Assine pelo Desmatamento Zero!

Carta do Greenpeace sobre a proposta de lei de desmatamento zero:

Olá!

Na semana que passou, Kátia Abreu (PSD-TO) voltou a atacar publicamente os direitos indígenas às suas terras ocupadas tradicionalmente. Há mais de 500 anos, quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, os índios eram vistos com o mesmo olhar conservador expresso no último sábado (7), em pleno século XXI, pela digníssima senadora da República, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo.

Com argumentos retrógrados e preconceituosos, que representam total desconhecimento sobre a cultura e a História do Brasil, a Senadora (eleita para representar os interesses de todo povo brasileiro) insiste numa cartilha desatualizada, com os mesmos velhos argumentos usados na batalha para destruir o Código Florestal em 2011.

E a mesma história se repete: tanto durante a disputa pelo Código Florestal como agora com oataque aos direitos indígenas, os ruralistas liderados por Kátia Abreu mostram as garras em Brasília e, no campo, os índices de desmatamento voltam a crescer.

Hoje, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apresentou os dados do sistema Deter, que mostrou uma perda florestal de 2765,6 km2 de agosto de 2012 a julho de 2013. Isso significa uma tendência de aumento do desmatamento de 35% com relação ao período anterior. É a consolidação, na prática, da ofensiva que se abre no Congresso, que busca ampliar a oferta de terras ao excludente modelo do agronegócio nacional.

A face da bancada ruralista, da qual Kátia Abreu é representante de peso, é o retrato anacrônico do Brasil feudal nos tempos em que o Brasil novo, aquele que mostrou as caras nas ruas no último mês de junho, clama por uma mudança urgente nas práticas de se fazer política e no modelo de desenvolvimento, que ainda promovem a exclusão de milhares de brasileiros.

Se você, como nós, também quer que o Brasil seja a vanguarda econômica, social e ambiental do mundo, junte-se a essa corrente e assine pelo Desmatamento Zero. Diga à Kátia e seus comparsas que queremos e vamos lutar por um novo Brasil, onde preservação do meio ambiente e inclusão social estarão na ordem do dia.

Abraços,
Danicley de Aguiar

Coordenador da Campanha Amazônia
Greenpeace

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Impactos subavaliados em grandes obras

 
Por Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Isa.org.br
Publicado originalmente no em O Globo, 05/03/2013.

 

Infraestrutura é bom e todo mundo gosta. Facilita a comunicação, o transporte, o trabalho, a assistência, o escoamento de produtos. Melhora as condições de vida, o acesso à informação, o processo civilizatório. Os índios apreciam a instalação de poços artesianos que lhes tragam água limpa onde ela está ficando suja, a construção de casas, a abertura de pistas de pouso e de vias de acesso a comunidades remotas. Assim como o uso do celular, de sistemas de rádio e da internet.

Ocorre que implantar um grande projeto de infraestrutura numa região remota, ecologicamente sensível e onde é precária a presença do Estado, requer cuidados que reduzam os impactos negativos, potencializem os efeitos positivos para os que ali vivem e diminuam os custos gigantescos dessas obras e ainda o grau de sacrifício que o país precisa fazer para construí-las.

Não há razão para que uma grande obra não possa ser implantada com cuidados e sabedoria em relação ao território e à população afetada. Se pessoas terão que ser removidas, seria justo que fossem reassentadas ou indenizadas antes da mudança. Se uma linha de transmissão vai cruzar e impactar uma região com populações desprovidas de energia, seria lógico que pudessem se beneficiar dela. Se pessoas serão deslocadas para a sua construção, seria óbvio prover escolas, postos de saúde e residências para que pudessem trabalhar em melhores condições e sem que a sua presença promovesse a degradação das condições de vida dos habitantes anteriores do lugar.

Quando se trata de índios, que, assim como suas terras, não são removíveis, e dependem dos recursos naturais que possuem, os impactos diretos e indiretos de grandes obras podem trazer consequências trágicas e irreversíveis. O que pode nos parecer ridículo diante do benefício da luz, como um maldito bagre que não sobe barragem de hidrelétrica, pode representar para índios a perda definitiva de uma fonte essencial de alimento saudável.

Se uma grande obra deverá provocar um rápido adensamento populacional em região sensível, é previsível o aumento da pressão sobre os recursos naturais e o risco de invasão das terras e da introdução de doenças, além de outros malefícios fatais para os índios. Seria muito pretender que o Estado estivesse presente desde antes do seu anúncio para evitar suas piores consequências? O fato é que o planejamento socioambiental das grandes obras não avançou em nada. Ao contrário, parece que ainda vivemos nos tempos de ditadura. Os impactos são subavaliados, as medidas compensatórias são insatisfatórias e não são implementadas conforme planejadas. Pior: as concessionárias não são responsabilizadas. E há quem chame esse processo de desenvolvimento sustentável.

Nem as lições deixadas por desastradas experiências do passado são levadas em conta pelos planejadores do futuro. Foram os casos de Carajás, Balbina e da Transamazônica que deixaram sequelas, e chegaram a desenvolver providências mitigatórias tardias e insuficientes.

Até os engenheiros deveriam saber que, se terras indígenas e unidades de conservação constituem 40% da Amazônia, qualquer grande obra deverá impactá-las de várias formas. Os projetos de engenharia bem que poderiam aprender a conversar com elas. Preveni-las, protegê-las, beneficiá-las, incluí-las.

Mas o que conta é: “acelerar para o país (supostamente) não parar”. O que vier no sentido de “ponderar”, será tratado como inimigo. Assim, “índios”, “meio ambiente”, “Ministério Público”, “Tribunal de Contas” e a própria “mídia elitista” que, a despeito de inflamados editorais em prol de “acelerar”, noticia casos de corrupção em obras de infraestrutura emergem na cena política como “entraves ao crescimento”.

Vale tudo o que for parente de “acelerar”: pagar propina, multiplicar o custo das obras, cooptar votos no Congresso, detonar ambientes e populações, em nome de necessidades prementes da nação. O elevado e evitável custo dessa aceleração fica mesmo para Deus e as futuras gerações.

 

Belo Monte: respeito à Constituição já!

Avaaz.org

As obras de Belo Monte foram paralisadas na semana passada, mas agora a Advocacia-Geral da União quer ir direto ao Supremo Tribunal Federal para continuar as obras sem que se respeite a Constituição, que determina que os índios devem ser consultados. Não podemos permitir isso!

Na semana passada, uma decisão histórica do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) decidiu pela suspensão imediata das obras de Belo Monte porque até agora os índios, que serão diretamente afetados pela obra, não puderam emitir sua opinião sobre a mega-usina. Nesse exato momento, a nossa única chance de manter Belo Monte paralisada está nas mãos do Ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, e isso pode acontecer a qualquer momento nas próximas horas!

