Senado aprova projeto do novo Código Florestal

Greenpeace.org.br

Um dia depois de o Inpe divulgar o menor índice de desmatamento da Amazônia já registrado, o Congresso reanimou a sanha da motosserra. Foi em ritmo de atropelo, sob pressão ruralista e o tácito consentimento do governo, que a proposta que acaba com a proteção florestal foi aprovada hoje no Senado. Com 59 votos a favor e 8 contra, o novo Código Florestal foi adiante ainda carregando brechas para mais desmatamento e anistia a desmatadores.

Uma das últimas esperanças para a preservação da floresta, a emenda que pedia uma moratória de dez anos para o desmatamento na Amazônia teve apoio na plenária, mas foi rejeitada com o presidente da mesa, José Sarney (PMDB-AP), encerrando rapidamente a votação.

Votaram contra a desfiguração da lei e honraram o compromisso com seus eleitores apenas os senadores Marcelo Crivella (PRB/RJ), Cristovam Buarque (PDT-DF), Marinor Brito (PSOL-PA), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Lindbergh Farias (PT-RJ), Paulo Davim (PV-RN), Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e João Capiberibe (PSB-AP).

Não houve surpresa, infelizmente. O projeto de lei aprovado é o reflexo dos anseios ruralistas – ainda que não tão explícito quanto era quando saiu da Câmara dos Deputados – e foi transformado, em vez de uma lei ambiental, em mais uma lei de uso agropecuário do solo. Em breve, o Código Florestal, como legislação ambiental mais avançada do mundo, passará a ser um instrumento para ruralista ligar a motosserra.

“O texto aprovado é muito ruim. Ele abre brechas para o avanço do desmatamento sobre as florestas, e esse estrago já causou prejuízos, como no caso do estado do Mato Grosso”, explica o diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace, Paulo Adario. Alertado e pressionado pelas organizações da sociedade civil, o governo foi a campo e conseguiu evitar que aquela explosão continuasse.

“O índice de desmatamento, em queda nos últimos anos, tem de ser mantido. E o governo precisa mostrar que de fato tem um plano sustentável para o país, como já disse a presidente Dilma tantas vezes”, diz Adario.

Em plenário, os senadores falaram em um consenso sobre o texto, mas essa é mais uma manobra da bancada ruralista para convencer a presidente de que não é necessário tomar nenhuma atitude contra o projeto. Isso só fica assim se ela se fizer de surda para os apelos de todos os demais setores da sociedade.

O texto agora volta para votação pelos deputados, onde espera-se que o trâmite seja rápido (afinal, os ruralistas querem é que ele seja aprovado logo mesmo), para então passar para as mãos da presidente.

Ritmo de motosserra

O processo de reforma do Código Florestal foi conduzido de forma totalmente desigual. Depois de ser costurado pelos ruralistas na Câmara por um ano e meio, o Senado teve apenas seis meses para apresentar um relatório final. Com pressa tal, o debate foi atropelado e os senadores não deram o devido valor à contribuição da ciência e das organizações da sociedade civil, argumento que tanto usaram para mostrar que naquela Casa o nível da discussão seria diferente.

Enquanto as vontades ruralistas eram plenamente acatadas pelos relatores, as recomendações de cientistas, juristas, ambientalistas e demais organizações, além de 1,5 milhão de brasileiros foram solenemente ignoradas.

“Os cientistas e o Ministério Público já disseram que esse Código Florestal não é bom para o meio ambiente e será questionado juridicamente. Para que não haja um desastre ambiental no país, a presidente Dilma deve cumprir suas promessas de campanha, contra a anistia e o desmatamento, e vetar o projeto”, afirma Adario.

Propostas em tramitação no Congresso ameaçam direitos indígenas e meio ambiente

Uma verdadeira enxurrada de projetos em tramitação no Congresso Nacional está ameaçando os direitos indígenas e as leis de proteção ao meio ambiente. Entre vários outros pontos, as propostas pretendem limitar a criação de novas áreas protegidas, dificultar o processo de criação de Terras Indígenas (TIs) e flexibilizar a legislação florestal. O perigo também está presente em proposições bem intencionadas de autoria do governo, mas que podem acabar sendo usadas para modificar leis já consagradas como conquistas da cidadania.

O risco é ainda maior se for considerada a atual correlação de forças internas dentro do Congresso. Desde a eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara, o parlamento consolidou uma forte tendência conservadora, presente desde o início das alianças políticas estabelecidas pelo governo Lula. A aprovação da Lei de Biossegurança e a crescente influência da bancada ruralista e do setor do agronegócio sobre o Palácio do Planalto podem ser apontados como sinais claros do fenômeno. Saiba mais.

