Lei aponta solução para terra pública se órgãos ambientais forem fortalecidos, diz ISA

"O projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas [PL 4776] não oferece obstáculos, na verdade, ele propõe uma solução para um problema histórico de ocupação de terras públicas: grilagem associada com desmatamento", analisa o advogado e coordenador de biodiversidade e florestas do Instituto Socioambiental (ISA), André Lima.

"O que a gente colocando em discussão é que o PL oferece soluções, mas, para que elas sejam viáveis, é fundamental que os órgãos ambientais sejam fortalecidos para fazer o monitoramento e o controle dessas concessões florestais."

Um dos motivos principais para a adesão da rede ONGs da Mata Atlântica ao projeto de lei, segundo Lima, é a questão da regularização fundiária das chamadas populações tradicionais como caboclos, ribeirinhos e extrativistas, que moram nas florestas públicas e precisam ter sua situação resolvida, antes de se destinar áreas para exploração.

"O projeto diz que, identificando a presença de populações em terras públicas, essas áreas serão prioritariamente destinadas e regularizadas em benefício dessas populações", afirma ele. "Elas não serão objeto de exploração e de concessão florestal."

André Lima reclama da fragilidade do governo em monitorar os programas ambientais. É o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que tem como objetivo estimular os pequenos agricultores à prática do cultivo de árvores para reflorestamento e a recuperação de áreas de preservação ambiental.

"É importante que se faça um monitoramento da conseqüência desse programa porque, em princípio, ele não tem uma escala significativa, é um programa com pouco recurso perto da demanda de recuperação e de plantio florestal na Mata Atlântica", aponta ele.

Na opinião do advogado, o "histórico de incapacidade dos órgãos públicos", principalmente em matéria ambiental, de fazer monitoramento e controle, justifica as críticas feitas ao projeto. "Há aqueles que acham que, como não temos condições, que não podemos mudar o sistema. Os nacionalistas dizem que esse projeto vai internacionalizar a Amazônia, o que é um equívoco", complemente Lima.

"A idéia do PL é que ele seja um projeto que mantenha as florestas como florestas e as suas terras como públicas. Mas têm aqueles que insistem no argumento de que é uma privatização e que só as empresas internacionais vão explorar a floresta Amazônica."

Ministra prevê início de ciclo virtuoso com gestão de florestas

Em entrevista exclusiva à Radiobrás, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirma que a o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas (PL 4776), se aprovado, dará origem a um "processo virtuoso", em termos sociais, ambientais e econômicos, a partir da oferta adequada de madeira para a indústria. Ela prevê que a lei estanque o processo de grilagem de áreas públicas.

Segundo Marina, a idéia é combinar a exploração madeireira com outras atividades e promover a transformação da matéria-prima na própria região. Ela estima que a experiência inicial desse sistema, em torno da BR-163 (rodovia que liga Cuiabá-MT a Santarém-PA, e cujo asfaltamento é previsto para este ano), pode gerar 100 mil empregos.

Em que momento e diante de que fatos o ministério concluiu que esse modelo era a melhor solução para o uso de áreas que correspondem a 75% da Amazônia?

Nós tivemos a constatação que a maior parte das terras na Amazônia – sobretudo nos estados que têm uma grande base florestal, como o Pará – é de terras públicas. E havia a necessidade de um marco legal que permitisse a utilização de florestas públicas para o modelo sustentável a partir de critérios que estabelecessem o uso oneroso [com cobrança] para os grandes manejadores e a concessão para os pequenos, comunitários. A partir daí nós começamos a trabalhar a idéia de um projeto de lei que estabelecesse esse marco legal, além da criação de mecanismos de fomento e principalmente a criação do Serviço Florestal Brasileiro.

Menos de 5% da produção madeireira da região é certificada. O próprio ministério ainda não tem indicadores para mostrar se os planos de manejo sustentável já implantados têm obtido viabilidade – a previsão é preparar esses indicadores até o fim do ano. Não seria recomendável uma experiência de transição, em escala menor?

