Aumento o número de índios assassinados no país

O número de índios assassinados cresceu 64% de 2006 para 2007, passando de 56 para 92 casos registrados em uma população total de 734 mil indígenas no país. A maior parte dos casos, ocorreu em Mato Grosso do Sul, onde 80 índios foram mortos nesse período: 27 em 2006 e 53 em 2007, indicando um aumento de 99% nos crimes de um ano para outro.

As informações fazem parte do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2006/2007, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Igreja Católica que acompanha a questão indígena há 36 anos e desde 1998 publica o relatório bianual. O relatório foi apresentado hoje (10) na 46ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Itaici, no município de Indaiatuba, São Paulo.

O documento, que aborda também questões de invasão de terras, trabalho escravo e falta de assistência nas áreas da saúde e educação indígenas, aponta a questão fundiária como o principal fator responsável pelo aumento na violência entre e contra os índios.

Segundo a organizadora do relatório, Lúcia Rangel, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o aumento de assassinatos é resultado da crescente tensão no cotidiano das comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul.

Ela disse que, por falta de terras, os índios vivem em acampamentos à beira das estradas ou “confinadas” em reservas, como a de Dourados, no sul do estado, onde 12 mil índios da etnia Guarani-Kaiowá vivem em cerca de 3,4 mil hectares. De acordo com o relatório, a maior parte dos assassinatos que tiveram autoria identificada foi cometida por índios.

“É uma população que não tem onde plantar, não tem como reproduzir seus meios básicos de vida, e daí decorre uma série de problemas, como desnutrição e mortalidade infantil, suicídio de jovens e conflitos internos, com assassinatos de índios por índios, e também de indígenas por seguranças de fazendeiros que não querem abrir mão de uma parte das suas terras.”

Conforme o levantamento do Cimi, um índio da reserva de Dourados dispõe de um espaço 20 vezes menor do que o de uma cabeça de gado no estado: para o gado, há em média 7 hectares de terra, enquanto na reserva de Dourados há cerca de 0,3 hectare por pessoa (o equivalente a um espaço de 30 metros quadrados ou faixa de uma sala de três por dez metros).

Lúcia Rangel lembrou que a reserva foi criada para reunir índios da etnia Guarani-Kaiwoá que estavam dispersos em Mato Grosso do Sul antes da ocupação do estado com a criação de gado e o plantio em larga escala de algodão, milho e soja e, mais recentemente, de cana-de-açúcar destinada ao biodiesel. Em Mato Grosso do Sul, além de Dourados, quatro áreas foram destinadas à etnia que, segundo o Cimi, reúne cerca de 40 mil índios no estado. As cinco áreas totalizam 40 mil hectares. Porém, os índios reivindicam da Funai a demarcação de mais 100 terras que no passado teriam sido ocupadas por eles, e a disputa pela posse de tais áreas vem gerando conflitos externos.

Uma das reivindicações da etnia é reaver suas antigas aldeias em Mato Grosso do Sul, disse a pesquisadora. “O estado deu prioridade a um projeto de desenvolvimento baseado no agronegócio, com plantações em larga escala e criação do gado em detrimento da demarcação da terra indígena, e o índios ficaram sem as terras.”.

O relatório também destaca o impacto negativo para os índios do trabalho em usinas e fazendas de cana-de-açúcar, por falta de outras alternativas de subsistência. Houve quatro assassinatos em alojamento de usinas e dois casos de trabalho escravo comprovados pelo Ministério do Trabalho no ano passado – um em março, envolvendo 150 índios, e outro, em novembro, com mais de 1.100 indígenas encontrados em situações de trabalhodegradante.

Também foram relacionados casos de violência contra índios, com assassinatos, exploração ilegal e invasão de terras indígenas, em 2006 e 2007, nos estados do Maranhão, Pernambuco e Espírito Santo.

No Maranhão, segundo estado com maior número de assassinatos, foram registrados 10 mortes de índios Guajajara no período em episódios relacionados à invasão de aldeias por madeireiros e ao contato com a estrada de ferro da empresa Vale do Rio Doce, que corta a terra indígena.

No Espírito Santo, foi destacada a disputa por terras entre os índios Tupinikim e Guarani e a empresa Aracruz Celulose, com uma série de conflitos violentos que só cessaram no ano passado com a demarcação definitiva das terras indígenas. O relatório atribui o aumento da violência contra os povos indígenas à omissão e lentidão do governo federal em demarcar as terras.

