Manifesto da Conferência Nacional Terra e Água pede urgência na reforma agrária

A Conferência Nacional Terra e Água termina hoje, em Brasília, e o manifesto que será entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva já está pronto. Ele foi lido, pela manhã, para os cerca de nove mil participantes, entre trabalhadores rurais, atingidos por barragens, quilombolas, ribeirinhos e indígenas. Segundo o documento, foi reafirmada, durante a conferência "a necessidade urgente de uma reforma agrária ampla, massiva e participativa".

Além disso, o texto diz que é "fundamental e urgente a democratização do acesso à terra, com a garantia da autonomia dos territórios das populações tradicionais, fortalecendo a agricultura familiar e camponesa, garantindo o direito à água, ao acesso aos recursos naturais, à produção de alimentos saudáveis, à soberania alimentar e à preservação da biodiversidade".

As mais de 40 entidades que produziram o manifesto se comprometem "a buscar uma relação diferente, respeitosa e integral, com a terra, a água", por meio da luta por mudanças na estrutura fundiária. "A luta e o compromisso dos participantes da Conferência Nacional Terra e Água são pela construção de um projeto de sociedade justa, igualitária, solidária, democrática e sustentável", afirma o documento.

Ao longo do texto os manifestantes acusam "a política formulada no governo FHC e mantida no governo Lula" como a principal causa do agravamento da situação social e da degradação ambiental. Segundo o documento, a pobreza e a desigualdade foram mantidas, além de taxas de desemprego insustentáveis. Como conseqüências do modelo, cita a marginalização, criminalidade, impunidade e insegurança e exemplifica com casos como o assassinato de sem-terra em Minas Gerais e os crimes contra os indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol.

De acordo com o documento, "é fundamental a realização de uma mudança profunda na atual política macro-econômica, reduzindo as taxas de juros e o superávit primário" (relação entre receita e despesa do governo), utilizando os recursos para a geração de empregos e expansão de serviços públicos.

Pequenos agricultores criticam modelo que prioriza o agronegócio

Durante a Conferência Nacional Terra e Água, realizada em Brasília, os pequenos agricultores criticaram a hegemonia do agronegócio no país. Segundo o coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Romário Rossetto, o agronegócio gera 5% dos empregos no Brasil, enquanto a maioria, 84% deles, é gerado pela agricultura familiar.

"A produção dita do agronegócio em propriedades acima de mil hectares é de 21% no caso da soja. Enquanto nas que têm até 100 hectares são produzidas 32% da soja do país. O agronegócio desemprega pelo uso de altas tecnologias, substituindo a mão-de-obra familiar", ressalta Romário Rossetto. Ele acrescenta que o problema da posse da terra no Brasil não está só no desenvolvimento agrário mas na política econômica do governo federal.

Paulo Kageyama, diretor do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente, diz que houve uma priorização do governo em relação ao nivelamento da balança comercial para que "as contas ficassem melhor", gerando assim o superávit primário. "Estamos fazendo todo o empenho para que o lado da agricultura familiar seja visível também. Sempre pareceu que este lado era pouco produtivo, o que não é verdade. A produção de alimentos no Brasil é feita basicamente pela agricultura familiar", reforça.

Kageyama concorda com a discrepância de empregos gerados e disse que cinco milhões de agricultores vivem da agricultura familiar no campo, enquanto há 500 mil grandes propriedades. "São 10% contra 90%. A grande maioria das propriedades é de agricultura familiar", acrescenta.

Ele diz ainda que a luta dos movimentos sociais na conferência é importante para fazer frente à força do agronegócio. "Estamos dando total apoio a esta mobilização. Esperamos que haja um contrabalanceamento, que este segmento [agricultura familiar] tenha muita importância também, porque socialmente é muito importante e cria empregos", defende.

Ministro da Agricultura e sem-terras divergem sobre declarações de presidente do Incra

As declarações feitas pelo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, durante a Conferência Terra e Água revelaram, nesta quarta-feira, as divergências existentes entre o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile. Para Hackbart, o agronegócio seria o "inimigo" dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais.