Pela extensão das áreas com potencial, o que está sendo proposto no distrito florestal [delimitado na área de influência da BR-163], de cerca de 5 milhões de hectares para o manejo, é uma atividade em caráter piloto – embora o projeto seja de grande escala. Antes de todo o processo de fiscalização, havia uma produção florestal que gerava 18 mil empregos sobre bases ilegais; com o distrito florestal, isso tem um potencial de 100 mil empregos. Além disso, estamos trabalhando a possibilidade de fazer o inventário florestal e o disponibilizar, estamos trabalhando com a idéia de fazer um plano anual de outorga, teremos instituições de pesquisa que de três em três anos farão uma avaliação ambiental de todo esse processo.

A senhora pode falar mais sobre o plano de transição?

Nas disposições transitórias, o PL [projeto de lei] estabelece a possibilidade de que aqueles planos de manejo, embora em terra pública e mesmo que estejam sendo feitos corretamente, fiquem em caráter provisório, sem qualquer expectativa de posse, até que se estabeleça o Plano Anual de Outorga, que se faça uma concessão pública. Eles [os contemplados nessa etapa] depois terão que concorrer como qualquer outra pessoa que esteja interessada em participar do processo de concessão pública.

O Plano Anual de Outorga, que a senhora citou, é uma das bases práticas do projeto, uma vez que definirá que áreas, e em que condições, serão concedidas. Um instrumento importante para isso é o Zoneamento Ecológico-Econômico, que busca mostrar as condições e vocações de cada área. Como ele está caminhando?

A parte do Zoneamento Ecológico-Econômico está sendo feita por alguns estados e é uma ferramenta para o processo da dinâmica de desenvolvimento na região. O zoneamento é importante, mas o PL é fundamental, é em si mesmo uma ferramenta que pode destinar áreas para o manejo sustentável. Já está prevista uma fase de transição até que se crie o Serviço Florestal, até que se possa fazer o plano de outorga, até que se possa estabelecer o regime de concessões públicas, exatamente para que se tenha um período em que vamos fornecer o suprimento de madeira adequado para o setor produtivo. A partir daí você vai criando um processo virtuoso em que as atividades possam se dar em bases sustentáveis, tanto do ponto de vista quanto econômico quanto social.

Que atividades podem se dar de forma complementar ao manejo?

O uso de resinas, óleos, essências da floresta é um exemplo. A intenção é fomentar também o processamento da matéria-prima na própria região, com isso gerando mais renda e mais emprego, e conduzir esse processo com ampla participação da sociedade, para que a gente possa avaliar os resultados não apenas do ponto de vista econômico, mas também ambiental e social. Uma coisa que a gente tomou bastante cuidado foi de fazer com que os pequenos manejadores possam ser priorizados no que concerne ao acesso à infra-estrutura. Isso a gente aprendeu com a experiência de outros países, em que geralmente os grandes [concessionários] se apropriam das áreas que estão mais perto da infra-estrutura e os pequenos são jogados para regiões de difícil acesso.

Como o manejo de madeira vai se relacionar com o mercado internacional? Existiu pressão das indústrias madeireiras pela formulação do projeto, para que mais madeira certificada esteja logo disponível?

Primeiro, há uma forte determinação da parte do governo de combater as práticas ilegais. Quando assumimos o governo, tínhamos apenas 300 mil hectares de floresta certificados. O esforço do ministério, através do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], e as ações integradas do governo, combatendo muito fortemente essas práticas – o que nos levou à apreensão de 70 mil metros cúbicos de madeira ilegal em 2003 e 95 mil metros cúbicos de madeira ilegal até a metade de 2005 –, têm expurgado os ilegais do mercado e criado condições efetivas para que os legais se estabeleçam. Temos absoluta clareza de que a melhor forma de competir com as atividades predatórias é dando valor à floresta em pé. E o mecanismo que propõe o PL é exatamente para que as florestas continuem sob o domínio da União. Porque, com a forma como [o manejo] vinha sendo feito secularmente, acabava se configurando uma expectativa de titulação dessas áreas para proprietários privados, o que com o PL acaba definitivamente.

