Povos tradicionais das florestas são aliados do meio ambiente, avaliam debatedores

As populações tradicionais – indígenas, descendentes de quilombolas, pescadores artesanais, camponeses, extrativistas – são as grandes aliadas na luta pelo meio ambiente. A constatação surgiu após debate, em Santarém, no segundo dia do Seminário Nacional de Avaliação do Programa Piloto para a Proteção de Florestas Tropicais do Brasil (PPG7) – criado em 1992, mas implementado a partir de 1995 – na área de gestão ambiental.

"Quando há moradores tradicionais nas unidades de conservação, a proteção à natureza se efetiva", declarou Leonel Teixeira, representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na mesa temática Ordenamento Territorial e Gestão Ambiental. "É a população residente que mantém a floresta em pé", reforçou Magaly Medeiros, representante da secretaria estadual de Meio Ambiente do Acre.

E é justamente do Acre que vem o exemplo lembrado por Teixeira: o da luta do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) pela criação das primeiras reservas extrativistas. O grande tabu conservacionista que condicionava preservação da floresta à ausência dos seres-humanos – e que motivou o surgimento das primeiras unidades de conservação – começava a ser rompido. Com a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000, as unidades foram divididas em duas categorias: proteção integral (que não permite a permanência de moradores) e uso sustentável (que admite a existência de habitantes na área).

Paulo Autiere, representante da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, informou que no início do processo de macro-zoneamento ecológico-econômico do estado, em 1988, 1,23% dos 1.247.689 quilômetros quadrados de seu território eram unidades de conservação de proteção integral. "Esperávamos alcançar os 10%, mas hoje temos apenas 4,38%. Por outro lado, as unidades de uso sustentável cresceram além da expectativa. Elas eram 10% e deveriam chegar a 16%, mas hoje são 27% do Pará", revelou. Uma prova de que o papel dos habitantes locais na gestão ambiental vem cada vez mais sendo reconhecido.

"Nosso grande desafio é adequar as políticas públicas à diversidade cultural e de paisagens da Amazônia", apontou Teixeira. Hanz Krueger, representante da agência multilateral Cooperação Técnica Alemã (GTZ), indicou a deficiência de dados sócio-econômicos como um obstáculo à superação desse desafio. "Hoje sobram dados para análise do espaço físico, há bons estudos apoiados em imagens de satélite, em um bom aparato tecnológico. Mas o satélite não mostra a cabeça das pessoas, a dinâmica dos processos sociais", disse ele, em tom de brincadeira.

O Programa Piloto é coordenado pela Secretaria de Coordenação Amazônica (SCA) do MMA. Fruto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), ele é uma iniciativa de cooperação multilateral voltada ao teste e desenvolvimento de estratégias inovadoras de proteção e uso sustentável das florestas tropicais brasileiras. Desde a sua criação, já investiu US$ 400 milhões em projetos na Amazônia e na Mata Atlântica. Os recursos são da Alemanha, União Européia, Reino Unido, Estados Unidos, Holanda, Japão, França e Canadá. Eles são canalizados por meio de um Fundo Fiduciário de Florestas Tropicais (RTF), administrado pelo Banco Mundial.

Manejo Florestal, grilagem de terras e presença do Estado de Direito na Amazônia

O Projeto de Lei n◦ 4776/2005, que dispõe sobre a concessão de florestas públicas para a exploração madeireira, vem provocando forte polêmica entre ambientalistas, especialistas em florestas e questões amazônicas, autoridades governamentais e membros do Congresso Nacional. Matéria extensa e complexa que dá gancho para interpretações variadas e suscita intermináveis discussões, focadas com maior vigor na Amazônia. Mas, é bom lembrar, que o PL incide também sobre outros biomas como a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga, nos quais o interesse se volta para as florestas plantadas e os subprodutos da exploração florestal.

O ISA publicou notícias e análises exaustivas sobre o texto do Projeto de Lei n° 4776/05, e não cabe retomá-las aqui de forma sistemática, para nos concentrarmos em três grandes questões subjacentes a essa discussão, que vão além da letra da lei proposta, como o manejo florestal, a grilagem e o Estado de Direito na Amazônia.

Algumas das críticas ao PL se fundamentam nas disposições que prevêem a concessão de áreas extensas às empresas privadas, para regimes de exploração de longo prazo, até 60 anos, considerados excessivos, ensejando receios de que impliquem na privatização de terras públicas e até na “internacionalização” da Amazônia (no caso de concessões a empresas estrangeiras). Essas críticas possivelmente decorrem de leituras do PL sob a ótica das políticas fundiárias formais, que se orientam para módulos agrários de menor extensão apropriados à produção agropecuária.

A este respeito, a lógica do manejo florestal, para contrapor-se efetivamente à mera extração florestal, responde satisfatoriamente a estas críticas, pois não se pode imaginar que a exploração florestal possa pretender alguma sustentabilidade ambiental atuando em pequenas extensões de terra, ou em curtos ciclos produtivos, pois não haveria possibilidade de regeneração ou reposição dos estoques explorados. Já os receios de que a posse duradoura de particulares sobre as terras possa gerar direitos de propriedade, ou resultar em alienação da soberania do estado, nos parecem exagerados, ou, de qualquer forma, deveriam remeter à discussão de outros dispositivos legais mais objetivamente relacionados, que não este PL.

