vi as pessoas. Eu pensava que eles estavam todos pintados, por causa do pêlo na cara e no corpo”, conta.

O próximo contato com índios, o primeiro mais duradouro, só ocorreu anos mais tarde, quando a Marcha avançava pelo Alto Xingu. O encontro histórico aconteceu com um pequeno grupo da etnia Kalapalo que pescava no rio Kuluene, como narra Orlando:

“Descemos o rio, três ou quatro dias depois, nós chegamos numa barreira onde tinham uns 200 ou 300 índios. Nós ficávamos na praia e eles na barranca do rio, a gente gritava, eles respondiam, a gente queria atravessar o rio, eles ameaçavam com arco e flecha. E ficou aquela coisa, uns dois dias assim. No terceiro dia, apareceu na margem um bruto de um índio. Ele chegou, abriu os braços e os outros índios se afastaram. Ele fez um sinal e eu, Cláudio e Leonardo atravessamos o rio. Quando nós chegamos, abraçamos ele. Chamava-se Izarari, o grande cacique Izarari, temido, era um índio terrível. Ali nós fizemos o primeiro posto e o primeiro campo de aviação.”

A liderança dos Villas Bôas transformou o caráter da Marcha para o Oeste. Baseada na filosofia do Marechal Rondon de “morrer se preciso for, matar nunca”, o que seria meramente uma missão potencialmente violenta, tornou-se uma expedição de contato, pacificação e respeito com os diversos povos indígenas da região. Um trabalho reconhecido em todo mundo como um dos mais importantes para a preservação da diversidade humana.

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Os Villas Bôas

Motivados pela campanha publicitária sobre a Macha para o Oeste, três jovens irmãos paulistas foram atraídos pela idéia de fazer parte daquela aventura. A família havia se mudado de Botucatu para a capital há pouco tempo, mas uma sucessão de tragédias os deixou órfãos, o que também serviu de estímulo para a partida rumo ao interior. Orlando Villas Bôas, tinha 27 anos e trabalhava de escriturário na Esso. Cláudio, de 25, deixou o emprego de mensageiro na prefeitura de São Paulo para embrenhar-se na mata. O caçula, Leonardo, de 23, trabalhava numa empresa distribuidora de gás e foi contagiado pela empolgação dos mais velhos.

Acostumados com a vida no campo – o pai era fazendeiro -, acreditavam que não teriam dificuldades em ser aceitos naquele exército expedicionário. Alguns pontos, porém, pesavam contra os Villas Bôas: sabiam ler e escrever. E foi este o motivo alegado para que os três irmãos fossem recusados quando se apresentaram pela primeira vez, em São Paulo. Considerados “educados demais para a vida no sertão”, logo foram descartados.

Inconformados com a negativa decidiram prepararem-se para a dura vida sertaneja. Durante quase um mês, deixaram crescer barba e bigode e tomaram banhos de sol diariamente. Voltaram ao local de alistamento e se declararam analfabetos. Com a pele escura e barbas fartas, foram aceitos e passaram a fazer parte da Expedição Roncador-Xingu. Eles jamais imaginariam que estavam iniciando uma viagem que mudaria suas vidas, entraria para a história do Brasil e seria importantíssima para a preservação de diversos povos indígenas. Jamais imaginariam que iriam passar 35 anos no coração da selva.

Leonardo e Cláudio começaram o trabalho na enxada e Orlando como ajudante de pedreiro. A farsa durou até o dia em que o avião bimotor que levava mantimentos e ferramentas para a expedição sofreu um pequeno acidente. Cláudio e Leonardo estavam capinando a pista de pouso, aberta no meio do matagal, e foram chamados para ajudar. Na conversa com o piloto, acabaram se revelando alfabetizados. Os irmãos foram denunciados ao comando da expedição. No dia seguinte, Orlando foi nomeado secretário da base, enquanto Cláudio e Leonardo ficaram encarregados do almoxarifado.

Os números deste trabalho falam por si só. Com o apoio da Fundação Brasil Central, foram 1 500 quilômetros de picadas abertas, mais de 1 000 quilômetros de rios percorridos, 43 vilas e cidades nascidas às margens dos novos caminhos, 19 campos de pouso – quatro se tornaram bases militares e pontos de apoio de rotas aéreas internacionais – e 5 mil índios, de 14 etnias, contatados. Os Villas Bôas ainda foram responsáveis pela criação do Parque Indígena do Xingu e receberam comendas estrangeiras, nacionais, títulos e diplomas de Honra ao Mérito duas indicações para o Prêmio Nobel da Paz. Orlando e Cláudio ainda foram premiados com 200 malárias cada um. O impacto da chegada do homem branco repercute até hoje na região.

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Um fuzil e 50 balas

O comando da Marcha para o Oeste, como ficou conhecida a vanguarda deste avanço do desbravamento, foi dado ao Coronel Flaviano de Mattos Vanique, homem de confiança e membro da guarda pessoal do presidente. Como havia sido pensada no início, a iniciativa era essencialmente uma expedição de colonização. A frente deveria abrir estradas, identificar locais propícios para a abertura de cidades e implementar campos de pouso, única ligação da região com o resto do país.