Para relator da Agenda 21, sem fiscalização, projeto irá facilitar desmatamento

O projeto de lei que regula a gestão pública de florestas (PL 4776) não está dentro de um novo modelo de exploração responsável da Amazônia. A avaliação é do jornalista Washington Novaes, ex-secretário de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia do Distrito Federal e um dos relatores da Agenda 21 brasileira (plataforma de propostas para o desenvolvimento sustentável do país ao longo deste século, que foi definida a partir da Agenda 21 Global, aprovada na ECO 92).

Em vez de retirar árvores da floresta, Novaes pede que seja feito um projeto amplo de desenvolvimento sustentável e inteligente da região. Para seguir esse caminho, o jornalista sugere que a Amazônia seja pesquisada, e não explorada. "Nós temos de nos convencer de que biodiversidade é a maior riqueza do país, porque é daí que virão os novos remédios, novos alimentos, novos materiais para substituir os produtos não-renováveis", argumenta.

Na visão de Novaes, o país não deveria estar preocupado em retirar árvores da floresta, e sim em identificar espécies que possam ser reproduzidas fora do ambiente da Amazônia. O jornalista cita o caso de alguns produtos que obtiveram sucesso econômico ao serem cultivados fora do ambiente da floresta.

"Um exemplo é a pupunha, que é uma árvore com muitos espinhos", cita. "O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia [Inpa] demorou anos para desenvolver um tipo de pupunha bem mais manejável, com poucos espinhos." Segundo ele, hoje, a pupunha responde por praticamente 90% da produção de palmito do país. Vem substituindo o palmito jussara, que está praticamente esgotado.

"Mas a gente não sabe quase nada da Amazônia porque nosso investimento em pesquisa da região é muito pequeno", alerta. Washington Novaes afirma que, dos quase 30 mil doutores do país, "menos de mil estão trabalhando na Amazônia". "E se nós destruirmos a Amazônia, vamos destruir essa biodiversidade antes mesmo de conhecê-la."

Além da variedade de palmito, Novaes cita o caso do açaí, cupuaçu e guaraná, como produtos identificados na Amazônia, mas cultivados fora de seu ambiente. "E isso são poucas coisas, temos muito mais na área de medicamentos", observa.

Na opinião de Novaes, o projeto que pretende disseminar a prática do manejo florestal ainda não está dentro de um novo modelo de desenvolvimento sustentável. Ele aponta que, sem fiscalização e com baixo retorno financeiro, o manejo não sairá do papel e servirá, indiretamente, como um incentivo ao desmatamento.

Novaes afirma que, ao centrar a exploração da Amazônia na retirada de madeira, o governo mantém a linha de fazer exportações de matéria-prima ou de produtos de baixo valor, como alumínio, madeira, soja, carne e minérios.

Sem fiscalização, projeto irá facilitar desmatamento

"A fiscalização na Amazônia é uma ficção", lamenta Novaes. Ele elogia o modelo para a região, inscrito no Projeto Amazônia Sustentável, apresentado pelo governo federal. "Teoricamente, tem muitos méritos e muitas direções corretas. Mas a prática não tem acompanhado exatamente o que está lá", diz.

Na opinião de Novaes, sem um aumento da fiscalização, a concessão de uma terra pública para exploração – como prevê o projeto – pode ser apenas um incentivo à depredação. "Não há sinal de melhoras na fiscalização, por isso não há razão para ser otimista".

A preocupação de Novaes é sustentada por exemplos internacionais. "Não há um só caso de país que tenha entrado por esse caminho e tenha dado certo, seja na América Latina, Ásia e África", diz. O jornalista cita o estudo do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Niro Higui para mostrar que, em outros países que aplicaram o mesmo projeto, "acabou havendo uma sobre-exploração, com redução de suas florestas sem resultados econômicos significativos".

Projeto não tem viabilidade econômica

"O que determina o preço da madeira no mercado é a madeira ilegal, porque tem custos muitos menores", compara Novaes. Por isso, para ele, a coleta seletiva de madeiras na floresta amazônica é uma opção inviável economicamente, que acaba levando à exploração irregular.

"O madeireiro ilegal geralmente faz isso em uma terra invadida, usa mão de obra de maneira exploratória. Portanto, os custos dele são bem menores que o da madeira certificada", avalia. "O que aconteceu nos países em que a concessão foi implantada, é que esses projetos de manejo acabaram atropelados pelo custo menor da madeira nas extrações ilegais".

