Os incêndios provocados em áreas de produção agrícola e pecuária, terras indígenas e áreas protegidas aumentaram 13% em todo o país neste ano. Com base nas imagens do satélite americano NOAA-12, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), registrou, até o último dia 10, 162.289 focos de calor. No mesmo período de 2003, os focos de calor atingiram a marca de 143.440.
Segundo o coordenador do monitoramento de queimadas, Alberto Setzer, o aumento verificado evidencia não só o crescimento da expansão agrícola e o uso cada vez mais freqüente do fogo como forma de preparar o solo, mas principalmente a pressão por áreas protegidas na forma de unidades de conservação, sejam federais ou estaduais. Os focos de calor nas áreas protegidas, até 10 de outubro, alcançavam a cifra de 13.002, número 21% maior que o de 2003.
"Para defender as queimadas, o setor agropecuário alega que há um retorno benéfico para a sociedade, com mais alimentos, mais produção", conta o pesquisador. Setzer usa o índice das queimadas nas unidades de conservação para mostrar que a agricultura não pode ser justificativa para a destruição de florestas. "Se nem nas áreas protegidas, se consegue controlar queimadas, e se esse número só aumenta, então há algo errado nesse discurso", avalia.
O pesquisador ressalta que incêndios em coberturas vegetais quase sempre são provocados. A ocorrência natural de queimadas em florestas é muito menos freqüente, conforme explica Setzer. O fogo pode ser provocado por raios que, numa área como o cerrado, com uma estação seca bem definida e outra chuvosa, chegam a resultar em queimadas no máximo três vezes a cada década.
Segundo Setzer, os incêndios nas áreas protegidas ocorrem devido a invasões. O fogo sai do controle de caçadores e pescadores que entram nas unidades de conservação e preparam fogueiras para se aquecer ou para o preparo de alimentos. E há casos de unidades de uso misto (proteção ambiental e uso econômico), áreas de litígio e invasões por parte de agricultores totalmente ilegais.
Maior número de focos de calor está na Amazônia Legal
A Amazônia Legal tem o maior número de focos de calor neste ano e também o maior índice de crescimento da atividade ilegal em 2004, em comparação com 2003. Dados do Programa de Prevenção e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais na Amazônia Legal (Proarco), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mostram que o satélite NOAA-12 captou 116.574 focos de calor até setembro na região. Houve um crescimento de 19% em relação ao mesmo período do ano passado.
Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para todo o Brasil explicam o fenômeno que ocorre na Amazônia. Mato Grosso é o estado campeão em número de focos de calor e responde por mais de 70 mil deles neste ano. As ocorrências são majoritariamente no norte do estado. No ano passado, o estado registrou quase 50 mil focos de calor até 10 de outubro. O segundo estado em que há mais incêndios em cobertura vegetal é o Pará. Foram pouco mais de 24 mil focos de calor até 10 de outubro deste ano, contra pouco mais de 17 mil até 10 de outubro de 2003.
Ambos, Mato Grosso e Pará, estão no perímetro que define a Amazônia Legal e foram incluídos no que o governo batizou de Arco do Desflorestamento, área onde a pressão pelo uso da terra é mais intensa e, portanto, onde é maior o nível de desmatamento e o índice de focos de calor.
O coordenador de monitoramento de queimadas, Alberto Setzer, enfatiza que os dados podem ser ainda mais impressionantes se forem somadas as imagens coletadas por outros satélites que cobrem o território brasileiro, o NOAA-16, o Terra, o Acqua e o GOES-12. "Quando somamos todas elas, que perfazem horários diferenciados ao longo do dia, temos quase 1 milhão de focos de calor até outubro no país", revela. O coordenador conta que o uso do fogo é indiscriminado em todo o Brasil. "Até aqui no Vale do Paraíba, onde o nível industrial é grande, os agricultores ateiam fogo na vegetação. A situação é genérica e sem controle", observa.
Para o pesquisador, os dados mostram uma realidade contraditória. O Brasil tem um nível de monitoramento sem igual no mundo, com informações atualizadas diariamente e oferecidas por meio eletrônico para qualquer usuário, de qualquer parte do mundo. Mas o país colabora em nível muito alto nas emissões de gás carbônico por não conseguir controlar as queimadas. "A fumaça preta é prejudicial de qualquer forma. Se um carro está soltando fumaça, os departamentos de Trânsito de cada estado ou secretarias estaduais de Meio Ambiente vão multar. Mas o que fazer no caso da fumaça emitida pelas queimadas, que fazem mal à saúde, à camada de ozônio e ao meio ambiente tanto quanto à fumaça que sai dos carros?", questiona Setzer.
O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) é o instituto do INPE que monitora queimadas desde 85. Com a criação do PROARCO em 98, o CPTEC passou a coordenar o acompanhamento das imagens de satélite para verificação de focos de calor. Os maiores usuários dos dados oferecidos pelo centro são o próprio Ibama, as secretarias estaduais de Meio Ambiente, as organizações não-governamentais que trabalham em conjunto com parques nacionais e grupos que administram áreas privadas de conservação ambiental.
Aumento de focos de incêndio na região amazônica já era previsto
O aumento do número de focos de incêndio na região amazônica já era esperado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). De acordo com o diretor de Proteção Ambiental do órgão, Flávio Montiel, no ano passado foram desmatados mais de 25 mil quilômetros quadrados de floresta e “toda vez que isso ocorre há um aumento proporcional de focos, decorrente do acúmulo de matéria orgânica seca”, disse. Além disso, também aumentou o número de focos em áreas de produção agrícola, já desmatadas anteriormente. Normalmente, focos de incêndio em áreas agrícolas são intencionais e controlados.
Do total de 25 mil quilômetros quadrados de floresta desmatada, o estado de Mato Grosso responde pela maior parte, seguido pelo Pará e pela região sul do Amazonas. Segundo o Ibama, esse índice de desmatamento é o maior registrado nos últimos anos e ocorre principalmente por causa das frentes de expansão de áreas agrícolas, com o estímulo dos governos estaduais. Mas o problema não está na falta de fiscalização, e sim no não cumprimento da legislação ambiental por parte dos estados. Pela legislação brasileira, cabe ao Ibama garantir a preservação das áreas de proteção ambiental e da União, restando aos estados a tarefa de fiscalizar outras áreas.
De acordo com Flávio Montiel, o governo está ampliando o plano de combate ao desmatamento e intensificando a fiscalização. Uma ação inédita no país integra diversos órgãos de governo no processo de fiscalização, ao mesmo tempo que mapeia a situação da área. Só neste ano foram aplicados mais de R$ 250 mil em multas, e a área desmatada já foi reduzida em quatro quintos em relação ao ano anterior.