Jurisprudência pode ser firmada a partir de agora. Denúncias contra empresas que cometam crimes ambientais devem ser fortalecidas.
Em uma decisão inédita, no mês de junho, a Quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou uma denúncia do Ministério Público Estadual de Santa Catarina para responsabilizar penalmente uma empresa por danos cometidos contra o meio ambiente. Com a deliberação, o Auto Posto 1270, de Videira (SC), a 450 km de Florianópolis, e dois de seus administradores poderão ser condenados por derramar resíduos de graxas, óleo, produtos químicos, areia e lodo no Rio do Peixe. A decisão abre caminho para que seja firmada jurisprudência sobre o tema.
A Constituição Federal e a Lei nº 9.605/98 (dos crimes ambientais) prevêem sanções penais também para pessoas jurídicas que cometam crimes contra o meio ambiente, mas os tribunais e juristas brasileiros teimavam em não reconhecer o instrumento legal. A Justiça catarinense aceitara a denúncia apenas contra os empresários Mário Elói Hackbarth e Salete Maria Gevasso Borges Consta, mas a rejeitou em relação ao estabelecimento. O juiz de primeira instância não acatou a denúncia entendendo que a empresa não poderia figurar no pólo passivo da ação penal.
"A referência às pessoas jurídicas [na Lei] não ocorreu de maneira aleatória, mas como uma escolha política, diante mesmo da pequena eficácia das penalidades de natureza civil e administrativa aplicadas aos entes morais", afirmou o relator da matéria no STJ, ministro Gilson Dipp, em seu voto. E continua: "É sabido, dessa forma, que os maiores responsáveis por danos ao meio ambiente são empresas, entes coletivos, através de suas atividades de exploração industrial e comercial. A incriminação dos verdadeiros responsáveis pelos eventos danosos, no entanto, nem sempre é possível, diante da dificuldade de se apurar, no âmbito das pessoas jurídicas, a responsabilidade dos sujeitos ativos dessas infrações".
Dipp considerou em seu voto que a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais deve ser encarada como forma não apenas de punição, mas também de prevenção da prática de tais crimes, função essencial da política ambiental. "O caráter preventivo da penalização, com efeito, prevalece sobre o punitivo. A realidade, infelizmente, tem mostrado que os danos ambientais, em muitos casos, são irreversíveis, a ponto de temermos a perda significativa e não remota da qualidade de vida no planeta". O ministro argumentou também que países como Inglaterra, Estados Unidos, Venezuela, México, Colômbia, Holanda, Dinamarca, Japão e China, entre outros, já permitem a responsabilização penal da pessoa jurídica, "demonstrando uma tendência mundial no sentido de admitir a aplicação de sanções de natureza penal às pessoas jurídicas pela prática de ofensas ao meio ambiente".
“Acho que é um grande avanço. Você vai fortalecer as denúncias contra pessoas jurídicas”, explica Juliana Santilli, promotora de Justiça do Distrito Federal e autora do livro Socioambientalismo e Novos Direitos. Ela conta que, até hoje, a questão nunca havia sido discutida de forma específica pelo STJ, que é o tribunal responsável por padronizar a jurisprudência sobre as Leis Federais. “Muitos juízes argumentam que não é possível aplicar sanções penais às empresas, mas a própria Lei de Crimes Ambientais deixa claro algumas alternativas.” A promotora lembra que as punições impostas podem ser: proibição de participar de licitações públicas, proibição de receber subsídios, suspensão de atividades e até prestação de serviços à comunidade.