Em São Paulo, no intervalo do 24º Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex), o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, disse que a declaração do presidente do Incra "é muito mais uma questão de semântica, ou conceito a ser claramente redefinido". O ministro considera os sem-terra como parte do agronegócio, atividade que representaria 34% do PIB nacional e é responsável por 42% das exportações brasileiras."

Stédile diz que agronegócio e transnacionais são os verdadeiros inimigos do pequeno agricultor

Em Brasília, na Conferência Terra e Água, o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), João Pedro Stédile Stédile apoiou as declarações de Hackbart. O líder do MST repetiu diversas vezes em seu discurso que o agronegócio é uma ameaça para o pequeno agricultor. De acordo com Stédile, além de empregar pouco, a atividade prioriza a monocultura, busca o comércio exterior e a parceria com as transnacionais.

"Os fazendeiros vende-pátria estão em buscas de terras para ampliar seus negócios. Eles se articulam com juízes que impedem a emissão da posse de terras que o Incra já até liberou o dinheiro para desapropriação", acusou Stédile. Para ele, os novos empresários do setor agrícola são hoje mais resistentes à reforma agrária do que os antigos latifundiários. "Achamos que íamos bater num gatinho e atingimos uma onça."

Em seu discurso, Stédile afirmou que os pequenos agricultores precisam identificar os verdadeiros inimigos: o agronegócio, que quer ocupar as terras improdutivas, e as grandes empresas transnacionais, que defendem o uso de transgênicos.

Ele criticou a política de exportações do governo, por considerar que a venda para o exterior beneficia apenas as empresas transnacionais "que não querem que o país se desenvolva como economia autônoma."

Para Stédile, os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior estão "fazendo o jogo do grande capital". "Vender matéria-prima não é orgulho, é burrice", disse.

Stédile criticou as mudanças feitas no Senado na Lei de Biossegurança. Para ele, o texto virou uma "lei de bio vale tudo". De acordo com ele, os representantes do movimento na Conferência Nacional Terra e Água esperam que o presidente Lula cumpra a promessa de só aprovar o projeto da forma como ele saiu da Câmara dos Deputados. "O governo precisa jogar claro. Saber se está do lado das transnacionais ou de nós", disse.

Governo estuda a produção do biodiesel em 2005

O governo vai lançar ainda este mês toda a base legal para que o Brasil produza biodiesel dentro do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. O anúncio foi feito hoje pela consultora do Programa de Biodiesel do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Edna Carmélio, durante entrevista à Rádio Nacional Brasília AM. Para ela, 2005 vai ser de fato o ano de implantação do biodiesel.

Na avaliação da consultora, a ação do governo coincide com um bom momento para a sociedade que pede biodiesel, tanto do ponto de vista da agricultura familiar, na área de produção, quanto dos ambientalistas. Segundo ela, estima-se que cerca de 25 mil agricultores já estão envolvidos com a produção de oleaginosas como a mamona, com destaque para o Nordeste, uma vez que lá está a maior parte dos agricultores familiares e os mais pobres. "Então, nosso esforço é para colocá-los à luz da inclusão social", observa.

Edna Carmélio salienta que o grande diferencial do biodiesel no Brasil "é que ele está pautado na inclusão social e todos trabalham com relações contratuais justas, preços compatíveis e, principalmente, com assistência técnica". Afirmou que com o biodiesel o Brasil tem todo o potencial para marcar novamente a sua história, como marcou no caso do álcool.

A consultora lembra que o biodiesel apresenta um diferencial em relação ao álcool: não precisa ser adaptado aos motores. Ela assinala outro fator positivo na introdução do combustível: "a sociedade antes de pensar e de instituir a cadeia do biodiesel já está se mobilizando para esta produção com a ação dos agricultores familiares e das cooperativas".

Edna Carmélio observa que o modelo tributário definido para o biodiesel se iguala ao estabelecido para o diesel de petróleo, ressalvando que "para os projetos e empreendimentos que trabalhem com a agricultura familiar, ou seja, que promovam a inclusão social, haverá isenção total dos tributos federais".

