Duas crianças da aldeia indígena de Pirakúa, no município de Bela Vista (MS) morreram vítimas de leishmaniose visceral, ou calazar. Um menino de três anos morreu na madrugada desta segunda-feira (4), depois da morte de seu irmão, de dois anos, na sexta-feira.
Em menos de três dias, foram duas mortes por leishmaniose, confirmada após exame laboratorial solicitado por uma equipe da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) em Dourados (MS). Com esses casos, segundo o coordenador regional da Funasa em Campo Grande (MS), Gaspar Francisco Hickmann, aumenta a suspeita de que a leishmaniose causou a morte de outras crianças indígenas na região. "Qualquer pessoa com leishmaniose, indígena ou não, vai ter desnutrição. Os dois irmãos que morreram estavam desnutridos, mas o que nós avaliamos é que a desnutrição nesse caso foi conseqüência da leishmaniose, já que não é desnutrição que leva a pessoa a ter essa doença, que também reduz a resistência imunológica", informou.
Ainda de acordo com Hickmann, a desnutrição só consta como causa principal na declaração de óbito de duas das 16 crianças Guarani-Kaiowás. "Nos demais casos, a desnutrição aparece como fator coadjuvante. Isso significa que no momento do óbito se observou a existência de outro quadro. As causas podem ser diversas. Há casos de crianças que ficaram internadas por mais de seis meses e não é possível que não tenham recebido alimento dentro do hospital", afirmou.
O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso do Sul, Egon Heck, disse acreditar que "se não houver uma política que inclua ações a médio e longo prazo, a sociedade terá de conviver com a continuidade de notícias sobre a morte de crianças". E considerou que as mortes, "seja por desnutrição ou por leishmaniose, devem-se à falta de articulação do governo com os povos indígenas. As mortes se devem a uma falta de estrutura, mesmo. São doenças de alto grau de periculosidade, mas podem ser curadas, quando identificadas e tratadas. Por isso, nada justifica que as mortes continuem ocorrendo mesmo que sejam geradas por causas múltiplas ".
A leishmaniose é transmitida pela picada do mosquito Lutzomya, também conhecido por mosquito palha ou cangalhinha. Para a transmissão, o parasita causador da doença tem que passar de um animal, ou mesmo do homem, para o vetor. O Centro de Controle de Zoonozes de Dourados colheu amostra de 350 cachorros nas aldeias da reserva indígena do município. O resultado dos exames sairá nos próximos dias.
Nos últimos três anos, Mato Grosso do Sul registrou 1.539 casos de leishimaniose, com 121 óbitos, dos quais 41% em Campo Grande, capital do Estado.
Segundo o coordenador da Funasa, a falta de exames pode ter contribuído para a morte das crianças. "O problema é que os hospitais não fizeram exames laboratoriais para identificar os casos, se havia presença da leishmaniose ou não. Esse procedimento tinha que ter sido feito pelos hospitais", alertou.
A Funasa solicitou à Secretaria de Saúde de Dourados a realização de um inquérito sorológico e entomológico para identificar a presença ou não do mosquito transmissor da doença. "O inquérito sorológico se faz por meio da coleta em cães suspeitos, por amostragem", explicou Hickmann, que aguarda o resultado dos exames.
No sábado (2), mais duas crianças haviam morrido na região: uma de um ano, por complicações decorrentes de paralisia cerebral, em Campo Grande; e outra de quatro meses, por insuficiência respiratória e broncopneumonia.