Por outro lado, estamos longe de dispor de certezas científicas sobre a sustentabilidade do manejo de florestas nativas e heterogêneas. No mínimo, a exploração, mesmo seletiva, implica o empobrecimento da floresta, não apenas pela redução na população de espécies economicamente mais valorizadas, mas pelo impacto à própria biodiversidade, além da abertura de estradas e picadas que fragilizam a floresta e favorecem a sua fragmentação. Portanto, a concessão florestal não é uma panacéia de proteção florestal, mas apenas um mal menor, quando comparada à mera apropriação ilegal das terras e dos seus recursos que prevalece no modelo, até aqui predominante, de ocupação predatória da Amazônia.

Porém, o melhor, do ponto de vista da integridade da floresta, seria a sua preservação até que existam soluções técnicas e científicas que garantam a sustentabilidade da exploração florestal. Mas a sobrevivência das populações, ou dos empreendimentos que dependem dessa exploração estaria prejudicada, o que põe em xeque a viabilidade política desta opção. Aliás, o projeto conta com o apoio destas populações porque prevê o reconhecimento de suas áreas antes que sejam destinadas à concessão.

Além disso, a tese de que a valorização dos produtos da “floresta em pé” é a alternativa estratégica à sua substituição por áreas de pastagem ou cultivo também estaria comprometida pela eventual indisponibilidade, ainda que temporária, dos recursos madeireiros, que já têm algum valor reconhecido no mercado.

Portanto, assim como as críticas ao PL têm um fundo legítimo de desconfiança, no sentido de que o menos mal não deve ser festejado, parece lícito que o governo necessite de melhor instrumento legal para tentar gerir o bonde desgovernado da indústria madeireira. A intervenção do ISA e de outras ONGs nesse processo se deu nestes limites, reivindicando a discussão pública do PL antes do seu envio ao Congresso e sugerindo alterações que minimizam os riscos da lei, que foram acolhidas, até aqui, em grande medida.

Mas há outras questões de fundo relacionadas aos méritos e aos riscos do PL. Subjacente a ele há uma tática para tentar separar a máfia da grilagem da máfia da exploração predatória. No modelo atual elas andam juntas, pois a segunda depende da primeira para atestar, ainda que de forma precária ou criminosa, a disponibilidade de áreas “privadas” para a exploração florestal, o que deixa de ser necessário no regime de concessões. Para os grileiros ficam as penas da lei, para os madeireiros se abre uma alternativa legal. Parece-nos uma tática correta e indispensável para qualquer esforço que pretenda controlar a situação de fato.

No entanto, como poder concedente, o estado estará, sob o proposto marco legal, inteiramente comprometido com o que vier a acontecer nas áreas concedidas, para o bem ou para o mal. Da atual condição de omisso ou conivente, o poder público passará a protagonista. Não haverá como dissociar a responsabilidade do concessionário da do poder concedente. E isto põe em questão, mais do que nunca, a capacidade, ou incapacidade, do estado (governo federal) em atuar no chão. Por essa razão a participação da sociedade civil organizada na fiscalização dos mecanismos de segurança e dos recursos financeiros previstos no projeto é crucial.

Ao dispor sobre a criação do Serviço Florestal Brasileiro, o PL reconhece, implicitamente, a incapacidade crônica do IBAMA em gerir a política florestal, que, de resto, ficou extravagantemente demonstrada com a recente Operação Curupira, que desbaratou a “máfia verde” incrustada nos setores público e privado. Por um lado, parece correto o princípio de que não deve ser o mesmo agente público responsável por conceder e por fiscalizar as concessões. Por outro, a providência sugere que poderá haver mais capacidade para conceder, mas nada garante que haverá mais capacidade para fiscalizar. E se esta não houver, o poder concedente será objetivamente responsável por qualquer estrago que vier a ocorrer.

Assim, a questão decisiva sobre se a nova lei representará vantagem ou desvantagem comparativa em relação ao modelo atual está além da letra da lei e remete à questão da capacidade do estado em operar com um mínimo de eficiência nas situações concretas locais. Sem isto, o PL pode vir a ser mais uma lei a ser burlada. E para isto será necessário muito mais do que o PL: a superação do crônico divórcio entre a burocracia e a realidade, entre a postura cartorial do estado, que pode ser subvertida, e a sua eventual capacidade de estar presente e de operar efetivamente em regiões remotas.

Os céticos dizem que a questão do estado não tem solução (pelo menos à vista), e a experiência real do passado e do presente justificam o seu ceticismo. Por exemplo: os cargos de confiança a serem criados no âmbito do Serviço Florestal serão preenchidos por indicações da base política dos governos? Alguém garante que não?

O ISA entende que o PL (e a lei que dele deve decorrer) não constitui a sangria desatada ou o retrocesso que muitos apontam, assim como não garante, por si mesmo, uma política florestal saneada. Acatamos o intento do governo em dispor de um novo instrumento legal, mas nos resguardamos para cobrar o que nos parece mais essencial: a efetiva vontade política de se fazer presente no chão e de aplicar a legislação, o que é incompatível com o loteamento da administração segundo interesses políticos locais, freqüentemente associados aos interesses do modelo predatório.