Uma Amazônia sustentável, com respeito aos povos indígenas e ao equilíbrio da vida natural do planeta, está em risco iminente —Vamos inundar a caixa de mensagens do Presidente do STF com e-mails pedindo que a Constituição seja respeitada. Envie uma mensagem para o Ministro Ayres Britto clicando abaixo, e divulgue para todos urgentemente:

http://www.avaaz.org/po/stf_pare_belo_monte_a/?bOMXLab&v=17381

Belo Monte é um Golias no coração da Amazônia e vem dividindo a opinião dos brasileiros. Mas todos concordam que uma obra de tamanho impacto não pode ser feita sem o cumprimento da Constituição, que afirma que este tipo de obra só pode acontecer se os índios forem ouvidos. Pela lei, os índios não terão a última palavra, mas continuar a obra sem conhecer a posição dos povos indígenas é uma atitude incompatível com uma democracia pluralista como o Brasil.

O licenciamento de Belo Monte pelo IBAMA estabeleceu uma série de condicionalidades que não vêm sendo cumpridas na execução da obra. Uma decisão do STF mantendo a interrompção dos trabalhos é a melhor oportunidade que nós temos para que o processo de destruição da Amazônia passando por cima da lei seja interrompido.

Envie uma mensagem agora para o Ministro Ayres Britto e, em seguida, divulgue para todos:

http://www.avaaz.org/po/stf_pare_belo_monte_a/?bOMXLab&v=17381

No passado, ajudamos o maior movimento de combate à corrupção eleitoral do Brasil dando apoio na mobilização da Lei da Ficha Limpa e até que ela virasse realidade. E em todo o mundo, membros da Avaaz têm ajudado a soar o alarme para as injustiças, salvar vidas e fazer a diferença. Vamos nos unir mais uma vez, e mostrar nossas vozes e coragem para salvar a Amazônia de uma vez por todas.

Código Florestal: Nascentes ameaçadas de extinção

Por Márcio Santilli (http://isa.org.br)

Um dos aspectos frustrantes da medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff, de forma casada com vetos pontuais ao Código Florestal aprovado pelo Congresso, é a redução das exigências legais para a recuperação de nascentes. Os legisladores do Planalto introduziram deliberadamente no texto da medida a expressão “perenes”, com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água.

Diante da reação de espanto com a introdução, por moto próprio do Planalto, de mais um retrocesso na legislação florestal, circulam rumores em Brasília de que a ANA (Agência Nacional de Águas) será convocada a publicar uma nota técnica sustentando que “intermitente” também é “perene”, de modo a evitar uma reedição da medida provisória pela presidente.

Além disso, a medida provisória também consolida a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Enquanto a lei revogada na segunda-feira indicava um raio de 50 metros ao redor de qualquer nascente, a nova lei mantém esta metragem apenas para as nascentes já protegidas, não desmatadas. Para fins de recuperação, a exigência máxima passa a ser de 15 metros, chegando a apenas 5 metros para as propriedades de menor extensão.

Observa-se aqui a mesma lógica perversa aplicada a vários outros dispositivos do texto legal: quem cumpriu a lei revogada será punido com a manutenção do mesmo nível de exigência e com um conceito de nascente amplo; os que descumpriram a lei – desmatando, aterrando e reduzindo a disponibilidade de água – serão premiados com uma anistia que começa com a introdução do adjetivo “perene” ao conceito e por uma anistia florestal, para fins de recuperação, que variará de 70% a 90%, supondo-se a manutenção de mais essa excrescência na legislação.

Ninguém, em sã consciência, acredita que os órgãos ambientais locais se darão ao trabalho de aferir tecnicamente quais são as nascentes intermitentes e as perenes na sua área de jurisdição. Ou que sairão demarcando círculos de vários tamanhos, de acordo com as extensões das propriedades privadas constantes das matrículas de cada cartório. A própria lei, ao introduzir diferenciações que multiplicam por mil as dificuldades de monitoramento e controle ambiental, induz ao nivelamento por baixo.

É este o sentido da palavra “consolidação”, tão presente na retórica ruralista durante todo o processo de revisão do Código Florestal. Ele significa, na verdade: “fica legalizado o que foi destruído”. Já a responsabilidade de preservar alguma coisa do ativo florestal existente em áreas privadas fica para os “otários” que cumpriram a lei e, agora, verão suas propriedades desvalorizadas em relação às de quaisquer vizinhos predadores.

Código Florestal: mais um capítulo infeliz

Greenpeace.org.br

A presidente Dilma Rousseff colocou três ministros em um tablado para falar que retalhou o texto que saiu da Câmara a fim de recuperar o projeto de lei que havia saído do Senado. Como o que os senadores produziram era ruim para as florestas e o governo não mostrou na coletiva com que retalhos pretende costurar no texto, o Brasil continua desconhecendo como fica o futuro de suas matas.

Ao que parece, o resultado se aproxima de um Frankenstein, que ainda depende de uma medida provisória – também desconhecida – para preencher um vácuo jurídico provocado pelo corta-e-cola. Não foi o que o povo pediu.

Dilma precisava vetar o texto e iniciar um novo processo, começando por eliminar o desmatamento e com base técnica e social desde o início. “O governo fez hoje um anúncio vazio. E esse nada apresentado é o retrato do governo, que durante dois anos não deu as caras enquanto o Código Florestal era retalhado pelo Congresso”, afirma Marcio Astrini, da campanha Amazônia do Greenpeace. “Dilma falhou com o povo brasileiro.”

Desde que o processo começou, há dois anos e meio, a presidente ignorou os avisos de diversos setores da sociedade, de que uma lei tão importante não pode ser reescrita sem a participação de todos. Ela aceitou que um dos maiores tesouros do país – a floresta e a decisão constitucional de protegê-la pelo bem comum e futuro – fosse destruída pelo interesse de apenas um setor da sociedade.

Tanto é que, apenas quando o texto saiu no Congresso, o governo foi ver exatamente quantos seriam beneficiados pelo projeto de lei. Quanta surpresa: percebeu que 81% das propriedades são pequenas, e que elas ocupam apenas 16% da área agrícola do país – e que, portanto, o código escrito no Congresso falhava em proteger os pequenos produtores, pois fora escrito para proteger os grandes. Como se todos não soubessem disso.

