Acelerando na contramão

Por Raul Silva Telles do Valle

Na noite da última quarta-feira (25/10), o Senado Federal aprovou, por 49 votos a favor e sete contrários, o PLC 01/2010, que regulamenta o art.23 da Constituição Federal. Originalmente, o projeto foi pensado para regulamentar a forma de atuação conjunta entre os entes federativos na proteção do meio ambiente, que por definição constitucional é de competência comum, ou seja, cabe igualmente à União, Estados e Municípios. Apesar disso, ele foi desvirtuado durante a tramitação na Câmara dos Deputados e passou a tratar, não da cooperação, mas da divisão de competências.

O ponto que mais interessava ao Governo Federal é o que trata do licenciamento ambiental. Quando do lançamento do primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, incluiu o projeto como uma das medidas legislativas necessárias para “destravar” a instalação de obras de infraestrutura no país. O pressuposto – equivocado – era que o licenciamento ambiental demora muito porque haveria uma indefinição na legislação aplicável com relação a quem deve dar a autorização.

Com base nisso, a bancada governista da Câmara modificou o projeto para deixar bem claro quem cuida do quê. Cada um na sua caixinha. Atuar em sinergia tornou-se algo secundário. Mas não foi só isso. Aproveitando-se do interesse do governo em aprovar a medida, que precisava de quórum qualificado por se tratar de lei complementar, a bancada ruralista barganhou seu apoio em troca de duas coisas: acabar com a competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para definir regras em matéria ambiental e diminuir o poder do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Sustentáveis (Ibama) em fiscalizar e autuar desmatamento ilegal. O objetivo dos ruralistas foi alcançado. O projeto aprovado na Câmara proibia o Ibama de embargar desmatamentos ilegais, já que essa competência seria exclusivamente dos Estados.

O projeto aprovado no Senado, no entanto, modificou esse ponto. Define que qualquer órgão que tiver conhecimento de uma ilegalidade pode atuar imediatamente para fazer cessar o dano ambiental. Se o órgão originalmente competente por fiscalizar resolver atuar e aplicar outra sanção administrativa, vale esta. Ou seja, se o Ibama aplicar uma multa por desmatamento ilegal e depois o órgão estadual vier e aplicar uma multa diferente, vale esta. Mas ele terá que explicar o porquê.

Apesar dessa melhoria, a lei aprovada está muito aquém daquilo que poderia ser. Não cria mecanismos para a ação conjunta entre União, Estados e Municípios e não estimula o federalismo cooperativo. E ainda traz regras de sentido duvidoso. Diz, por exemplo, que cabe à União licenciar empreendimentos em Terras Indígenas, mas nada fala sobre obras que, mesmo que localizadas fora de seus territórios, têm impactos sobre elas. Deixa a entender que caberá aos Estados ou Municípios cuidarem do assunto, o que, muitas vezes, pode ser problemático pelo histórico de preconceitos locais em relação aos povos indígenas. Imaginem o governo do Mato Grosso do Sul ou de Roraima licenciando uma obra que afeta uma terra Guarani ou Wapichana. Se eles tiverem órgão ambiental, mesmo que cometam irregularidades, não há a previsão de ação supletiva da União.

Consulta express

Mais grave do que esse projeto é o conjunto de medidas publicadas na sexta (28/10) para “acelerar” o licenciamento ambiental federal. A título de desburocratizar o processo, o que é desejável, elas reduzem o espaço para manifestação de populações indígenas e quilombolas afetadas por grandes obras, tornando a consulta prévia mera formalidade, na contramão do que vem sendo demandado pela sociedade (saiba mais).

Segundo a Portaria Interministerial 419, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Cultural Palmares terão 90 dias para se manifestar a respeito da possibilidade de se conceder a licença ambiental para determinada obra. Se não se manifestarem nesse prazo, será considerado que autorizam a obra. No pacote de medidas, no entanto, não está nenhum edital de abertura de concurso público para contratar profissionais qualificados para que esses dois órgãos possam cumprir, com responsabilidade, o prazo estipulado.