Indígenas de Raposa Serra do Sol conseguem nova vitória na Justiça

As três famílias macuxi que moram na comunidade Brilho do Sol, no sul da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, não são mais obrigadas a deixar a reserva. Na última sexta-feira (dia 10), o ministro Carlos Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu a liminar pedida por Joênia Batista de Carvalho, coordenadora jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR), no dia anterior. Nela, a advogada solicitava ao STF que suspendesse imediatamente a execução do mandado de manutenção e reintegração de posse concedido pela 1ª Vara de Justiça Federal de Roraima a José Wilson da Silva, coronel reformado da Polícia Militar (PM). O mandado ordenava que a comunidade deixasse espontaneamente a terra indígena até domingo, sob o risco de ser retirada à força pela Polícia Federal (PF) a partir de hoje (13).

"Essa decisão é mais uma vitória que fortalece a homologação da Raposa, permite que os indígenas possam viver e trabalhar com tranqüilidade. A gente agora aguarda que o STF acabe com a ação possessória que deu origem ao mandado. Esse foi o outro pedido que fizemos ao tribunal", explicou Joênia.

José Wilson foi um dos proprietários de terra que entraram na Justiça em 2004 com ações possessórias que questionavam a portaria 820, de 1998, que estabelecia a demarcação em área contínua da Raposa Serra do Sol. A maioria dessas ações foi revogada porque o plenário do STF as julgou prejudicadas pela "perda de objeto" – já que as terras, agora, eram indígenas –, mas a ação possessória em questão não constava da lista analisada pelos ministros.

A comunidade Brilho do Sol fica na região do Baixo Cutingo, no sul da Raposa Serra do Sol. Ela faz parte de um grupo de cinco aldeias que foram reocupadas pelos indígenas no segundo semestre do ano passado, como uma estratégia do CIR para fazer resistência à expansão dos arrozais dentro da terra indígena.

No dia 23 de novembro, as cinco comunidades tiveram as casas queimadas por um grupo suspostamente liderado pelos rizicultores. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal.

CPI da Biopirataria chama Blairo Maggi e presidente do Ibama para depor sobre tráfico de madeira

Brasília – O governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, e o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcus Luiz Barroso Barros, serão convidados a debater o tráfico ilegal de madeira na Amazônia. A decisão foi tomada durante reunião extraordinária da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Biopirataria, nesta terça-feira (7). Outros 11 funcionários do instituto e do governo estadual também serão convocados.

A audiência, solicitada pelo relator da CPI, deputado Sarney Filho (PV-MA), ainda não tem data marcada. Sarney Filho afirma que neste debate serão discutidas questões como a substituição das Autorizações para Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) por um sistema digital que dificultaria as fraudes, além do monitoramento da floresta no estado feito por satélite e que foi desativado. "O problema do desmatamento na Amazônia é antigo, mas as rédeas estão soltas", diz o deputado.

De acordo com o presidente da CPI, deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), há um outro aspecto que deveria ser investigado, e que não foi divulgado pela imprensa. "A madeira apreendida, que está nos depósitos do Ibama, muitas vezes é doada para uma organização não-governamental (ong). Como a ong não tem como tratar da madeira, contrata uma madeireira, e esta, de posse do contrato, vai até o Ibama e requisita um pacote de ATPFs, para pegar a quantidade de madeira que quiser", afirmou o presidente da comissão.

Mendes Thame destacou ainda que o principal objetivo da CPI é elaborar uma nova legislação sobre preservação ambiental e combate à biopirataria. "Além de apurar as denúncias e encaminhar todo o material de que dispomos para o Ministério Público e Polícia Federal, pretendemos reunir subsídios para atualizar a legislação no combate a esses atos ilícitos".

Não basta preservar a floresta

A Amazônia abriga 20% de toda a água doce do planeta, ocupa 5% da área do globo terrestre, guarda 30% das florestas tropicais ainda vivas, mas é habitada por apenas 3,5 milésimos da população mundial. A grandiosidade da região é inversamente proporcional à sua fragilidade e vulnerabilidade perante a antiga ameaça da mão do homem. Mas a velha idéia de preservar a floresta intocada já está ultrapassada. O futuro é explorar o que ela pode oferecer enquanto está viva, em pé. O assunto foi apresentado detalhadamente no livro Brasil – Estado de Uma Nação, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a ser lançado neste mês, mais especificamente no capítulo "Amazônia: desenvolvimento e soberania", coordenado pela geógrafa Berta Becker.

Desafios – A senhora cita em suas palestras e livros que o dilema da Amazônia é a conservação com inclusão social. No que ele difere do conceito preservacionista dos anos 90?

É uma diferença conceitual, mas bastante importante. Preservação é diferente de conservação. Preservar é não tocar, é deixar como está. Conservação é utilizar sem destruir. E eu prefiro a conservação com inclusão, acredito piamente no uso não-destrutivo do patrimônio natural de modo a gerar trabalho e renda sem deteriorá-lo.

Desafios – E depois de tanta experiência na academia e em consultorias, a senhora acredita que é possível, operacionalmente, atingir o objetivo da conservação com inclusão?

Acredito. É possível, mas é difícil. São muitos os obstáculos, especialmente a questão fundiária, que no Brasil é estrutural e está ligada ao poder. As elites, historicamente, querem ter terras, e não estamos falando só do momento presente. Querem terras não somente para a produção organizada, mas porque significa poder, status, reserva de valor para o futuro. No Brasil e em boa parte da América Latina, o crescimento da produção agrícola foi baseado na expansão da fronteira, ou seja, o crescimento sempre foi feito a partir da exploração contínua de terras e recursos naturais, que eram percebidos como infinitos. O problema continua até hoje. E a questão fundiária está intimamente ligada a esse processo, em que a a terra dá status e poder, com o decorrente avanço da fronteira da produção agrícola, que rumou para a Amazônia nos últimos anos.

