ndios acampados em Brasília pedem política coerente e digna

O principal objetivo do 3º Acampamento Terra Livre é discutir formas para garantir os direitos dos povos indígenas, segundo um dos diretores da organização não-governamental (ONG) Centro de Trabalho Indigenista, Gilberto Azanha. A mobilização indígena começou hoje (4) e prossegue até amanhã. Participam cerca de 500 lideranças de mais de 120 povos em 20 estados, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Durante o encontro serão debatidos os problemas da terra, da saúde, da biodiversidade e a falta de políticas públicas especificas. De acordo com Azanha, os participantes vão cobrar do governo uma política indigenista "mais coerente e digna".

"A questão dos direitos indígenas está cada vez mais complicada. A questão de saúde a mídia já divulgou bastante como está: precária. Os direitos indígenas não são feitos para serem negociados, mas para serem levados em conta e efetivados", afirmou Azanha.

Melhores condições de atendimento à saúde da população indígena permanecem como uma das principais reivindicações das lideranças. O líder Marcos Luidson, do povo Xucuru que habita Pernambuco, defende maior participação dos índios na elaboração das políticas de saúde.

"Um primeiro passo seria o fortalecimento de autonomia dos distritos indígenas, onde os conselhos distritais de saúde pudessem ter autonomia plena para definir a gestão da saúde dos povos indígenas", aponta. Essa foi também a principal reivindicação da 4ª Conferência Nacional da Saúde Indígena, que terminou sexta-feira passada em Rio Quente (GO).

Luidson também defende que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) crie um grupo dentro da instituição que tenha a participação dos indígenas no controle social das ações e do uso dos recursos. "A Funasa não está correspondendo com a necessidade das populações indígenas; deixa muito a desejar e permite a quase municipalização dos serviços, sem o controle social os recursos não chegam nas bases da forma que deveria chegar", diz ele.

A criação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), aprovada por decreto presidencial no dia 23 do mês passado, é apontada como uma conquista pelos índios. Agora, eles aguardam a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que fará parte do Ministério da Justiça. "O conselho vai unificar nossas propostas, de modo a inserir os povos indígenas na discussão de políticas especificas", diz o líder xucuru.

A realização do 3º Acampamento Terra Livre faz parte do Abril Indígena, assim chamado por causa das intensas manifestações que ocorrem ao longo do mês. Na quinta-feira (6), indígenas participarão de uma audiência pública no Senado Federal para tratar da situação dos direitos dos povos no país.

Guarani-Kaiowá diz que conflitos em Dourados devem continuar

Até que se resolva a demarcação e homologação de terras guarani-kaiowá na localidade de Porto Cambira em Dourados (MS), os conflitos devem continuar. É que o prevê o líder indígena Anastácio Peralta, em entrevista à Agência Brasil. No dia 1º, dois policiais civis foram assassinados a tiros, pauladas e facadas por indígenas guaranis-kaiowá, segundo a Polícia Civil do estado.

"Essas violências vão continuar, ninguém vai ficar tranqüilo. Ali, onde os assassinatos aconteceram, é um lugar de conflito. Ainda é uma terra de confusão, que não está demarcada nem homologada", disse Peralta.

De acordo com o delegado Fernando Paciello Júnior, assessor de comunicação da Polícia Civil do estado, os índios teriam atirado nos policiais com armas tomadas dos próprios agentes. Para Anastácio Peralta, o fato de os policiais não terem se identificado como agentes da Policia Civil, de estarem armados e desacompanhados dos representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) teria assustado os índios.

Segundo o Guarani-kaiowá, os índios teriam confundido os policiais com jagunços. "Eles não se identificaram, foram por conta própria e por isso aconteceu isso. O fato de os índios reagirem assim revela medo, porque lá eles [os jagunços] matam mesmo. Lá tem jagunço e quando as pessoas chegam sem se identificar isso já é bastante suspeito. Aí, o pessoal reagiu também de uma forma bastante assustada".

Ontem, o presidente em exercício Fundação Nacional do Índio (Funai), Roberto Lustosa, considerou lamentável o assassinato dos policiais civis. Porém, alertou que os riscos poderiam ter sido menores se funcionários da Funai estivessem presentes. "Infelizmente, essa equipe [de policiais civis] adentrou o acampamento sem qualquer acompanhamento da Funai e sem qualquer aviso à nossa administração".