"A competitividade do biodiesel está amarrada à inclusão social e esse é um marco para o governo", acrescenta.

Produtos da agricultura familiar chegam aos supermercados no Paraná

Os agricultores familiares do Paraná começaram a vender seus produtos nas grandes redes de supermercados de Curitiba. Uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o governo do Paraná e a Associação de Supermercados facilitou a comercialização dos produtos, considerada um dos maiores problemas do pequeno produtor.

A iniciativa, de acordo com Sérgio Costa, consultor nacional de Apoio a Negócios e Comércios Territoriais, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, está proporcionando aos consumidores curitibanos conhecer melhor os produtos da agricultura familiar e comparar preços e qualidade.

“Até então o público das grandes redes de supermercados não tinha acesso aos produtos da agricultura familiar, que eram vendidos apenas em feiras ou eram agregados às marcas dos supermercados. Agora temos gôndolas estilizadas com produtos apenas da agricultura familiar. Os consumidores conhecem nossos produtos, fazem comparações sobre a qualidade e os preços com os industrializados que também estão disponíveis nas grandes redes”, explica.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o governo do Paraná investiram R$ 125 mil para montar 30 gôndolas da agricultura familiar nas grandes redes de supermercados. A idéia do governo, de acordo com Sérgio Costa, é levar a parceria para outros estados, atingindo não só os grandes supermercados, mas também os médios e pequenos nas regiões mais próximas das áreas onde são cultivados os produtos, dinamizando as economias locais. "No momento em que nós fazemos parcerias com pequenas redes ganha o produtor, o comerciante e o consumidor", afirma.

Sérgio explica também que é preciso envolver a família do produtor nessa comercialização. “Cada gôndola no supermercado vai ser administrada pelos produtores, a Secretaria de Agricultura e os supermercados. Já existem conversações para utilizar, no processo de venda, os filhos do agricultor familiar, que poderiam explicar a história de cada produto que está sendo vendido” informa.

De acordo com o consultor nacional de Apoio a Negócios e Comércios Territoriais, a experiência está dando certo e será levada para outros estados. Sérgio Costa informou ainda que neste primeiro trabalho já foi registrado um aumento na renda dos agricultores familiares.

Em Curitiba, são 14 produtores que colocam 80 itens nas grandes redes de supermercados . Para a agricultora paranaense Anebela Feltez , sem o apoio do setor público fica caro para o produtor colocar seus produtos à venda no supermercado. Ela explica que os produtos da agricultura familiar são, às vezes, mais caros porque têm melhor qualidade. “Nosso produto chega com uma diferença de preço em relação ao industrializado. Por exemplo, se compramos uma geléia, a da agricultura familiar terá menos açúcar e mais fruta do que a industrializada, por isso a nossa sai mais cara”, afirma.

