Manaus – O prefeito de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Juscelino Gonçalves, assinou hoje (10) o decreto que regulamenta o reconhecimento do Tukano, Baniwa e Nheengatu como línguas oficiais do município, ao lado do português. O decreto foi votado na Câmara Municipal na semana passada, mas a lei (nº 145), que estabelece as três línguas indígenas como idiomas co-oficiais, foi aprovada em 2002.
É a primeira vez no Brasil que idiomas indígenas são considerados co-oficiais – a Constituição Federal estabelece que o português é o idioma oficial do país. São Gabriel da Cachoeira fica na região do Alto Rio Negro, a 847 quilômetros, em linha reta, de Manaus – e a 1,6 mil quilômetros por via fluvial. É o município brasileiro com maior população indígena: 73,31% dos 29,9 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com a regulamentação, todos as repartições públicas em São Gabriel da Cachoeira serão obrigadas a prestar atendimento também em Nheengatu, Tukano e Baniwa, e os documentos públicos e campanhas publicitárias institucionais deverão ter versões nos três idiomas. Além disso, a prefeitura deverá incentivar o aprendizado dessas línguas e uso nas escolas, meios de comunicação e instituições privadas.
“Quando a gente viaja para fora do país, precisa aprender outras línguas. Quem não for indígena e vier para cá, terá que aprender nosso idioma para se comunicar com a gente”, afirmou o diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), Domingos Barretos.
Para ele, o fundamental é fazer o controle social da nova legislação e desenvolver ações de educação e capacitação. “Queremos construir com as instituições públicas um programa de trabalho para aplicar a lei, oferecendo curso de formação para os servidores entenderem a importância dessas línguas”, disse Barretos, em entrevista à Radiobrás.
A Lei 145/2002 surgiu de uma iniciativa da Foirn, uma articulação que reúne 660 entidades indígenas de 22 povos. O projeto de lei que lhe deu origem é de autoria do vereador indígena Camico Baniwa e foi elaborado em parceria com o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (Ipol). O decreto de regulamentação começou a ser esboçado em abril deste ano, em um grande seminário organizado pelas lideranças indígenas.
“Em 1987, quando a Foirn foi criada, falar português era sinal de superioridade. Foi nossa política de valorização da cultura e da tradição que afastou esses idiomas do risco de extinção”, ressaltou Barretos. Segundo ele, a demanda pela co-oficialização das três línguas indígenas mais faladas no município veio do movimento de professores indígenas em 1998, ano em que foi criado o primeiro magistério indígena em São Gabriel da Cachoeira.
De acordo com Barretos, pelo menos 5 mil indígenas têm o Baniwa como idioma principal; 4 mil, o Tukano e 3 mil, o Nheengatu. Ele observou, no entanto, que o número de falantes dos três idiomas é bem maior e difícil de estimar, porque é comum os indígenas da região aprenderem línguas de outros povos.
Apesar de ser hoje considerado língua materna por diversos povos indígenas que habitam a Amazônia, como os Barés, em São Gabriel da Cachoeira, as origens do Nheengatu estão no processo de catequisação. O Nheengatu surgiu a partir do Tupi e foi introduzido pelos jesuítas na região. Muitos povos que perderam sua língua original durante o processo de colonização adotaram o Nheengatu como língua principal.