Nesses quase 18 meses de Presidência, essa não foi a única omissão nem pecado ambiental de Dilma. Seu governo não criou, até agora, um palmo sequer de unidades de conservação. Mas diminuiu o tamanho de várias, sobretudo na Amazônia, para plantar nelas grandes hidrelétricas e projetos de mineração. Dilma solapou poderes do Ibama, órgão que fiscaliza crimes ambientais, e ainda permitiu o ataque da bancada ruralista a terras indígenas.

“A decisão de não exercer o veto total é sinal de que ela aceitou o tratoraço ruralista”, diz Astrini. “Há doze anos, o Congresso tenta modificar o Código Florestal. Dessa vez, encontrou um campo livre para atuar, sem resistência da pessoa que senta na cadeira mais importante do país. Não é o que se espera de um presidente.”

Agora, na véspera da Rio+20, o governo faz da principal lei ambiental uma colcha de retalhos, e tenta desesperadamente vender a decisão como o melhor texto que se poderia obter para o Brasil. Apresenta uma tabela de APPs (áreas de proteção permanente) como grande feito – mas não expõe um plano para conservar a floresta. E recusa-se a mostrar o texto para passar pelo escrutínio da sociedade. “É o fim da lei das florestas em doses homeopáticas. O Brasil hoje dorme sem ainda saber qual será o novo Código Florestal”, afirma Astrini.

No fim das contas, a floresta não ganhou nem um centímetro a mais de proteção. Em nenhum momento o governo olhou para o que acontecia sob seus olhos, nem para os 13.500 km2 de área desmatada nos dois anos e meio de revisão do Código Florestal.

A lei de proteção das florestas partirá, então, dos brasileiros. Uma iniciativa popular pela lei do desmatamento zero, nos moldes do Ficha Limpa, é hoje o principal instrumento da população para combater a sanha antifloresta que tomou conta do governo e do Congresso.

Os Retrocessos de Dilma na Agenda Socioambiental

 

Dilma Rousseff, minister chief of staff of the...
O governo de Dilma Roussef poderá ser considerado o maior criminoso socioambiental da história do Brasil (via Wikipedia)

É triste e irônico imaginar que alguém com a história da presidente Dilma possa ser comparada com o governo militar. Mas foi exatamente esta a acusação feita pelas principais organizações ambientais brasileiras ao afirmar em carta aberta que “o primeiro ano do governo da Presidente Dilma Rousseff foi marcado pelo maior retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar” (vide carta completa abaixo).

Infelizmente, a posição do governo atual em relação ao desenvolvimento do Brasil é – realmente – muito próxima da ditadura que Dilma tanto combateu: desenvolvimento a qualquer custo e privilegiando poucos. Os militares, pelo menos, tem a seu favor o fato de estarem alinhados com o pensamento do seu tempo, numa época em que a consciência ambiental era quase inexistente.

Ao tocar projetos como a usina de Belo Monte ou apoiar um Código Florestal escrito por ruralistas, o governo Dilma estará efetuando os mais sérios crimes ambientais e sociais já perpetuados contra a nação. Para atender a seu projeto de poder e manter felizes os coronéis do século XXI, Dilma está não apenas prostituindo seu governo, mas a maior riqueza do nosso país: nossa fantástica diversidade étnica e biológica.

Para as organizações ambientalistas os maiores ataques do governo Dilma às conquistas socioambientais são:

  1. Apoio a um código florestal que irá anisitiar R$8.4 bilhões em multas, beneficiando grandes proprietários de terra;
  2. Redução de unidades de conservação: numa atitude inédita, o governo excluiu Unidades de Conservação federais na Amazônia por medida provisória para que se tornassem canteiros de obras;
  3. Redução do poder do Ibama;
  4. Atropelos no processo de licensiamento: o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo às regras, às condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às populações indígenas;
  5. Paralisia na agenda de mudanças climáticas;
  6. Lentidão em projetos estruturais de transporte público (mobilidade) e saneamento básico;
  7. Aumento da violência no campo;
  8. Ministério do Meio Ambiente fraco: de forma inédita, tem acatado com subserviência inaceitável os prejuízos para as atribuições de órgãos , como a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento.
Leia a carta completa:

Carta de repúdio aos retrocessos na política ambiental do Brasil

 

(adaptado do original)

O primeiro ano do governo da Presidente Dilma Rousseff foi marcado pelo maior retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar, invertendo uma tendência de aprimoramento da agenda de desenvolvimento sustentável que vinha sendo implementado ao longo de todos os governos desde 1988, cujo ápice foi a queda do ritmo de desmatamento na Amazônia no Governo Lula.

Os avanços acumulados nas duas últimas décadas permitiram que o Brasil fosse o primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de emissão de carbono e contribuíram decisivamente para nos colocar numa situação de liderança internacional no plano socioambiental.

Na contramão desse processo histórico, são vários os casos que ilustram essa inversão de tendência:

  • A flexibilização da legislação, com a negociação para aprovação de um Código Florestal indigno desse nome;
  • a Regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal, através da Lei Complementar 140, recentemente aprovada, são os casos mais graves;
  • a interrupção dos processos de criação de unidades de conservação desde a posse da atual administração, chegando mesmo à inédita redução de várias dessas áreas de preservação na Amazônia através de Medida Provisória, contrariando a legislação em vigor e os compromissos internacionais assumidos pelo país;
  • o congelamento dos processos de reconhecimento de terras indígenas e quilombolas ao mesmo tempo em que os órgãos públicos aceleram o licenciamento de obras com claros problemas ambientais e sociais.

Esse processo contrasta com compromissos de campanha assumidos de próprio punho pela presidente em 2010, como o de recusar artigos do Código Florestal que implicassem redução de Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legais e artigos que resultassem em anistia a desmatadores ilegais.

Todos esses pontos foram incluídos na proposta que deve ir a votação no Congresso nos próximos dias, com apoio da base do governo.

Ataques às conquistas socioambientais

 

Os ataques às conquistas socioambientais abrem espaço para outros projetos de alteração na legislação já em discussão no Congresso. São exemplos a Proposta de Emenda Constitucional que visa dificultar a criação de novas Unidades de Conservação e reconhecimento de Terras Indígenas; o projeto de lei que fragiliza a Lei da Mata Atlântica; os inúmeros projetos para diminuição de unidades de conservação já criadas; a proposta de Decreto Legislativo para permitir o plantio de cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal e a discussão de mineração em áreas indígenas.

É por isso que as organizações da sociedade que apoiam o desenvolvimento não destrutivo e estão preocupadas com a preservação do equilíbrio socioambiental no país, que subscrevem este documento, vêm alertar a opinião pública de que o Brasil vive um retrocesso sem precedentes na área socioambiental, o que inviabiliza a possibilidade do país continuar avançando na direção do desenvolvimento com sustentabilidade e ameaça seriamente a qualidade de vida das populações atuais e futuras.

