Pedro Peduzzi Repórter da Agência Brasil
Brasília – O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) criticou hoje (12) uma série de dados apresentados no último dia 10 pela presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu. De acordo com a entidade, não há fundamento na afirmação de que a criação de áreas protegidas represente diminuição do tamanho das áreas de produção agrícola.
Em entrevista coletiva, Kátia Abreu, que é senadora pelo PSD do Tocantins, disse que o país corre risco de reduzir em 48,8 milhões de hectares a área de produção agrícola, entre 2011 e 2018, caso sejam mantidas as médias de demarcação de terras indígenas e de unidades de conservação ambiental dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. Segundo a senadora, mantendo-se essa média, em 2031, o país terá perdido todas as áreas de produção agrícola e, em 2043, todo o território nacional seria ocupado por unidades de conservação e terras indígenas.
De acordo com o ICMBio, criar unidades de conservação não representa ameaça à produção rural no Brasil, nem tampouco é impedimento para o crescimento da agropecuária, como prova o forte aumento da produção de grãos nos últimos 16 anos. O desafio do setor agrícola deve ser, segundo o instituto, a permanente busca pela eficiência no processo produtivo nas áreas já ocupadas.
A diretoria do ICMBio acrescenta que “todas as atividades econômicas dependem da disponibilidade de água de boa qualidade, a qual está relacionada diretamente ao percentual de cobertura vegetal de uma bacia hidrográfica”, e que os 75 milhões de hectares de áreas protegidas – dos quais 61,43 milhões correspondem a unidades de conservação predominantemente florestais – “prestam inestimáveis serviços ecossistêmicos, com valor incalculável para o equilíbrio do clima e da conservação da biodiversidade, onde já não seria possível a sua conversão em pastos ou lavouras”.
Além disso, parte da produção extrativista brasileira (entre eles, frutos, aromáticos, borrachas, ceras, fibras, gomas, oleaginosos e pescados) foi retirada de reservas extrativistas e de florestas nacionais, a partir do uso sustentável dos recursos naturais feito por mais de 65 mil famílias de extrativistas. Segundo o ICMBio, esse tipo de extrativismo movimentou R$ 3,79 bilhões em 2012.
Por fim, o instituto argumenta que conciliar o crescimento econômico e a conservação ambiental é uma estratégia para o futuro, voltada para a eficiência, a sustentabilidade e a justiça social. E, ao contrário do que diz a senadora, “são as áreas protegidas que sofrem constante pressão para serem convertidas em pasto, lavoura ou expansão urbana”.
Coordenador da campanha Amazônia, pela organização não governamental (ONG) Greenpeace, Márcio Astrini também criticou os números apresentados pela senadora. “São números tendenciosos, até por desconsiderarem a diminuição de ritmo durante o governo Dilma Rousseff, que tem o menor índice de criação de unidades de conservação e de terras indígenas desde o governo militar”, disse Astrini à Agência Brasil.
Integrante de uma geração antiga de lideranças indígenas do País, Celestino Xavante, 91 anos, tem poucas ilusões sobre a possibilidade das comunidades indígenas nacionais conseguirem preservar suas culturas e modos de vida tradicionais, ante a pressão crescente sobre as suas comunidades e seus territórios.
Conhecido por sua luta pela demarcação das terras Xavante, ele está preocupado: “Os jovens não vêm a Brasília. Se ficarem no mato ninguém vai considerar o que querem e precisam. Eles têm que vir lutar pelos seus direitos.
Apesar de preocupado com o futuro, o peso dos anos não lhe tirou o espírito combativo e, frequentemente, abandona o conforto e a tranqüilidade da aldeia Parabubure para se juntar a outras lideranças na luta pelos direitos das comunidades Xavante e direitos comuns dos indígenas.
Vida de luta
A história de Celestino no movimento indígena começou na década de 60 junto com os então jovens líderes Xavante, como os caciques Aniceto, Samuel e muitos outros. Lutavam pela demarcação das terras indígenas em todo o País. Correndo atrás primeiro, da demarcação da terra indígena Sangradouro; depois, da criação da área de Parabubure.
À época a luta era para retirar as fazendas que invadiam as terras Xavante, incluindo a área da fazenda Xavantina onde Celestino nasceu. A luta se deslocou para Brasília. Na Capital foram travadas importantes batalhas. Os Xavante venceram e passaram a ser exemplo de luta para outras comunidades indígenas.
Da década de 60 aos dias de hoje,lá se vão mais de 40 anos de luta e atuação política. Independente e orgulhoso, até hoje, Celestino prefere falar em sua língua materna e contar com a ajuda de um tradutor, apesar de entender o português.
Suas preocupações, anseios, caminhos e recados você confere nesta entrevista exclusiva a Brasileiros de Raiz.
Qual a realidade das comunidades Xavante hoje?
Nossa realidade é muito fraca. Todas as coisas estão mudando, mudando muito. Temos de continuar lutando para manter nossa vida e cultura do mesmo jeito. Mas sinto que estamos enfraquecidos.
Nosso povo está crescendo mais e tendo que lutar para ter apoio da FUNAI, do Governo. Esse presidente da FUNAI não quer entender nossos problemas. Ele acabou com a FUNAI. Precisamos ampliar a aldeia “terebe” onde pai e meu bisavô faleceram. O presidente da FUNAI prometeu e não cumpriu a promessa de ampliação da área. Diz que está fazendo uma reestruturação. A terra lá não serve mais para a comunidade, está pequena, é preciso ampliar. Nós estamos fazendo um movimento pra trocar o presidente e para pedir que os índios mesmos assumam a FUNAI. Apoiamos o advogado Arão Guajajara para assumir a presidência.
E qual o principal problema das comunidades Xavante?
Principal problema é que não há mais assistência: falta para o idoso, na alimentação, na compra de ferramentas, sementes, objetos, gado, na preparação de projetos. Ainda precisamos da ajuda e apoio do Governo e da FUNAI para o desenvolvimento de nossas comunidades.
Como preservar a identidade e sua cultura Xavante ante a cultura branca e do contato com a sociedade?
Para a sociedade dos brancos, a cultura Xavante ainda é muito atrasada. A mudança virá aos poucos até convivermos de forma igual. É muito complicado para mudar rápido, mas isso já está começando a acontecer.