Ele cita exemplos de países da América Latina, Ásia e África que aplicaram o mesmo modelo de gestão pública de florestas. Nesses lugares, segundo Novaes, por fim nas áreas de manejo, acabaram explorando mais a madeira do que seria permitido.

O jornalista questiona também a viabilidade ambiental do programa. "É muito difícil o manejo sustentável na Amazônia porque o número de espécimes exploráveis é muito pequeno por área", afirma. Além disso, destaca que a maior parte das espécies "demoram anos e até séculos para chegar à maturidade".

O projeto de lei também pode gerar uma seleção natural às avessas. Novaes cita estudo do almirante Ibsen de Gusmão Câmara, outro estudioso da Amazônia. "Quando você faz um manejo que parte da retirada dos melhores espécimes, você desencadeia um processo de seleção às avessas, que vai destruindo a espécie".

Para ele, a exploração da Amazônia poderia ser mais "inteligente". Novaes propõe que os tipos de árvores sejam cultivados fora da floresta e não retirados de dentro dela.

Para Ciro Gomes, plano sustentável da Amazônia trabalha todos os problemas da região

Os ministros da Integração Nacional, Ciro Gomes, e do Meio Ambiente, Marina Silva, estiveram hoje (31) no Senado Federal para acompanhar a apresentação do Plano da Amazônia Sustentável.

Segundo Ciro Gomes, esse é o primeiro projeto que trabalha todos os problemas da Amazônia. "É o primeiro plano estratégico feito olhando todos os ângulos da complexa questão da Amazônia fora do eixo Brasília, São Paulo e Rio, abrindo mão de qualquer veleidade tecnocrata para ser uma base de consenso que organize e una toda a força política e comunitária da Amazônia ou redor dessa estratégia de longo prazo", afirmou.

De acordo com a ministra do Meio Ambiente, o Plano Amazônia Sustentável está baseado em quatro eixos estruturantes: o ordenamento territorial e gestão ambiental; a questão do desenvolvimento sustentável com tecnologias adaptadas para a região; o fomento para as atividades produtivas sustentáveis e a promoção da inclusão social.

Marina Silva disse ainda que o projeto já está em andamento. "Hoje o processo já começa a se substanciar com os planos BR-163 sustentável, no plano de combate do desmatamento da Amazônia e num conjunto de ações de ordenamento fundiário e territorial", informou.

Apesar da presença dos dois ministros, a reunião – que seria composta pelas comissões de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor, da Agricultura e Reforma Agrária e do Desenvolvimento Sustentável – foi suspensa por falta de quórum. A audiência foi remarcada, mas ainda sem data definida.

Sebastião Salgado defende mobilização nacional pela ampliação do Parque do Xingu

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado foi presença ilustre no Kuarup que aconteceu esta semana na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Alto Xingu. Mundialmente conhecido por imagens que divulgam lutas sociais e denunciam mazelas nos países em desenvolvimento, Salgado defende a criação de um movimento nacional em defesa do parque. Ele considera o Xingu uma referência cultural para o Brasil e a humanidade. "Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referencia nacional", diz.

O fotógrafo conta que está no Xingu colhendo imagens para seu novo projeto, intitulado Gênesis. "Estou procurando referências do início da humanidade, culturas que representem o início do gênero humano como um todo. Com muito prazer, é o que acabei de encontrar aqui no alto Xingu", disse ele, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O Gênesis foi lançado em 2003, tem duração prevista de oito anos e conta com apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). No Alto Xingu há 40 dias, Salgado documenta não só o Kuarup, mas vários outros rituais dos xinguanos. Antes, o fotógrafo conta que esteve nas ilhas Galápagos, no oceano Pacífico, e também na Antártida. Do Xingu, irá para a Namíbia, na África, onde fotografará povos do deserto, como os Bushmen. Depois, passará pela Etiópia e o Sudão.

Economista, Salgado iniciou a carreira na Organização Internacional do Café, nos anos 70, na Europa. A partir desse trabalho, visitou países africanos e asiáticos em missões ligadas ao Banco Mundial e, ali, passou a fotografar o mundo em desenvolvimento. Hoje, é embaixador especial da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e membro honorário da Academia de Artes dos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil – Qual é a importância do Xingu para o Brasil?