Desafios – Mas a modernização agrícola, pela lógica, não deveria ter diminuído o avanço da fronteira, pois atingiu mais produtividade num mesmo espaço de terra?

A modernização da agricultura propiciou, por um lado, maior produtividade nas lavouras, mas fez aumentar a velocidade na incorporação de novas áreas, apoiada também pelas tecnologias da informação. É a chamada cronopolítica, que começa a superar até a geopolítica. A iniciativa privada sabe muito bem se mover nessa nova velocidade, enquanto o Estado ainda se mexe no mesmo tempo pretérito. Portanto, acaba sendo criado na Amazônia todo um sistema logístico, de armazéns, cidades, redes de comunicação, que permite uma rapidez muito maior da expansão da fronteira. Isso é muito nítido por lá, basta chegar em qualquer cidade para perceber, pois são os empresários que dominam tudo, que instalam e comandam essa logística, e o Estado está sempre atrás.

Desafios – Além da questão histórica da terra, quais outros fatores dificultam a conservação com inclusão?

Sou adepta da tese de que a floresta amazônica só vai ser conservada quando lhe for atribuído um valor tal que a torne competitiva, com o valor que ela pode ser capaz de gerar enquanto está em pé. Seus produtos precisam assumir preços de commodities.

Desafios – A senhora se refere também aos produtos de extrativismo e à prestação de serviços ambientais, como os projetos de venda de crédito de carbono?

Também estou falando dos serviços, mas não tenho muita paixão por essa alternativa, porque não gera trabalho direto e renda para a população. E também porque implica a existência de um certo controle externo sobre nossas florestas, porque, se alguém paga por algum serviço, vai querer cobrar. Não me sinto maravilhada com a idéia de vender créditos de carbono, porque não leva dinheiro para a mão da população, que quer se desenvolver, crescer. Dou preferência ao aproveitamento das riquezas da floresta, pois já existem mercados a serem explorados e muitos outros a serem abertos. Há vários exemplos de campos comerciais que estão prontos para serem aproveitados. O ramo biomédico, por exemplo, embora seja difícil concorrer com os grandes laboratórios mundiais. O da nutracêutica, que é gigantesco, e para quem não sabe diz respeito aos alimentos naturais que geram bem-estar e saúde. E a dermocosmética, que algumas empresas brasileiras estão começando a explorar muito bem, inclusive internacionalmente. A alta tecnologia precisa entrar na Amazônia para permitir a descoberta de novos produtos e mercados.

Desafios – E a população está preparada para tal mudança?

A região amazônica, primeiramente, não pode ser encarada como algo único. É um caldeirão de diferenças sociais, é grande e diversa. Mas uma coisa é comum: o nível de aspirações se elevou enormemente para todos os atores sociais daquela região, desde empresários, agricultores e governos, até ribeirinhos, índios e pequenos produtores agrícolas. Todo mundo quer se desenvolver, é um caminho sem volta. Acabou a fase de ocupação pura e simples. É urgente a concepção de uma política de consolidação do desenvolvimento. Por isso eu acredito que estão preparados e muitos até mobilizados, em diferentes níveis, trabalhando em conjunto para melhorar aqui e ali.

Desafios – A senhora já afirmou que está na hora de o movimento ambientalista fazer uma auto-avaliação e rever alguns de seus princípios básicos. Quais seriam esses pontos a serem revistos?

O movimento ambientalista foi muito importante, fundamental, eu diria. Ele foi o responsável por barrar o avanço da fronteira agrícola e a depredação madeireira da região amazônica nos anos 90. Certamente atingiu os objetivos a que se propunha. Hoje, 30% do território amazônico está protegido, o equivalente à área da Espanha. Mas o mundo mudou e a Amazônia também, assim como os atores envolvidos. Agora eles precisam de trabalho, emprego, dinheiro, pois querem consumir produtos e serviços, desejam fazer parte da nação, como qualquer outro cidadão. Não dá mais para pensar que basta proteger áreas para solucionar os problemas, porque os conflitos aumentam e resultam em casos e mais casos de violência e morte. Não basta delimitar áreas protegidas para solucionar a questão da Amazônia. É necessário passar do preservacionismo para o conservacionismo.

Desafios – Essa tendência de mudança é mundial?

Ninguém fala disso abertamente, mas eu acredito que sim. Prova disso são os selos criados para atestar que os produtos vendidos no exterior foram produzidos de maneira a não agredir a natureza. Eles são um instrumento de trabalho nesse sentido. Ou seja, o capital natural que foi preservado na década de 90 pode agora ser utilizado. O que nos resta é encontrar as formas de explorar isso tudo da melhor forma possível.

Desafios – Ciência e inovação podem ajudar nesse processo?

Ciência, tecnologia e inovação são fundamentais. Primeiro porque patrimônio amazônico ainda não é conhecido e precisa ser considerado também em termos de América do Sul. Quando se pensa em geopolítica, é mais relevante atuar em bloco com outros países, trabalhar em conjunto, com mais presença internacional. A ciência é peça-chave para desenvolver tecnologias criativas para a implementação de um novo modelo de uso dos recursos naturais. Temos de encontrar saídas. Um bom exemplo de tecnologia a

plicada na Amazônia é a produção de biodiesel a partir do óleo de dendê, que é tem origem na Bahia mas está sendo plantado em áreas desmatadas da Amazônia. Não vejo o menor problema nisso, até acho ótimo, mas seria melhor ainda se fossem desenvolvidos mecanismos para criar biodiesel a partir de outros produtos da floresta que não precisassem de área plantada, mas sim de extração organizada. Para isso é necessária a presença forte do Estado, organizando essa pesquisa, para tornar realidade a produção.