Seguem os principais ataques do governo Dilma contra o meio ambiente:

CÓDIGO FLORESTAL

É o ponto paradigmático desse processo de degradação da agenda socioambiental a iminente votação de uma proposta de novo Código Florestal que desfigura a legislação de proteção às florestas, concede anistia ampla para desmatamentos irregulares cometidos até julho de 2008, instituindo a impunidade que estimulará o aumento do desmatamento, além de reduzir as reservas legais e Áreas de Proteção Permanente em todo o País.

A versão em fase final de votação nos próximos dias afronta estudos técnicos de muitos dos melhores cientistas brasileiros, que se manifestam chocados com o desprezo pelos alertas feitos sobre os erros grosseiros e desmandos evidentes das propostas de lei oriundas da Câmara Federal e do Senado.

Em outras oportunidades, durante os oito anos da administração Fernando Henrique Cardoso e nos dois mandatos da administração de Luís Inácio Lula da Silva, houve tentativas de reduzir os mecanismos legais de proteção a florestas e ao meio ambiente. Mas a maior parte delas foram barradas pelo Executivo, devido à forte contestação da sociedade.

Hoje o Executivo se mostra inerte e insensível à opinião pública, a começar pelo Ministério do Meio Ambiente que interrompeu a realização das Conferências Nacionais de Meio Ambiente e tem sido conivente e passivo frente ao desmonte da legislação pertinente à sua área de atuação.

Invertendo aquela tradição, a atual administração deixou sua base parlamentar fazer o que bem entendesse, entrando na discussão quando o fato já estava consumado e de forma atabalhoada. Setores do governo interferiram para apoiar, às vezes veladamente, às vezes nem tanto, as propostas que reduzem as florestas, enquanto a tendência mundial, diante das mudanças climáticas, é aumentar a cobertura florestal.

REDUÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Nesse primeiro ano, o governo Dilma não criou nenhuma unidade de conservação e, numa atitude inédita, enviou ao Congresso a Medida Provisória nº 558 que excluiu 86 mil hectares de sete Unidades de Conservação federais na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de quatro grandes barragens, nos rios Madeira e Tapajós.

Além de não ter havido prévia realização de estudos técnicos e debate público sobre as hidrelétricas do Tapajós, a Constituição Federal estabelece que a alteração e supressão de áreas protegidas só poderia se dar através de lei, o que levou a Procuradoria Geral da República a impetrar Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal contra o uso de Medida Provisória pela Presidente.

REDUÇÃO DO PODER DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA

O governo federal eleito com a maior bancada de apoio da história do país, que deveria ser capaz de implementar as reformas necessárias para avançar o caminho da democracia, da governança política, da economia ágil e sustentável, vem dando sinais de ser refém dos grupos mais atrasados encastelados no Congresso.

O que o levou a aceitar e sancionar sem vetos a citada Lei Complementar 140, que retirou poderes de órgãos federais, tais como o Ibama e o Conama, fragilizando esses órgãos que tiveram importância fundamental na redução do desmatamento da Amazônia e na construção da política ambiental ao longo dos últimos anos.

ATROPELOS NO LICENCIAMENTO

Mais do que omitir-se diante dos ataques à floresta, o governo federal vem atropelando as regras de licenciamento ambiental, que visam organizar a expansão dos projetos de infraestrutura no Brasil.

Diferente do tratamento dado ao licenciamento da BR 163 num passado recente, quando o governo construiu junto com a sociedade um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região de abrangência da obra, o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo às regras, às condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às populações indígenas afetadas.

Esse novo “modus operandi” vem tornando-se prática rotineira, o que ameaça a integridade da região amazônica, onde pretende-se instalar mais de 60 grandes hidrelétricas e 170 hidrelétricas menores. O conjunto de grandes e pequenas hidrelétricas provocará não só mais desmatamento associado à migração e especulação de terras como, ao alterar o regime hidrológico dos rios da região, afetará de forma irreversível populações indígenas e comunidades locais.

PARALISIA NA AGENDA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Entre 2005 e 2010 o Brasil vinha dando passos decisivos ano após ano para avançar a agenda de enfrentamento das mudanças climáticas no cenário nacional e internacional. Esse esforço culminou, em 2009, com a acertada definição de metas para redução de gases de efeito estufa incorporadas na Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas que pautaram a virada de posição das economias emergentes.

A regulamentação da lei em 2010 determinou a construção dos planos setorias para redução de emissões em 2011. Porém o que se viu em 2011 foi uma forte retração da agenda e nenhum dos planos setoriais previstos para serem desenvolvidos no primeiro ano do governo Dilma foram finalizados nem sequer passaram por qualquer tipo de consulta publica.

LENTIDÃO NO “PAC” DA MOBILIDADE 

A agenda socioambiental caminha vagarosamente mesmo nas áreas apontadas pelo governo como prioritárias — a construção de obras de infraestrutura. O PAC da Copa, lançado em 2009, prevê investimentos de R$ 11,8 bilhões em melhoria da mobilidade urbana, mas só foram efetivados 10% dos. Já é de conhecimento público que os sistemas metroviários não estarão em operação em 2014.

No início deste governo foi lançado o PAC da Mobilidade, mas até o presente momento ainda não foram selecionados oe projetos e assinados nenhum contrato para desembolso de verba foi assinado.

LENTIDÃO NO SANEAMENTO BÁSICO

Os investimentos em saneamento também andaram mais devagar do que fazia crer a intensa propaganda eleitoral. Com um orçamento inicial de R$ 3,5 bilhões, o governo investiu efetivamente apenas R$ 1,9 bilhões, valor 21% menor que em 2010. A liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal também deixou a desejar (R$ 2,3 bilhões até novembro, apenas 25% do contratado).

Peça fundamental de uma estratégia de redução da poluição de nossas águas e de melhoria social, o saneamento básico no Brasil tem números vergonhosos: apenas 44,5% da população brasileira está conectada a redes de esgotos; e desse esgoto coletado, somente cerca de 38% é tratado (o que significa que mais de 80% do esgoto produzido no Brasil é despejado na natureza).

LENTIDÃO NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E AUMENTO DA VIOLÊNCIA NO CAMPO

Não é apenas na criação de unidades de conservação e terras indígenas e quilombolas que a hegemonia dos setores mais retrógrados do país se faz presente. O primeiro ano do governo Dilma foi marcado pelo pior desempenho na área de criação de assentamentos da reforma agrária desde, pelo menos, 1995.

O desembolso de recursos com ações para estruturar produtivamente os assentamentos já existentes foi o mais baixo da última década: R$ 65,6 milhões. O processo de titulação de terras indígenas e de quilombos também se arrasta – em 2011, só uma terra de quilombo foi titulada e três terras indígenas homologadas.