Alguns dos projetos – caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/99, que pretende dificultar a criação de novas TIs ao atribuir ao Senado a responsabilidade de aprovar as demarcações – podem ser votados a qualquer momento. “Com o cenário que existe hoje, essas propostas dão margem à perda de alguns direitos”, confirma Ricardo Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Ele explica que vários dispositivos jurídicos que podem ser modificados nem chegaram a ser regulamentados. “Além da posição negativa que o Congresso assumiu para a concessão de direitos, a Constituição não tem mecanismos específicos que possam impedir a sua retirada”.

Verdum avalia que os povos indígenas correm mais perigo em virtude da fragilidade política de suas organizações. “A maior ameaça é a tentativa de dificultar a criação de novos territórios indígenas e até de diminuí-los”, comenta. Ele considera que é preciso haver uma aliança estratégica entre entidades ambientalistas, mais organizadas e influentes, e o movimento indígena.

A força dos grupos de interesse no Congresso

As principais propostas contra os direitos indígenas e as leis ambientais vêm de grupos de interesse que ultrapassam os limites definidos pelos programas partidários ou pela bancada estadual. Alguns desses segmentos têm uma coordenação influente e, com a eleição de Severino Cavalcanti e a conseqüente fragilização do governo, ampliaram ainda mais seu poder de pressão.

A bancada da região amazônica, por exemplo, conquistou, neste ano, as presidências de comissões parlamentares importantes. A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável está sendo chefiada pelo deputado Luciano Castro (PL-RR) e a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional está sob o comando da deputada Maria Helena (PPS-RR). Em artigo publicado recentemente, Maria Helena afirmou que, “no Brasil, por enquanto, a política tem sido de criação de infinitas reservas indígenas e unidades de conservação. Todas com o viés do imobilismo e do esvaziamento”.

Outra bancada poderosa é a ruralista, composta por 166 deputados e 14 senadores, extremamente organizada e com grande prestígio. Por mais paradoxal que pareça, depois de passar por um período de esvaziamento, o grupo ganhou força com o governo Lula porque precisou se adaptar a nova conjuntura e foi obrigado a diversificar seu discurso e sua plataforma política.

“A bancada sofisticou sua atuação, incorporou reivindicações da agricultura familiar e conseguiu, assim, mudar a imagem retrógrada que tinha antes”, explica Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Ele conta que a adoção do nome de Frente Parlamentar de Apoio à Agropecuária (FPAA) faz parte dessa orientação.

Com a ampliação do seu programa político, muitos parlamentares não identificados com os grandes produtores ou com o latifúndio passaram a integrar a bancada ruralista. Eles não podem ser contados como votos certos contra as reivindicações do movimento indígena ou dos ambientalistas. Apesar disso, Queiroz considera que, por causa da boa articulação política e organização, o grupo continua tendo o segundo lobby mais forte do Congresso, só perdendo para a influência do próprio governo. O analista do Diap lembra também que os ruralistas adquiriram postos-chave na administração federal e têm ramificações em toda a base de apoio aliada.

“Existe hoje uma estratégia muito bem estruturada, contando com o apoio da mídia, de associar os ambientalistas e, mais especificamente, a figura da ministra Marina Silva à tentativa de frear o desenvolvimento nacional”. Queiroz confirma também que a FPAA ganhou ainda mais força com a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara. “O cargo confere poderes sobre a tramitação dos projetos e a pauta. Além disso, o PP tem o maior número de parlamentares no grupo”.

A bancada ruralista é responsável, por exemplo, pelo maior número de emendas ao Projeto de Lei (PL) nº 4776/05, enviado ao Congresso em regime de urgência constitucional como parte do pacote ambiental anunciado pelo governo, em fevereiro. A proposta pretende regulamentar a gestão de florestas públicas, mas pode servir também como brecha para modificações que significariam retrocessos.

Várias emendas encaminhadas ao PL pretendem modificar o Código Florestal, diminuindo, por exemplo, a chamada Reserva Legal de cada propriedade – aquela área mínima na qual deve ser mantida a vegetação original. Outras emendas propõem que o poder de controlar as atividades produtivas nas florestas, inclusive as atividades em matas nativas, seja retirado do Ministério do Meio Ambiente. Neste caso, a atribuição seria transferida para o Ministério da Agricultura, hoje fortemente influenciado pelo setor do agronegócio.

“O movimento socioambiental precisa criar uma frente permanente que possa dialogar com as principais lideranças parlamentares, inclusive os presidentes da Câmara e do Senado, para expressar sua preocupação e exigir mais cautela na apreciação dos projetos”, defende André Lima, advogado do ISA. Ele considera que o governo mostra pouco interesse pelos temas socioambientais e que a desarticulação da base aliada torna o quadro político ainda mais difícil no Congresso.

Conheça os principais projetos que ameaçam os direitos indígenas e o meio ambiente no Congresso Nacional

:: Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/99 – De autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), o projeto limita em 50% a área total de cada estado brasileiro passível de ser transformada em Unidade de Conservação (UC) ou Terra Indígena (TI). Além disso, pretende dificultar e até inviabilizar a criação de novas TIs ao atribuir ao Senado a competência de aprovar o processo de demarcação. A proposta já foi retirada de pauta em virtude da pressão exercida por uma campanha da sociedade civil, em 2003, mas voltou à ordem do dia e pode ser votada a qualquer momento.

