Conferência Terra e Água termina após participação de 40 movimentos e 9 mil militantes

A Conferência Nacional Terra e Água reuniu nove mil trabalhadores, durante os quatro dias de debate, em Brasília. Conseguiu, pela primeira vez, unir mais de 40 entidades representativas de movimentos sociais, que lutam pela causa da posse da terra e do uso racional dos recursos hídricos.

Além disso, elaborou um documento, o Manifesto da Terra e da Água, a ser entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, com as reivindicações de todos. Nele, há uma crítica ao modelo econômico do governo e ao modelo agrícola desenvolvido no Brasil. A principal reivindicação é pela Reforma Agrária.

"No documento, pedimos ainda acesso à terra, à uma energia que não agrida o meio ambiente, distribuição de renda e respeito à natureza. O manifesto chama a atenção para o problema da política econômica do governo, porque é um dos entraves para o desenvolvimento de uma economia voltada para o mercado interno, para o desenvolvimento interno e não para as exportações", disse o representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isidoro Revers.

Isidoro disse que a expectativa dos grupos presentes foi superada, tanto do ponto de vista da quantidade de participantes quanto da qualidade das discussões. O evento se encerra com uma marcha, que seguiu do Ginásio Esportivo Nilson Nelson até o Banco Central.

Manifesto da Conferência Nacional Terra e Água pede urgência na reforma agrária

A Conferência Nacional Terra e Água termina hoje, em Brasília, e o manifesto que será entregue ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva já está pronto. Ele foi lido, pela manhã, para os cerca de nove mil participantes, entre trabalhadores rurais, atingidos por barragens, quilombolas, ribeirinhos e indígenas. Segundo o documento, foi reafirmada, durante a conferência "a necessidade urgente de uma reforma agrária ampla, massiva e participativa".

Além disso, o texto diz que é "fundamental e urgente a democratização do acesso à terra, com a garantia da autonomia dos territórios das populações tradicionais, fortalecendo a agricultura familiar e camponesa, garantindo o direito à água, ao acesso aos recursos naturais, à produção de alimentos saudáveis, à soberania alimentar e à preservação da biodiversidade".

As mais de 40 entidades que produziram o manifesto se comprometem "a buscar uma relação diferente, respeitosa e integral, com a terra, a água", por meio da luta por mudanças na estrutura fundiária. "A luta e o compromisso dos participantes da Conferência Nacional Terra e Água são pela construção de um projeto de sociedade justa, igualitária, solidária, democrática e sustentável", afirma o documento.

Ao longo do texto os manifestantes acusam "a política formulada no governo FHC e mantida no governo Lula" como a principal causa do agravamento da situação social e da degradação ambiental. Segundo o documento, a pobreza e a desigualdade foram mantidas, além de taxas de desemprego insustentáveis. Como conseqüências do modelo, cita a marginalização, criminalidade, impunidade e insegurança e exemplifica com casos como o assassinato de sem-terra em Minas Gerais e os crimes contra os indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol.

De acordo com o documento, "é fundamental a realização de uma mudança profunda na atual política macro-econômica, reduzindo as taxas de juros e o superávit primário" (relação entre receita e despesa do governo), utilizando os recursos para a geração de empregos e expansão de serviços públicos.

Pequenos agricultores criticam modelo que prioriza o agronegócio

Durante a Conferência Nacional Terra e Água, realizada em Brasília, os pequenos agricultores criticaram a hegemonia do agronegócio no país. Segundo o coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Romário Rossetto, o agronegócio gera 5% dos empregos no Brasil, enquanto a maioria, 84% deles, é gerado pela agricultura familiar.

"A produção dita do agronegócio em propriedades acima de mil hectares é de 21% no caso da soja. Enquanto nas que têm até 100 hectares são produzidas 32% da soja do país. O agronegócio desemprega pelo uso de altas tecnologias, substituindo a mão-de-obra familiar", ressalta Romário Rossetto. Ele acrescenta que o problema da posse da terra no Brasil não está só no desenvolvimento agrário mas na política econômica do governo federal.

Paulo Kageyama, diretor do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente, diz que houve uma priorização do governo em relação ao nivelamento da balança comercial para que "as contas ficassem melhor", gerando assim o superávit primário. "Estamos fazendo todo o empenho para que o lado da agricultura familiar seja visível também. Sempre pareceu que este lado era pouco produtivo, o que não é verdade. A produção de alimentos no Brasil é feita basicamente pela agricultura familiar", reforça.

Kageyama concorda com a discrepância de empregos gerados e disse que cinco milhões de agricultores vivem da agricultura familiar no campo, enquanto há 500 mil grandes propriedades. "São 10% contra 90%. A grande maioria das propriedades é de agricultura familiar", acrescenta.

Ele diz ainda que a luta dos movimentos sociais na conferência é importante para fazer frente à força do agronegócio. "Estamos dando total apoio a esta mobilização. Esperamos que haja um contrabalanceamento, que este segmento [agricultura familiar] tenha muita importância também, porque socialmente é muito importante e cria empregos", defende.

Trabalhadores rurais usam conferência para exigir pressa na reforma agrária

No primeiro dia da Conferência Nacional Terra e Água, os discursos de abertura fizeram jus ao lema do encontro: Reforma Agrária, Democracia e Desenvolvimento Social. Líderes e defensores do movimento rural reivindicaram agilidade do governo federal no processo de assentamento das famílias.

terra_agua_1.jpg"As ocupações de terra vão ocorrer enquanto não houver reforma agrária", avisou o coordenador-nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), João Paulo Rodrigues. "Se o governo não mudar a sua política econômica, liberar um maior volume de recursos para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, possivelmente o governo, além de não cumprir a meta para este ano, não conseguirá assentar as famílias acampadas."

Os agricultores convidaram o presidente Lula para participar da Conferência na manhã deterça-hoje. A chegada do presidente está prevista para às 9h. Na quinta-feira, um documento com as conclusões do encontro será entregue ao Palácio do Planalto. No mesmo dia, o MST planeja uma série de manifestações em frente às unidades do Banco Central de todo o país.

"O MST vem a público pedir que o governo Lula mude toda a sua política econômica e mude também toda sua equipe. Não conseguimos avançar a política de crédito no Brasil", afirma o coordenador-nacional do MST. "Além dos juros altos, temos uma política de superávit primário que retira recursos das áreas sociais, fazendo com que o Incra continue sucateado e as metas não sejam alcançadas."

Até outubro, o governo havia assentado 66 mil famílias ano, pelos cálculos do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Outras 26,7 mil estão com o processo em andamento. A meta do Plano Nacional de Reforma Agrária é assentar 115 mil famílias em 2004.

"Estamos com estoque de terra para o assentamento de 92 mil famílias", revelou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto. Em discurso, ele pediu apoio dos trabalhadores. "Vocês não são adversários, são parceiros. Trabalhamos muitos e sabemos que temos muito trabalho pela frente."