Esses retrocessos coincidiram com o aumento da violência no campo. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 38 índios foram assassinados nos nove primeiros meses do ano passado, sendo 27 no Mato Grosso do Sul, cenário de tensas disputas por direitos territoriais. Esses números são engrossados por pelo menos oito assassinatos de agricultores familiares e/ou extrativistas em disputas com grileiros de terras, principalmente na região norte.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE INERTE

Diante desses ataques contra a estrutura e competências de sua pasta, o Ministério do Meio Ambiente, de forma inédita, tem acatado com subserviência inaceitável os prejuízos para as atribuições de órgãos , como a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento.

Frente as agressões ao bom senso e à ciência contidas na proposta do Código Florestal, a Ministra deu seu beneplácito ao aceitar a alegação de que o texto não continha cláusulas de anistia, quando ele claramente concede perdão amplo, geral e irrestrito para a grande maioria dos desmatadores ilegais.

Diante desses retrocessos apontados, as organizações sociais signatárias apelam para que a Presidente cumpra os compromissos assumidos em campanha e retome a implementação da agenda de sustentabilidade no País. Somente uma ação forte nesse sentido evitará os graves prejuízos para a sociedade brasileira e que o Brasil viva o vexame de ser ao mesmo tempo anfitrião e vilão na Rio + 20, em junho deste ano.

Assinam a carta original:

  • Instituto Socioambiental – ISA
  • Instituto Democracia e Sustentabilidade
  • Fundação SOS Mata Atlântica
  • Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
  • Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
  • Rios Internacionais – Brasil
  • Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)
  • Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA)
  • Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi)
  • Associação Alternativa Terra Azul
  • WWF -Brasil
  • Instituto Vitae Civilis

Faça uma ligação para impedir a aprovação do absurdo que é o novo código florestal!

Congresso deve na próximas horas alterações ao código florestal brasileiro que irá anisitiar R$8.4 bilhões em multas, beneficiando alguns dos maiores criminosos ambientais do país. Além disso, estudos do IPEA mostram que, no pior cenário, a nova lei pode devastar ou não restaurar mais de 76,5 milhões de hectares, que se traduz em 28 bilhões de toneladas de CO2 adicionados à atmosfera.

Ajude a parar este absurdo, ligue ou envie um email agora para seu representante no congresso!
 

Sinal vermelho para o Xingu: sob protestos, governo inicia obra de Belo Monte

Por João Alberto Ferreira – originalmente publicado na revista Brasileiros de Raiz.

Mapa do desmatamento na região do rio Xingu até 2007
Mapa do desmatamento na região do rio Xingu até 2007 (fonte: Yikatuxingu.org.br)

Visto do alto, por imagem de satélite, o Rio Xingu, de sua nascente, em Mato Grosso, até desaguar no Amazonas, mais de dois mil quilômetros depois, é um paraíso intocado. Toda essa imensa região, habitada por mais de 25 mil indígenas de 24 etnias, milhares de ribeirinhos, populações extrativistas, agricultores familiares e quilombolas destacam-se de seu entorno por um fato muito simples: continua verde enquanto tudo a sua volta é vermelho.

Nas legendas para as cores apontadas pela imagem do satélite, segue a tradução: verde significa flora e fauna abundantes; vermelho, desmatamento.

São os índios e as populações que ali vivem quem protege esta rica região que abriga o maior mosaico de áreas protegidas do Brasil, combinando terras indígenas e áreas de conservação, parques nacionais e reservas extrativistas.

Na área em vermelho vive o não-índio.

A região é de tal forma preservada que só recentemente foram localizadas duas áreas, onde índios ainda vivem isolados. Tão rica do ponto de vista cultural que guarda em seus limites três dos quatro troncos macrolinguísticos de onde se originam as mais de 180 línguas indígenas faladas no Brasil.

De Altamira até desaguar no Amazonas, abriga várias comunidades quilombolas. “É uma terra indígena por excelência, perfeitamente combinada com comunidades tradicionais e unidades de conservação, uma imensa biodiversidade, patrimônio de todos brasileiros e do mundo”, descreve a professora Sônia Magalhães, da Universidade Federal do Pará (UFPA), integrante da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e profunda conhecedora da região.

Por água abaixo

Overview of the dam complex.
Área de construção de Belo Monte (Image via Wikipedia)

Justamente neste local privilegiado, o governo federal planeja fazer uma das maiores intervenções já produzidas pelo homem em terra indígena. Construirá, na Volta Grande do Xingu, bem no coração da terra de índios Araras e Jurunas, a terceira maior hidrelétrica do mundo – Belo Monte.

O local foi escolhido porque o regime de águas do Xingu complementa as bacias do Paraná e do São Francisco, onde estão localizadas Furnas, Chesf e Cemig. Assim, quando os reservatórios da região sudeste começarem a baixar, como costuma acontecer nos meses de março, a vazão de Belo Monte virá em seu socorro. A Eletrobrás calcula que a usina será capaz de garantir em torno de 4.500 MW médios.

Belo Monte é um dos projetos mais ambiciosos do PAC 2, a segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento. O governo espera concluí-lo até 2015.

Belo Monte também fará submergir sob um reservatório de 548 km², parte da floresta, onde vivem índios Jurunas, na Terra Indígena (TI) Paquiçamba, de 4.348 hectares, e secará a Volta Grande onde vivem índios Araras, na TI Arara da Volta Grande do Xingu, de 25.500 hectares.

Em ambas as áreas, separadas pelo rio Xingu, Jurunas e Araras convivem harmoniosamente com populações ribeirinhas e extrativistas. Praticamente todo o fluxo das águas em direção à Volta Grande, no Baixo Xingu, será desviado, aproveitando a queda de 96m entre o município de Altamira e a Volta Grande.

Belo Monte Dam
Ilustração de como será a barragem de Belo Monte quando finalizada (image via Wikipedia

Serão três barramentos. O principal, localizado em Pimental, terá o maior vertedouro. Formará um reservatório cujas águas serão reguladas pela barragem de Bela Vista. Daí correrão outros até a barragem de Belo Monte, onde será construída a principal casa de força, responsável por 11.000 MW dos 11.233 MW que o governo calcula produzir com a usina. A média estará em torno de 4.500 MW.

Há um agravante. Conforme aponta o Instituto Socioambiental (ISA) em seu Atlas de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Amazônia Brasileira, de dezembro de 2009. Este “importante conjunto de áreas protegidas conectadas (situado ao longo do Vale do Rio Xingu, do nordeste do Mato Grosso ao centro do Pará, perfazendo 264,7 mil km², 73% formados por terras indígenas e quase 25% por unidades de conservação) tem papel estratégico para a conservação por ser uma ligação entre os dois maiores biomas nacionais: a Amazônia e o Cerrado”.