De acordo com Paciello Júnior, os policiais foram ao acampamento para procurar um suspeito de ter matado um pastor evangélico. Segundo Lustosa, os índios relataram que os agentes estavam à paisana e chegaram em carro sem identificação da Polícia Civil.

"Mesmo que a operação tenha sua legitimidade, na busca de supostos criminosos, não poderia ter havido sem que houvesse plena participação da Funai exatamente para evitar um conflito dessa ordem", avaliou. "Ninguém está aqui descriminalizando esses homicídios, mas, numa área de conflito como essa toda cautela é necessária para a condução de qualquer intervenção de agentes públicos de segurança que não sejam aqueles orientados pela Funai."

Quase um ano depois, não-índios continuam na TI Raposa-Serra do Sol (RR), homologada em abril de 2005

Dos mais de 220 posseiros existentes na área, apenas 52 foram indenizados por benfeitorias construídas de boa-fé. O governo diz que já tem os R$ 754 mil necessários para pagar outros 25 colonos cujos processos estão finalizados. Resta ainda terminar os processos de aproximadamente 145 posses, o que a Funai diz que vai fazer até o dia 15 do próximo mês. A retirada de todos os ocupantes promete arrastar-se ainda por vários meses e até anos.

O governo federal não vai cumprir a promessa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e oficializada em decreto assinado no ano passado de retirar, até o dia 15 de abril próximo, todos os posseiros da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A maior parte dos ocupantes sequer foi indenizada. A regularização fundiária do território de mais de 16 mil Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Macuxi e Patamona é propalada frequentemente pelo Palácio do Planalto como o maior trunfo da política indigenista da administração atual.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), de 2002 a 2005, dos mais de 220 ocupantes existentes na área (o número não é definitivo), apenas 52 foram indenizados por benfeitorias construídas de boa-fé. O governo diz que já tem os R$ 754 mil necessários para pagar outros 25 colonos cujos processos já estão finalizados. Resta ainda terminar os processos de aproximadamente 145 posses, o que a Funai promete fazer até o dia 15 de abril próximo.

A retirada de todos os ocupantes pode arrastar-se ainda por vários meses e até anos – tudo depende da agilidade administrativa, da disponibilidade orçamentária e do andamento de eventuais ações judiciais. Os posseiros podem não aceitar os valores oferecidos como indenização. Neste caso, o dinheiro é depositado em juízo e os ocupantes, de acordo com a legislação, podem ser retirados pelo governo. O problema é que principalmente a Justiça Federal local pode conceder liminares garantindo a permanência na TI. Sobretudo os grandes fazendeiros prometem uma longa batalha judicial por suas posses.

Peregrinação no Planalto

Na semana passada, 13 lideranças indígenas de Roraima estiveram em Brasília e fizeram uma verdadeira peregrinação por vários órgãos da administração federal – Casa Civil, Ministério da Justiça, Funai, Polícia Federal, Ministério do Exército – para encaminhar reivindicações sobre uma série de problemas em áreas como meio ambiente, saúde, educação, segurança e questão fundiária. A TI Raposa-Serra do Sol foi o primeiro ponto da pauta. Os representantes indígenas arrancaram a promessa de que a desintrusão (retirada de invasores) da área seria apressada e que a equipe responsável pelo processo seria ampliada. A PF também avalia a possibilidade de manter um contingente de policiais na região.

As lideranças acusam o governo de ter iniciado muito tarde o levantamento fundiário e a avaliação das benfeitorias: o trabalho só começou em setembro do ano passado. Segundo o coordenador-geral de Assuntos Fundiários da Funai, José Aparecido Donizete Briner, o treinamento da equipe responsável pela tarefa começou já em maio, mas logo em seguida a Fundação enfrentou uma greve de 40 dias. Burocracia e problemas administrativos, como a mudança nos procedimentos de algumas licitações, teriam atrasado ainda mais o processo. “Só para ter uma idéia, levamos 35 dias para alugar um carro. Honestamente, em termos de Funai, um ano é um tempo muito curto. Alguns processos como este levam anos”, justifica Briner. Ele garante que mais quatro técnicos devem se integrar ao trabalho nos próximos dias. Apesar de não informar valores, Briner diz que governo já tem disponível o dinheiro para indenizar todos os posseiros.

O advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), considera que os entraves burocráticos possivelmente impedirão que o governo cumpra a meta por ele mesmo estabelecida. “É incrível como o Estado não consegue realizar uma ação concentrada e articulada, mesmo quando o caso é identificado como prioridade política. Se houvesse planejamento estratégico, pelo menos para este caso – que é usado como bandeira da política indigenista do governo federal – as equipes de campo já estariam treinadas e com verba garantida para começar os trabalhos na semana seguinte à homologação, o que significaria que hoje a maior parte dos posseiros de boa-fé já estariam indenizados e fora da área”, defende. Valle ratifica a avaliação de que, com greves e desorganização, o caso possivelmente se arrastará por um longo tempo.

Clima tenso

Enquanto isso, segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o clima na região está mais tenso – com constantes ameaças da parte de grupos chefiados por grandes produtores rurais que se recusam a sair da área – à medida que se aproxima a data-limite fixada pelo decreto. O CIR divulgou a informação de que seis homens teriam entrado atirando para o alto na aldeia Cumanã I e ameaçando atear fogo nas casas, na manhã do último dia 9 de março. A PF abriu um inquérito sobre o caso. Segundo a organização indígena, os funcionários da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) responsáveis pelo trabalho de campo têm sofrido ameaças. Briner confirma a denúncia e informa que, na semana que vem, os técnicos do governo contarão com escolta da PF para chegar a algumas regiões.

“Desde meados do ano passado, a Raposa-Serra do Sol está sem nenhuma segurança. O posto da PF foi desativado. A situação está ficando mais tensa. Muitos fazendeiros dizem que não vão sair, que vão resistir a qualquer ação para retirá-los”, alerta Marinaldo Justino Trajano Macuxi, coordenador do CIR. Ele conta ainda que grandes produtores rurais estão assentando grupos de indígenas cooptados por eles em locais próximos às suas lavouras para tentar justificar sua permanência na TI e até mesmo a exclusão de trechos de seu território. “Esta situação só será resolvida com a desintrusão total de nossas terras”. O CIR também tem denunciado o apoio dado pelo governo e por parlamentares estaduais aos grandes fazendeiros com posses na área.

Em 17 de setembro do ano passado, alguns dias antes do início da festa pela homologação da TI, cerca de cem homens encapuzados e pintados, entre índios e não-índios, invadiram e destruíram a maior parte dos dois prédios do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, na comunidade do Barro, a aproximadamente 200 quilômetros de Boa Vista. Durante a invasão, quatro pessoas ficaram feridas. (saiba mais). No dia 22 de setembro, já durante as celebrações, a ponte de acesso à aldeia de Maturuca, centro dos festejos, foi parcialmente incendiada. A suspeita é que o crime teria sido cometido pelo mesmo grupo (confira).

ndios Kayabi ainda mantêm 14 homens e uma mulher reféns em Mato Grosso

Brasília – Os índios Kayabí libertaram 19 das 34 pessoas que mantinham como reféns desde a última terça-feira (13). Ficaram 14 homens e uma mulher, enquanto um grupo de trabalho formado por representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), entre eles o administrador regional para o Parque Xingu, Paiê Kayabí, está articulando as negociações.

De acordo com a Funai, os índios exigem uma reunião com o presidente do órgão, Mércio Pereira Gomes, com representantes da Polícia Federal, e com o procurador da República no estado de Mato Grosso para negociar a liberação dos demais reféns – madeireiros e invasores da terra indígena.

A Administração Executiva Regional (AIR) da Funai em Colider (MT), responsável pela terra indígena Kayabí, tentará marcar ainda nesta semana uma audiência com os índios na Câmara Legislativa da cidade de Alta Floresta para negociar a liberação dos reféns.

Declarada por portaria do Ministério da Justiça em 2002, a terra indígena Kayabí fica no Norte de Mato Grosso, ao Sul do Pará, e ocupa mais de 1 milhão de hectares, dividos em cinco aldeias onde vivem 300 índios. A demarcação da terra foi suspensa em 2004 devido a uma liminar concedida aos fazendeiros. Na Justiça, eles alegaram que a área destinada aos índios era muito grande e que o relatório da Funai não estava correto.

Apesar de interromper o processo de demarcação, a liminar impedia a entrada dos madeireiros nos limites das terras indígens, o que foi desrespeitado.