Sebastião Salgado – O Xingu, principalmente para as pessoas da minha geração, que estão hoje no comando do país, em função da idade, foi muito importante. Quando éramos jovens, os primeiros contatos feitos aqui, na época do Getulio Vargas, as primeiras apresentações do Kuarup, tudo isso teve um simbolismo muito grande.

Aos poucos, isso aqui passou a ser uma referência nacional da tradição indígena, e hoje é essencial a preservação desses rituais e das culturas aqui do Alto Xingu. Tudo isso está muito ameaçado. A fronteira do parque hoje termina dentro de uma quantidade imensa de fazendas de soja. Hoje, as fontes do rio Culuene, que na realidade é a base do rio Xingu, estão ameaçadas pela construção de barragens. Uma barragem já começou e houve uma liminar, graças à ação dos indígenas aqui do Alto Xingu. A construção foi paralisada temporariamente.

Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referência nacional. Há muito risco. É uma cultura aquática, eles não comem outra carne senão a do peixe, então eles dependem das águas dos rios, e tudo isso está realmente ameaçado.

A minha proposta seria a de se começar uma luta nacional para transformar toda essa região, incluindo todas as fontes do rio Xingu, em parte da extensão do parque. O governo poderia fazer uma indenização dessas fazendas de soja e replantar as matas na região.

ABr – Como o mundo enxerga hoje o Xingu?

Salgado – A história das tribos do Xingu é muito anterior à história do Brasil moderno. Existem escavações aqui na região em que se encontraram aldeias antiqüíssimas, com populações imensas, com uma verdadeira cultura. Isso deveria ser divulgado no Brasil, para a gente ter a honra de ter as nossas origens a partir um pouco dessa região. É uma região importante e poderosa dentro da cultura brasileira. Não pode só haver lucro e ganância, a cultura tem que ser preservada.

ABr – Qual o sr. pensa que deveria ser a atitude da população amazônica em relação a esse tipo de ameaça?

Salgado – A população realmente amazônica tem que ficar atenta à destruição da região. A região amazônica é forte, é potente, em função das águas, pela floresta que tem, pelas reservas indígenas. Essa penetração na região para a retirada da madeira, para o lucro rápido, não serve à população real da Amazônia, serve apenas às empresas que estão à cata do lucro. A ganância não serve à população real da região.

A verdadeira população da Amazônia tinha que lutar pela preservação, porque essas é que são suas riquezas reais. Se essas riquezas se forem, isso aqui passará a ser uma região devastada e pobre. Temos a maior reserva de água doce do planeta, a maior reserva de floresta tropical: essa possivelmente deve ser a maior riqueza do Brasil hoje.

Desaquecimento na agricultura explica queda do desmatamento na Amazônia

A redução das estimativas de desmatamento na Amazônia em 2005 anunciada hoje pelo Governo Federal é uma boa notícia. Porém, é preciso entender as possíveis causas a ela associadas. Além dos esforços oficiais, como a criação de unidades de conservação e aumento da fiscalização, a redução da especulação imobiliária provocada pelo desaquecimento do mercado agrícola contribui para diminuir o desmatamento. Com a queda da rentabilidade do setor, a redução do desmatamento é, infelizmente, menos resultado das ações governamentais que da atual situação econômica.

A comparação dos dados em um período de 11 meses (de 2003/04 a 2004/05) indica significativa redução no desmatamento de 18.724 Km2 para 9.106 Km2. É importante lembrar que essa não é a taxa de desmatamento anual divulgada pelo governo e que os números são gerados por um outro sistema, chamado DETER, inadequado para calcular áreas. Nos meses de julho e agosto deste ano, a imprensa brasileira já noticiava a possível queda da safra de grãos. O Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, declarou que espera uma redução de 2% a 3% na área plantada de grãos.
 
A queda de 36% no preço internacional da saca da soja, mais importante commodity brasileira, entre março de 2004 a agosto deste ano, aliada à desvalorização do dólar reduz a rentabilidade do setor. Com tantos fatores relacionados ao desmatamento no Brasil, é fácil identificar as políticas que, por acaso, ajudaram a baixar as taxas na Amazônia.
 
