Exposição resgata sociedade Xingu através da memória de Orlando Villas Bôas

Boa parte da sabedoria e experiência adquirida pelo sertanista Orlando Villas Bôas será transmitida ao visitante da exposição Kuarup – A última Viagem de Orlando Villas Bôas, que acontece primeiramente em São Paulo e depois segue para Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e Salvador.


Foto: Renato Soares

Com curadoria de Denise Carvalho, Gilberto Maringoni e Noel Villas Bôas, a intenção é mostrar a cultura indígena do Alto-Xingu, na qual não só Orlando, como também os seus irmãos Cláudio e Leonardo Villas Bôas, tiveram período de imersão intenso em sua cultura e sociedade. Contrariando concepções equivocadas, eles identificaram ali uma sociedade equilibrada, estável, erguida sobre sólidos princípios morais, onde o comportamento ético sustentava uma organização tribal harmônica.

Na exposição, o visitante é convidado a desbravar esses costumes, sobretudo a maneira como encaravam a morte. Isso acontecerá por meio do olhar sensível de Renato Soares, que captou uma série de fotos do ritual de homenagem aos mortos ilustres indígenas, o Kuarup, feito especialmente para Orlando em 2003. A mostra ainda reúne mapas, textos explicativos, retratos antigos e utensílios pessoais do sertanista.

Quatro espaços distintos foram pensados para a concepção cenográfica. Na primeira sala, a biografia de Orlando é representada por fotos pessoais além agrupar mapas e textos explicativos. A segunda parte reúne objetos pessoais. Em seguida o visitante é levado a um ambiente multimídia com vídeos sobre o Kuarup. Para finalizar, uma oca em estilo Xingu foi montada na última e principal sala, onde são exibidas as 34 fotografias de Renato Soares.
A importância de Orlando e seus irmãos no contato do homem “branco” com os indígenas é inegável. Eles tiveram papel fundamental na implantação de políticas de proteção à saúde e à cultura locais. Tal luta pelos direitos indígenas a uma cultura própria representou uma verdadeira ruptura intelectual e política, e acima de tudo, o reconhecimento das comunidades indígenas envolvidas.

Por esses motivos, o Kuarup feito em homenagem à Orlando foi a maior honraria que um caraíba (homem branco) poderia receber. Mais de dois mil índios vindos de diversas regiões se concentraram na aldeia Yawalapiti para celebrar o que eles mesmos consideraram o maior Kuarup já realizado na região. Através da mostra, os habitantes das grandes cidades se aproximarão da relevância e força dessa cerimônia.

Kuarup – A última Viagem de Orlando Villas Bôas
Quando: 14 de Março a 11 de abril – terça a domingo, das 9h00 às 21h00
Onde: Caixa Cultural São Paulo – Sé, Galeria Octagonal e Galeria Florisbela, Praça da Sé nº 111
Entrada: Gratuita
Abertura:13 de março, às 11h00 para convidados

Ficha técnica:
Produção Cultural: Aori Produções
Projeto: Zíngara Produções
Fotografias: Renato Soares
Cenário: Juliana Augusta Vieira
Curadoria: Denise Carvalho, Gilberto Maringoni e Noel Villas Boas
Patrocínio: Petrobras

Tradições e Modernidade

A edição 2006 da Bienal Internacional de Artes Visuais e Fotografia de Liége, Bélgica, teve como foco a diversidade cultural e o contraste da riqueza étnica do Brasil num mundo cada vez mais globalizado. Entre 18 de fevereiro e 31 de março, os visitantes caminhavam por galerias de fotos, vídeos e instalações que ilustravam um pouco do mosaico cultural brasileiro, com foco especial para os 220 povos indígenas do país e sua biodiversidade. Entre os artistas, estavam nomes consagrados como Cláudia Andujar, Ana Bella Geiger e outros. O Rota Brasil Oeste participou do evento a convite da curadora da exposição “Tradições e Modernidade”, a artista plástica Babi Avelino.

Em sua quinta edição, a Bienal levou um panorama visual completo com mais de dez exposições espalhadas por museus e centros culturais da cidade que tentavam mostrar ao público local um pouco da realidade de um país tão diferente da Bélgica. Com um território de 30mil km2 e apenas 6 milhões de habitantes, 97% deles vivendo em áreas urbanas, as diferenças entre os dois países são enormes. O desafio da Bienal foi este: aproximar dois mundos tão distantes por meio da arte.