A manifestação desses órgãos não pode se basear apenas no parecer técnico de alguns de seus funcionários. Segundo a Convenção 169 da OIT – e a própria Constituição brasileira – os indígenas e quilombolas devem ser consultados antes dessa decisão, para poderem influenciá-la. É improvável que 90 dias sejam suficientes para se realizar uma consulta adequada em grande parte dos casos, sobretudo porque é necessário antes ler o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), organizar as reuniões e, sobretudo, combinar com os povos afetados como fazer esse debate, que é um processo, e não um evento. Como diz Luiz Brazão, indígena Baré do Rio Negro: se a consulta não ocorrer num prazo adequado, que permita aos indígenas entender e refletir sobre o assunto, “é como deixar a gente falando sozinho”.

Pelas novas regras, boa parte dos povos indígenas e quilombolas ficarão de fato falando sozinhos. Sobretudo porque nessa mesma portaria há uma tabelinha que define, segundo a distância, quando uma obra impacta ou não uma Terra Indígena ou quilombola. Uma rodovia só impacta terra indígena se estiver a menos de 40 km de distância. Isso se ela estiver na Amazônia, pois se estiver em outra parte do país a distância tem que ser de até 15 km. De acordo com as novas normas, pressupõe-se que um oleoduto que passe a seis quilômetros de distância de uma comunidade quilombola que não cause impacto sobre ela, mesmo que cruze o rio que a abastece com água e comida. Nesse caso, não haverá qualquer estudo sobre os impactos que um eventual – e possível – vazamento de óleo terá sobre essa comunidade e tampouco haverá qualquer plano de contingência. Os quilombolas nada poderão dizer sobre a existência de um oleoduto nas cabeceiras do rio que banha suas terras. Belo Monte, por exemplo, não afetaria terras indígenas pelo critério constante da normativa e a Funai não teria nada a dizer.

Há, no entanto, uma exceção. Pode-se, de acordo com o caso concreto, alterar a distância para caracterizar que determinada obra impacta uma comunidade indígena ou quilombola, mesmo que mais distante do que diz a portaria. Desde que, no entanto, o empreendedor esteja de acordo. Isso diz tudo.

Diversidade indígena foi escondida pela história

A diversidade de povos indígenas no Brasil contradiz a constituição de uma única imagem do índio no país. Um processo histórico de mascaramento dessa diversidade, originado na época da colonização, é responsável pela atual situação, avalia a professora lingüista Rosane Sá Amaro (Faculdade de Letras da USP). Ela explica que os portugueses dividiam os índios em dois grupos: Tupis (seus aliados) e Tapuias (todos outros povos).

Essa separação simplista esconde muitas diferenças, diz Rosane. No Brasil, há três grandes grupos lingüísticos indígenas: Tupi, Macro-Jê e Aruak. "A língua não é a única distinção, o comportamento e a cultura também mudam". Somente o grupo Macro-Jê subdivide-se em 12 famílias e 38 línguas com mais de 50 variações – como Xavante, Tapayuna, Kamurú, Timbira e Pataxó.

Para exemplificar, a professora compara o Macro-Jê com um grupo lingüístico não-índio: o indo-europeu, que envolve envolve famílias, como a românica e a anglo-saxã; elas se subdividem em línguas como português, francês e espanhol (a primeira) e inglês e alemão (a segunda). "Disso, ainda há variações: português de portugal e do Brasil, de São Paulo e da Bahia, inglês britânico e americano etc. Com os índios, ocorre o mesmo, falta conhecimento disso tudo".

Para a antropóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Lúcia Rangel, as especificidades dos índios foram ignoradas ao longo da história, o que provocou a atual situação: "Os índios são a categoria que mais sofre com preconceito no Brasil". Desde a colonização, ela afirma, a vontade e os direitos dos índios são ignorados. "O português chegou e ocupou a terra, até expulsá-los de vez. Hoje, eles continuam com dificuldades de acesso à terra e a garantia de seus direitos humanos".

Critérios restritos

Apenas em 1970, uma discussão sobre as características dos índios foi iniciada, por conta de um conflito fundiário no sul da Bahia, conta a antropóloga. "Queriam reservar terras aos índios e criaram critérios de indianidade muito ruins. Faziam exame de sangue para decidir quem era índio, coisa nazista". Após críticas, o idioma virou o critério. "Insuficiente. Pode haver um índio que não fala seu idioma original". Para Lúcia, as estruturas sociais, os valores e a forma de lidar com as situações, que diferenciam os povos. 