Ações governamentais articuladas pelo Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento, como as operações Curupira 1 e 2, os esforços para criação de unidades de conservação na Terra do Meio e no sul do Amazonas têm papel importante, porém pontual, na redução das estimativas do desmatamento.
 
"O Governo pode reduzir as taxas de desmatamento, mas não se deve pensar que isso é tarefa apenas  do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama", diz a Secretária-geral do WWF-Brasil, Denise Hamú.
 
Reduções como a anunciada hoje já aconteceram no passado, e as taxas de desmatamento voltaram a subir e a quebrar recordes. Precisamos agora entender e registrar os mecanismos que contribuem para essa  queda, como o fomento ao manejo florestal.
 
"Enquanto o Ministério da Agricultura convence o Ministério da Fazenda a rolar a dívida de agricultores a um custo de cerca de R$ 1,8 bilhão para o governo, empresas florestais raramente conseguem acessar  linhas de crédito oficiais para realizar o manejo florestal sustentável", diz Mauro Armelin, coordenador de Políticas Florestais do WWF-Brasil.

Mato Grosso concentra o desmatamento

O Mato Grosso se mantém como o estado com maior índice de desmatamento do país. Embora tenha diminuído a área desmatada, os números registrados no estado contribuem para aumentar o índice nacional. "A contribuição do Mato Grosso no ano passado foi de 48%. Este ano vai chegar a 60% do total", afirma o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aponta os motivos para o alto índice de desmatamento no estado. "Há uma grande quantidade de terra privada e talvez a ausência de uma adesão inicial, como aconteceu em outos estados, ao plano de combate ao desmatamento". Segundo a ministra, algumas ações já estão sendo adotadas para amenizar o problema. "Estamos assinando vários convênios com governo do estado e implementanto um plano de combate ao desmatamento também no estado no Mato Grosso".

O estado de Mato Grosso é um dos principais fornecedores de madeira do país e foi alvo de denúncias de irregularidades na extração e venda do produto. Em junho, a Polícia Federal e o Ministério Público realizaram a Operação Curupira, com o desmembramento de uma quadrilha que há 14 anos atuava na região, responsável por fraudes nas autorizações para exploração da madeira.

Justiça Federal interdita “a maior área grilada do Brasil”

O Ministério Público Federal (MPF) no Pará entrou com uma Ação Civil Pública (ACP)em 18 de abril para impedir que a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, localizada na região da chamada Terra do Meio, no sudoeste do Pará, resultasse no pagamento pelo Ibama de indenização – a título de desapropriação – à uma empresa que alega ser dona de metade da área incluída na reserva. A notícia foi dada em primeira mão pelo Instituto Socioambiental (ISA). No último dia 12 de agosto, finalmente, a Justiça Federal em Santarém respondeu de forma positiva ao pedido dos procuradores da República. Para o MPF, a resposta da Justiça abre o último capítulo da novela de um dos casos de grilagem de terra mais famosos da história do País.

Em decisão liminar, o juiz federal substituto Fabiano Verli ordenou que a empresa Incenxil – do grupo CR Almeida, pertencente ao empreiteiro paranaense Cecílio Rego de Almeida – interrompesse qualquer atividade ou ocupação na suposta propriedade, chamada fazenda Curuá, que o imóvel permanecesse indisponível para venda ou troca e que qualquer pagamento por indenização pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fosse suspenso. A liminar ainda determina o fim da utilização de forças policiais por parte da empresa, conforme denúncias feitas por comunidades ribeirinhas e movimentos sociais da região em janeiro deste ano, também divulgadas pelo Instituto Socioambiental com exclusividade.

Na próxima segunda-feira, 22 de agosto, os procuradores Felício Pontes e Ubiratan Cazetta, dois dos autores da Ação Civil Pública que ensejou a liminar, devem ser reunir em Belém com membros do Exército e da Polícia Federal para planejar uma operação conjunta sobre os mais de 4.7 milhões de hectares da “fazenda Curuá” com o objetivo de retirar todos os funcionários e instalações da empresa. “Nossa preocupação agora é limpar a área”, afirma Felício Pontes.