Quando hospedou na Universidade de Brasília (UnB) o seminário A Hidrelétrica de Belo Monte e a Questão Indígena, promovido pela ABA, em 7/2, em parceria com o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a Fundação Darcy Ribeiro, o reitor José Geraldo de Sousa Junior fez uma descrição precisa da situação. “Nitidamente, temos de um lado quem defende o modelo da matriz energética adotado pelo governo brasileiro e de outro quem acredita que este modelo é desumanizante. Seria possível construir outro modelo energético?”, questionou.

 

De um lado, o Governo aposta sua força em Belo Monte.

“Sem ela o País não teria outra fonte de energia capaz de garantir 4.500 MW médios, além de térmicas a óleo combustível. Poderia mesmo entrar na conta um pouco de energia eólica, solar e biomassa, mas jamais chegaríamos aos 4.500 MW necessários”, afirmou então o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, no início de fevereiro.

Cada ponto percentual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, que vem se acentuando nos últimos dois anos, representa um aumento de 1,7% no consumo de energia. A atividade econômica brasileira deve entrar em uma trajetória de expansão mais branda a partir dos próximos meses e registrar uma taxa de expansão em torno de 4,5% a 5% nos próximos anos.

Do outro lado, o cacique kayapó Raoni Metuktire.

Français : Raoni place des droits de l'homme a...
Cacique kayapó Raoni Metuktire (Image via Wikipedia)

Um dos líderes indígenas mais respeitados no Brasil e no exterior, apoiado pelas mais expressivas lideranças indígenas do país, ambientalistas, universidades e movimentos sociais, Raoni foi mais longe e mais claro que Lopes. Mais longe quando afirmou aos secretários executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, Rogério Sotili, e de Ativação Social da mesma Secretaria, Paulo Maldus, em reunião no Palácio do Planalto, em 8/2, que haverá uma guerra se as obras forem iniciadas. Mais claro, quando garantiu:“Se a obra começar, eu vou morrer, empreendedor vai morrer. Vai ter morte lá”.

No centro de tudo está a questão: o crescimento econômico – reconhecidamente responsável pela geração de emprego e distribuição de renda, que reduzem desigualdades sociais – necessariamente deve vir acompanhado por um pesado custo ambiental e social ou há meios sustentáveis para atingí-lo?

No encontro com Raoni e outras nove lideranças indígenas, que originalmente fora solicitado para ser com a presidente Dilma Roussef, Sotilli recebeu as 604 mil assinaturas com o resultado final das petições contra Belo Monte organizadas pela Avaaz (comunidade global de mobilização online) e Movimento Xingu Vivo para Sempre. Também foi entregue o documento de denúncias e reivindicações do Xingu Vivo, que, além de exigir o cancelamento da obra, exige participação efetiva da sociedade civil nos processos de definição da política energética nacional.

Sotilli disse que se “sente muito triste” com as críticas ao governo; reafirmou que a presidente Dilma Roussef aprofundará a interlocução com os movimentos sociais, mas não deixou dúvidas sobre a firmeza da decisão governamental de construir Belo Monte: “Dilma fará o que tem que ser feito. A presidente tem que pensar o Brasil como um todo”.

Uma demonstração cabal de que o governo federal não teme a ameaça de Raoni, as obras de acesso ao local onde será instalado o primeiro de dois canteiros de obras para a construção de Belo Monte tiveram início em plena segunda-feira de Carnaval, 7/3. O engenheiro José Biagioni, da Norte Energia, consórcio responsável pela obra, disse à Agência Brasil que esta fase se refere aos trabalhos autorizados na licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Uma semana depois, em 14/2, no Dia Internacional de Luta contra as Barragens, veio uma primeira resposta: mais de 200 pescadores de Altamira, Vitória do Xingu, Belo Monte, Senador José Porfírio e Porto de Moz, no Pará, manifestaram-se contra a construção da usina. Fizeram uma romaria fluvial até Altamira. Em frente à sede da Eletronorte, foram recebidos por suas mulheres e filhos que teciam, redes de pesca para simbolizar a unidade das populações ameaçadas pela hidrelétrica.

A guerra de Raoni

Estas são apenas as primeiras escaramuças da guerra declarada unilateralmente por Raoni. Seu principal campo de batalha terá lugar no sítio Pimental, a 40 quilômetros de Altamira, sede deste primeiro canteiro de obras. A data para acontecer é até o final de abril. Segundo o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, este é o prazo máximo para o governo não perder a janela hidrológica necessária ao início da obra sem atrasos.

A vontade de Lobão não será suficiente. A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, informou que “o BNDES (que banca o financiamento da maior parte da obra) trabalha com uma condicionante: o licenciamento ambiental definitivo. Por quê? Do contrário seria um risco”. O que existe hoje é uma licença parcial, concedida pelo Ibama, autorizando o início das obras do canteiro.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu um empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia exigindo, no entanto, que ela não faça qualquer intervenção no “sítio”. Só que as árvores do “sítio”, na previsão de Lobão, começarão a ser derrubadas a partir da licença parcial concedida pelo Ibama. Texto do documento do BNDES ao Ministério Público Federal informou que na minuta do contrato “figura a obrigação explícita para a beneficiária de não efetuar qualquer intervenção no sítio em que está prevista a construção da usina sem que tenha sido emitida a licença de instalação do empreendimento como um todo”.

Ainda assim, Pirakuman Yawlapiti, irmão de Aritana, cacique geral do Xingu e da comunidade Yawalapiti, situada ao sul do Parque Indígena do Xingu, disse que Araras e Jurunas, as etnias mais prejudicadas, mantém sob observação o local escolhido para o canteiro. Ao menor sinal do início do desmatamento dos 450 hectares necessários para abrigá-lo, convocarão todas as grandes lideranças e etnias do Xingu. Pirakumã, que esteve na reunião do Planalto, advertiu que a guerra anunciada por Raoni se estenderá por quantas batalhas forem necessárias, durante o tempo que durar a obra (quatro anos, segundo o governo).

Planejamento energético sem planejamento humano

Quando planeja geração de energia, tradicionalmente o governo brasileiro coloca o mapa hidrográfico do país sobre a mesa, estuda a abundância das bacias hidrográficas, seus milhares de rios e não tem dúvida: escolhe as hidrelétricas como caminho mais viável. 73% de toda energia produzida no Brasil em 2007 se originou nestas usinas. Um mapeamento da energia produzida no país feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2007 dimensionou esta preferência. O PAC 2 confirma.