Outros critérios foram adotados, levando em conta peculiaridades dos índios como sua concepção de parentesco, que não difere o irmão do pai do próprio pai, nem a irmã da mãe da própria mãe. Mas, graves deficiências existem, afirmou Lúcia. "O modelo atual foi construído pela antropologia e leva em conta apenas uma visão ideal de nativo: com língua, corpo e rituais puramente indígenas, não contemplando a maior parte deles, que não são assim".

Cultura

Para a antropóloga, hoje, "índio" adquiriu sentido de categoria política, por conta das lutas pelo reconhecimento de seus direitos, que, segundo Rosane, levaram a avanços. O principal, ela opina, é a Constituição de 1988, que garante educação pública diferenciada aos índios que assim desejarem. Os Governos Estaduais e Federal ficam incumbidos de formar e contratar professores indígenas para lecionar em escolas dentro das tribos.

Políticas para preservar hábitos da cultura indígena são importantes, opina a linguista. Mas, tanto ela quanto a antropóloga concordam que mudanças culturais são naturais. "As sociedades ficam em contato, uma absorve coisas da outra. Comemos mandioca por influência dos índios, por exemplo. Porque eles não podem ter influência nossa, como a TV?", questinou Rosane.

Biodiversidade do planeta caiu 30% nos últimos 30 anos, diz ambientalista

Desde 1961 até agora, o ser humano triplicou o uso dos recursos naturais da Terra, provocando, com isso, uma queda de 30% da biodiversidade mundial. Hoje, só há dois cenários possíveis: a sustentabilidade ou o colapso dos ecossistemas e, conseqüentemente, da humanidade. Por isso, o único meio de recuperar a capacidade do planeta é proteger e conservar os ecossistemas.

O diagnóstico do diretor do Instituto de Ecologia Política do Chile, Bernardo Reyes, foi apresentado hoje (18) no Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Até quinta-feira (21), o encontro reúne cerca de 1,7 mil pessoas de 20 nacionalidades em Foz do Iguaçu.

Para Jeff Price, do departamento de Ciências Geológicas e Ambientais da Universidade Estadual da Califórnia, a questão que se coloca atualmente não é se a biodiversidade será afetada pelas mudanças climáticas, mas o quanto ela será afetada.

Embora reconheça o esforço de alguns países, ele questiona o que os gestores de unidades de conservação podem fazer para proteger suas áreas. De acordo com o ambientalista, falta informação básica, observação e monitoração de sistemas, infra-estrutura política, institucional e tecnológica, verba e priorização de áreas vulneráveis.

"Evitar o desmatamento, reflorestar áreas com espécies nativas, monitorar as mudanças climáticas e como os ecossistemas reagem a elas são fatores importantes para ajustar as estratégias de conservação”.

Ambientalistas, agricultores e parlamentares se unem para barrar o milho transgênico

Um grupo de ambientalistas, agricultores e parlamentares entregou nesta quinta, dia 14, à Casa Civil um abaixo-assinado contra a liberação comercial do milho transgênico. No mês passado, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou o cultivo e a comercialização da primeira variedade de milho geneticamente modificado no Brasil, o Liberty Link, da Bayer. Agora, a decisão deverá passar pelo Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), presidido pela Casa Civil. O Conselho, composto por 11 ministérios, poderá confirmar ou revogar a liberação.

Eles foram recebidos por Giles Carriconde Azevedo, secretário-executivo adjunto da Casa Civil, e Wagner Caetano, secretário nacional de articulação social da Presidência da República, que prometeram levar as assinaturas à ministra Dilma Roussef. “Nós fomos até o Palácio do Planalto para cobrar do governo que o Conselho Nacional de Biossegurança se reúna e reavalie a decisão da CTNBio de aprovar a liberação deste milho transgênico. Essa decisão inviabiliza outras formas de agricultura e traz conseqüências irreversíveis para os agricultores e para o país”, afirma Gabriel Fernandes, integrante da ASPTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) e da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos.

O abaixo-assinado trazia mais de 17 mil assinaturas de agricultores e integrantes do MST (Movimento dos Sem-Terra), cerca de 110 assinaturas de ONGs e movimentos sociais, inclusive do Greenpeace, 37 assinaturas de deputados federais, três de senadores e a do governador do Paraná, Roberto Requião. O grupo que fez a entrega contou com representantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores), da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), do MST, do MMC (Movimento de Mulheres Camponesas), da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e da Campanha Brasil Livre de Transgênicos, além dos deputados Adão Pretto (PT-RS) e Manoela D’Ávila (PCdoB – RS), e dos senadores José Nery (Psol – PA) e Inácio Arruda (PCdoB – CE).