Um pequeno grupo de frente, formado por cerca de 40 homens recrutados na região, ficou sob o comando do coronel. A idéia era contar com sertanejos rudes o bastante para agüentar a vida no mato. Eles vinham principalmente dos sertões do Centro-Oeste e da Bahia ou de corruptelas garimpeiras locais e nada se perguntava sobre seu passado. Além do treinamento que tinham recebido da própria vida, cada homem ganhou um fuzil, 50 balas e um par de botinas.

Foi assim que, em julho de 1943, depois de uma ampla campanha para arredar doações para viabilizar seu início, a expedição partiu rumo ao Araguaia, num desastroso comboio militar com mantimentos cuja maioria estragou ou ficou pelo caminho. O transporte testou os mais variados tipos de transporte da época, desde o trem até lombo de mula.

No noticiário da época, a expedição disputava atenção com a Grande Guerra. A imprensa contava histórias de índios assassinos, instigando o imaginário da população urbana. O Vale do Araguaia aparecia como uma região quase fictícia e aparecia habitada por criaturas, seres sobrenaturais ou “índios vampiros” como a revista Cruzeiro defendeu em uma de suas reportagens mais populares.

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A Marcha para o Oeste – A maior aventura do século 20

Índios devoradores de gente, montanhas de ouro e diamante, feras selvagens. Essas e outras lendas herdadas dos bandeirantes eram quase tudo o que se conhecia sobre o interior do Brasil há 60 anos. No início da década de 40, praticamente todos os 43 milhões de habitantes do país estavam concentrados no litoral e viam o interior do próprio país como algo exótico. A região não passava de uma enorme e inexplorada mancha na geografia brasileira.

A Expedição Roncador-Xingu foi planejada para conquistar e desbravar o coração deste Brasil lendário e misterioso. Iniciada em 1943, o movimento adentrou o Brasil-Central, desvendou o sul da Amazônia e travou contato com diversas etnias indígenas ainda desconhecidas. Uma epopéia sensacional, que entrou para a História como das maiores aventuras do século 20 em todo o mundo. Na liderança, três irmãos que marcaram este período da história nacional: Leonardo, Cláudio e Orlando Villas Bôas.

No início dos anos 40, o Araguaia e seus afluentes eram a ultima barreira natural ao progresso “civilizatório” que massacrava índios desde o descobrimento. As margens, que dividem também cerrado e floresta amazônica, escondiam mais de uma dezena de povos numa região vasta e desocupada. Eram os últimos refúgios para dezenas de nações indígenas até então desconhecidas. Apesar disso, a região era classificada como um “vazio demográfico que precisava ser ocupado” e despertava o interesse de autoridades internacionais, além de garimpeiros, fazendeiros, políticos e, em especial, tirava o sono dos militares brasileiros.

Longe das veredas do cerrado e das águas límpidas do rio Kuluene, eclodia na Europa o auge da Segunda Guerra, um conflito que teve como uma de suas razões a noção de “Espaço Vital”. A idéia, simplificadamente, defendia o direito de que nações “mais desenvolvidas” ocupassem áreas pouco exploradas em países “menos desenvolvidos”. Esta teoria colocava a região incógnita no Centro-oeste brasileiro como alvo potencial para a cobiça de outros países.

Neste contexto, o então presidente, Getúlio Vargas, fez um longo sobrevôo na região do Araguaia, a convite do então governador de Goiás, Pedro Ludovico. Ao ver uma vastidão de florestas cortadas por rios imensos, concluiu abismado: “É o branco do Brasil Central”. Para mudar essa realidade, o presidente encarregou o ministro da Coordenação de Mobilização Econômica, João Alberto Lins de Barros, de promover a interiorização do Brasil. Assim nasceu a Fundação Brasil Central, FBC. Em seguida, foi anunciada a criação da Expedição Roncador-Xingu, cujo objetivo era ser ponta de lança do avanço progressista, com a função de mapear o centro do país e abrir caminhos que ligassem a região ao resto do país.

O ministro João Alberto foi um dos maiores incentivadores da colonização do Centro-Oeste, principalmente por ter conhecido toda a região como revolucionário da Coluna Prestes. Ele vislumbrava o futuro econômico do Vale do Araguaia, apontando a terra como ideal para pecuária. Além disso, o ministro sonhava em ver uma urbanização planejada e ordenada que, ao seu entender, traria assistência, riquezas e qualidade de vida ao interior do país. Em boa parte, o sonho progressista do militar se concretizou. Transcorrida por cerca de quarenta anos, a Marcha Para o Oeste fundou cerca de 43 vilas e cidades, construiu 19 campos de pouso, contatou mais de cinco mil índios e percorreu 1,5 mil quilômetros de picadas abertas e rios.