Temos que estudar, do jovem à nossa bisavó. Temos que estudar mais, entrar na política, na prefeitura, na polícia, no governo. Só depois que entendermos isso tudo, vai ficar mais fácil para a gente ver a nossa realidade preservada, assim, convivendo com os brancos. Temos que fazer isso (conviver) para ter como preservar nossa cultura.
É possível juntar essa tecnologia que vive o mundo hoje sem perder a identidade indígena?
Tem que ser assim mesmo. Unir essas coisas com a preservação da nossa cultura. Temos que ter computador e essas coisas todas. Mas temos que ser nós mesmos, preservar a identidade e a cultura indígena. Os jovens cada dia estão se interessando mais por isso, pelas coisas do branco, da cidade. Desde o contato com o povo Xavante muita coisa já aconteceu. Conhecemos muitas coisas do branco e precisamos dominar isso tudo pra aprender como conviver com o branco.
Quais os caminhos pra sobreviver, pra conviver com o branco e garantir o futuro do povo Xavante?
Ainda estamos conseguindo segurar a nossa realidade de cultura. Temos nossa pintura, nossa língua. Não podemos perder nossos clãs individuais para casar, não podemos fazer uma mistura, assim, tem que ser preservado nosso jeito de viver. Precisamos manter a nossa tradição com a língua, os casamentos na família, as pinturas, o corte de cabelo. O caminho é brigar para manter isso assim. Os velhos e jovens tem que se unir por isso.
Nesse caminho também precisa do saber. Temos que estudar. Mas ainda é um caminho longo para encontrar o jeito certo para garantir o futuro do povo.
Pra nós índios é muito longe e muito difícil ainda encontrar esses caminhos.
Como o senhor vê a pressão do desenvolvimento econômico em terras indígenas?
Hoje já não tem terra suficiente pra nós. Os fazendeiros não podem querer tomar a terra indígena. Vamos defendê-las contra os fazendeiros para não haver novas invasões, porque hoje não tem a FUNAI, não tem IBAMA. O IBAMA não entra em defesa das comunidades e aí é a comunidade mesmo que tem que decidir o que vai fazer. Tem uns que pensam em deixar as terras indígenas em arrendamento, para ver se vai dar certo, ou não. Outros querem brigar com os invasores, temos que pensar muito no que fazer, antes de tomar uma decisão sobre as formas de desenvolvimento do nosso povo.
De uma forma geral, as pessoas, o governo, fazendeiros e empreiteiros que têm projeto dentro de área indígena, sempre acusam o índio de atrapalhar o desenvolvimento do Brasil. O que o senhor acha disso?
Eu já ouvi falar mesmo que estamos atrapalhando, que estamos ocupando as terras e que não trabalhamos. Mas porque o governo não nos ajuda? Por que não compra os maquinários para nos ajudar a trabalhar como os fazendeiros?
Aí sim, ia ficar mais fácil. Mas quem tem que nos ajudar, a FUNAI, não cumpre o que promete: fazer projetos, os plantios com os tratores e máquinas. Nós queremos produzir, comprar o gado, comprar os maquinários para plantar, mas o Governo não dá o apoio que as comunidades indígenas precisam. É muito complicado.
Os jovens guerreiros ainda têm vontade de ser índio ou querem vir para o mundo do branco se integrar à sociedade?
Hoje boa parte dos jovens que largam as aldeias e vão para a cidade preferem ficar lá, se casar, assim, desse jeito mesmo. Já estamos achando que o futuro pode mudar o índio Xavante. Precisamos que os jovens retornem à aldeia mesmo depois de estudar e viver na cidade, continuar mesmo como índio, com suas tradições. Ao mesmo tempo, muitos de nossos jovens falam que é muito difícil se misturar com o branco, que não respeita o índio, e por isso tem gente querendo ficar e gente querendo voltar pra aldeia, voltar a ser índio. Acho que as coisas são assim mesmo. Estão voltando, do mesmo jeito, como índio, porque têm muitas dificuldades para viver do jeito do branco.
Depois da luta pela demarcação, que aconteceu nos anos 60, 70 e 80 parece que o movimento indígena diminuiu, reduziu um pouco. Não estão surgindo novas lideranças?
Antigamente, na década de 70, o cacique, todos os caciques velhos, todos foram lutar para fazer a demarcação de nossas terras. Lutaram para ampliar essas áreas. Todo mundo unido. Toda aldeia participava das conversas à noite, e agora os jovens caciques, não se reúnem mais para discutir.
Não está tendo união mais. Isso não ajuda a conhecer novos líderes. São os velhos ainda que vêm tentando ouvir os mais novos, chamando eles para o centro da aldeia, pra conversar e buscar a união e pra conhecer os novos líderes, pra eles falarem.
Qual vai ser o futuro do povo Xavante?
O futuro? Acho que não vai ser bom.
Os velhos falam que os índios vão morrer, acabar. Não vamos continuar.
Os jovens vão virar brancos. Esse vai ser o futuro dos bisnetos, de toda a comunidade. Vamos perder a nossa cultura, artesanato, as coisas para as festas, os cantos. Ninguém vai dirigir nossa cultura, que é muito complicada.
Até hoje são os velhos é que estão ainda segurando a cultura para nós. Agora quando nós vamos nos acabar,não dá pra dizer, mas vai ficar difícil. Vai ficar só um restinho de cultura, poucas danças, quase nada da cultura Xavante.
Que recado gostaria de dar aos os jovens xavantes?
O que vocês vão ser quando eu morrer? Como vão continuar as lutas que temos?
Temos que perguntar isso para a comunidade. Sei que é complicado para os jovens, e ninguém pergunta essas coisas porque é complicado para eles. Os jovens e os adultos ainda não vêm para Brasília para conhecer reunião, conhecer o debate. Se ficarem no mato ninguém vai considerar o que o índio quer e precisa, eles têm que vir pra lutar pelos seus direitos.
E o que diz para o povo branco hoje?
Hoje já tenho idade alta e mesmo assim ainda não vejo o branco respeitando os índios, os mais velhos.
Daqui pra frente os jovens é que vão assumir como chefia, aqui em Brasília e nas aldeias, e são eles que vão ter de continuar lutando para o povo indígena ser respeitado. Peço que o branco respeite mais o índio.
