ndios e governo discutem educação indígena em São Gabriel da Cachoeira

Manaus (AM) – O município mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas, sedia esta semana um seminário sobre a educação escolar indígena. Participam do encontro representantes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), da prefeitura, do governo estadual e do Ministério da Educação (MEC).

"O Censo Escolar 2005 apontou que temos 189 escolas indígenas. Mas algumas são indígenas só no nome", revelou hoje (24) o coordenador do Departamento de Educação da FOIRN, Janilson Padilha, em entrevista à Radiobrás .

Segundo ele, porém, aos poucos os professores indígenas estão inserindo no currículo escolar a língua nativa e a cultura de seu povo. "Já temos escolas totalmente bilíngües, com material didático próprio".

A luta dos professores indígenas por formação diferenciada teve como fruto o curso de Magistério Indígena, implantado no município no ano passado pela Secretaria Municipal de Educação, com recursos do Fundescola, em parceria com o MEC e a Secretaria Estadual de Educação.

"São 350 alunos, que estão no segundo módulo ( o curso dura quatro anos e acontece durante as férias escolares ", detalhou Padilha. "Eles se dividem em cinco pólos, de acordo com a territorialidade lingüística ( os troncos lingüísticos da região são Tukano, Aruak, Maku e Yanomami, mas há também um pólo onde se fala o nheengatu – ou língua geral, introduzida pelos jesuítas )".

Outra reivindicação dos indígenas é que a Escola Agrotécnica Federal (EAF) trabalhe em sintonia com o Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável, conduzido pela FOIRN com apoio da organização não-governamental Instituto SocioAmbiental (ISA). A EAF possui cursos de agropecuária e agricultura, zootecnia e aqüicultura, em uma região de solo arenoso e pouco fértil.

"Esse diálogo com a EAF vem desde 2003, mas não avançou muito. Ela passou também a oferecer os cursos de secretariado e de informática, mas é preciso que mude seu projeto político pedagógico", analisou Padilha. "Nós não estamos aqui para fazer cobranças à escola agrotécnica, mas sim para ajudá-la nessa mudança".

São Gabriel da Cachoeira fica a 858 quilômetros em linha reta de Manaus – pela via fluvial, são mil quilômetros. O município ocupa a chamada Cabeça do Cachorro (nome dado pelo formato do mapa), no Alto Rio Negro, na fronteira com Colômbia e Venezuela. Sua área total é de 109 mil quilômetros quadrados (superior às áreas do Distrito Federal ou do Rio de Janeiro, por exemplo).

O território está dividido em quatro terras indígenas, demarcadas e homologadas. A população de São Gabriel da Cachoeira é de aproximadamente 34 mil pessoas, sendo que pelo menos 95% é composta por indígenas de 23 etnias. Eles representam 10% dos povos indígenas do Brasil e 8% da população indígena nacional.

Encontro debate consentimento prévio para pesquisa científica e uso de conhecimentos tradicionais

Durante três dias – de 22 a 24 de março – representantes da Coordenação das Associações Baniwa e Coripaco (CABC) e de comunidades indígenas da bacia do Rio Içana, no Alto Rio Negro, estiveram reunidos na Comunidade Boa Vista, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), para debater temas como propriedade intelectual, pesquisas científicas, bioprospecção, consentimento prévio informado e repartição de benefícios da biodiversidade. O encontro denominado Biodiversidade, Biotecnologia e Conhecimentos Tradicionais foi promovido pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e pelo Instituto Socioambiental (ISA). Algumas das recomendações para a realização de pesquisas na bacia do Içana, sugeridas no evento, aprofundaram orientações do 1º Seminário de Pesquisa em Terras Indígenas do Rio Negro, realizado em 2000 e igualmente organizado pelo ISA e pela Foirn (saiba mais).

A realização da atividade decorreu de uma sugestão dos participantes da última assembléia da CABC, em junho de 2004. Nessa ocasião, as comunidades demonstraram apreensão com as conseqüências que as pesquisas poderiam ter sobre os conhecimentos tradicionais Baniwa e a biodiversidade a eles associada. A iniciativa atendeu também ao compromisso do ISA de levar até seus parceiros locais as discussões realizadas no âmbito do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) e da Convenção da Diversidade Biológica (CDB).

Além de abordar os temas polêmicos mais gerais relativos tanto ao CGen quanto à CDB, debateu-se também a importância das pesquisas científicas na bacia do Rio Içana e dos conhecimentos tradicionais para as atividades de bioprospecção, bem como as condições para a realização desses estudos. O encontro estimulou a reflexão sobre como os povos indígenas devem proceder quando estiverem diante da necessidade de autorizar o acesso a um conhecimento tradicional de que sejam detentores. Em linguagem simples, foram explicadas as regras sobre consentimento prévio informado definidas na Resolução nº 05/2003 do CGen, que atualmente regulamenta o tema.

O consentimento prévio informado é a autorização preliminar das comunidades para o acesso aos seus recursos e conhecimentos. A bioprospecção é a atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre o conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial.

Metodologia alternativa

Para facilitar a compreensão, já que se trata de assunto bastante complexo, foram feitas encenações com caricaturas de situações reais sobre o acesso a conhecimentos tradicionais que levantavam questões polêmicas ou desconhecidas dos participantes. Membros da equipe do ISA e alunos da escola Baniwa Pamáali colaboraram nas dramatizações.