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Os vapores e as histórias de Itacarambi

É um tanto intangível para as gerações mais novas imaginar porque o Velho Francisco foi o Rio da Integração Nacional. Rio de Janeiro era a capital, e o Nordeste era o Brasil a que ela se integrava. Mas isso fica ainda mais claro quando ouvimos as histórias de quem viveu essa época exatamente no meio do caminho, entre Pirapora – MG e Juazeiro – BA, no porto de Itacarambi – MG.

vapores_1.jpgSeo Jaime Pacheco, 76 anos, 40 pescando no São Francisco, lembra-se muito bem da época em que 12 vapores faziam o trajeto, trazendo riqueza e comércio para a região. “Na época da guerra os vapores foram a salvação”, lembra-se orgulhoso. “Os expedicionários brasileiros subiram dentro dos vapores para embarcar para a Europa, evitando serem torpedeados pelo inimigo”, lembra-se orgulhoso.

“Durante a guerra os vapores foram a salvação”, lembra-se seo Jaime. Foto: Marcello Larcher

vapores_2.jpgDona Floripes Leles de França Andrada, 75 anos, foi ainda menina para Itacarambi, aos 13 anos partiu de sua Bahia natal no Barão de Cotegipe, um dos vapores mais famosos. Em Minas cresceu, casou-se, trabalhou por 25 anos no grupo escolar e criou seis filhos. Aliás, fica difícil saber o que é Minas e o que é Bahia, tudo fica um sertão só.

Dona Floripes, veio da Bahia mas considera-se mineira. Foto: Marcello Larcher

vapores_3.jpgOutro que veio da Bahia foi seo Salustiel Leão de Sousa, 79 anos. Ele se ressente dos vapores ancorados em Juazeiro e Pirapora e da falta de peixes. Ele diz que antes das barragens o rio corria mais, e que assim parado ele come as margens, mata as árvores e afasta os peixes. Para ele a solução só Deus pode dar, pois são as chuvas que trazem as cheias. Mal sabe seu Salatiel que, com Três Marias e Sobradinho, as cheias só podem vir por obra das comportas.

Para seo Salustiel, só um milagre pode salvar o rio. Foto: Marcello Larcher.

Conferência Terra e Água termina após participação de 40 movimentos e 9 mil militantes

A Conferência Nacional Terra e Água reuniu nove mil trabalhadores, durante os quatro dias de debate, em Brasília. Conseguiu, pela primeira vez, unir mais de 40 entidades representativas de movimentos sociais, que lutam pela causa da posse da terra e do uso racional dos recursos hídricos.

Além disso, elaborou um documento, o Manifesto da Terra e da Água, a ser entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, com as reivindicações de todos. Nele, há uma crítica ao modelo econômico do governo e ao modelo agrícola desenvolvido no Brasil. A principal reivindicação é pela Reforma Agrária.

"No documento, pedimos ainda acesso à terra, à uma energia que não agrida o meio ambiente, distribuição de renda e respeito à natureza. O manifesto chama a atenção para o problema da política econômica do governo, porque é um dos entraves para o desenvolvimento de uma economia voltada para o mercado interno, para o desenvolvimento interno e não para as exportações", disse o representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isidoro Revers.

Isidoro disse que a expectativa dos grupos presentes foi superada, tanto do ponto de vista da quantidade de participantes quanto da qualidade das discussões. O evento se encerra com uma marcha, que seguiu do Ginásio Esportivo Nilson Nelson até o Banco Central.

Manifesto da Conferência Nacional Terra e Água pede urgência na reforma agrária

A Conferência Nacional Terra e Água termina hoje, em Brasília, e o manifesto que será entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva já está pronto. Ele foi lido, pela manhã, para os cerca de nove mil participantes, entre trabalhadores rurais, atingidos por barragens, quilombolas, ribeirinhos e indígenas. Segundo o documento, foi reafirmada, durante a conferência "a necessidade urgente de uma reforma agrária ampla, massiva e participativa".

Além disso, o texto diz que é "fundamental e urgente a democratização do acesso à terra, com a garantia da autonomia dos territórios das populações tradicionais, fortalecendo a agricultura familiar e camponesa, garantindo o direito à água, ao acesso aos recursos naturais, à produção de alimentos saudáveis, à soberania alimentar e à preservação da biodiversidade".

As mais de 40 entidades que produziram o manifesto se comprometem "a buscar uma relação diferente, respeitosa e integral, com a terra, a água", por meio da luta por mudanças na estrutura fundiária. "A luta e o compromisso dos participantes da Conferência Nacional Terra e Água são pela construção de um projeto de sociedade justa, igualitária, solidária, democrática e sustentável", afirma o documento.

Ao longo do texto os manifestantes acusam "a política formulada no governo FHC e mantida no governo Lula" como a principal causa do agravamento da situação social e da degradação ambiental. Segundo o documento, a pobreza e a desigualdade foram mantidas, além de taxas de desemprego insustentáveis. Como conseqüências do modelo, cita a marginalização, criminalidade, impunidade e insegurança e exemplifica com casos como o assassinato de sem-terra em Minas Gerais e os crimes contra os indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol.

De acordo com o documento, "é fundamental a realização de uma mudança profunda na atual política macro-econômica, reduzindo as taxas de juros e o superávit primário" (relação entre receita e despesa do governo), utilizando os recursos para a geração de empregos e expansão de serviços públicos.