Dilma faz nove vetos ao Código Florestal

Fonte: Agência Brasil

A presidenta Dilma Rousseff decidiu vetar nove itens do Código Florestal aprovado pelo Congresso Nacional em setembro. O principal veto retira do texto a flexibilização que os parlamentares queriam para a recuperação de áreas de preservação permanente (APPs) nas margens de rios.

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, durante coletiva falam sobre os vetos presidenciais ao Código Florestal. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, durante coletiva falam sobre os vetos presidenciais ao Código Florestal. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

O governo vai devolver à lei, via decreto que será publicado amanhã (17), a chamada regra da “escadinha”, que prevê obrigações de recuperação maiores para grandes proprietários rurais. A “escadinha” determina que os produtores rurais terão que recompor entre 5 e 100 metros de vegetação nativa das APPs nas margens dos rios, dependendo do tamanho da propriedade e da largura dos rios que cortam os imóveis rurais. Quanto maior a propriedade, maiores as obrigações de recomposição.

A presidenta excluiu do texto o trecho incluído pelos parlamentares que permitiria a recuperação de 5 metros de APP em tornos de rios intermitentes de até 2 metros de largura para qualquer tamanho de propriedade.

“Os vetos foram fundamentados naquilo que era o principio da edição da medida provisória, que significa não anistiar, não estimular desmatamentos ilegais e assegurar a justiça social, a inclusão social no campo em torno dos direitos dos pequenos agricultores”, explicou a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que apresentou os vetos hoje (17) junto com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

Também foi vetada a possibilidade de recomposição de APPs com monocultura de espécies frutíferas exóticas, como laranja e maçã. “Não teremos áreas de pomar permanente, como diziam alguns”.

O decreto que será publicado amanhã (18), no Diário Oficial da União, também trará a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que suprirão os possíveis vácuos na lei deixados pelos vetos.

Segundo Izabella, mais instrumentos normativos serão necessários para regulamentar outros pontos do texto, que poderão ser decretos ou atos ministeriais. “Outros atos, não necessariamente decretos, serão necessários para regulamentação do código”.

Izabella disse que os vetos foram pontuais, apenas para recuperar os princípios que estavam na proposta original do governo.

Edição: Fábio Massalli

Para cientistas, discussão sobre Código Florestal precisa ser aprofundada

O substitutivo ao Código Florestal, apresentado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), não é benéfico nem para o meio ambiente e nem para a produção rural, e não deveria ser colocado em votação na Câmara.

A análise resulta do estudo "O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o diálogo", coordenado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), divulgado nesta segunda-feira, 25 de abril.

De acordo com os cientistas que participaram da elaboração do documento, divulgado em entrevista coletiva em Brasília, seriam necessários ao menos mais dois anos para que as discussões pudessem gerar um texto que atendesse às necessidades da conservação dos ecossistemas e que não prejudicasse a produção rural. “Se a sociedade não chegou a um acordo, não se pode impor a ela uma legislação”, resumiu o pesquisador Antonio Donato Nobre, da SBPC e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Para a professora Helena Bonciani Nader, presidente da SBPC, a votação do texto nas condições atuais seria extremamente danosa para o país. “Se acontecer a votação, terá sido a primeira vez que uma legislação ambiental será aprovada sem a participação da ciência”, criticou.

Entre outros aspectos, o estudo da SBPC/ABC demonstra que a proposta de redução das áreas de reserva legal, contida no substitutivo apresentado pelo deputado Aldo Rebelo, ampliaria os riscos de extinção de espécies, além de comprometer os serviços ambientais obtidos a partir dessas porções de terra preservadas.

Outra proposta contida no relatório apoiado pelos ruralistas, que prevê a diminuição das áreas de preservação permanente (APPs) às margens de rios e em topos de morro, “representaria grande perda de proteção para áreas sensíveis”, segundo o documento divulgado pelos cientistas.

O estudo foi resultado de 10 meses de trabalho de cientistas, professores e pesquisadores de instituições como SBPC, ABC, Inpe, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e diversas universidades. Também passou por revisões realizadas por outros cientistas que não participaram do estudo, de modo a assegurar o cumprimento das etapas necessárias à validação de uma pesquisa científica.

A íntegra do documento pode ser acessada no link www.sbpcnet.org.br.

Constituição tem contradições quanto ao respeito à diversidade cultural

A expansão e o reconhecimento dos direitos indígenas têm como barreira os interesses econômicos de fazendeiros e mineradores, fortemente representados no Congresso por lobbies. A constatação é de Paulo Machado Guimarães, assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e autor do artigo "Proteção legal das terras indígenas", que descreve o processo de incorporação dos assuntos indígenas na Constituição e seu tratamento na constituinte de 1988.

A Constituição de 1989 representa avanços para os povos indígenas no país, afirma Paulo, mas apresenta problemas, como textos destoantes de seu objetivo. Ele argumenta que, por um lado, a Carta exige que a União garanta o respeito aos direitos indígenas, como o uso exclusivo das terras e riquezas minerais dos territórios por eles ocupados tradicionalmente. Por outro, enumera exceções que servem aos interesses econômicos de grupos, como mineradores.

"A pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas pode ser autorizada para não-índios". Paulo afirma que essa situação resultou de intensos debates e disputas na constituinte, entre setores conservadores e contrários aos direitos indígenas e outros mais progressistas. "Apesar da dificuldade, conseguimos avanços com a Constituição. Por exemplo, a exploração de minérios depende de autorização do Congresso, somente quando realizada em terras indígenas".

Paulo conta que o lobby dos mineradores propagou calúnias contra o Cimi pela imprensa, na época da consttuinte. "Acusaram-nos de interessados na manutenção da terra com os índios para o país depender de importação no setor mineral. Descobrimos que a acusação partiu do lobby de produtores exportadores de estanho".

Outra exceção à regra aprovada por conta de interesses de grupos particulares é a possibilidade de remoção de indígenas de suas terras, em caso de catástrofe, epidemia ou interesse da soberania do país. "Foram interesses das empresas mineradoras, militares e de outros setores antiindígenas". Perante a força do lobby, as forças progressistas, mais uma vez, tiveram que pensar numa negociação que lhes garantisse alguma vitória. "A remoção devido a interesse da soberania está sujeita à previa deliberação do Congresso".

A situação atual dos índios localizados em regiões de fronteiras é complicada, diz Paulo. Ele usa como exemplo o limite entre Brasil, Colômbia e Bolívia. "Há livre tráfego de índios que visitam parentes em outros territórios, visitam terras, fazem coisas de sua cultura. Os militares defendem sua retirada com o fraco argumento de que é necessário povoar a fornteira com povos nacionais. Isso implica em impedir os parentes da Colômbia de visitarem os do Brasil e cria conflito pela terra no Brasil. Não vale a pena".

Ressalvas

O debate sobre incorporar os índios na Constituição existe desde a constituinte de 1916. No entanto, a apenas em 1973 o Estatuto do índio – que não integra a Constituição, mas a auxilia – deu garantias legais aos índios. "Inaugurou uma concepção de tutela do Estado sobre os índios, para garantia de direitos básicos, segurança, integridade física e cultural", afirma o assessor.

Ele julga que "na época foi interessante a aprovação, mas avançamos desde então e a legislação precisa mudar". Uma das críticas de Paulo ao texto, uma sobre a concepção de tratamento diferenciado do Estado para com povos indígenas, que os considera civilmente incapazes, em vez de se firmar sobre diferenças culturais. "Pessoa civilmente capaz é a que compreende e conhece as relações sociais e vive nelas. A concepção existente deixa o índio à margem, contradizendo o respeito à diversidade".