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Brasileiros de Raiz
Única revista nacional especializada em questão indígena, Brasileiros de Raiz tem como objetivo recolocar a história em seu trilho, dar voz e informações atualizadas e verdadeiras sobre povos indígenas. Para saber mais, entre em contato. [/box]
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Das férias adolescentes a pesquisas científicas entre os índios do Xingu, o rico relato pessoal de George Zarur nos revela o ponto de vista do garoto que virou antropólogo ao conviver com índios e personalidades que guiaram momentos históricos, como o esforço para a criação do Parque Indígena do Xingu. A relação com os índios e as pessoas que construíram o indigenismo brasileiro influenciaram a vida do futuro cientista e professor.
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George Zarur
A amizade com os irmãos Villas-Boas, que enriqueceu minha existência, teve início em 1960 no Governo de Juscelino Kubitsheck, quando meu tio Nelio de Cerqueira Gonçalves foi designado Presidente da Fundação Brasil Central (FBC). A FBC construía na Ilha de Bananal, um hotel de turismo com projeto de Oscar Niemeyer, um hospital e uma pista de pouso. Hoje, as ruínas dessas obras são “curiosidade histórica”.
Após a saída de Rondon do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Boas, revoltados com os desmandos e a corrupção que tomaram conta do órgão indigenista encontraram abrigo na Fundação Brasil Central. Envolvidos na “Operação Bananal”, Orlando e Cláudio ensinavam os brancos a respeitar os índios e a valorizar sua maneira de ser, enquanto Leonardo tocava as obras civis. Assisti a manobras de impressionantes balsas, sob o seu comando, capazes de carregar quatro caminhões caçamba “FNM”. Os comboios eram impulsionados rio acima por heróicos motorzinhos de popa suecos da Marca “Archimedes” de 12 hp, cuja importância ainda será reconhecida para a história da Amazônia. A ouvir o “tactactac” dos Archimedes, presenciei a chegada à Santa Isabel do Morro, na Ilha de Bananal, de regatões de origem árabe, os barcos carregados de uma inacreditável diversidade de quinquilharias. Traziam encomendas de índios e sertanejos, negócios celebrados há muitos meses. Alimentos cortes de chita, panelas e bules de alumínio, cobertores, redes, alpargatas, brinquedos, exemplares de revistas e muito plástico.
Parque do Xingú
Em 1961, durante o governo Jânio Quadros, Orlando e seus amigos usaram, por vezes, nossa casa em Brasília para encontros que levariam à criação do Parque do Xingú. Reuniram-se com José Aparecido de Oliveira (Chefe de Gabinete de Jânio Quadros), Jorge Ferreira, (jornalista do “O Cruzeiro”) e Clemente Mariani.
No Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão, apresentados a Orlando por Noel Nutels, redigiram argumentos para justificar a criação do Parque. O segundo filho de Orlando, atuante em defesa dos interesses indígenas, foi batizado com o nome de Noel, em homenagem a Nutels. Em 1961 saiu, finalmente, o decreto de criação do Parque, embora enorme área fosse subtraída da proposta original dos Villas-Boas.
A fundação do Parque do Xingú representou importantíssimo movimento na história das relações entre índios e brancos no Brasil. Integrou a revolução cultural que inventou Brasília, a bossa nova, Grande Sertão: Veredas” e “Formação Econômica do Brasil”. Rondon, nos primórdios do século XX, assegurou aos índios o direito à vida, em um tempo em que o evolucionismo biológico preconizava sua extinção física.
Os Villas Boas iniciaram uma nova era em que a diversidade cultural e a garantia da terra eram consideradas pilares da política indigenista. Lutaram pela gradativa tomada de consciência pelos índios do valor de sua identidade e da importância de sua organização política. A resistente identidade dos índios do Xingú deve-se, em primeiro lugar, ao seu próprio discernimento, mas também, a longas conversas dos finais de tarde que líderes, como Megaron e Aretana, mantiveram com Cláudio e Orlando por anos a fio.
Irmãos Villas Boas
Em 1961, antes de minhas férias de Julho no Xingu, Orlando acompanhou-me, a pedido de minha mãe, a uma das poucas lojas de Brasília, para comprar meu presente de aniversário de quinze anos. Não tirou os olhos de uma carabina calibre 22 fabricada na então Tchecoeslováquia, popularmente conhecida por “CZ”. O nome tcheco era tão complicado que a abreviatura bastava para a identificação. Desejava outra coisa, uma bicicleta a motor, como uma “Mobilete” (Caloi) ou “Monareta” (Monark), mas Orlando convenceu-me com o argumento de que “aquela era a arma dos índios e dos sertanistas”. Tenho-a até hoje e a trato como uma jóia.
Orlando era um comunicador espontâneo, uma fonte perene de afeto, o que o fazia capaz de tranqüilizar índios pintados para a guerra ou de conseguir o apoio dos políticos de Brasília. Fascinavam sua inteligência e vivacidade. Cláudio era quieto e estudioso. Podia discorrer por longos períodos sobre Filosofia do Direito, capacidade que aliava à de exímio atirador. Ficava por horas, sem errar uma única vez, a atirar de revolver em folhinhas vistas com dificuldade a boiar a mais de trinta metros na correnteza do Xingu. Leonardo faleceu em 1963 e o antigo Posto Indígena “Capitão Vasconcelos” passou a se chamar “Posto Leonardo Villas-Boas”.
Xingu: guerra, aventura e antropologia
Continuei a visitar o Xingu. Em 1963, uma caminhada de cerca de seis quilômetros por estreita trilha na mata separava o Posto Leonardo da Aldeia Kamaiurá. Hoje, a estrada que a substituiu não chega a ser uma rodovia, mas permite o trânsito de caminhões. Em companhia de dois estudantes da Universidade de Brasília, cheguei à aldeia Kamaiurá, cuja população preparava-se para abandoná-la devido a um iminente ataque dos índios Txicão, denominados Ikpeng, nos tempos de hoje. Retornamos correndo para o Posto Indígena, quando fomos ultrapassados por Kamaiurás em fuga, muito mais rápidos. Encontramos ameaçadoras flechas txicão a sinalizar árvores da trilha, segundo o clássico artifício de guerra psicológica.