Uma das peças teatrais, encenada exclusivamente pelos estudantes indígenas, buscou introduzir conceitos e questões pertinentes ao tema – biodiversidade, bioprospecção, anuência prévia, CGen, repartição de benefícios etc – e foi baseada numa cartilha elaborada pelo Centro Universitário do Pará (Cesupa). Outra das apresentações tratou de um conhecimento difundido em toda a calha do Içana: o uso de uma planta de conhecimento Baniwa, para fabricação de um xampu, mas cujo acesso havia sido negociado por apenas uma comunidade. Também foi encenada a história de um estudante universitário indígena, detentor de um conhecimento Baniwa, que o utilizou para fazer bioprospecção. Por último, foi dramatizado um caso de acesso cuja anuência havia sido feita exclusivamente entre o pesquisador e o pajé, único detentor do conhecimento entre seu povo.

Os organizadores buscaram avaliar como os presentes reagiam a cada situação e o que sugeriam como procedimento ideal. Após as apresentações, os participantes foram divididos em grupos por região (Aiari, Alto Içana, Médio Içana e Baixo Içana), para discutir detalhadamente cada um dos temas. Depois, cada grupo fez sua apresentação em uma plenária, onde foi aprofundado o debate.

“Experiências positivas como essa devem ser difundidas para todas as populações tradicionais brasileiras, qualificando-as a autorizar, com segurança e autonomia, pesquisas e contratos de bioprospecção”, avalia Henry Novion, biólogo do ISA. Ele e o advogado do ISA, Raul. Teles do Valle, foram organizadores do evento ao lado da CABC. Novion lembra que a inclusão de jovens cientistas indígenas nas pesquisas realizadas em suas terras ou com seus conhecimentos contribui para o protagonismo dos povos indígenas e fortalece a autonomia destes na solução de seus problemas, além de promover o respeito e a valorização dos conhecimentos tradicionais e de auxiliar na consolidação dos direitos indígenas. “Somente através do diálogo multicultural, que revela as diferentes óticas e éticas sobre o tema, seremos capazes de formular políticas públicas inclusivas, que realmente garantam a autonomia e os direitos das populações tradicionais”.

Confira algumas conclusões do encontro

:: Importância da pesquisa para a vida dos povos indígenas

Os participantes discutiram as condições para que uma pesquisa científica em Terras Indígenas atenda os interesses das comunidades, valorize os seus conhecimentos e de que forma poderá auxiliar os povos indígenas na elaboração de estratégias de gestão de seus territórios. Nas discussões, foram apontadas diretrizes para a realização de pesquisas na bacia do Içana: 1) devem partir de demandas e necessidades das próprias organizações indígenas (associações de base ou Foirn); 2) quando a iniciativa vier “de fora”, a pesquisa deverá produzir informações relevantes para a região, divulgar para as comunidades e associações os resultados alcançados e, sempre que possível, utilizar “agentes indígenas de pesquisa”, isto é, incluir a formação de alunos indígenas na metodologia das pesquisas.

:: Diretrizes quanto ao conteúdo da anuência prévia

Nesse ponto, os resultados – espontâneos – foram similares aos propostos no seminário de pesquisa do Rio Negro (2000). Em linhas gerais, apontam para a necessidade de se explicar a pesquisa em linguagem simples, apresentar todos os objetivos e condiciona a autorização à divulgação de todos os resultados após sua conclusão.

:: Casos polêmicos de acesso ao conhecimento tradicional

Entendeu-se que, quando o conhecimento está difundido entre todas as comunidades indígenas da região, a anuência deve ser dada primeiramente pelas organizações representativas (CABC e Foirn), para depois se concedida pela(s) comunidade(s) na(s) qual(is) será realizada a pesquisa de campo. A repartição de benefício deve ser negociada com as organizações e deve sempre que possível corresponder às necessidades gerais da região. Os presentes concordaram que um indivíduo não poderia, mesmo que seja parte daquele povo e tenha adquirido o conhecimento pelas formas “tradicionais”, autorizar uma pesquisa ou desenvolvimento de produtos sem uma anuência coletiva, nos mesmos moldes do caso anterior. Quando o conhecimento está restrito a uma família ou clã, ou mesmo a um indivíduo em específico (pajé ou raizeiro), não é preciso haver anuência prévia coletiva, pois o direito de negociar o seu uso por terceiros é exclusivo de seus detentores. Nesses casos, os benefícios também serão negociados e concedidos individualmente, mas, em qualquer dos casos, a negociação pelo uso deve ser acompanhada pela Foirn, não como quem autoriza, mas como assistente da negociação.

MEC realiza debate sobre educação dos povos indígenas

O Ministério da Educação está promovendo um amplo debate sobre educação e povos indígenas. O objetivo dos seminários e audiências públicas que têm sido promovidos em todo o país, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do MEC, é identificar os avanços e desafios que abrangem a educação indígena.

“Assegurando o ensino, estaremos criando um suporte para a construção do nosso futuro, no futuro da Nação. Isso vai nos preparar para a realização de pesquisas e incentivar os debates sobre nossos objetivos e problemas”, defende a representante da Articulação dos Povos Indígenas de Pesquisas em Etinicidade, Cultura e Desenvolvimento (APOINME), Iolanda dos Santos.

O Brasil possui uma população de povos indígenas de aproximadamente 700 mil pessoas, segundo dados do Censo 2000, realizado pelo Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE). Destes, apenas cerca de 0,5% têm formação superior.

Nesta terça e quarta-feiras, a educação escolar indígena será discutida no Oiapoque, Amapá. Nos dias 23, 24 e 25 de setembro, será realizado o Seminário Internacional de Ensino Superior e Povos Indígenas. O evento será no estado do Mato Grosso.

Na semana passada, a Secad promoveu um seminário estadual em Salvador. Mais de 200 pessoas entre professores e lideranças de 11 povos indígenas da Bahia participaram do evento. O Estado tem uma população indígena de quase 19 mil pessoas. Ao todo, são 52 escolas indígenas que atendem mais de 5 mil alunos. No mês passado, o debate foi sobre educação superior para os povos indígenas.