Liege_Fernando_Zarur.jpgMontada no Centro Cultural Lês Chiroux, a exposição “Tradições e Modernidade” teve como objetivo destacar a pungente diversidade étnica e o conhecimento das populações indígenas brasileiras levantando as seguintes questões: O que significa ser índio no mundo de hoje? Como as comunidades indígenas vêem a si próprios? Qual sua mensagem e o que podemos aprender com eles?

Considerada um sucesso de público, com uma média de 50 visitas por dia, a exposição foi composta por diferentes módulos. O Rota Brasil Oeste participou, ao lado de outros fotógrafos, de uma instalação com projeção de fotos de Bruno Radicchi, Fábio Pili e Fernando Zarur. A sala, uma das mais visitadas, foi ambientada com música Ava-ara e decorada almofadas para a comodidade do público.

Em entrevista ao Rota Brasil Oeste, Babi Avelino, curadora de “Tradições e Modernidade”,  explica detalhes do evento e qual a importância da questão indígena no contexto cultural europeu atual. Acompanhe:

Porque a escolha do Brasil como tema da Quinta Bienal Internacional de Artes Visuais e Fotografia de Liége?

A direção da Bienal queria homenagear o Brasil, o gigante de contrastes. Um país tão diferente da Bélgica, para talvez assim, dar informações autênticas do que compõem o nosso país. Pois aqui na Europa, para a grande maioria, o Brasil é conhecido só pelos estereótipos. Seria também a oportunidade de apresentar na Europa uma seleção inédita da fotografia e da arte visual brasileira contemporânea que é muito pouco conhecida por aqui.

Como tive a oportunidade de apresentar meu projeto "Tradições e Modernidade" composto por uma exposição coletiva e quatro dias de atividades, pude contar com o apoio do Centro Cultural da cidade para realizar projeto dentro da Bienal. A importância de mostrar o tamanho e a qualidade da diversidade cultural do Brasil através da arte e poder sensibilizar vários tipos de público, várias camadas da sociedade.

Qual a relevância de destacar a questão indígena entre tantas outras?

Liege_Fabio_Pili.jpgNo fundo, eu acho que deveríamos abordar a questão indígena em qualquer evento, mesmo em eventos comerciais ou industriais. Ou principalmente nestes. A questão indígena diz respeito a todos nós, pois é a questão da terra, da biodiversidade, da diversidade cultural, da aceitação do outro. Da adaptação ao mundo que está em constante mudança. Esta ligada à preservação das fontes de vida como a água potável, a floresta, as tradições. É o questionamento da origem, é o passado, o presente. E, mesmo se muita gente dúvida, é o futuro do planeta.

Além disso, podemos abordar as dificuldades vividas pelos povos indígenas, mostrar trabalhos de artistas renomados e dos menos conhecidos sobre estes povos, trazer trabalhos de indígenas para provar que não existe indígena "aculturado" e que mesmo se eles usam ferramentas criadas pela sociedade dominante, eles conseguem reinventar a própria cultura para não perder suas tradições. É também a colaboração entre associações e ONGs belgas e brasileiras. É uma mobilização importante para não se esquecer que o planeta sofre e com ele seus habitantes. É questionamento e militância.

Qual tem sido a reação do público estrangeiro em relação ao Brasil e, em especial, nossos índios?

Como disse antes os europeus tem uma visão bem reduzida do Brasil, eles acham que só existem super ricos e os super pobres. Para eles tudo se resume em futebol, carnaval e meninas. E para muitos os indígenas estão na Floresta Amazônica.

Quando eu falo que há mais de 220 povos diferentes com 180 línguas diferentes, eles não acreditam. Conversando com algumas crianças durante as atividades, percebi que realmente se estranha o que não se conhece. E acho que somente pelo fato das crianças belgas verem fotos de indígenas e verem que mesmo com pintura no corpo, brinco de madeira na orelha e cocar na cabeça, eles também usam roupas, ou guarda-chuva, isso mostra que eles não são tão estranhos assim. Eles devem conhecer para poder respeitar no futuro. Durante a Mostra de vídeo de autores indígenas, muitos adultos saiam sensibilizados e alguns admirados de terem visto filmes realizados por autores indígenas, ver a coisa verdadeira.

Por que o Rota Brasil Oeste foi escolhidos para compor a exposição?

Escolhi o trabalho do Rota Brasil Oeste, primeiro por que ele "re-escreve" uma expedição (Roncador-Xingu) muito importante para os povos indígenas e para o Brasil. Também por que as imagens realizadas mostram de uma forma sincera e poética o cotidiano numa parte do Xingu. Além disso, queria apoiar de alguma forma o projeto que eu acho deve continuar para termos uma documentação autêntica e verdadeira do que acontece dentro das aldeias indígenas depois da criação do Parque.  