“A quantidade e a diversidade das assinaturas deixam claro que o governo não poderá fechar os olhos para essa questão”, disse Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil. “O presidente Lula e o CNBS não podem dar as costas para o setor da sociedade que não quer plantar nem consumir transgênicos. É preciso garantir que essas pessoas também tenham seu desejo respeitado, e que não apenas as multinacionais de biotecnologia sejam beneficiadas”.

A liberação comercial do milho transgênico no Brasil representa uma ameaça à biodiversidade brasileira, tanto pela falta de estudos sobre os impactos no meio ambiente, como também pelos inúmeros casos de contaminação já registrados em outros países. O Brasil é um dos principais centros de diversidade genética de milho do mundo e uma contaminação em larga escala causaria prejuízos incalculáveis tanto ambientais como econômicos aos agricultores e ao país.

Além da variedade aprovada, há outros dez pedidos de liberação comercial de variedades transgênicas – seis delas de milho. Na próxima semana, a CTNBio volta a se reunir para discutir a liberação de outros dois milhos transgênicos: o MON810, da Monsanto, e o Bt11, da Syngenta.

Novo estudo aponta intoxicação de ratos por milho transgênico da Monsanto

Um novo estudo sobre os impactos na saúde de um tipo de milho geneticamente modificado da Monsanto apontou que cobaias alimentadas com o produto apresentaram 60 diferenças em relação às cobaias alimentadas com milho convencional em seus órgãos internos.

O estudo, desenvolvido pelo instituto de pesquisa Criigen, da França, revelou alteração nos tamanhos de rins, cérebro, fígado e coração, além de mudança de peso, de ratos alimentados com milho transgênico por 90 dias, o que poderia significar sinais de intoxicação.

O milho transgênico da Monsanto estudado, conhecido como NK603, tolerante a um herbicida produzido pela própria empresa, já é comercializado na Europa. "O Greenpeace está preocupado com o fato de alimentos geneticamente modificados estarem sendo liberados apesar dos repetidos estudos de curto prazo feitos em animais indicando impactos negativos na saúde. Nós teremos que nos alimentar com esses produtos por anos", afirmou Marco Contiero, analista político sobre transgênicos do Greenpeace Europa.

Este é o segundo estudo feito pela Criigen em três meses que apontou sinais de intoxicação em ratos alimentados por um milho transgênico da Monsanto. O outro estudo, publicado em março pela Archives of Environmental Contamination and Toxicology (Arquivos de Contaminação Ambiental e Toxicologia), encontrou evidências similares de danos hepáticos causados pelo milho MON863, também liberado na Europa.

Nenhuma dessas duas variedades estão liberadas para comercialização no Brasil. No entanto, a Monsanto já pediu a liberação da variedade NK603 à CTNBio, que ainda não aprovou. Na semana que vem, a Comissão deve votar o pedido de liberação comercial de outra variedade transgênica da Monsanto, o milho MON810.

“Essas evidências apresentadas na Europa servem de alerta para a CTNBio, que está encarregada de avaliar os pedidos da Monsanto aqui no Brasil. Nos dois casos, o que está sendo denunciado é que os estudos feitos pela própria empresa não são suficientes para garantir a segurança do produto”, disse Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil. “A CTNBio não pode se basear apenas nos estudos apresentados pela Monsanto para autorizar o milho MON810 para fazer a sua análise de risco. É fundamental que a Comissão haja com cautela e precaução”, completou.

Polícia Federal prende 25 pessoas por tráfico de animais em três estados

A Operação Arara-Preta, da Polícia Federal, prendeu hoje (12) 25 envolvidos com o tráfico de animais silvestres em três estados. A maioria das detenções ocorreu na região de Feira de Santana (BA), onde foram detidas 16 pessoas. Foram cumpridos ainda 26 mandados de busca e apreensão.

Segundo a Polícia Federal, que investigava o caso desde agosto do ano passado, a quadrilha era a maior nessa modalidade criminosa na Bahia, chegando a traficar, em média, 1,5 mil animais por mês. As investigações começaram depois de uma denúncia de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) da Bahia.

Além de traficar animais, o bando é acusado de vender espécies em extinção, como as araras-azuis, para criadores, que exportavam os animais para o mercado internacional com documentos falsificados.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, onde membros do bando faziam a receptação das espécies silvestres, sete pessoas foram presas.