Desafios – A ausência do Estado é nítida na região amazônica. Como ele poderia se fazer mais presente, uma vez que aquela é uma área tão vasta e de difícil acesso, com pouca densidade demográfica?

A população amazônica pede a presença do Estado. Depois de muito ouvir aqui e ali eu me arrisquei e codifiquei como é que o Estado pode se fazer presente na Amazônia sem estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Inicialmente é essencial definir com clareza as regras do jogo. Para quem é proprietário, para quem é beneficiário de assentamentos, para quem vai ser funcionário. E, à medida que ficarem claras as regras do jogo, elas têm de ser cumpridas e o Estado precisa trabalhar no monitoramento desse processo. Esse é o cerne da questão institucional na região. Mas atualmente existe uma grande balbúrdia, ninguém sabe direito quais são as regras, nem mesmo quem são os proprietários das terras.

Desafios – A senhora citou os assentamentos na região. Eles têm se mostrado ineficientes, com altas taxas de evasão. O que está acontecendo?

O modelo tradicional de assentamento rural, aquele em que cada família ganha um pedaço de terra para trabalhar isoladamente, não funciona na Amazônia. É obsoleto e não atende nem às necessidades ambientais nem ao povo da região. É uma atitude perversa pegar um monte de gente vulnerável, despreparada, e mandar para uma região sem estradas, sem infra-estrutura, sem informação, sem nada. É por essa razão que a evasão dos assentados ao redor de Santarém, no Pará, chegou a 70%. Não é porque exista má vontade ou preguiça dos assentados, mas sim porque não dá para produzir desse jeito, não dá para trabalhar no meio do nada, de forma isolada. Até agora o governo não deu o apoio necessário e não vai dar, simplesmente porque não é possível em termos operacionais. Imagine que estão planejados hoje 177 assentamentos ao longo de uma só estrada, a Cuiabá-Santarém. São milhares de pessoas, sendo impossível dar estrada, luz, assistência técnica, estrutura de comercialização para todo mundo. Os assentados ficarão lá alguns meses e depois irão embora, e quem ficará com as terras, como acontece há décadas, serão os grandes agricultores.

Desafios – E como resolver esse impasse?

Eu tenho uma proposta polêmica, mas que, na minha cabeça, depois de tudo o que eu já vi, faz todo o sentido. Proponho que sejam implementadas grandes fazendas de colonos, num esquema cooperativo. Elas precisam ser enormes, nas proporções amazônicas, para possibilitar produção em escala Em vez de colocar cada assentado num pedaço pequeno, em que ele só poderá utilizar 20% da área, conforme a legislação ambiental, será melhor partir para unidades maiores, exploradas cooperativamente. Numa grande propriedade, usar 20% da área permitirá uma grande produção, muitas vezes maior do que se fossem utilizados os pedacinhos de cada assentamento individual Além disso, esse modelo facilita a organização de infra-estrutura, ao criar um pequeno pólo populacional com luz, esgoto, escola e apoio técnico. Não se deve dar o título de propriedade da terra, pelo menos por um tempo, mas apenas garantir a concessão. A escolha das áreas deve ser precedida de um estudo de mercado, estabelecendo o que deverá ser produzido, dependendo da existência de condições de comercialização. Com pouco mais de uma dúzia dessas fazendas na região da mesma BR-163, as coisas estariam mais bem equacionadas, elas seriam capitalizadas em pouco tempo e assim se poderia enfrentar muito melhor o problema da invasão da pecuária e da soja sobre a floresta. Os assentados, trabalhando cooperativamente, poderiam ganhar algum dinheiro e o governo teria, assim, condição de dar apoio a uma dúzia de núcleos desse tipo, em vez de 200 assentamentos com milhares de pedaços de terra dispersos, que acabariam produzindo apenas para a subsistência. E, de quebra, a área protegida por lei não seria difusa em pequenos pedaços de cada assentado, continuaria sendo protegida, mas estaria interligada em apenas uma fazenda.

Desafios – As organizações não-governamentais (ONGs), tanto nacionais quanto internacionais, ocupam importante espaço no cenário ambiental brasileiro. Elas conseguem exercer forte influência no campo das políticas públicas e mobilizar a população. A senhora já questionou em seus livros o papel de tais organizações. Na sua opinião, o que deve ser observado no trato com elas?

Acredito que precisamos sempre prestar atenção ao papel dessas organizações no que diz respeito à geopolítica. Algumas entidades, muitas delas bastante fortes e representativas de interesses internacionais, fazem de certa forma um jogo anti-Estado. Elas pregam um pouco a tese de que o Estado diminuiu e que são elas que precisam ocupar o espaço deixado, como as salvadoras da pátria. Na verdade não foi nada disso. Os Estados não acabaram, estão aí definindo políticas e muitos deles têm braços que apóiam aberta ou secretamente as grandes ONGs e organismos multilaterais, para financiar políticas em outros países em desenvolvimento. As ONGs acabam sendo ferramentas de influência direta de alguns governos sobre outros. Também chamo a atenção para o fato de que muitas vezes são essas organizações e organismos que ditam a agenda de discussão. E quem define a agenda tem o poder, porque o que entra em discussão pode ser definido e o que não entra não tem nem chance. São as regras do jogo.