Descalço, fui picado na sola do pé por um animal que não consegui ver, mas, é claro, pensei imediatamente em alguma cobra venenosa. Minha perna ficaria em breve totalmente imobilizada. Cheguei ao Posto Leonardo pulando em um só pé, abandonado por meus colegas que preferiram sua segurança à companhia de um saci pererê improvisado. Fui examinado por Paulo Vanzolini e pelo médico e antropólogo físico Pedro Lima. O diagnóstico foi “picada de Formigão”, a célebre formiga Tocandira. Paulo Vanzolini cantarolava músicas caipiras e ensaiava as letras de um futuro grande sucesso. No dia seguinte já voltava a andar normalmente.
Devido à ameaça de ataque iminente, o Posto Leonardo se transformara em campo de refugiados que buscavam a proteção dos “caraíbas” (termo que designava os “brancos”). Centenas de pessoas, quase a totalidade dos índios do Xingú, passaram a noite acordadas, em estado de pânico coletivo. Era tanta gente aglomerada ao redor das casas do Posto, que não havia espaço para se deitar. Além do que, dormir não seria possível, dada a conversa gritada, nervosa, dos presentes. Muitos passaram sede, com medo de descer os quinze metros que separavam o Posto do Ribeirão Tuwatuwari. Muitos passaram fome, pois, na fuga apressada tudo tinham deixado na aldeia e os mantimentos do posto rapidamente se esgotaram.
Após três dias, constatou-se que os Txicão tinham se distanciado e os refugiados voltaram para suas aldeias. O medo tinha suas razões, pois os Txicão haviam atacado recentemente a Aldeia Waurá, de onde seqüestraram duas mulheres. Rondaram diversas outras aldeias.
Em 1964, estudante do ensino médio, acompanhei ao campo, o antropólogo Eduardo Galvão. Galvão, hoje quase esquecido, foi o primeiro brasileiro a conquistar um Ph. D em antropologia no Exterior, na Columbia University, com Charles Wagley, que mais tarde seria também meu orientador. Gozava de merecido prestígio. Bondosamente designou “monitor” o estudante que ajudou a carregar as peças de uma coleção etnográfica que permanece até o presente sob a guarda da UNB. Pedro Agostinho da Silva, aluno pós-graduado de Galvão, ensinou-me a fazer o diário de campo. Incumbiram-me da descrição dos objetos trocados na cerimônia comercial denominada “Moitará”.
O milagre da comunidade Iawalapiti
Os xinguanos sofreram pesadamente com epidemias trazidas pelos brancos, contra as quais populações indígenas isoladas não possuem defesas. Particularmente cruéis foram os efeitos da epidemia de sarampo de 1954, quando etnias inteiras desapareceram. Após esses devastadores surtos de gripe e sarampo, a malária endêmica transformou-se no principal fator a diminuir a esperança de vida dos índios do Xingu. Pelo que fui informado quase desapareceu, mas estaria a recrudescer recentemente.
A uma distância de pouco mais de 1 km do Posto Leonardo existia uma casinha habitada pelos sobreviventes Iawalapiti encontrados por Orlando entre os Kamaiurá. Ali viviam pouco mais de uma dezena de pessoas em torno dos seus gentis líderes, os irmãos Kanato e Sariruá. Orlando e Cláudio reconstituíram diversas aldeias, permitindo o reviver de comunidades inteiras. Saíam reunindo os sobreviventes de tribos dizimadas espalhados nas aldeias que restaram. Atualmente, centenas de descendentes dos moradores daquela casinha vivem em uma bela aldeia na confluência do Ribeirão Tuwatuwari com o Rio Kuluene.
A impressionante recuperação demográfica de populações como a xinguana é motivo de júbilo para quem acompanha a situação dos índios brasileiros. Cumpre ressaltar o papel desempenhado pela Escola Paulista de Medicina (hoje Universidade Federal de São Paulo) no Alto Xingu. Vi o médico Roberto Baruzzi, professor da instituição e seus alunos se desdobrarem na assistência e em pesquisa sobre a saúde indígena, campo do conhecimento específico por eles delimitado. Na Escola Paulista foi criada a cadeira “Saúde Indígena”, cuja área de atuação era o Parque do Xingu.
As ameaças ao cotidiano Xinguano
O Xingu dos anos 60 era uma terra contestada por brancos que tentavam seguidamente invadi-la.
Caçadores de peles de animais como onça e ariranha de quando em quando adentravam a região do Djauarum. Os índios avisavam Cláudio que saía em perseguição dos invasores. Certa vez, ao lado de Cláudio, persegui caçadores de pele denunciados pelos gritos de uma ariranha ferida à bala, que produzia um som agudo que lembrava o de um ser humano em desespero. Houve troca de tiros na qual usei meu presente de aniversário, mas os invasores conseguiram fugir graças a um motor de popa mais potente. Por vezes, eram capturados e recebiam de Cláudio e Orlando a informação de que não deveriam mais retornar, pois se o fizessem ficariam à mercê dos índios. Assim foi preservado o Parque do Xingu.
Em 1965, Eduardo Galvão e outros professores foram exonerados da UnB por razões políticas. Quase todo o corpo docente da Universidade demitiu-se solidariamente. Estudante de graduação passei um período com Herbert Baldus no Museu Paulista, mas retornei à Brasília e me formei em economia. Só voltaria à antropologia no último ano da universidade com a chegada de Roque Laraia e Júlio César Melatti do Rio de Janeiro. Mas o contato com Orlando e Cláudio não foi perdido, amigos da família, que sempre nos visitavam em Brasília.
Retornei ao Xingu em 1971/72, acompanhado de minha esposa, a antropóloga Sandra Beatriz Zarur, para a pesquisa de campo da minha tese de mestrado no Museu Nacional. Lá estavam os Villas-Boas. Orlando no Posto Leonardo no Sul do Parque. Cláudio, desde os anos 60, no Posto do Djauarum, que assistia os grupos do Norte da área: Suyá, Kayabi, Juruna e Kayapó Txucahamãe.