O procurador acredita que a Incenxil deve entrar com recurso no Tribunal Regional Federal em Brasília para tentar derrubar a liminar, mas está confiante de que a decisão será confirmada em segunda instância. Pontes e seus colegas já vislumbram inclusive o fim da disputa judicial entre órgãos públicos do Pará e da União contra a Incenxil, que se arrasta há mais de uma década. “O pontapé final para esta novela acabar será a publicação de sentença, a partir da avaliação de um pedido final do Ministério Público, confirmando a nulidade do registro do imóvel em todos os cartórios do Pará”, projeta o procurador.

A chamada fazenda Curuá – além de incidir praticamente sobre metade dos 736 mil hectares da Resex Riozinho do Anfrísio, criada em novembro pelo governo federal – também está sobreposta a toda a extensão das Terras Indígenas Xypaia e Curuaya, toda a área da Floresta Nacional de Altamira, 82% da Terra Indígena Baú, do povo Kayapó, e toda a gleba de dois assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na Ação Civil Pública que deu origem à liminar os procuradores afirmam que “esse imóvel é reconhecido como a maior área grilada do Brasil”.

Real objeto: comprar terras no Pará

O juiz federal Fabiano Verli, de acordo com sua decisão publicada na sexta-feira passada, parece suspeitar do mesmo. Ao fundamentá-la, Verli escreve que “pairam fortíssimas suspeitas de que ela (Incenxil) tenha indevidamente se considerado dona de uma enorme gleba de terras no Pará”. O juiz também remete a suspeita à origem do caso, quando coloca que “uma área que era pequena e do Estado do Pará, arrendada para extrativismo, depois se transformou num colosso de terras…”.

O juiz ainda aponta irregularidades no registro do imóvel nos cartórios de Altamira: “…vejo erros crassos na condução da função notarial por parte da cartorária Eugênia (denunciada em alguns feitos). Ela parecia averbar tudo sem o mínimo de conferência…parecia permitir a multiplicação de áreas sem qualquer critério, sem nenhuma checagem…”.

Um dos trechos mais interessantes da decisão trata do interrogatório de Roberto Beltrão, que seria o representante da Incenxil na região, pelo juiz. Fabiano Verli escreve que Beltrão lhe disse “não conhecer atividades práticas, reais, que sejam objeto social da Incenxil. Admitiu que, na prática, a empresa foi criada com um único real objeto: comprar terras no Pará”.

O suposto funcionário foi além e declarou em juízo que “não tem notícia de onde seria a sede da empresa, nunca viu seus sócios, não tem idéia de qual seria o objeto social, não conhecia outros bens eventualmente de propriedade da Incenxil, nem tinha informações diretas sobre sua atuação, funcionamento e idoneidade de seus sócios”.

A colheita de depoimentos de pessoas diretamente envolvidas no caso foi uma opção do magistrado Verli. Ele ouviu também o representante do Ibama na região e advogados da empresa. A demora em decidir sobre a medidas pedidas na ACP – quase quatro meses – se deu em parte por esta opção, em parte pela atuação dos defensores da Incenxil, que protocolaram mais de 10 volumes de documentos – com a intenção de invalidar a ação – para serem estudados em detalhe.

“Ainda que demorada, a decisão judicial satisfez plenamente o Ministério Público Federal, pois demonstra que a Justiça Federal está sensível à questão da grilagem de terras”, avalia Felício Pontes. “Os juízes parecem compreender, mais do que nunca, que a violência dos conflitos fundiários na Amazônia é um grave problema e que medidas drásticas devem ser tomadas para a conciliação do desenvolvimento das comunidades ribeirinhas com a preservação ambiental”.

Sociedade civil reivindica ao Ibama acesso público a dados sobre desmatamentos e licenças

O Grupo de Trabalho (GT) de Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) enviou ontem, dia 16 de agosto, uma carta ao presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcus Barros, requerendo a disponibilização via Internet das informações sobre desmatamentos, multas e licenças ambientais na Amazônia (confira abaixo a íntegra do texto). O documento lembra que a impunidade e a falta de transparência são, hoje, os dois principais fatores que contribuem para os índices alarmantes de desmatamento na região, conforme os resultados do estudo "Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais do Estado do Mato Grosso: análise de lições na sua implementação". A pesquisa foi realizada pelo ISA para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e apresentada durante I Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Mato Grosso, realizado em Cuiabá, de 3 a 5 de agosto.