O PAC 2 prevê a construção de 54 hidrelétricas – 44 usinas convencionais, que vão gerar 32.865 MW e dez das chamadas usinas plataformas, que vão gerar outros 14.991 MW e prevêem seu isolamento logo após a construção, de modo a evitar o crescimento populacional desordenado em seus arredores. Prevê ainda a construção de 71 centrais de energia eólica, localizadas principalmente no nordeste e no sul do país. Somadas terão capacidade para gerar 1.803 MW. Também estão incluídas três usinas termoelétricas movidas à biomassa para gerar 224 MW.

A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, acusou Belo Monte de não contemplar um estudo de impacto ambiental que trate do componente humano. Ela explicou que a resolução 001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 1986, portanto, bem anterior a Belo Monte, foi visionária ao estabelecer a forma como deveria se dar o processo de licenciamento ambiental, principalmente o estudo de impacto ambiental, contemplando os meios físico, biótico e antrópico.

A ordem estabelecida não é aleatória. “Exatamente porque o homem é o centro das preocupações é que se vai analisar primeiro qual é o impacto no meio físico, como isso vai repercutir entre os animais, entre a vegetação e depois qual é a soma de todas essas repercussões na vida dos homens”, disse.

Rio Xingu
Rio Xingu (Blog do Mílton Jung via Flickr)

Duprat taxou de farsa o processo de licenciamento de Belo Monte. “Se as pessoas não sabem como vão ser atingidas, como vão fazer a crítica?”, questionou. Para ela, os índios foram mal estudados, enquanto os outros grupos não foram sequer analisados. “Nas audiências públicas, não havia um estudo de impacto ambiental porque não havia um estudo sério e consistente sobre o meio antrópico”, completou.

Ela explicou que, apesar de não ter estudo de impacto ambiental que trate do componente humano, passou-se para outro momento, como se fosse possível pular em um empreendimento o estudo de impacto ambiental e passar a colocar questões humanas como condicionantes para as próximas licenças. Conforme lembrou, isso foi sendo arrastado para um momento posterior até chegar, agora, à construção de um canteiro central, trabalhando basicamente com a teoria do fato consumado, sem minimamente saber qual vai ser o impacto na vida de todos.

Duprat também criticou a afirmação de que as hidrelétricas representam a energia limpa. “Como é que pode ser limpo um empreendimento que provoca degradação [ambiental], fim de relações de compadrio, fim de relações de amizade e desestrutura culturalmente um grupo? Considerar isso uma energia limpa é considerar o meio ambiente absolutamente dissociado das pessoas”, declarou. De acordo com ela, isso está em contrariedade à Constituição, que é antropocêntrica e tem como grande princípio norteador o da dignidade da pessoa humana.

O lado sujo das hidrelétricas

De fato, a construção de hidrelétricas causa um estrago e tanto. Na área que recebe o grande lago que serve de reservatório da usina, a natureza se transforma: o clima muda, espécies de peixes desaparecem, animais (os que conseguem) fogem para refúgios secos, árvores viram madeira podre debaixo da inundação, entre outros impactos.

O homem, como observou Duprat, vive bem no meio de toda essa transformação e é o maior atingido por ela. Milhares de pessoas deixam suas habitações e têm que recomeçar sua vida do zero em outro lugar.

“Em casos como esse, já testemunhei trabalhadores que viviam tradicionalmente do cultivo de sua terra perambulando e dependendo de cestas básicas doadas por empresas”, denunciou o deputado petista maranhense Domingos Dutra, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Dutra se referia à hidrelétrica de Estreito, inaugurada no início deste ano na divisa do Tocantins e Maranhão. Sua construção deslocou, forçadamente, cerca de duas mil famílias da região. Estreito é a sétima hidrelétrica no Rio Tocantins. Ainda estão previstas outras três usinas ao longo do rio – a barragem de Marabá, prevendo o deslocamento de 40 mil pessoas, entre elas do povo indígena Gavião, e a de Serra Quebrada, que inundará parte da terra dos Apinajé.

A Usina de Itaipu, marco do Brasil Grande pregado pelos militares nos anos 1970, desapropriou 42.444 pessoas, 38.440 delas trabalhadores e trabalhadoras do campo, que só em 1993 viram um primeiro acordo de indenização. Mas aí já era tarde. Muitas famílias migraram, outras se perderam pelo caminho, outras se separaram. Enfim, famílias que perderam não somente suas terras, mas, senão toda, ao menos parte de sua história no fundo do reservatório da segunda maior usina hidrelétrica do mundo.

Principais impactos do desalojamento de populações atingidas por barragens

  • Interfere em bens de valor afetivo, cultural e religioso
  • Inunda sítios arqueológicos
  • Desaloja populações nativas e aldeias indígenas
  • Inundação das terras agrícolas torna as pequenas propriedades inviáveis economicamente
  • Cria dificuldades de circulação e comunicação entre cidades vizinhas
  • Desestrutura as famílias de origem rural que, às vezes, são transferidas para áreas muito distantes
  • Condiciona a concentração fundiária onde predominam as pequenas e médias propriedades rurais
  • Cria um falso pico de desenvolvimento local que tende a esgotar-se com o término da construção e entrada em operação

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Brasileiros de Raiz

Única revista nacional especializada em questão indígena, Brasileiros de Raiz tem como objetivo recolocar a história em seu trilho, dar voz e informações atualizadas e verdadeiras sobre povos indígenas. Para saber mais, visite: http://brasileirosderaiz.com.br [/box]

O Código Florestal no mundo da escassez


Washington Novaes (publicado no Estado de São Paulo)

Aproxima-se a hora de votações decisivas no Senado do controvertido projeto de lei sobre um novo Código Florestal. E aumentam as preocupações, tantos são os pontos problemáticos que vêm sendo apontados por instituições respeitáveis como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciência, o Ministério Público Federal, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o Museu da Amazônia, os comitês de bacias hidrográficas e numerosas entidades que trabalham na área, entre elas o Instituto SocioAmbiental e a SOS Mata Atlântica.

Não faltam motivos para preocupações graves. Entre eles:

  • a possibilidade de transferir licenciamentos ambientais para as esferas estadual e municipal, mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas;
  • a anistia para ocupações ilegais, até 2008, de áreas de proteção permanente (reconhecidas desde 1998 como crime ambiental);
  • a redução de 30 para 15 metros das áreas obrigatórias de preservação às margens de rios com até 10 metros de largura (a proposta atinge mais de 50% da malha hídrica, segundo a SBPC);
  • a isenção da obrigação de recompor a reserva legal desmatada em todas as propriedades com até 4 módulos fiscais (estas são cerca de 4,8 milhões num total de 5,2 milhões; em alguns lugares o módulo pode chegar a 400 hectares);
  • a possibilidade de recompor com espécies exóticas, e não do próprio bioma desmatado; nova definição para “topo de morro” que pode reduzir em 90% o que é considerado área de preservação permanente.