Em favor dos povos indígenas e suas terras contra o projeto genocida 188 de 2004

Caso o Senado vier aprovar o projeto de Lei 188 de autoria do senador Delcídio do Amaral, do PT do Mato Grosso do Sul e outros, estará se desencadeando um dos processos anti-indígenas mais vergonhosos e genocidas da nossa história. A projeto que visa estabelecer novos parâmetros para a demarcação das terras indígenas e outras providências, reflete, na verdade o mais crasso e rancoaroso processo anti indígena instaurado no país. Na prática a intenção é inviabilizar totalmente a demarcação das terras indígenas, com exceção de algumas migalhas que porventura  passarem pelo crivo dos novos responsáveis pela identificação e delimitação das terras indígenas. Trata-se, a rigor,de uma proposta inconstitucional, na medida que visa alterar as responsabilidades sobre o processo de regularização das terras indígenas, além de tentar impedir a presença indígena na faixa de 150 km da fronteira. Transfere o trabalho técnico de levantamento dos critérios constitucionais de demarcação, conforme artigo 231, para uma instância política.  Além disso está expresso no projeto uma criminalização da questão indígena e punição de seus aliados na luta por seus direitos, especialmente à terra.

É importante resgatarmos um pouco o processo do qual resultou esse projeto de lei. Ele tem sua origem num grupo de parlamentares notadamente anti-indígenas que constituíram comissões para analisar a questão dos conflitos fundiários envolvendo os povos indígenas. No senado o presidente da Comissão foi o senador Morazildo Cavalcante, de Roraima, conhecido pela sua atuação anti indígena. O relator da comissão foi o senador Delcídio, aqui do MS. Por ocasião da aprovação do relatório desta comissão, em junho deste ano,  o relator esteve em Campo Grande onde teve um grande debate com mais de 700 lideranças Indígenas e representantes do movimento social. Naquela ocasião o senador chegou a chorar e comprometeu-se publicamente  considerar as sugestões e propostas entregues, que eram na perspectiva de acelerar a demarcação das terras indígenas.  Ao invés  de cumprir sua palavras fez com que a proposta de projeto de lei seguisse na surdina e repentinamente fosse para a pauta para ser votado, sem que o movimento indígena e seus aliados e a sociedade organizada tomassem sequer conhecimento de seu conteúdo, muito menos fossem contemplados em suas sugestões. No apagar das luzes da atuação do Congresso nesse ano de 2004, numa nítida manobra para evitar a pressão da sociedade, quiserem consumar essa ato que jogariam a maioria das terras indígenas na vala comum, voltando tudo à estaca zero, e dificilmente a maioria delas sequer um dia seriam reconhecidas, demarcadas e respeitadas.

Portanto esse tipo de atitude é inaceitável sob todos os aspectos, sentindo-se o movimento indígena e todo o movimento social traído. Quando se esperava diálogo, transparência e debate, o que se viu foi uma ardida trama para fazer passar um projeto que envergonha o país e todas as pessoas de boa vontade que desejam construir um país de justiça, na pluralidade étnica,cultural e com igualdade social.

Além da retirada de pauta do projeto 188/2004 esperamos que se reabra um diálogo  eficaz e um debate amplo e participativo com os povos indígenas e os movimentos sociais. Só com a demarcação e garantia das terras indígenas a Constituição estará sendo cumprida e poderá haver paz e justiça no campo,  na certeza de que um outro Brasil e um outro mundo são possíveis.

Coordenação dos Movimentos Sociais do Mato Grosso do Sul

Projeto em tramitação no Senado pode mudar demarcação de terras indígenas

A demarcação de terras indígenas brasileiras pode passar por profundas mudanças caso seja aprovado, no Senado Federal, o projeto de lei que modifica as regras em vigor desde 1996 para o reconhecimento de propriedades indígenas no país. O projeto, que está previsto para ser votado até a próxima semana pelo plenário do Senado, estabelece que as demarcações sejam aprovadas pelos senadores e impede o reconhecimento de terras indígenas em localidades onde houver conflito de terra.

Atualmente, para que uma terra indígena seja demarcada oficialmente pelo governo, ela precisa do aval do ministro da Justiça e da Fundação Nacional do Índio (Funai). O ministro é quem efetivamente autoriza a demarcação depois de analisar os relatórios e pareceres técnicos elaborados por equipes da Funai que identificam pessoalmente as áreas a serem delimitadas. Antes de o ministro dar o parecer final, a Funai também abre um prazo para que pessoas contrárias à demarcação possam impugnar o processo caso apresentem a comprovação de irregularidades.