Brasil quer convencer países desenvolvidos a aceitar mecanismo sobre repartição de recursos genéticos

O Brasil está trabalhando para convencer os países desenvolvidos a aceitar a criação de um mecanismo internacional sobre a repartição de benefícios resultantes do uso sustentável dos recursos genéticos. A informação é do secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco.

“Não é fácil. Vários países desenvolvidos detentores de tecnologia nessa área têm resistência a um mecanismo desse tipo, porque percebem nele uma eventual perda de renda. Mas nós estamos trabalhando para convencê-los de que isso é essencial”, explicou Capobianco.

Atualmente, o Brasil preside a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) já que em março do ano passado sediou a 8ª Conferência das Partes (COP 8). O secretário informou que neste ano serão realizadas duas importantes reuniões sobre o tema. “O Brasil pretende atuar de forma muito intensa, liderando e fomentando o processo para que de fato ele se conclua até 2010”.

Capobianco disse também que o Brasil seguirá dois caminhos em relação à repartição do uso sustentável dos recursos genéticos: um internacional e outro nacional. A estratégia voltada para o exterior será baseada em um plano internacional assinado durante a COP 8. "Nós obtivemos um acordo entre os participantes de que teríamos um mecanismo internacional de repartição de benefícios pronto para ser aprovado até o final da década. Esse é o desafio colocado para os países integrantes”.

No plano nacional, o secretário explicou que o MMA elaborou um anteprojeto de lei sobre o tema, que já foi enviado à Casa Civil. “O projeto foi elaborado de forma muito ampla e participativa. A gente espera que o governo possa encaminhar, através do presidente da República, ao Congresso Nacional, o mais rápido possível”.

O secretário destacou, no entanto, que ainda são necessários alguns ajustes na proposta. “Há algumas pequenas divergências entre alguns ministérios que querem fazer algumas modificações, que estão em fase final de coordenação pela casa Civil".

As reuniões da COP, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, são realizadas de dois em dois anos e contam com a participação dos 188 membros da Convenção sobre Diversidade Biológica

Estudo revela sinais de intoxicação causada por milho transgênico da Monsanto

Ratos de laboratório, alimentados com milho transgênico produzido pela Monsanto, mostraram sinais de intoxicação nos rins e no fígado, de acordo com um novo estudo lançado esta semana pela publicação norte-americana Archives of Environmental Contamination and Toxicology (Arquivos de Contaminação Ambiental e Toxicologia). É a primeira vez que um produto geneticamente modificado, liberado para o consumo humano e de animais, apresenta sinais de ter provocado efeitos tóxicos em órgãos internos de seres vivos.

O estudo analisou os resultados de testes de segurança enviados pela Monsanto para a Comissão Européia quando a empresa buscava autorização para comercializar a variedade MON863 de milho transgênico na União Européia, em 2005. Os dados dos testes mostram que o milho MON863 traz significativos riscos à saúde. Mesmo assim, a Comissão Européia licenciou a comercialização do produto para consumo humano e de animais.

“Esse é o golpe final na credibilidade do sistema de autorização para produtos transgênicos. Se o sistema desenhado para proteger a saúde das pessoas e dos animais autoriza um produto de alto risco, mesmo com todas as evidências sobre seus perigos, precisamos suspender imediatamente esse procedimento de aprovação e rever todos os demais produtos autorizados”, afirmou Christoph Then, representante da campanha de engenharia genética do Greenpeace Internacional.

A evidência sobre os efeitos nas cobaias foi obtida pelo Greenpeace após uma batalha judicial e foi passada a uma equipe de especialistas para ser analisada. A equipe foi liderada pelo professor Gilles Eric Séralini, especialista em tecnologia de engenharia genética da Universidade de Caen, na França.

“As análises da Monsanto não resistem a escrutínios rigorosos. Para começar, os protocolos estatísticos deles são altamente questionáveis. Pior, a empresa fracassou em fazer análises suficientes das diferenças no peso animal. Dados cruciais dos testes de urina, indicando intoxicação do rim, ficaram escondidos em publicações internas da empresa”, disse o professor Séralini numa coletiva de imprensa conjunta com o Greenpeace, realizada hoje em Berlim.