São apenas alguns exemplos. Há muitos.

Para que se tenha ideia da abrangência dos problemas: o professor Ennio Candotti (ex-presidente da SBPC), outros cientistas e o Museu da Amazônia lembram que naquele bioma há uma grande variedade de áreas úmidas, áreas alagadas, de diferentes qualidades (pretas, claras, brancas), baixios ao longo de igarapés, áreas úmidas de estuários etc.; cerca de 30% da Amazônia pode ser incluída entre as áreas úmidas e cada tipo exige uma regulamentação específica, não a regra proposta no projeto. No Pantanal, são 160 mil quilômetros quadrados.

Mas não bastassem todas essas questões, recentes portarias ministeriais (Estado, 29/10) e do Ministério do Meio Ambiente mudaram – para facilitar – os procedimentos obrigatórios para licenciamento de obras de infraestrutura e logística, com o argumento de que há 55 mil quilômetros de rodovias, 35 portos e 12 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia sem licenciamento – como se o problema estivesse nos órgãos ambientais, e não nos empreendedores/construtores.

Tudo isso ocorre no momento em que as últimas estatísticas dizem que o desmatamento na Amazônia permanece em níveis inaceitáveis: em sete meses deste ano foram mais de 1.800 km2, número quase idêntico ao de igual período do ano passado (Folha de S.Paulo, 1.º/11). E no momento em que se reduz a área de vários parques nacionais na Amazônia para facilitar a construção de hidrelétricas questionáveis (já discutidas várias vezes neste espaço).

Esquecendo a advertência do consagrado biólogo Thomas Lovejoy: o desmatamento no bioma já chegou a 18%; se for a 20%, poderá atingir o turning point (ponto de não retorno) irreversível, com consequências muito graves na temperatura e nos recursos hídricos, ali e estendidas para quase todo o País. É uma advertência reforçada por estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Escritório Meteorológico do Hadley Centre, da Grã-Bretanha. Já o professor Gerd Sparovek, da USP (Estado, 26/10), adverte: o passivo com o desmatamento no País já é de 870 mil km2.

E ainda se pode perguntar: mesmo admitindo a hipótese otimista de o Congresso rejeitar todas as mudanças indesejáveis – hipótese difícil, dado o desejo de grande parte dos congressistas de “agradar” ao eleitorado ruralista e a parte do amazônico (que vê no desmatamento oportunidade de empregos e renda) -, mudará o quadro, lembrando que o Ministério do Meio Ambiente (e, por decorrência, o Ibama) tem apenas cerca de 0,5% do Orçamento da União? Não esquecendo que o Ibama só tem conseguido receber cerca de 1% das multas que aplica a desmatadores.

Encruzilhada

Estamos numa encruzilhada histórica, reforçada pelo fato de a população do planeta ter chegado a 7 bilhões de pessoas e caminhar para pelo menos 9 bilhões neste século – o que exigirá o aumento da oferta de alimentos em 70%, quando o desperdício, hoje, nos países industrializados chega a um terço dos produtos postos à disposição; quando nas discussões do ano passado na Convenção da Diversidade Biológica se demonstrou que o mundo perda entre US$ 2,5 trilhões e US$ 4,5 trilhões anuais com a “destruição de ecossistemas vitais”; quando a “pegada ecológica” da humanidade, medida pela ONU, indica que estamos consumindo mais de 30% além do que a biosfera planetária pode repor.

Nesta hora, em que o até ex-ministro Delfim Netto, que admite nunca haver se preocupado antes com a questão, manifesta (no livro O que os Economistas Pensam da Sustentabilidade, de Ricardo Arnt) seu desassossego com a escassez de recursos naturais no mundo e a possibilidade de esgotamento, é preciso mudar nossas visões.

Admitir que tudo terá de mudar – matrizes energética, de transportes, de construção, de urbanização, nível de uso de terra, água, minérios, tudo. Relembrar o que diz há décadas o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud): se todas as pessoas tiverem o nível de consumo do mundo industrializado, precisaremos de mais dois ou três planetas para supri-lo.

A atual crise econômico-financeira está mostrando o quanto nos descolamos da realidade, com um giro financeiro anual (em torno de US$ 600 trilhões) dez vezes maior que todo o produto bruto no mundo no mesmo espaço de tempo (pouco mais de US$ 60 trilhões). Se não nos dermos conta dessa insustentabilidade, razão terá o índio Marcos Terena quando diz: “Vocês (os não índios) são uma cultura que não deu certo”.

Um código florestal para os grandes

Greenpeace

Os ruralistas batem no peito para dizer que a proposta do novo Código Florestal visa atender os pequenos agricultores e a agricultura familiar. No entanto, uma das entidades que representa essa parcela da população produtora rural, a Via Campesinadivulgou na terça-feira uma nota de repúdio ao último relatório apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) nas comissões de Ciência e Tecnologia e de Agricultura e Reforma Agrária.

Para a entidade, o parecer mantém o mesmo eixo do projeto aprovado na Câmara dos Deputados, de autoria do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Segundo a nota, não foi dado o dito tratamento especial à agricultura familiar, tão citado pelos senadores. A organização afirma que o texto continua tratando da mesma maneira a agricultura familiar e as propriedades com até quatro módulos rurais, e que não foi trabalhado um capítulo específico para o assunto.

Outro ponto criticado pela organização é a concessão de anistia e a isenção de recuperação a todas as áreas consolidadas até 2008. O tom é de indignação: “Nenhuma pena ou exigência para quem agrediu o meio ambiente até 2008. Ou seja, quem está plantando soja transgênica na beira do rio poderá continuar a plantar. É a continuidade da emenda que os ruralistas aprovaram na Câmara, piorando ainda mais o texto do deputado Aldo Rebelo (Artigo 53)”.

Quanto ao conceito de área consolidada, a Via Campesina se alia à proposta de ambientalistas e do Comitê Brasil em Defesa das Florestas para que seja colocada a data de 2001 como referência. “É inaceitável que os desmatamentos feitos já no século XXI sejam considerados como legítimos! O mínimo aceitável seria considerar a data da última alteração do Código Florestal, que ocorreu em 2001. Não há qualquer justificativa, nem legal, nem científica, para que o ano de 2008 seja colocado como data de corte”, afirmam.

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