Cerca de 200 índios de diversos povos de dentro e de fora do Parque Indígena do Xingu estão concentrados desde hoje, quarta-feira 31 de maio, no trecho do rio Culuene – principal formador do rio Xingu -, no Mato Grosso, onde uma hidrelétrica está sendo construída. As lideranças indígenas exigem a interrupção da obra e que o Poder Público se comprometa a preservar a região das cabeçeiras do Xingu.
Os povos índigenas do Xingu querem a paralisação das obras da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Paranatinga II, em construção no rio Culuene, o principal formador do rio Xingu. Nesta quarta-feira, 31/5, cerca de 200 índios se concentraram no local da barragem para realizar um protesto que deve durar toda a semana.
O movimento xinguano, que mobiliza representantes de diversas etnias do Parque Indígena do Xingu (PIX) e aldeias do povo Xavante, que também vivem na região, planeja realizar protestos e manifestações no local até o próximo domingo. Suas lideranças afirmam que os índios não saem das instalações sem serem ouvidos por autoridades do governo federal e pelos donos do empreendimento. Exigem a interrupção imediata da obra.
O principal protesto está marcado para esta quarta-feira, 31 de maio, quando os membros da etnia Kalapalo planejam realizar a tradicional cerimônia do Quarup. O local não poderia ser mais apropriado: o trecho do Culuene no qual a obra está sendo construída é considerado sagrado pelos povos indígenas da região do Alto Xingu. De acordo com lideranças indígenas, foi nesse lugar que se realizou o primeiro ritual funerário do Quarup.
A PCH está sendo erguida no leito do Culuene entre os municípios matogrossenses de Campinópolis e Paranatinga. Seu projeto prevê o alagamento de uma área de 1.290 hectares, dos quais 920 de vegetação nativa. O lago será formado pela edificação de duas barragens e o projeto está orçado em R$ 4,6 milhões. Comop se não bastasse tudo isso, a barragem está sendo construída a apenas dois quilômetros da Reserva Ecológica Estadual do rio Culuene, em território histórico dos povos xinguanos, rico em vestígios arqueológicos de antigas populações que ali viveram, agravando ainda mais esta situação.
Desde 2005, a hidrelétrica tem sido objeto de diversas idas-e-vindas judiciais. Sua execução chegou a ser embargada pela Justiça, que determinou que seu licenciamento ambiental fosse feito pelo governo federal. O avanço das obras também incluiu um polêmico acordo entre o governo do Mato Grosso e algumas lideranças indígenas. O acordo foi contestado pela maioria dos caciques do Xingu e, posteriormente, negado inclusive por alguns dos que o tinham assinado. Saiba mais aqui e aqui.
A mobilização indígena visa impedir a conclusão da obra e a formação do reservatório. O principal temor dos índios é que a barragem prejudique a reprodução das espécies de peixes que praticam a piracema – migração rio acima para desova. Com o rio obstruído, a reprodução das espécies seria afetada, causando a diminuição na quantidade de peixes nos rios da região e afetando a pesca e a segurança alimentar das populações indígenas. Outros impactos negativos já estão ocorrendo, segundo relato dos índios. As escavações da obra teriam provocado o assoreamento do Culuene, alterando o fluxo e a correnteza do rio e dificultando a navegação na região.
As lideranças xinguanas concentradas no local desejam se reunir com representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério Publico Federal, do Ministério de Meio Ambiente e da Fundação Nacional do Índio (Funai) até domingo. Destes encontros as lideranças esperam obter o compromisso de que nenhuma barragem seja construída no rio Xingu ou em seus afluentes, que seja proibido o desmatamento de matas ciliares e que os índios tenham apoio para recuperar as nascentes no Xingu. Leia abaixo a carta do movimento indígena endereçada as autoridades.
Carta em defesa do Rio Xingu
Canarana, 30 de maio de 2006.
PARA
Marina da Silva, Ministra do Meio Ambiente
Silas Rondeau, Ministro de Minas e Energias
Márcio Thomas Bastos, Ministro da Justiça
Blairo Maggi, Governador do Mato Grosso
Mércio Pereira, Presidente da FUNAI
Izanoel Sodre, Diretor Geral do CGPIMA, FUNAI
Marcus Luiz Barroso Barros, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA
Mário Lúcio, Ministério Público Federal
Débora Duprat, 6a Câmara do Ministério Público Federal
Rebeca Summer, Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
Presidente do Conselho Nacional de Recursos Hídricos
Prezados Senhores (as),
Em 2004, quando soubemos da construção de uma barragem no Rio Kuluene, em local sagrado para os habitantes do Xingu, que chamamos de Sagikengu, onde foi feito por Mawutisinin o primeiro Kuarup de nossa história, as lideranças do Xingu e Xavante unidas, se manifestaram contra a construção da barragem. De lá para cá apostamos na justiça e na palavra dos não-índios para sua paralisação. A empresa e o Governo do Estado tentaram comprar nosso silêncio, com dinheiro, carros e casas, e a obra vem avançando, mesmo depois de liminares da justiça e depois dos estudos feitos por antropólogos mostrarem que aquele era mesmo um lugar sagrado para nós; e os estudos de impacto anunciaram a diminuição dos peixes, principal fonte de alimentação de nossas famílias. De lá para cá muito estrago foi feito no rio, e vemos com tristeza que dia após dia mais estragos são feitos. Hoje, quase dois anos depois, ainda lutamos contra a obra, e vamos novamente até o local para exigir sua paralisação definitiva e a recuperação do estrago que foi feito. Contamos com sua presença, para fortalecer nossas reivindicações e para nos ajudar a resolver, de forma pacífica este impasse.
• Queremos manter a bacia hidrográfica do rio Xingu preservado, para ser uma referência de preservação de biodiversidade, etno-ambiental e cultural.
• Queremos que as autoridades façam o tombamento do local de Sagikengu, patrimônio histórico das etnias do Xingu.
• Queremos que os índios sejam consultados antes de qualquer obra nas nascentes do rio Xingu.
• Queremos o reflorestamento das matas ciliares que foram destruídas nas nascentes do rio Xingu.
• Queremos um fundo para fiscalização das nascentes do rio Xingu, gerido por nós indígenas.
• Queremos o fortalecimento do IBAMA na região das nascentes do rio Xingu.
• Queremos um cinturão verde no entorno do Parque Indígena do Xingu.
• Queremos que não seja realizada nenhuma outra construção de barragem no Rio Xingu e seus afluentes.
• Queremos que não seja permitido desmatar a 500 metros da margem dos rios, de qualquer tamanho.
Movimento indígena em defesa do Rio Xingu