Os dados em questão vêm sendo objeto de grande debate desde 2003, quando foram identificadas mudanças significativas no sangue de animais alimentados com o milho MON863. Esse milho foi aprovado pela Comissão Européia apesar da oposição da maioria dos países-membros da União Européia, que levantaram preocupações sobre a segurança do produto.

A análise do professor Séralini confirma cientificamente essas preocupações. "Com os dados existentes, não se pode concluir que o milho MON863 é um produto seguro”, diz ele. Apesar disso, o milho geneticamente modificado da Monsanto foi autorizado para venda e consumo na Austrália, Canadá, China, Japão, México, Filipinas e Estados Unidos, além da União Européia.

“O mais preocupante é que, assim como esta, outras evidências importantes sobre os impactos das variedades transgênicas também podem estar sendo negligenciadas pelas empresas e pelos órgãos responsáveis por avaliar a segurança dessas variedades”, disse Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil.

No momento em que a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) está justamente discutindo a liberação de outras variedades de milho transgênico, o estudo da publicação norte-americana coloca em dúvida todo o sistema de aprovação comercial de novos transgênicos. Isso porque, atualmente, a CTNBio não exige uma lista mínima de documentos que as empresas de biotecnologia sejam obrigadas a apresentar para pedir a liberação de novos transgênicos; também não há a necessidade de confrontar os estudos feitos pelas empresas com análises externas e independentes.

“Com isso, as empresas podem apresentar apenas o que lhes for conveniente, sem ter que prestar contas sobre os impactos dos seus produtos para a população e o meio ambiente”, alertou Gabriela.

Desafio de Lula é proteger patrimônio genético do país, diz ambientalista

A regulamentação do acesso ao patrimônio genético da biodiversidade nacional e ao conhecimento tradicional de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas será o principal desafio na área ambiental do segundo mandato (2007-2010) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A opinião é da integrante do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental (ISA) Adriana Ramos, que culpa o governo brasileiro pela falta de uma “posição oficial" para o setor. Segundo ela, a legislação para o setor não avança por divergências internas no governo.

Ramos afirma que os ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Desenvolvimento, Indústria e Comércio não se entendem dentro do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), e acabam emperrando uma questão crucial para o futuro do Brasil.

“Os ministérios não se entendem em diversos pontos da regulamentação. Isso tem impedido o avanço da lei por falta de consenso e por não haver uma posição oficial do governo que oriente um interesse maior”.

Está em discussão na Casa Civil o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A previsão era que um decreto presidencial criando o plano fosse assinado ainda em 2006, o que não ocorreu.

"Não foi possível aprová-lo [em 2006], mas esperamos que isso aconteça em janeiro [de 2007]. Na ocasião, vamos fazer uma festa de lançamento da política e reunir todos os representantes das comunidades tradicionais", afirma Aderval Costa, assessor do Núcleo de Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Com a regulamentação do setor, governo, cientistas e ambientalistas esperam frear a biopirataria, que significa a apropriação de recursos biogenéticos e/ou conhecimentos de comunidades tradicionais, por indivíduos ou por instituições que procuram o controle exclusivo ou monopólio sobre esses recursos e conhecimentos, sem autorização estatal ou das comunidades.

A utilização das plantas no tratamento de diversas doenças, prática comum entre as comunidades tradicionais brasileiras, tem despertado o interesse de empresas nacionais e internacionais em transformar essas substâncias em produtos comerciais. O problema, segundo o diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Eduardo Velez, é que, muitas vezes, essas comunidades não recebem nada em troca pela divulgação e pela exploração comercial dos seus conhecimentos.

A Medida Provisória 2.186 garante o direito de as comunidades serem consultadas e liberarem, ou não, a pesquisa sobre seus conhecimentos. Mas não existe nem legislação nem um sistema de registro.

Assim, universidade e instituições fazem um inventário dessas descobertas de plantas e usos e publicam em uma revista científica. “Esse conhecimento fica disponível para todos e se tiver potencial econômico, dificilmente uma empresa vai fazer um contrato com a comunidade”, explica Velez.

Para ele a solução é criar uma legislação que impeça a publicação integral do que foi pesquisado, garantindo o segredo das comunidades tradicionais.

Tratoraço transgênico

Em março deste ano, diante de representantes estrangeiros e jornalistas presentes na Conferência sobre Diversidade Biológica (CDB), em Curitiba, o presidente Lula discursou afirmando que a biodiversidade é o maior tesouro do planeta. Alardeou com pompa e circunstância que o Brasil se orgulha de proteger seu meio ambiente. Passou uma imagem muito diferente da realidade que se apresenta depois que os visitantes dão as costas e vão embora.