Segundo o Decreto 1.775/96, editado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Justiça tem a prerrogativa de acatar as análises da Funai e demarcar a terra, assim como pode impugnar o pedido ou determinar novas diligências para analisar melhor a região a ser delimitada. A homologação final da terra é feita pelo presidente da República, por meio de decreto. Toda a responsabilidade pela demarcação de terras fica a cargo da União.

Já o projeto de lei em tramitação no Senado inclui no processo a participação do Legislativo. O projeto não determina a autoridade competente para decidir sobre a demarcação, que hoje está a cargo do ministro da Justiça, mas obriga que a decisão passe pelo crivo do Senado para depois ser homologada pelo presidente da República. "Isso é inconstitucional. Uma atividade do Poder Executivo não pode estar condicionada ao Legislativo, muito menos a apenas uma das casas, como prevê o projeto. Se fosse o caso de o Legislativo interferir, seria o Congresso Nacional e não somente o Senado", criticou o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Paulo Guimarães.

O projeto também determina que se a área identificada para demarcação estiver localizada na faixa de 150 quilômetros de largura ao longo da fronteira brasileira, o presidente da República deve convocar o Conselho de Defesa Nacional antes de homologar a demarcação. "Temos aí mais uma inconstitucionalidade, já que, pela Constituição, o conselho é um órgão de consulta do presidente, e nenhuma lei pode tornar essa convocação obrigatória", ressaltou Guimarães.

Já o vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, afirma que o projeto "tem a intenção de reprimir movimentos legítimos dos povos indígenas, que ocupam de forma pacífica seus territórios tradicionais". Na avaliação de Feitosa, as terras indígenas só tiveram o procedimento de demarcação concluído depois de os índios efetivaram a posse de suas terras.

Se o projeto for aprovado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, todos os processos de demarcação de terras indígenas que estão em curso serão automaticamente cancelados para que se adequem às novas regras. O objetivo do cancelamento, segundo o senador Delcídio Amaral (PT-MS), é garantir que os processos em vigor sejam enquadrados nas novas regras estabelecidas pelo projeto.

O projeto também impede que as chamadas terras retomadas, onde há briga jurídica pela posse ou invasão motivada por conflito indígena coletivo, entrem em processo de demarcação por dois anos, ou pelo dobro deste prazo, em caso de reincidência. Na avaliação do senador, a proposta vai contribuir para reduzir os conflitos no campo.

Delcídio Amaral acredita que o principal benefício do projeto é garantir aos produtores rurais indenização pelas benfeitorias instaladas em terras que posteriormente forem demarcadas como indígenas. "O objetivo é disciplinar de alguma maneira a questão da demarcação, passando pelo Senado a sua homologação, e em um segundo ponto, buscando através de uma chicana (sutileza) jurídica a indenização não só das benfeitorias, mas da terra nua, imputando à União em caso de terras vendidas há décadas em função da migração, que respeite a Constituição. Se for verificado que é área indígena, você pelo menos terá condição de ressarcir os produtores rurais por tudo aquilo que eles investiram e por aquilo tudo que eles pagaram para a aquisição dessas terras", enfatizou.

O senador é um dos autores do projeto, que foi apresentado em nome da Comissão Especial de Questões Fundiárias. Como o projeto não recebeu emendas na fase de tramitação na comissão, seguiu diretamente para votação em plenário. O Cimi e várias entidades indígenas já anunciaram que vão lutar para derrubar a votação em plenário, para que a matéria tramite em pelo menos três comissões do Senado. "Este projeto tem o claro objetivo de dificultar e protelar os procedimentos de demarcação de terras indígenas, procedimentos que o movimento indígena e as entidades que o apóiam passaram anos lutando para que fosse agilizado. O PLS cria novas instâncias de decisão e cria subterfúgios para contemplar apenas interesse dos invasores de terras indígenas", disse o vice-presidente do Cimi.

TRF mantém indígenas em aldeia e impede ampliação de arrozais em Raposa

A desembargadora Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, tomou uma decisão hoje de manhã (6) que fez dissiparem-se o clima de tensão e a iminência de um conflito na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima: suspendeu os efeitos de uma liminar concedida pelo juiz Hélder Girão em favor de arrozeiros que invadiram terras indígenas naquela região.