Os assim denominados “xinguanos”, distribuídos segundo uma distância maior ou menor do Posto Leonardo, compõem a “área cultural do Alto Xingu” descrita por Galvão. Compartilham uma cultura comum, apesar das diferenças lingüísticas. O Alto Xingu é a melhor prova negativa da hipótese de Sappir-Whorf, que postula relações diretas entre língua e cultura, pois com línguas diversas, os xinguanos têm os mesmo costumes, rituais e sociedade. Já os habitantes do Norte do Parque têm culturas contrastantes e línguas diferentes. Sua única forma de articulação provinha da influência do Posto do Djauarum. Nessa viagem de 71/72 permanecí quase todo o tempo na pequena e distante Aldeia Aweti, no Alto Xingu.
Os dois postos indígenas funcionavam como centros de assistência à saúde. Pessoas doentes buscavam os cuidados competentes da enfermeira Marina Villas Boas, esposa de Orlando. Vilinhas, Orlando Villas Boas Filho, hoje Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, chorava forte como é dever de todo bebê. Estivesse Cláudio entre nós, estaria orgulhoso a provocar o sobrinho para debater Filosofia do Direito. Foi no improvável cenário do Djauarum, que ouvi Cláudio falar em Hans Kelsen.
Orlando e Cláudio procuravam manter os índios em suas aldeias, distantes dos postos. Com boas razões, consideravam nefasta a relação muito próxima com “civilizados”. Desestimulavam o contato com estranhos. Além da transmissão de doenças preocupavam-nos a desestruturação do modo de vida tradicional e a perda da identidade. Travaram duras lutas com missionários que tentavam adentrar o Xingu com a Bíblia sob o braço. Enfrentaram garimpeiros e os já mencionados caçadores de peles. O contato da grande maioria dos índios do Alto Xingu com não índios dava-se essencialmente no Postos, onde obtinham bens que, rapidamente, se tornaram indispensáveis, como facas e facões, machados, panelas de alumínio, tesouras e anzóis.
Era grande a preocupação dos Villas-Boas com a base aérea do Jacaré, situada a algumas poucas dezenas de quilômetros do Posto Leonardo. Ali moravam o sargento que a comandava e alguns soldados. Era o próximo pouso do Correio Aéreo Nacional (CAN) após o Posto Leonardo. Tornou-se um ponto de contato entre índios e brancos não controlado pela administração do Parque. Era foco de disseminação de doenças, inclusive de doenças sexualmente transmissíveis. Um tema popular de pintura corporal entre os xinguanos era o escudo da FAB. A relação com a FAB era complicada, pois o Parque dependia inteiramente dos aviões do CAN.
Contrastes: o Xingu no século XXI
Voltei ao Parque apenas em 2004, quando, na grande aldeia Iawalapiti dos tempos atuais, todos os índios do Alto Xingu prestaram merecida homenagem a Orlando, com a realização de um belo Kwarup, festa para mortos ilustres. Marina e filhos honraram-me ao me convidar para ocupar no ritual posição junto à família Villas-Boas.
Pude constatar, nessa rápida visita, que não se bebe mais água dos rios e ribeirões do Alto Xingu, pois a poluição das nascentes obrigou à perfuração de poços artesianos. A tradicional cena das mulheres equilibrando um caldeirão na cabeça na beira do Ribeirão tornou-se mais rara. Motocicletas, tratores, caminhões e barcos a motor de propriedade dos índios transitavam entre as aldeias.
Nos velhos tempos, após cruzar o cerrado do Vale do Araguaia, com escalas em Aragarças e Xavantina, os DC3 da FAB (restos norte-americanos da Segunda Guerra Mundial) voavam sobre uma mata sem fim, até pousar no Posto Leonardo. Hoje, os limites do Parque são evidentes do ar, pois é reta a linha demarcatória que separa a mata verde escura do Parque dos intermináveis cultivos de soja, que, com fertilizantes e agrotóxicos poluem as águas dos formadores do Xingu.
Os índios do Alto Xingu não se alimentavam da carne dos grandes mamíferos. A principal fonte de proteína era o pescado. Os únicos mamíferos caçados eram macacos. Em 1972, em um campo próximo às então aldeias Aweti e Mehinakú, presenciei, do alto de uma pequena elevação, a uma cena extraordinária, que lembrava os filmes das savanas africanas. Centenas, talvez milhares, de veados e cervos pastavam pacificamente, sem medo dos seres humanos. Estavam acostumados com o convívio com os índios do Xingú que não lhes trazia perigo. Soube que décadas mais tarde, em gesto de boa vizinhança, os xinguanos convidaram os índios xavante para caçar nesse campo. Com o uso do fogo na caçada, em um único dia os caçadores Xavante teriam matado mais de 30 veados e cervos.
No Xingu da década de 70 não havia circulação da moeda corrente nacional. Tampouco havia uma “moeda” local que servisse de meio de troca. Além dos poucos objetos pessoais que cada pessoa possuía, de alto valor eram as contas de miçanga cor azul rei fabricadas na então Tcheco-eslováquia, que só podiam ser encontradas na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Utilizavam-nas na elaboração de colares e pulseiras que funcionavam como ornamento, e símbolo de prestígio. Algo parecido com “jóias” na sociedade européia. Possuí-las, no Xingu era uma forma de entesourar riqueza. Aceitavam, mas com pouco entusiasmo, a miçanga de fabricação nacional, menor, vermelha ou azul clara.
Os índios, com a exceção dos que moravam nos postos não costumavam usar qualquer vestimenta. E se o faziam era como enfeite, não como abrigo para o frio, ou menos ainda, devido às noções de pudor importadas da sociedade ocidental.
O exemplo de bem estar da vida xinguana
Era uma vida cotidiana relaxada e alegre. Nunca presenciei o castigo físico de crianças. O tempo fluía lentamente com reuniões de todos os homens no final da tarde em frente à casa das flautas, nas quais as mulheres não podiam entrar. A rotina diária era bem diferente para homens e para mulheres. Enquanto essas ficavam, a maior parte do dia, em pequenos grupos perto da luz da porta das grandes casas xinguanas conversando, ralando mandioca e em outras atividades domésticas, os homens passavam um bom tempo nas redes, a pescar ou conversar em frente à casa dos homens.