Desafios – E o Brasil tem conseguido influenciar mais a agenda ambiental de discussão?

Eu diria que o Brasil, durante muito tempo, teve uma atitude até infantil nesse ponto. As posições eram radicais: ou se era totalmente contra o imperialismo americano ou era uma posição de "venha e pegue tudo". Agora estamos aprendendo a negociar, o que é fundamental. Porque a cooperação técnica é importantíssima. Mas ela precisa ser negociada e discutida, e nós aprendemos muito sobre isso nos últimos tempos.

Desafios – Qual o seu sentimento sobre o futuro ambiental do Brasil, sobretudo da Amazônia? É otimista ou pessimista?

Eu gostaria de manter o meu histórico otimismo, especialmente porque tenho trabalhado bastante em consultorias para implementar novos modelos de uso da floresta amazônica. Mas às vezes me sinto um pouco pessimista. O importante é que há um grande debate sobre o assunto. O processo demanda debate, criatividade e repercussão, para que consigamos mostrar a quem decide o que é mais importante para aquela região. Eu amo muito aquilo tudo, amo muito o Brasil. Estou cheia de idéias, e isso é que é bom, é o que importa.

Funai em Manaus terá chefe indígena

Os protestos surtiram efeito. A ocupação do escritório da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Manaus (AM) por mais de 300 índios, durante todo o mês de janeiro passado, tinha como principal reivindicação o afastamento do então administrador regional e uma maior participação dos povos indígenas na gestão do órgão.

Na sexta-feira passada, 03 de junho, a Funai anunciou Pedro Garcia, da etnia tariano e uma das principais lideranças indígenas do estado, como novo chefe do órgão na capital amazonense. A nomeação de um líder indígena é inédita no Amazonas, estado com 4,26% de sua população de origem indígena (censo IBGE 2000). Técnico em agro-pecuária, ex-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e candidato derrotado à prefeitura de São Gabriel da Cachoeira pelo Partido dos Trabalhadores, Pedro Garcia falou com o ISA sobre sua missão à frente da Funai em Manaus, os principais problemas a serem enfrentados, o preconceito inclusive.

Como você recebeu a notícia da nomeação?

Soube pelo jornal, mas ainda não fui comunicado oficialmente. Apesar do meu nome estar na lista, não imaginava que seria nomeado. Agora tenho muito que conversar com o pessoal pois a Funai é um órgão muito problemático.

Qual o principal problema a ser enfrentado?

A política indigenista do governo federal não é clara, e uma boa administração em Manaus vai depender de uma definição desta política. Nossa idéia é termos uma ponte com o governo federal e discutir uma política realmente voltada para os povos indígenas.

Quais são as questões regionais mais urgentes?

Temos que criar programas de trabalho para melhorar as condições de vida das comunidades. Em primeiro lugar vem a segurança alimentar, que é o principal problema em muitos lugares. O investimento em educação indígena também deve ser priorizado, assim como o trabalho pela legalização das terras indígenas que hoje estão sem proteção. Temos que acabar com a visão de que a demarcação de terras indígenas atrapalha o desenvolvimento regional. Ela só atrapalha os interesses de quem disputa terra com os índios.

Quais mudanças você pretende realizar na gestão da Funai em Manaus?

Minha primeira idéia é democratizar a administração, deixá-la menos verticalizada. Temos que ouvir mais as lideranças de cada povo, de cada comunidade, incentivar a participação de todos nas decisões e na busca de consensos que possam redirecionar a política indigenista no estado. O modelo atual, muito vertical, não atende as necessidades da maioria.

Como você vê sua relação com outras etnias da região de Manaus?

Temos onze municípios sob a administração da Funai de Manaus, muitos deles habitados pelos povos Murá e Munduruku. Eu nunca tive problemas com nenhum deles nem com liderança de povo algum. Como participo do PPTAL – Projeto Integrado de Proteção às Terras e Populações Indígenas da Amazônia Legal Brasileira – , acompanho os processos de demarcação de terras e isso me deixa próximo aos outros povos. Como as experiências nos últimos anos foram muito ruins, acho que todos vão estar dispostos a melhorar.

Como você vai lidar com os funcionários não-indígenas da Funai?

Tenho que ter muita tranqüilidade para assumir o cargo, pois quero estabelecer boas relações como todos. Uma das primeiras coisas a fazer é visitar os 11 postos da Funai na região e ouvir as necessidades dos funcionários. Tenho também que analisar as questões internas do órgão, como a falta de recursos, que, sem dúvida, é um outro grande problema. A ocupação em janeiro evidenciou isso. Acredito que só com um bom planejamento poderemos aproveitar o que temos da melhor maneira, visitando as comunidades com mais freqüência e, assim, evitar o isolamento da Funai, tão criticado.

Teme sofrer algum tipo de preconceito?

A resistência dos não-indígenas sempre existiu, ainda que muitas vezes de forma velada. Vamos superar estas dificuldades. Tem muita gente que faz provocações para gerar alguma crise, mas vou colocar a cabeça para a funcionar. Quem reclamar que “está sendo mandado por um índio” precisa entender que as coisas mudaram muito e todos têm que perceber isso. Faz parte da atualização da questão indígena.