:: Projeto de Lei (PL) nº 4776/05 (Gestão das Florestas Públicas) – Enviado ao Congresso Nacional em regime de urgência constitucional em fevereiro, como parte do pacote ambiental anunciado, o projeto estabelece regras para a gestão de florestas públicas, prevê a criação do Serviço Florestal Brasileiro e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Segundo o projeto, não serão destinadas à concessão as áreas onde já existam comunidades tradicionais, assentamentos florestais, projetos de desenvolvimento sustentável, reservas extrativistas, áreas prioritárias para criação de unidades de conservação e unidades de conservação de proteção integral. As entidades ambientalistas temem que a bancada ruralista inclua mudan

ças que signifiquem retrocessos na legislação vigente.

:: Projeto de Lei (PLS) 188/04 – Também determina que a demarcação das terras indígenas seja submetida à aprovação do Senado e prevê a convocação do Conselho de Defesa Nacional caso a área esteja localizada em faixa de fronteira. O senador Delcídio Amaral (PT-MS), atual líder do PT, é um dos autores da proposta, que prevê ainda que sejam “anulados todos os procedimentos de demarcação em curso” na data de sua publicação. O PL também pretende impedir que terras retomadas – “objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito indígena de caráter coletivo” – entrem em processo de demarcação por dois anos, ou pelo dobro deste prazo, em caso de reincidência.

:: Medida Provisória (MP) 239/05 – Também enviada ao Congresso Nacional como parte do pacote ambiental de fevereiro, “interditou” e destinou para estudos, com o objetivo de criar de novas unidades de conservação, 8,2 milhões de hectares na região da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Existe o receio de que a bancada ruralista tente se aproveitar da tramitação da MP para aprovar mudanças prejudiciais à Lei 9.985/00, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e é uma das mais importantes legislações socioambientais do País.

:: PL de Conversão nº 10/01 (converte a Medida Provisória 2166-67/01) – Altera o Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/65), reduzindo o percentual de Reserva Legal no cerrado amazônico, de 35% para até 20% de cada propriedade, dependendo do Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE). Também desobriga os proprietários rurais a recuperar sua reserva na Mata Atlântica. De autoria do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), a proposta também foi objeto de uma grande mobilização do movimento socioambiental, em 2001. Apesar dos protestos de centenas de organizações, o projeto foi aprovado em comissão mista. Depois, foi engavetado por decisão do presidente Fernando Henrique Cardoso, da mesa e dos líderes da Câmara. Durante sua campanha eleitoral para a presidência da Casa, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) teria assumido o compromisso com a bancada ruralista de colocar a proposta em votação.

Entenda a MP dos transgênicos

Brasília – Em 2003, o governo editou uma medida provisória (MP) autorizando a comercialização da soja transgênica plantada irregularmente em todo o país naquele ano. A MP estabelecia que o produtor de soja deveria informar se os grãos eram transgênicos ou não, além de assinar um Termo de Responsabilidade e Ajustamento de Conduta. Os produtores que não fizessem a declaração poderiam ficar sem direito a crédito rural e à prorrogação de dívidas, por exemplo.

Em seguida à edição da MP, o governo encaminhou ao Congresso o projeto da Lei de Biossegurança para regulamentar a pesquisa e a comercialização de organismos geneticamente modificados.

A lei, aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro, também cria o Conselho Nacional de Biossegurança, órgão vinculado à Presidência da República, que tem o poder de autorizar, em última instância, as atividades que envolvem o uso comercial dos transgênicos e seus derivados.

No dia 16, quinta-feira, durante o último esforço concentrado do Congresso, os senadores adiaram a votação da lei para outubro. No dia anterior, uma sessão conjunta das três comissões técnicas do Senado – de Constituição e Justiça, Assuntos Econômicos e Assuntos Sociais – já havia aprovado o projeto.

Como o texto da lei de Biossegurança foi modificado pelos senadores, o projeto terá que, depois de aprovado, voltar à Câmara. O Congresso deve voltar ao ritmo normal de votações somente depois das eleições municipais, no dia 3 de outubro. Os agricultores alegam que não podem esperar pela regulamentação da lei porque o plantio da soja começa já no início do próximo mês.

Ainda na quinta-feira, o governo afirmou, em nota divulgada à imprensa, que não pretende editar nova MP, apesar de reconhecer o esforço do Senado para aprovar o projeto de Biossegurança.

No dia seguinte, no entanto, o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB-RS), afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editará na próxima semana a MP dos transgênicos. “O presidente disse que não gostaria de editar uma medida provisória apenas prorrogando os efeitos da anterior. Ele quer levar para esta medida provisória o resultado do acordo fechado no Senado e que só não foi aprovado por falta de quórum”, afirmou o governador, depois de se reunir com o presidente no Palácio do Planalto.