Agricultor familiar divulga produtos por meio da internet

Um sistema de informação está facilitando a comercialização de produtos na agricultura familiar. O Sistema de Informação e Promoção de Produtos e Serviços da Agricultura Familiar (Sispaf), desenvolvido pela Embrapa em Teresina (PI), está permitindo que pequenos agricultores possam divulgar seus produtos conquistando mais espaço de venda para órgãos do governo e para empresas e supermercados. “O sistema permite aumentar as oportunidades dos agricultores familiares que tiveram todo trabalho e empenho em conseguir fazer a sua produção e agora na hora de comercializar eles contam com um instrumento a mais de facilidade e de aproximação com o mercado”, explicou o Coordenador Geral de Apoio à Vigilância Sanitária e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Otávio Valentim Basaldi. Em entrevista ao Programa Revista Brasil, da Rádio Nacional AM, Basaldi destacou que o objetivo do Sispaf é articular a produção familiar de gêneros do campo, melhorando as vendas dos pequenos agricultores. Segundo ele, de um lado está a produção dos agricultores familiares, que podem, no cadastramento, estar informando todo tipo de produto que são produzidos, em quais épocas são predominantes para realizarem a comercialização de seus produtos. De outro lado, existem os potenciais compradores, que podem ser tanto uma empresa ligada ao setor público, como também o pequeno varejo ou supermercado que busca na agricultura familiar um produto diferenciado, ecológico ou com alguma marca regional. “Existem programas como o da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado do Piauí ou o programa de aquisição de alimentos, que é um programa do governo federal executado prela Conab nos estados”, lembrou ele. Inicialmente, o Sispaf só é disponível no estado do Piauí, onde a Embrapa Meio Norte, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social, conseguiu mobilizar os agricultores. De acordo com o coordenador geral, há interesse de outros estados, especificamente Santa Catarina, Pernambuco e Ceará, que já teriam manifestado em implantar esta experiência. “O sistema começou a ser desenvolvido no ano passado e só este ano começou a entrar em uso. Então quer dizer que é, ainda, um sistema novo, mas que tem apresentado resultados muito promissores”, ressaltou Basaldi. Ele explica que, para acessar o sistema, os agricultores podem utilizar a internet ou procurar os sindicatos rurais dos municípios. Os agricultores mais organizados, reunidos em associações e cooperativas, que possuem acesso à internet podem acessar diretamente, já aqueles que não têm esses serviços devem procurar os sindicatos rurais ou a Empresa Técnica de Extensão Rural (Emater). “No caso do Piauí, tanto os sindicatos, quanto a Emater são instituições muito ramificadas, muito difundidas em todos os municípios”, concluiu.

Projeto Mandala vai beneficiar índios e comunidades kalunga

Índios Xavante da aldeia São Pedro, localizada a 255 quilômetros de Barra do Garça (MT), e comunidades de negros kalunga, do interior do estado de Goiás, serão os próximos beneficiados pelo projeto Mandala, que visa a resgatar a dignidade de famílias de baixa renda pelo sistema alternativo de agricultura orgânica.

O projeto é uma parceria entre o Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Microempresa (Sebrae) e a Fundação Banco do Brasil e tem o objetivo de atender famílias de baixa renda residentes na zona rural. A previsão é de que sejam instaladas 1.090 mandalas em 12 estados brasileiros, gerando pouco mais de 6.500 postos de trabalho.

Segundo a coordenadora do projeto do Sebrae, Newman Costa, a idéia é facilitar a produção de alimentos de subsistência de forma sustentável e gerar renda para as famílias. “A idéia do projeto não é trabalhar individualmente com cada família e sim com várias famílias integradas no processo, para que a gente possa estar escoando toda a produção das mandalas futuramente e, assim, poder comercializar esses produtos nos comércios locais”.

No centro da mandala, um tanque de seis metros de diâmetro e dois metros de profundidade, com capacidade para cerca de 30 mil litros de água, obtém água de um rio, açude ou poço e proporciona a criação de peixes, patos e outras espécies, além de irrigar alimentos cultivados em forma circular como feijão, arroz e mandioca.

Agrônomos e agricultores estudam o local e são contratados pelo Sebrae para orientar as famílias beneficiadas sobre a implantação das mandalas, desde os equipamentos que serão utilizados até os tipos de alimentos a serem cultivados.

A metodologia já foi implantada nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Alagoas e Rondônia. Famílias do Ceará, Sergipe, Piauí e Maranhão também foram beneficiados pelo sistema.

O que é mandala

É um sistema de irrigação circular de baixo custo que facilita a produção de alimentos de subsistência. Conhecida também como unidade familiar de produção agrícola sustentável (UFPAS), a mandala possui um tanque, com capacidade para até 30 mil litros de água, abastecido por cisterna ou açude. Ao redor do tanque, são cultivados alimentos básicos como feijão, arroz, mandioca, batata, hortaliças e frutas.

2289615g_1.jpgO objetivo do Projeto Mandala é atender às necessidades locais desenvolvendo um modelo de agricultura familiar baseado no empreendedorismo e na cultura da cooperação. A metodologia de mandala já foi implantada em nove estados (MS, MG, PB, AL, RO, CE, SE, PI e MA) onde o Sebrae atua promovendo desenvolvimento local, integrado e sustentável das regiões.

Foto: Sebrae