Havia notável sincronia entre o bem estar individual, a vida ritual e a vida econômica, equilíbrio que pode estar abalado nos tempos atuais. Os xinguanos eram altamente “individualistas”, isto é, os anseios e necessidades individuais ocupavam um primeiro plano e eram respondidos pela sociedade. Sem querer idealizar a vida tradicional do Xingu, pode-se afirmar que a sociedade era concebida como um instrumento para o bem estar e felicidade da maioria dos indivíduos. Porém, o complexo da feitiçaria criava uma situação de tensão permanente.
Trabalhava-se muito pouco, segundo alguns cálculos, os homens, em média, três horas e meia. As mulheres talvez uma hora a mais. O resto do tempo era dedicado a dançar e a conversar. Todo começo de manhã o “capitão” da aldeia fazia um discurso tendo como tema, por exemplo, a necessidade de “vencer a preguiça”. Tinha-se, em geral, o suficiente para uma boa alimentação, muito melhor do que a de nossos pobres urbanos e uma vida saudável e tranqüila, apesar da malária que grassava e da lembrança terrível de epidemias devastadoras. As crianças enchiam os pátios com o som alegre das brincadeiras. A população estava em franco crescimento.
O Parque do Xingú era uma área isolada, protegida pelas distâncias e pela floresta. O único acesso dava-se por vôos supostamente semanais dos DC3 do Correio Aéreo Nacional, por um dos quais, certa vez, esperei mais de mês em Goiania. Hoje é accessível por estradas. Além das fazendas que o cercam, centros urbanos, como Canarana, crescem em suas fronteiras. O contato com os brancos tornou-se permanente.
Só espero que no Xingu seja para sempre ouvida a alegria ruidosa das crianças livres.
Que seus pais conservem a capacidade de se horrorizar com os castigos sofridos pelos filhos dos caraíbas.
Que os velhos continuem respeitados e honrados. E que todos vivam em ambientes de solidariedade e afeto desconhecidos pela cultura ocidental contemporânea.
Uma terra em que, como dizia meu querido amigo Orlando: “seja o velho, dono da história; o homem, dono da aldeia; e a criança, dona do futuro”.
Mais uma falácia apresentada pela bancada ruralista para justificar a destruição da legislação ambiental brasileira caiu por terra. Em debate organizado nesta sexta (18/11), no Senado, o consultor em meio ambiente e ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, comentou estudo das ONGs Proforest e Imazon que demonstra a existência de legislações ambientais bastante restritiva em diversos países do mundo. Segundo argumentação apresentada de forma sub-reptícia pelos defensores do agronegócio, o Brasil deve acabar com o Código Florestal, pois nenhum outro país possui esse tipo de regulamento. Pura mentira.
Tasso Azevedo observou que a maior parte das argumentações usadas pelos ruralistas se baseia em falsas premissas. “O Japão do pós-guerra conseguiu triplicar a produção de alimentos e ampliar de forma significativa sua cobertura florestal, que hoje é de 69% do território, maior até que o percentual brasileiro, que é de 56%”, relatou.
O estudo, publicado em outubro, analisou as legislações ambientais de países como China, Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Indonésia e Estados Unidos, dentre outros. Todos os países analisados apresentam leis que restringem a conversão de florestas, estejam elas em áreas públicas ou privadas.
O estudo, que pode ser baixado pelo link ao lado, expressa que, ao contrário da argumentação mentirosa dos ruralistas, existem “muitas outras nações com leis igualmente rígidas de proteção florestal”. O documento reporta que, “desde o século passado, é o fim do desmatamento – e não a terra arrasada – que virou sinal de desenvolvimento”.
A China, também considerada uma nação de desenvolvimento tardio, veda a supressão de florestas para projetos de mineração e infraestrutura. O país também condiciona desmatamentos a uma autorização do governo, que demanda a restauração do correspondente ao que foi destruído.
Para Kenzo Jucá, analista de políticas públicas do WWF-Brasil, há cada vez mais evidências científicas de que as mudanças propostas ao Código Florestal brasileiro são um grande retrocesso, e atendem apenas aos interesses de parte do grande agronegócio. “Enquanto a tendência mundial é de aumentar a proteção das florestas, a bancada ruralista procura impor à sociedade brasileira mudanças que colocam o Brasil na contramão da história, flexibilizando a legislação ambiental”, critica.
Tasso Azevedo destacou que os defensores das mudanças no Código buscam promover uma perigosa “relativização da sustentabilidade”, colocando em risco valores e princípios universalmente aceitos como corretos para a promoção do desenvolvimento sustentável. “Nos debates sobre a abolição da escravatura no Brasil, no século 19, o setor agrícola brasileiro defendia a manutenção dos escravos alegando que eram sua propriedade e que o fim do sistema acarretaria perdas financeiras, inviabilizando a atividade”, disse. Segundo ele, estamos assistindo, hoje, a argumentos bastante similares por parte dos ruralistas, que querem fragilizar o instituto da Reserva Legal e das áreas de preservação permanente.
Cid Furtado, carta de abertura da 1ª edição da revista Brasileiros de Raiz
Em pleno século 21, o Brasil, tão reconhecido na aldeia global antevista pelo grande teórico da comunicação, Marshal Macluhan, tem dificuldades para reconhecer sua cultura original. Sua identidade mais pura. Permite assim, que a sociedade desconheça os habitantes da terra que existiam antes de a chamarmos Brasil. Milhões de índios tiveram suas vidas ceifadas pelo conquistador português e, ainda hoje, este País moderno permite a continuidade deste massacre, ensinando em suas escolas a história contada pelo vencedor, tratando-os com descaso e tornando-os invisíveis aos olhos da sociedade e governos.
Os indígenas só ganham visibilidade quando decidem lutar por seus direitos, enfrentando nossos preconceitos, ou quando surge um conflito com a sociedade não-índia. Essa situação, causada pela combinação de falta de informação e de iniciativa em mudá-la, foi o ponto de partida de nossa proposta de criar a revista Brasileiros de Raiz. Em suas páginas, vamos nos impor, permanentemente, a tarefa de levar ao cidadão brasileiro, informações sobre a realidade das comunidades indígenas de todo o País. Casualmente, enquanto preparávamos sua primeira edição, duas histórias nos chamaram a atenção para a importância do trabalho que pretendemos fazer.