Índios cometeram maioria dos assassinatos de indígenas apontados pelo Cimi

O relatório revela ainda que a maioria dos 149 assassinatos registrados nesse período entre indígenas, com autoria definida, foi cometida por pessoas das próprias comunidades, em situações de brigas, muitas delas familiares. Mais da metade do total dos crimes ocorreu em Mato Grosso do Sul.

Para a antropóloga Lúcia Rangel, coordenadora do levantamento, o aumento da violência entre os próprios índios é reflexo das condições degradantes a que eles estão submetidos, principalmente em Mato Grosso do Sul, por estarem “confinados” em pequenas reservas onde há superpopulação e condições precárias de saúde e subsistência.

A antropóloga explicou que, apesar das várias comunidades de uma mesma reserva – como é o caso de Dourados, onde estão os Guarani-Kaiwoá – terem a mesma cultura e falarem a mesma língua, elas estão organizados em unidades autônomas (chamadas tekohá) baseadas em relações familiares e com chefias políticas e religiosas independentes.

“Quando várias dessas unidades são colocadas em uma área sem espaço, começam a competir entre si, o conflito vai aumentando e entra-se num ciclo de violência interna que não se resolverá, a não ser que cada uma das unidades retome a terra que corresponde ao seu tekohá.”, afirmou Lúcia Rangel, referindo-se à reivindicação dos 45 mil índios da etnia Guarani-Kiaowá por 100 áreas de terra no estado.

Ao comentar os suicídios registrados entre jovens indígenas no país (33 em 2006 e 28 em 2007), a antropóloga disse que trata-se de um fenômeno de difícil compreensão. “Parece um grito de alerta da juventude de que as coisas não vão bem, de que a vida está violenta, de que são ameaçados, e eles buscam no mundo dos espíritos a segurança e a paz que não encontram aqui.”

Procurada pela Agência Brasil desde terça-feira (8), a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou, por meio da assessoria de imprensa, que o presidente do órgão, Mário Meira, não tinha agenda disponível para comentar os resultados do relatório, disponibilizados com antecedência para órgãos de imprensa.

Expansão sucroalcooleira ameaça índios do Mato Grosso do Sul, alerta Ministério Público

Ao abrir novas oportunidades para produtores rurais e para a indústria sucroalcooleira, a expansão das lavouras de cana-de-açúcar poderá resultar no aumento da exploração de trabalhadores rurais em situação degradante, inclusive de indígenas. A preocupação é do subprocurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT).

“Se em situação normal já ocorre a exploração, imagina com a perspectiva de instalação de mais de uma centena de empresas, destilarias de açúcar e álcool, que serão implantadas no país atendendo a um crescimento enorme para essa produção”, questiona ele. De acordo com Camargo, no caso dos indígenas, a preocupação é que com a entrada de novas empresas no mercado voltem a ocorrer problemas como os verificados durante quase vinte anos no estado do Mato Grosso do Sul.
Na semana passada, o grupo de fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do Mato Grosso do Sul resgatou 409 trabalhadores em situação degradante, no canavial da Destilaria Centro Oeste Iguatemi, uma usina de álcool localizada no município de Iguatemi. Desses, 150 eram indígenas das etnias guarani e terena, que dormiam nas dependências da empresa, num alojamento de alvenaria construído para abrigar 50 pessoas, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego.

“O trabalhadores indígenas no Mato Grosso do Sul sabem cortar cana-de-açúcar, ou seja, eles têm o know how, conhecem a atividade, então são muito requisitados”, explica o subprocurador. Segundo Camargo, até o início de 2001, a mão-de-obra indígena era explorada sem carteira assinada.

“Era como se os indígenas prestassem serviço sem um vínculo de emprego, o que é um completo absurdo. Nós tivemos que entrar com inúmeras ações civis públicas, e só depois de ganhar todas as ações na Justiça é que nós conseguimos com que os usineiros registrassem os contratos de trabalho”. O procurador teme que “com essa enorme quantidade de destilaria s, voltemos a nos deparar com esse episódio de exploração”.