Você pretende conversar com o presidente da Funai sobre a falta de recursos?

Tenho que ir à Brasília para um treinamento em gerência, que vai ser muito importante, e quero aproveitar para manter contato com o presidente da Funai no sentido de ampliar o orçamento para 2006.

Operação Curupira desmonta a maior rede de corrupção contra o desmatamento, diz Barros

“Estamos desmontando a maior rede de corrupção contra o desmatamento da Amazônia”, anunciou Marcus Barros, presidente do Ibama, em entrevista coletiva na sede da Polícia Federal, em Cuiabá (MT), sobre as prisões de empresários madereiros, despachantes e funcionários do Ibama feitas pela Operação Curupira, da PF.

Até o meio da tarde desta quinta-feira, mais de 80 pessoas haviam sido presos no Mato Grosso e em outros estados pela Polícia Federal. “O esforço não será em vão. Levar até as últimas conseqüências é compromisso deste governo”, disse o presidente do instituto lembrando os recentes esforços do Ministério da Justiça, Controladoria Geral da União e Polícia Federal para coibir processos de corrupção e prender responsáveis.

Marcus Barros atendeu à imprensa junto com o procurador Mário Lúcio Avelar, do Ministério Público Federal, que destacou o trabalho em conjunto do Ibama, MPF e Polícia Federal e relacionou o crime às altas taxas de desmatamento no estado do Mato Grosso (48% do total verificado entre agosto de 2003 e agosto de 2004).

 “Um país civilizado não pode seguir com essas taxas de desmatamento”, disse o procurador que também ressaltou o tamanho e a longevidade da rede de corrupção: “isso aqui não pode ser obra de um servidor do Ibama. Esses cidadãos que agora estão sendo presos aumentaram os seus patrimônios nos últimos 20 anos”.

O interventor do Ibama no estado, Elielson Ayres de Souza, concorda com a avaliação do procurador: “Mário Lúcio tem razão. O crime não é do Ibama, mas de pessoas inescrupulosas que fizeram uso do órgão”.

De acordo com a Polícia Federal o esquema de corrupção devastou 43 mil hectares, área equivalente a 52 mil campos de futebol, 66 mil caminhões (em fila equivaleria a distância entre Curitiba e Salvador), o que equivale à R$ 890 milhões.

Governo desmantela quadrilha que atuava há 14 anos no Mato Grosso

As ações de combate ao desmatamento na Amazônia desmontaram uma quadrilha que atuava há 14 anos no Mato Grosso fraudando autorizações para exploração de madeira. Desenvolvidas desde setembro de 2004 pelo Ibama, Polícia Federal e Ministério Público Federal, as investigações levaram a Justiça a decretar a prisão de 89 envolvidos, responsáveis pela exploração ilegal de 1,9 milhão de metros cúbicos de madeira, suficientes para carregar 76 mil caminhões. Se enfileirados, cobririam a distância entre o Rio de Janeiro e Brasília. O início do desmantelamento da quadrilha foi anunciado hoje pelos ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Do total de envolvidos na investigação policial, 42 são empresários e 47 são servidores do Ibama – 39 de carreira e oito de cargos comissionados. Desses 39 servidores, 21 já haviam ocupado cargos de confiança na instituição antes de janeiro de 2003. Todos já respondem a processo administrativo disciplinar, e o Diário Oficial da União de hoje publica a exoneração dos oito que ocupavam cargos em comissão, dentre eles o gerente-executivo do Ibama no Mato Grosso. Os servidores de carreira só poderão ser demitidos após a conclusão do processo.

Além da decretação da prisão dos envolvidos e dos processos administrativos, novas medidas estão sendo tomadas imediatamente, começando pela chamada Operação Arribação. Com isso, fica firmado um convênio permanente do Ibama com a Polícia Federal para apuração de denúncias na Amazônia.

O Ibama do Mato Grosso estará sob intervenção por 60 dias, e já conta com uma equipe substituta. O interventor é o procurador que liderou as investigações, Elielson Ayres de Souza. O fornecimento de novas Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) está suspenso por 30 dias, e todos os servidores que operavam sistemas de controle  estão descredenciados. A partir desta data, nenhum dos servidores que atuavam no setor terão acesso aos sistemas de Fluxo de Produtos e Subprodutos da Floresta (Sismad), Integrado de Controle e Monitoramento dos Recursos Florestais (Sisprof) e Integrado de Cadastro e Fiscalização (Sicaf).

Ao mesmo tempo, foi ajuizada uma ação civil pública contra a Fundação Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso (Fema/MT), para que deixe de autorizar desmatamentos considerando uma reserva legal de apenas 50% em propriedades rurais situadas em áreas de transição entre Cerrado e Amazônia ou de florestas. Além disso, a Justiça Federal no Estado entendeu como necessária a busca e apreensão de processos de autorização de desmatamento expedidos pela Fundação.

Governo recebe críticas em sessão solene do meio ambiente

“Estamos perdendo a guerra do meio ambiente, como vimos pelos últimos dados do desmatamento da Amazônia.” Essa foi a denúncia feita pelo deputado Sarney Filho (PV-MA) na sessão solene em homenagem à semana do meio ambiente. Entre 2003 e 2004, 26 mil km2 da Amazônia foram desmatados, o equivalente ao estado do Alagoas, o que representa um crescimento de 6% em relação ao período anterior. O deputado criticou fortemente a política ambiental do governo, na presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Para ele, os esforços de "pessoas tenazes" como Marina não vêm encontrando respaldo suficiente no Governo para a concretização do princípio de transversalização da questão ambiental.