Meu filho de 15 anos, cursando o 2º ano do ensino médio, numa das escolas consideradas de melhor nível de Brasília, explicou-me, conforme ouvira de seus professores, porque os indígenas teriam sido massacrados pelos colonizadores: “porque os portugueses presenciaram atos de antropofagia e teriam sido levados a crer que as comunidades indígenas brasileiras, de forma geral, tinham esta prática”. Esta seria a justificativa para os massacres.
O segundo relato aconteceu durante uma conversa recente com um ex-presidente da Funai. Ele me disse que seu filho, na 3ª série do ensino fundamental, também havia recebido informações, no mínimo distorcidas, estampadas em livro adotado por parte da rede de ensino da Capital Federal. Diz o livro que a chegada de escravos negros no Brasil deve-se ao fato de o índio não aceitar trabalhar.
Na verdade, na grande maioria das sociedades indígenas, homens e mulheres têm diferentes atribuições na comunidade. O indígena brasileiro não se adaptava a diversas práticas dos colonizadores, por diferenças culturais e muitos outros fatores como abrir mão de seu modo de vida, de sua liberdade e independência ou cumprir funções, tradicionalmente exercidas por mulheres nas comunidades indígenas. Detalhes culturais que fizeram e fazem toda a diferença na hora de analisar as questões indígenas.
Assim como muitos simpatizantes das causas indígenas, acreditamos que recolocar a história em seu trilho, dar voz e informações atualizadas e verdadeiras sobre os legítimos Brasileiros de Raiz, é uma importante contribuição para contarmos a verdadeira história dos povos indígenas.
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Revista Brasileiros de Raiz
A revista Brasileiros de Raiz surgiu como uma publicação dedicada exclusivamente à questão indígena com o intuito de trazer informações sem preconceitos sobre a realidade indígena brasileira. Para saber mais, entre em contato com redacao@brasileirosderaiz.com.br ou ligue para (61) 3202 30 92.
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Há 39 anos, indígenas de diversas partes do País encontram refúgio em uma das últimas áreas de cerrado nativo do Distrito Federal. O Santuário dos Pajés, comunidade pluriétnica situada entre o Parque Burle Marx e o Parque Nacional de Brasília, permite a índios Fulni-ô, Kariri-Xocó, Korubo, Tuxá, entre outros que ali repousam quando em trânsito pela capital, manterem suas tradições culturais, rezas e cantos peculiares.
No espaço, há plantação baseada na permacultura, de onde é possível colher o feijão, o milho, verduras e legumes, além de fitoterápicos utilizados em curas de acordo com a sabedoria ancestral. O artesanato, a culinária típica e os hábitos tribais que resistem ao tempo servem de pano de fundo às reuniões e discussões com visitantes, pesquisadores, estudantes e amigos do local.
Todo esse manancial de cultura deverá ceder espaço ao projeto de Expansão Urbana Noroeste, mais um novo bairro direcionado à classe média alta do Plano Piloto. À frente do empreendimento estão José Roberto Arruda e seu vice, o empresário do ramo imobiliário Paulo Octávio.
No dia 8 de março de 2008, os moradores do local organizaram o chamado Toré do milho, festividade em que agradecem ao Grande Espírito por mais uma colheita. Mais que uma festa, o evento torna-se um ato de resistência e fortalecimento para uma luta que se repete há 508 anos, agora na capital federal.
O filme "Toré-Celebração e resistência no Planalto Central", realizado por Eduardo Garcês, traz os cantos e os rituais indígenas mesclados às visões e reivindicações dos povos que ali residem e trabalham sua relação com a terra e com o cerrado.
Brasília – Cachimbos, chocalhos e cocares indígenas reunidos em um ritual religioso marcaram hoje (17) os dez anos da morte do índio pataxó hã-hã-hãe Galdino Jesus dos Santos. A cerimônia foi realizada no memorial construído em homenagem ao indígena, próximo à parada de ônibus localizada na avenida na Asa Sul de Brasília onde, em 1997, Galdino foi incendiado por jovens brasilienses enquanto dormia.
Pajés de diversas tribos indígenas organizados no Acampamento Terra Livre participaram da cerimônia. Eles limparam o local, rezaram e pintaram o monumento à Galdino, que estava coberto por pichações. Acompanharam o ato público cerca de 350 indígenas que percorreram a Esplanda dos Ministérios até o local do memorial. Muitos carregavam placas com nome de familiares que morreram em conflitos pela terra em todo o país.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) revela que, desde abril de 1997, mais de 250 índios foram assassinados em disputas relacionadas à falta de recursos naturais ou terra.
Na ocasião do assassinato, o índio Galdino dos Santos veio à Brasília reivindicar a anulação de títulos concedidos pelo governo à fazendeiros do estado da Bahia, que na década de 60 ocuparam a reserva do seu povo. Passados dez anos, um dos sobrinho do índio, o jovem Hairã Nunes de Souza, disse que desde a morte do tio pouca coisa mudou na situação do povo Pataxó. “Continuamos querendo nossa terra. De lá tiramos nossa fonte de vida. Queremos viver e morrer em paz, sem mais mortes”.
O representante do Cimi na Bahia, Haroldo Heleno, explica que a disputa entre índios e fazendeiros pelo território Hã-hã-hãe têm ocasionado mortes na região desde a década de 80. “Quando o povo Pataxó retomou a luta pelo seu território, 19 lideranças foram assassinadas. Isso demonstra o grau de violência e desrespeito dos fazendeiros e do governo, que se omite na função de proteger a etnia”. De acordo com Heleno, os fazendeiros da região utilizam a região para plantação de cacau e para a pecuária.
O líder da etnia Pataxó Hã-hã-hãe presente na manifestação desta tarde, o cacique Pataxó Reginaldo Rodrigues, denuncia que mortes e ameças acontecem com frequência na aldeia. “Os fazendeiros sempre mandam pistoleiros para matar os índios. Muitas vezes falam para gente sair, mas, como somos resistentes, ficamos”. E acrescentou: “Nós morremos todos, mas não saímos de lá”.