Caso a desembargadora mantivesse os efeitos da liminar, os arrozeiros que se dizem proprietários das fazendas Mangueira I, Praia Grande, Mangueira e Fazendinha I poderiam ampliar seus plantios e os cerca de 500 índios Makuxi da aldeia Mangueira seriam forçados a deixar suas terras. A decisão foi comemorada pelo presidente da Funai, Mércio Gomes, que traduziu assim os termos do relatório da desembargadora: “Uma sábia decisão. Agora os fazendeiros ficam sabendo que não podem inventar legitimidade em terras da União, principalmente em terras de usufruto de comunidades indígenas e que temos uma Justiça que funciona neste país”.

Tutela – Segundo o presidente da Funai os arrozeiros pretendiam tirar os índios de suas terras e expandir seus plantios de arroz. “Agora os índios poderão ficar onde estão e teremos paz depois dessa decisão”. No final da semana o presidente da Funai recebeu notícias preocupantes de Raposa/Serra do Sol, sobre a movimentação de cerca de três mil índios que estava se dirigindo para Mangueira apoiar os outros indígenas ameaçados de perderem suas terras.

Um dos argumentos que serviu de base à decisão da desembargadora Sele demonstra que “nenhuma medida judicial será concedida liminarmente em causas que envolvam interesse indígena, sem prévia audiência da União e do órgão de proteção aos índios”. O agravo de instrumento da Funai, que foi julgado ontem, se sustenta exatamente nessa questão: “À Funai competente a tutela especial dos indígenas, de suas comunidades, bem como das áreas constitucionalmente consideradas como de posse permanente indígena, o que vem sendo reiteradamente reconhecido pela doutrina”.

No mesmo documento, elaborado pelos procuradores da Fundação, surge um argumento inapelável – o Incra declarou a inexistência de cadastramento de imóvel rural em nome do agravado, asseverando, ainda, que o imóvel objeto da controvérsia é terra pública em área superior a 2.5000 hectares, hipótese em que recai a proibição constitucional de título de domínio sem aprovação legislativa.

Homologação – A decisão da desembargadora relatora do TRF é divulgada uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar um agravo de expressão maior sobre a questão Raposa/Serra do Sol, concluindo que a homologação da terra deve ser definida pelo formato de ilhas, excluindo da terra indígena, vilas, municípios, rodovias, faixas de fronteira, plantações e o Parque Nacional Monte Roraima. “Essa é uma questão cujo mérito ainda não foi julgado e esperamos que a decisão final seja favorável aos índios”, disse o presidente Mércio Gomes.

Saiba mais sobre Processo de reconhecimento de Terra Indígena

1a Fase – Identificação:

Formação do grupo de  técnicos (GT) que, ao lado da comunidade indígena envolvida, irá identificar e delimitar a área. Nesta etapa, são feitos estudos e levantamento de campo além de relatórios e análise pela FUNAI das possíveis contestações ao território determinado.

2a Fase – Declaração:

O ministro da Justiça analisa a proposta e os estudos sobre a terra indígena elaborada por GT e aprovada pela FUNAI. Caso a resposta seja negativa, o processo volta à fase inicial.

3a Fase – Demarcação:

Demarcação física dos limites da terra indígena, mediante abertura de picadas, colocação de marcos – geodésicos e azimutais – e placas indicativas. Além disso, é feita a estimativa de custos; fiscalização e recebimento dos serviços demarcatórios.

4a Fase – Homologação:

Por meio de expedição de decreto federal, é confirmada a demarcação da terra indígena. Logo após a assinatura da presidência da República, é feito encaminhamento do processo de demarcação ao MJ.

5a Fase – Registro:

Promoção de registro da terra indígena no cartório imobiliário da comarca da situação do imóvel e na secretaria de patrimônio da união e encaminhamento das peças técnicas da  homologação, juntamente com a certidão de registro imobiliário à  Secretaria de Patrimônio da União para registro.

6a Fase – Transferência de não índios:

Ações que visam a retirada dos possíveis ocupantes não índios, indenização das benfeitorias de boa fé e reassentamento dos mesmos pelo INCRA.

OBS: O julgamento da boa fé das ocupações tem início após a declaração da terra como indígena pelo Ministério da Justiça;