Sarney Filho assinalou que a Amazônia é apenas a face mais visível de uma série de sinais de que já passa da hora de mudar de atitude perante o meio ambiente. O deputado criticou medidas como a Lei de Biossegurança, a importação de pneus usados, o projeto de construção de mais uma usina atômica e a transposição do rio São Francisco "sem uma discussão adequada" e sem a prévia revitalização da Bacia. "No âmbito do Poder Legislativo, nossa parcela de culpa é grande", acrescentou. Ele citou, por exemplo, o projeto da Mata Atlântica, com o objetivo de proteger os 7% de vegetação remanescente, que, após anos de tramitação na Câmara, ainda se encontra no Senado.

A ministra deixou ao PT o encargo de responder e só rebateu ao sair da sessão, ao ser abordada pela imprensa. "Esperamos poder executar pela primeira vez, neste ano, o plano integrado contra o desmatamento", disse, explicando que há R$ 400 milhões previstos para ações integradas entre Ibama, Polícia Federal e outros ministérios. "Recebemos o governo em 2003 com taxa de crescimento do desmatamento de 27% e baixamos para 6% no ano passado, mas ainda assim ficou muito acima do que esperávamos", reconheceu a ministra à imprensa, após deixar a sessão solene.

Recursos ao Ministério

O deputado Jorge Pinheiro fez um apelo à Câmara para que sejam destinados mais recursos ao Ministério do Meio Ambiente no Orçamento de 2006, que será discutido na Casa daqui a alguns meses. Ele defendeu a necessidade de se aparelhar melhor o Ibama para fiscalizar e cuidar das unidades de conservação e dos parques que estão sendo criados.

Pinheiro defendeu que, embora existam situações irreversíveis geradas pela agressão ao meio ambiente, como a devastação da Mata Atlântica, há outras que podem ser mudadas. "Podemos salvar a Amazônia e outras matas importantes, podemos minimizar o impacto das agressões ao cerrado, mas para isso é preciso recursos", afirmou.

Especialistas culpam desmatamento por emissão de gases

O desmatamento da Amazônia é o principal responsável pela emissão de gases poluentes no Brasil. Assim, evitar a destruição da floresta é o grande desafio que o País terá para reduzir as emissões, que causam o efeito estufa. A conclusão foi unânime durante audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que reuniu a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e diversos especialistas para discutir a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas. As ações inseridas nessa política seguem determinações previstas pelo Protocolo de Quioto, em vigor desde fevereiro deste ano.

De acordo com o pesquisador Délcio Rodrigues, do Instituto Vitae Civilis, o Brasil é o sexto maior emissor mundial de gases que causam o efeito estufa, "mas a maior parte dessa poluição não é causada pelas indústrias e sim pelas queimadas". Rodrigues fez uma análise das mudanças climáticas no País para afirmar aos deputados que os efeitos da poluição já se fazem sentir. Como exemplo, ele citou o violento ciclone que atingiu Santa Catarina no ano passado.

Para o coordenador de pesquisas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Paulo Moutinho, o Brasil precisa de ações efetivas para combater o problema. "70% das emissões de gases vêm do desmatamento”, informou.

Marina Silva assinalou que 13 ministérios estão envolvidos no plano de combate ao desmatamento, que cresceu 6% no último ano e, entre os anos de 2003 e 2004, atingiu 26 mil quilômetros quadrados de floresta.

Créditos de carbono

Também foi debatida a regulamentação do mercado de créditos de carbono, que funciona com a compra, por parte de países e empresas poluidoras, de cotas de gases que deixam de ser emitidos por projetos considerados limpos em países em desenvolvimento.

Atualmente, o País conta com dois projetos certificados, que recebem entre 4 e 6 dólares (entre R$ 10 e R$ 15) por tonelada de carbono que deixa de ser liberado na atmosfera.

O debate foi solicitado pelo deputado Paulo Marinho (PL-MA), que cobrou ontem no plenário da Câmara a adesão dos Estados Unidos ao Protocolo de Quioto. "Eles (EUA) são os maiores poluidores do planeta", reclamou. O parlamentar também cobrou medidas concretas para regulamentar o mercado do seqüestro de carbono. "Li na revista Exame artigo que trata de compra de crédito de carbono, por um organismo alemão, de uma entidade ambiental brasileira. Mas, nesta Casa, até o momento, nada há de concreto que regulamente essa atividade."

Reforço do protocolo

O diretor do Programa de Proteção Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Rui de Góes Leite Barros, informou que o Brasil deve entrar imediatamente nas negociações para a segunda fase do Protocolo de Quioto, que vai estabelecer as normas de redução da poluição mundial a partir de 2012. "O Brasil tem interesse no reforço do protocolo e no estabelecimento de uma cobrança mais efetiva aos países desenvolvidos para que reduzam a sua poluição", afirmou Barros. "Mas isso só pode ser conquistado na discussão internacional".

O diretor afirmou ainda que o País não deve considerar o mercado de carbono, previsto no protocolo, como a única forma de reduzir a poluição. Segundo ele, é preciso adotar outras iniciativas ambientais, como medidas concretas contra o desmatamento.