A reserva Caramuru-Catarina-Paraguaçu se localiza a 250 quilômetros de Salvador. Tem atualmente 54 mil hectares e é habitada por cerca de 2,8 mil índios. Segundo informações do Cimi, o processo de nulidade de títulos está há 24 anos sem julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Como parte das atividades do Acampamento Terra Livre, os índios devem se reunir com a ministra presidente do STF, Ellen Gracie, na quinta-feira (19), Dia do Índio. O objetivo é pedir pressa nos julgamentos que envolvem territórios indígenas em todo o país.
Técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal avaliaram hoje (1) em cerca de três quilômetros a extensão da mancha de óleo no Lago Paranoá, em Brasília.
O primeiro acidente ambiental com produto derivado de petróleo da história do lago resultou de derramamento do impermeabilizante CM30, utilizado para pavimentar a área de estacionamento nas obras de construção de um hipermercado. As primeiras análises indicaram que a contaminação está na superfície.
O chefe de fiscalização do Ibama, Antonio Wilson, explicou que o órgão está acompanhando as ações da empresa contratada para a limpeza do lago e cobrando medidas preventivas da empresa de engenharia responsável pela obra no bairro do Lago Norte.
A época de chuvas em Brasília, segundo Wilson, é motivo de preocupação: “Ainda existe material na superfície da obra, então existe o risco de o problema aumentar". Ele explicou que já foram colocadas, no lago, barreiras de contenção e bóias especiais que absorvem o produto tóxico. E que o trabalho de limpeza deverá estar concluído em até quatro dias, dependendo das condições meteorológicas.
De acordo com o Ibama a obra do hipermercado ficará embargada até que o problema esteja solucionado. A multa à empresa de engenharia e ao contratante da obra ainda não foi definida. Poderá variar de R$ 1,5 mil a R$ 50 milhões.
Informações Rota Brasil Oeste
A obra em questão é de responsabilidade da rede de supermercados Carrefour e executada pela construtora Orca. A construção já havia sido embargada pela Justiça Federal, em setembro de 2006, por meio de ação civil pública ajuizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em comemoração aos 45 anos da construção de Brasília, o Palácio do Planalto apresenta ao público a exposição "Missão Cruls – Uma Trajetória para o Futuro". Aberta de 14 a 29 de abril, no salão térreo do Palácio do Planalto, a exposição vai mostrar, em painéis, os fatos históricos que levaram à interiorização da capital do Brasil e à criação de Brasília, em 1960.
Um dos principais momentos retratados na mostra é a Expedição Missão Cruls, comandada pelo cientista belga Luiz Cruls, em 1892, com o objetivo de elaborar um relatório completo sobre o Planalto Central "para o estabelecimento da futura capital brasileira". Em sete meses de trabalho, a expedição fez um levantamento na região sobre topografia, clima, hidrografia, geologia, fauna, flora, recursos minerais e materiais existentes no Planalto Central.
A expedição trilhou cerca de 4 mil quilômetros pelos caminhos dos índios, bandeirantes, escravos e mineradores. Ela partiu do Rio de Janeiro, por via férrea, foi até a cidade mineira de Uberaba, de onde prosseguiu rumo ao Centro Oeste. A iniciativa partiu do presidente Floriano Peixoto.
Todo o resultado do trabalho da Missão Cruls foi apresentado em 1894, no Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil. O documento, que trás mapas da região percorrida e fotografias, é considerado o mais completo relatório do Brasil Central e o primeiro Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da história.
"Transferir a capital brasileira para Brasília fez mudar o eixo de uma nação inteira: o eixo da economia, da política, da sociologia e da ocupação territorial. Por mais esquisita que Brasília seja, como afirmam os estrangeiros, ela não é esquecida por ninguém. Brasília é fruto de toda essa trajetória", disse o professor da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Jorge, coordenador da exposição.
A idéia da interiorização da capital é antiga. O primeiro registro da idéia da transferência ocorreu em 1789, uma reivindicação dos inconfidentes, informou Pedro Jorge
A exposição "Missão Cruls – Uma Trajetória para o Futuro" será exibida em 11 capitais brasileiras. Ela já esteve no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e Curitiba. Depois de Brasília, a mostra segue para Vitória, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Recife, Teresina e São Luis.
Um filhote de gato palheiro (ou gato dos pampas, como é conhecido popularmente) foi resgatado pela equipe do setor de Fauna do Ibama DF na última quinta-feira, 23.
A ação aconteceu logo após telefonema de um morador do Recanto das Emas, cidade satélite do Distrito Federal. O animal, encontrado amarrado com uma fita vermelha na varanda da casa, foi imediatamente encaminhado ao Zoológico de Brasília.
De acordo com a chefe do serviço de mamíferos do Zoológico, a veterinária Tânia Borges, o filhote de aproximadamente dois meses chegou desidratado, com vômito e diarréia, e está recebendo tratamento em tempo integral.
Na avaliação dos biólogos do Zôo e do Ibama, o gato está muito dócil. Como isso não é próprio da espécie, eles acreditam que o animal já vinha tendo contato com humanos.Segundo o biólogo do Ibama DF Alexandre David Zeitune, há muito não se tem registro desta espécie na região Centro-Oeste. "E é uma espécie em extinção" acrescenta. Como as ninhadas da espécie são de dois ou três filhotes, Zeitune acredita que haja outros.
Caio Aleixo Nascimento, biólogo do Ibama, chama atenção para a importância desse aparecimento. "É uma raridade". Ele recorda que o gato palheiro foi muito caçado nos anos 70. "Eram sacrificados em torno de duzentos a trezentos animais para selecionar cinqüenta peles para se fazer um casaco. As peles eram exportadas e os casacos feitos lá fora."
Segundo Nascimento, há oito anos uma fêmea da espécie foi encontrada nas proximidades de Taguatinga e depois encaminhada ao Zoológico de São Paulo.
O filhote de 340 gramas e 34 cm de comprimento será cuidado pela equipe do Zoológico até que se recupere e não poderá ser visitado pelo público. Sua destinação vai depender do que decidir a comissão de especialistas do Centro Nacional de Animais Predadores – Cenap/Ibama.
No Brasil essa espécie tem como habitat a região dos Pampas, no Rio Grande do Sul, o Pantanal, o Cerrado e a Mata Atlântica. Ele se alimenta de pequenos mamíferos e aves terrestres.