Outra preocupação, segundo Camargo, é com o grau de exploração dos trabalhadores rurais. Segundo ele, muitas empresas exigem que cada trabalhador corte cerca de 15 toneladas de cana-de-açúcar por dia. Para o subprocurador, o volume é “humanamente absurdo”. Apenas no interior de São Paulo, de acordo com ele, pelo menos seis trabalhadores rurais morreram nos últimos anos em função desse exigência.

“Há alguns anos, o chamado campeão do corte, ou seja, aquele trabalhador que cortava muito, cortava oito, nove toneladas de cana por dia. Hoje, trabalhadores que cortam oito toneladas de cana já não são mais admitidos, já não prestam mais para esse serviço, porque não atingem os índices mínimos exigidos. O que se exige hoje é um número absurdo, e por conta disso há pessoas que estão morrendo de exaustão”.

Para minimizar os riscos de expansão das lavouras de cana-de-açúcar no país, Camargo defende que o processo de implantação das empresas seja feito de forma racional, com regularização da contratação da mão-de-obra. “Se houver uma implantação indiscriminada, com o objetivo de lucro rápido e imediato, a exploração dos trabalhadores e a degradação do meio ambiente vai ser inevitável”, alertou.

Segundo a DRT/MS, os 409 trabalhadores resgatados em Iguatemi eram mantidos em condições degradantes. “Os trabalhadores estavam lá sem fornecimento de alimentação, eles tinham que trazer alimento de casa, sem fornecimento de água em condições adequadas, sem instalação sanitária na frente de trabalho, sem local para refeição”, acrescenta o chefe da Seção de Inspeção do Trabalho da DRT do Mato Grosso do Sul, Antonio Maria Pena.

Segundo ele, nove empresas do ramo estão instaladas no estado. “Essa usina em que a gente encontrou a situação degradante é uma usina que está começando agora, talvez por isso não se prestou a devida atenção ao cumprimento da legislação no que diz respeito ao ambiente de trabalho”.

Pena informou que o grupo de fiscalização da DRT prepara mais uma ação numa dessas empresas para verificar denúncias de exploração de indígenas em situação de trabalho degradante. Para não prejudicar a operação, ele preferiu não adiantar o nome da usina nem a data da ação.

Maioria dos assassinatos e suicídios de índios ocorre no Mato Grosso do Sul

São Paulo – Dos 40 assassinatos de lideranças indígenas no país durante o ano passado, 27 ocorreram em Mato Grosso do Sul. E dos 31 suicídios de índios, 28 foram no estado. A informação e do coordenador do Conselho Indigenista Missionário do Mato Grosso do Sul (Cimi-MS), Egon Heck, que participou ontem (28), em São Paulo, de atividades para defender a demarcação de terras indígenas.

De acordo com o Cimi, a violência tem crescido nos últimos dez anos, não só no MS, mas em todo o país. No Brasil, houve 287 assassinatos de índios entre 1995 e 2005. Nos últimos três anos, a média anual desse crime cresceu 100%, praticada por índios e não índios. Em relação à quantidade de suicídios, o maior número ocorre entre os menores de 18 anos (51,6%).

Segundo Heck, a violência nos povoados indígenas está ligada à redução de áreas reservadas às diferentes etnias na região sul do estado. Entre os anos 40 e 60, as terras de propriedades indígenas foram ocupadas por fazendeiros e tiveram a área reduzida para cerca de 300 mil hectares. Nos anos 70, o processo se intensificou, “confinando” a população indígena do estado a cerca de 20 mil hectares, de acordo com o coordenador do Cimi. Hoje, as comissões indígenas do estado reivindicam em torno de 150 mil hectares.

Para o pesquisador do Núcleo de Estudos em Antropologia Prática (Neap) da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Ramirys de Andrade, a violência na região nasce principalmente da dificuldade das comunidades indígenas de manter sua identidade cultural.

“A referência cultural [do povo] Guarani da relação entre o homem e a terra está desestruturada, porque ele se vê cercado por fazendas com soja, girassol e milho, enquanto eles próprios não conseguem ter terras. Cria um choque”, diz o pesquisador.

Segundo o presidente do Sindicato Rural de Dourados, Gino Ferreira, a reivindicação por uma quantidade maior de terras não é a causa de problemas nas comunidades indígenas. Ele acusa o “descaso” do poder público na administração dessas áreas e sugere a atuação da iniciativa privada para resolver a questão.