Sebastião Salgado defende mobilização nacional pela ampliação do Parque do Xingu

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado foi presença ilustre no Kuarup que aconteceu esta semana na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Alto Xingu. Mundialmente conhecido por imagens que divulgam lutas sociais e denunciam mazelas nos países em desenvolvimento, Salgado defende a criação de um movimento nacional em defesa do parque. Ele considera o Xingu uma referência cultural para o Brasil e a humanidade. "Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referencia nacional", diz.

O fotógrafo conta que está no Xingu colhendo imagens para seu novo projeto, intitulado Gênesis. "Estou procurando referências do início da humanidade, culturas que representem o início do gênero humano como um todo. Com muito prazer, é o que acabei de encontrar aqui no alto Xingu", disse ele, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O Gênesis foi lançado em 2003, tem duração prevista de oito anos e conta com apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). No Alto Xingu há 40 dias, Salgado documenta não só o Kuarup, mas vários outros rituais dos xinguanos. Antes, o fotógrafo conta que esteve nas ilhas Galápagos, no oceano Pacífico, e também na Antártida. Do Xingu, irá para a Namíbia, na África, onde fotografará povos do deserto, como os Bushmen. Depois, passará pela Etiópia e o Sudão.

Economista, Salgado iniciou a carreira na Organização Internacional do Café, nos anos 70, na Europa. A partir desse trabalho, visitou países africanos e asiáticos em missões ligadas ao Banco Mundial e, ali, passou a fotografar o mundo em desenvolvimento. Hoje, é embaixador especial da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e membro honorário da Academia de Artes dos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil – Qual é a importância do Xingu para o Brasil?

Sebastião Salgado – O Xingu, principalmente para as pessoas da minha geração, que estão hoje no comando do país, em função da idade, foi muito importante. Quando éramos jovens, os primeiros contatos feitos aqui, na época do Getulio Vargas, as primeiras apresentações do Kuarup, tudo isso teve um simbolismo muito grande.

Aos poucos, isso aqui passou a ser uma referência nacional da tradição indígena, e hoje é essencial a preservação desses rituais e das culturas aqui do Alto Xingu. Tudo isso está muito ameaçado. A fronteira do parque hoje termina dentro de uma quantidade imensa de fazendas de soja. Hoje, as fontes do rio Culuene, que na realidade é a base do rio Xingu, estão ameaçadas pela construção de barragens. Uma barragem já começou e houve uma liminar, graças à ação dos indígenas aqui do Alto Xingu. A construção foi paralisada temporariamente.

Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referência nacional. Há muito risco. É uma cultura aquática, eles não comem outra carne senão a do peixe, então eles dependem das águas dos rios, e tudo isso está realmente ameaçado.

A minha proposta seria a de se começar uma luta nacional para transformar toda essa região, incluindo todas as fontes do rio Xingu, em parte da extensão do parque. O governo poderia fazer uma indenização dessas fazendas de soja e replantar as matas na região.

ABr – Como o mundo enxerga hoje o Xingu?

Salgado – A história das tribos do Xingu é muito anterior à história do Brasil moderno. Existem escavações aqui na região em que se encontraram aldeias antiqüíssimas, com populações imensas, com uma verdadeira cultura. Isso deveria ser divulgado no Brasil, para a gente ter a honra de ter as nossas origens a partir um pouco dessa região. É uma região importante e poderosa dentro da cultura brasileira. Não pode só haver lucro e ganância, a cultura tem que ser preservada.

ABr – Qual o sr. pensa que deveria ser a atitude da população amazônica em relação a esse tipo de ameaça?

Salgado – A população realmente amazônica tem que ficar atenta à destruição da região. A região amazônica é forte, é potente, em função das águas, pela floresta que tem, pelas reservas indígenas. Essa penetração na região para a retirada da madeira, para o lucro rápido, não serve à população real da Amazônia, serve apenas às empresas que estão à cata do lucro. A ganância não serve à população real da região.

A verdadeira população da Amazônia tinha que lutar pela preservação, porque essas é que são suas riquezas reais. Se essas riquezas se forem, isso aqui passará a ser uma região devastada e pobre. Temos a maior reserva de água doce do planeta, a maior reserva de floresta tropical: essa possivelmente deve ser a maior riqueza do Brasil hoje.