A carta avalia que é fundamental que todos os segmentos sociais interessados possam acessar os dados sobre o problema de forma ágil. "Tais informações são de extrema valia para que a sociedade brasileira, cada vez mais interessada no efetivo controle aos desmatamentos na Amazônia legal, possa aferir o grau de eficiência e de eficácia nas ações de controle ambiental desempenhadas pelo maior e mais importante órgão ambiental brasileiro", diz o texto. O GT lembra ainda as organizações do FBOMS vêm cobrando já algum tempo do Ibama o acesso a informações sobre desmatamentos, sanções administrativas e autorizações para desmates, queimadas e outras atividades realizadas em áreas de floresta.

O encaminhamento do documento ao Ibama faz parte das ações do GT de monitoramento do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado pelo presidente Lula, em 15 de março de 2004. O governo deve pronunciar-se sobre o assunto na próxima reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que ocorrerá em Cuiabá, no dia 2 de setembro. Na última segunda-feira, dia 15, o grupo protocolou na Casa Civil da Presidência da República uma outra carta, encaminhada à ministra-chefe Dilma Rousseff, com uma série de críticas sobre a implementação do plano. O GT considera que as ações do governo contra o desmatamento ainda são "esporádicas e demonstrativas". Desde o dia 7 de julho, as entidades integrantes do FBOMS aguardam uma resposta para um pedido de audiência com a ministra.

FBOMS avalia que governo não cumpre Plano de Combate ao Desmatamento

O Grupo de Trabalho (GT) de Florestas do Fórum Brasileiro de Movimentos Sociais e ONGs para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento enviou hoje, dia 15 de agosto, à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, uma carta com uma análise crítica das ações do governo federal no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado pelo presidente Lula, em 15 de março de 2004 (confira a íntegra do texto). Para o GT, as iniciativas da administração federal para o setor não podem limitar-se a intervenções "esporádicas e demonstrativas". As 22 entidades que compõem o grupo, entre elas o ISA, aguardam, desde o dia 7 de julho, por uma resposta da ministra a um pedido de audiência.

Quando veio a público, o Plano foi anunciado como uma solução inovadora e emergencial para os altos índices de desmatamento registrados na Amazônia – entre 2003 e 2004, 26 mil quilômetros quadrados de floresta desapareceram. Uma das novidades da iniciativa seria justamente o espaço dado às organizações da sociedade civil para discutir, acompanhar e fazer a avaliação estratégica do andamento das ações do Plano. Tal avaliação não foi feita até hoje. (Para conhecer o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, clique aqui)

“Decorridos 17 meses de seu lançamento, é possível afirmar que o Plano, formulado de acordo com uma estrutura que continha quatro componentes, está sendo implementado de forma tão limitada e parcial que acaba esvaziando seu desenho e estratégia originais”, afirma o documento. O texto aponta a “grave preocupação” do GT com o processo de implementação observado até agora dos componentes do Plano: obras de infra-estrutura, ordenamento fundiário e territorial, monitoramento e controle, e fomento a atividades sustentáveis.

Entre outros pontos, a carta lista o contingenciamento e a falta de recursos orçamentários, a ausência de determinação política para fazer cumprir a legislação e a desarticulação administrativa entre os ministérios envolvidos como causas para o baixo índice de execução das ações. As organizações do GT também consideram que Dilma Roussef não deixou de atender o grupo “por desinteresse em relação à interlocução com a sociedade civil, e sim, mais provavelmente, pela baixa prioridade que este tema representa na intensa agenda operacional” da ministra.

No dia 2 de setembro, acontece uma reunião extraordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em Cuiabá (MT), atendendo um requerimento das organizações não-governamentais apresentado pelo ISA (saiba mais). A expectativa é que o governo federal deverá finalmente apresentar sua avaliação sobre o Plano e os governos estaduais relatarão o que estão fazendo para reduzir os desmatamentos na Amazônia Legal.