Há semanas, o próprio presidente acusou ambientalistas, índios e Ministério Público de atrapalhar o desenvolvimento do país. Num discurso feito para agricultores e tendo como anfitrião o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, Lula criou tremenda saia justa até com a ministra do Meio Ambiente. Deixou claro que o agronegócio é prioridade nacional – mesmo que signifique passar por cima das questões ambientais.

Antes disso, no final de outubro, Lula assinou medida provisória (MP) diminuindo a distância mínima entre as áreas de plantio de transgênicos e as Unidades de Conservação (UCs). Sem consultar a sociedade civil, passou por cima do princípio da precaução e abriu precedente que fragiliza essas áreas não só na questão dos transgênicos, mas em todos os assuntos que possam ter impactos sobre o meio ambiente. Quem saiu ganhando foram as multinacionais de biotecnologia, que vinham plantando ilegalmente no entorno das UCs e não se intimidaram nem depois de pagar multa determinada pelo Ibama.

A MP chegou à Câmara dos Deputados e trancará a pauta a partir do dia 18 de dezembro. A bancada ruralista não perdeu tempo. Quer aproveitar a votação para aprovar o seu "pacote de maldades". A idéia é pegar carona para alterar medidas que garantem a biossegurança no país, promovendo um tratoraço transgênico. No final das contas, a impressão que fica é de que a bancada do agronegócio está sempre insatisfeita e não se cansa de reabrir discussões encerradas.

A Lei de Biossegurança, por exemplo, foi aprovada no início de 2005 depois de meses de discussão. Com ela, vários mecanismos para garantir a biossegurança brasileira foram estipulados e aprovados, inclusive as regras para liberação de novo transgênico no meio ambiente. Essas regras garantem um procedimento formal a ser seguido e protegem o meio ambiente e os consumidores. Porém, como criança mimada que só se satisfaz quando tem tudo o que quer, a bancada ruralista quer mudar as regras do jogo. O mais curioso é que o Congresso que aprovou a Lei de Biossegurança em 2005 é o mesmo que hoje discute as mudanças de última hora.

Uma das propostas ruralistas é retirar a competência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre o registro de agrotóxicos e deixar tudo sob responsabilidade exclusiva do Ministério da Agricultura. Com a proposta absurda, a bancada espera facilitar a liberação de transgênicos – especialmente os resistentes ou tolerantes a agrotóxicos e que apresentam quantidade de resíduo maior que a considerada segura para a saúde humana (como o milho Liberty Link, da Bayer, e o algodão RoundUp Ready, da Monsanto). Excluindo a Anvisa do processo, as questões de saúde deixariam de ser levadas em conta e apenas os aspectos agronômicos seriam considerados.

Outra discussão que os ruralistas querem reabrir é a liberação das sementes "suicidas", a tecnologia conhecida como Terminator. Essas sementes – estéreis – foram proibidas durante a última Reunião das Partes da CDB. O Brasil, além de signatário do acordo, sediou e secretariou a última reunião. Mesmo assim, a bancada insiste em pedir a aprovação dessa tecnologia.

Para completar o tratoraço transgênico, os ruralistas querem mudar o funcionamento da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e diminuir o quórum necessário para as aprovações comerciais. Se isso for aprovado e as regras da Lei de Biossegurança forem mudadas, podemos ter uma situação em que só oito brasileiros serão responsáveis por avaliar a segurança de novo transgênico. Até o presidente Lula disse que essa não é situação razoável. E ainda teríamos excluídos da discussão setores fundamentais representados pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Justiça e Desenvolvimento Agrário, entre outros.

A manobra dos ruralistas é sorrateira. Querem mudar as regras do jogo da biossegurança com a bola rolando e pelas entrelinhas de uma medida provisória que trata de tema específico – as zonas de amortecimento. O Congresso Nacional não pode se deixar levar pelo canto da sereia e jogar fora as discussões e deliberações tomadas em 2005, que garantem a biossegurança brasileira. A derrota não será apenas dos parlamentares. Será do país.

De Marcelo Furtado, Diretor de campanhas do Greenpeace Brasil, e Gabriela Vuolo, Coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil.