A Câmara dos Deputados encerrou hoje a polêmica sobre o plantio de sementes transgênicas e pesquisas com células-tronco embrionárias no país, e aprovou, por 352 votos contra 60, o projeto de lei de Biossegurança, que segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e só pode ser modificado caso o Executivo decida vetar algum ponto.
A votação durou mais de cinco horas e, após a aprovação do texto principal, os deputados rejeitaram três destaques que pretendiam retirar do texto a autorização para pesquisas com células-tronco embrionárias e promover mudanças na fiscalização do plantio de transgênicos no país.
O projeto mantém o texto também aprovado pelo Senado Federal, no ano passado. e permite a utilização para pesquisa de embriões que estejam congelados há mais de três anos em clínicas de fertilização, mas veda a clonagem humana e a clonagem de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica. Na primeira votação na Câmara, os deputados rejeitaram a autorização para a pesquisa com as células embrionárias. Hoje, decidiram rejeitar o destaque que retirava do texto essa permissão.
Segundo o médico Drauzio Varella, as células-tronco são as únicas com potencial para se transformarem em qualquer tecido do corpo, de músculos a neurônios – e cada uma pode se multiplicar em milhões de outras células: "Nós temos milhares de óvulos já congelados nas clínicas de fertilização que não serão utlizados para mais nada, porque não servem mais para fertilização, mas servem para fazer trabalhos com células-tronco. A questão é jogar no lixo ou permitir que os cientistas usem isso para aliviar o sofrimento humano".
A cientista Mayana Zats, da Universidade de São Paulo (USP), elogiou a aprovação do projeto de lei e ressaltou que as pesquisas com células embrionárias deverão ser submetidas às comissões de éticas das universidades antes de serem autorizadas. "A aprovação é um passo gigantesco para iniciar as pesquisas com células embrionárias. Qualquer pesquisa tem que passar por um comitê de ética. Não é qualquer um que poderá executá-la", afirmou.
Para o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, as universidades brasileiras têm competência para realizar pesquisas com células-troncos embrionárias: "As universidades têm que ser apoiadas por um marco regulatório como esse, e com recursos para que as pesquisas possam avançar e responder a cinco milhões de brasileiros que estão hoje olhando para o Congresso e aguardando essa votação".
A Lei de Biossegurança também regulamenta o plantio, comercialização e pesquisas com sementes transgênicas – uma das principais bandeiras da bancada ruralista do Congresso Nacional. O texto atribui à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável por liberar a venda de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), a competência para decidir sobre as sementes transgênicas que poderão ser produzidas no país. Dois destaques apresentados pelo PT tentaram retirar a prerrogativa de controlar os transgênicos da CTNBio, mas eles acabaram derrubados pelos parlamentares.
O projeto determina que a Comissão vai ter que submeter suas decisões ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Agência Nacional de Saúde (Anvisa), que poderão entrar com recursos para questionar as decisões da CTNBio no prazo de até 30 dias contados a partir da publicação do parecer técnico da comissão. O Conselho Nacional de Biossegurança vai ter 45 dias para apreciar os recursos. O projeto também determina que produtos transgênicos sejam identificados em seus rótulos para que o consumidor possa ter claro conhecimento do que está comprando. As lavouras de sementes transgênicas e naturais terão que ser separadas de acordo com o texto.
Intensas negociações antecederam a votação da lei de Biossegurança. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, recebeu ao longo da semana religiosos, ministros, parlamentares, cientistas, médicos e portadores de doenças degenerativas com posições distintas sobre a lei. Severino Cavalcanti havia assumido ontem o compromisso de colocar a matéria em votação, mesmo sem defender as pesquisas com células embrionárias. Acabou convencido pela própria filha, a deputada estadual de Pernambuco Ana Cavalcanti (PP), que fez um apelo para que o pai não dificultasse a aprovação das pesquisas. "Como religiosos que somos, eu disse ao meu pai que era importante aprovar a biossegurança para salvar vidas. Eu disse que só voltaria a Pernambuco depois de ver o projeto aprovado", afirmou a deputada.
Severino Cavalcanti, no entanto, preferiu se ausentar do plenário depois que a matéria foi colocada em votação. Ele cedeu o lugar ao primeiro-vice presidente da Câmara, deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL), que presidiu a sessão. Além do debate sobre as células-tronco, o deputado Severino Cavalcanti também recebeu hoje o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, para discutir a questão dos transgênicos.
Segundo Rodrigues, o essencial do projeto é garantir uma legislação definitiva sobre o tema: "A vantagem não é econômica ou social, mas sim que o Brasil passa a ter uma regra clara sobre o assunto, que acaba com discussões, debates e com uma enorme pertulha sobre a questão que não interessa a ninguém. O importante é o marco legal. Isso que é fundamental".