Lingüista defende preservação de línguas indígenas para manter cultura dos povos

A presença de 17 etnias indígenas na primeira semana do 8º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros levou o professor de linguística da Universidade de Brasília (UnB) Ayron Rodrigues ao local, para falar sobre a importância de se preservar suas línguas originais.

De acordo com o professor, que é especialista em línguas indígenas, cada povo tem uma língua. Hoje, eles são cerca de 200 no país, mas já foram bem mais.

“Calculamos que, há 500 anos, havia cerca de 1.250 línguas. Note que já houve uma perda de 85% das línguas e cada língua corresponde a um povo, portanto são tantos povos também que desapareceram, são cerca de mil povos, uma média de 20 povos por ano. Desaparecendo as línguas, estão desaparecendo as culturas também. Essa é a importância de preservar as línguas, os povos, porque é conhecimento humano que está desaparecendo”, explicou.

Segundo ele, este processo ainda está acontecendo. Ou seja, ainda hoje, povos indígenas desaparecem a cada dia, no mundo todo. O professor atribuiu as causas do fenômeno à globalização.

“Há 15 anos, a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] alertou às nações que o conhecimento cultural do mundo está diminuindo. A variedade de conhecimento. Com a globalização, está se intensificando o processo de eliminar as minorias, de uma maneira ou de outra. E isso leva embora as línguas e o conhecimento que é transmitido através delas. E isso é um fenômeno global”, apontou Ayron Rodrigues.

Entretanto, o professor é otimista em relação ao Brasil. Para ele, há pelo menos 10 anos, o Ministério da Cultura percebeu o problema, após o alerta da Unesco, quando encarregou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de criar um programa de salvaguarda do patrimônio imaterial do país.

“Nesse sentido, foi constituída uma comissão no Iphan, há menos de três anos, para estudar as maneiras de realizar isso com respeito às linguas. Agora, também conseguiu-se motivar o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], a incluir perguntas sobre as línguas que são faladas no país”, relatou.

Ele disse que, embora oneroso para o governo, o processo de inclusão das perguntas sobre as línguas faladas pelas famílias no Censo de 2010 (medição geral feita pelo IBGE de 10 em 10 anos) permitirá que os trabalhos de pesquisa linguística tenham mais precisão.

“É a primeira vez que vamos ter um levantamento oficial, porque o que se sabe até hoje, não é de fonte oficial, é reunindo informações de pesquisadores que trabalham, cada um cuidando de uma área. É assim que sabemos que temos cerca de 200 línguas ainda”, contou o professor.

Município do Amazonas é o primeiro a oficializar línguas indígenas no país

Manaus – O prefeito de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Juscelino Gonçalves, assinou hoje (10) o decreto que regulamenta o reconhecimento do Tukano, Baniwa e Nheengatu como línguas oficiais do município, ao lado do português. O decreto foi votado na Câmara Municipal na semana passada, mas a lei (nº 145), que estabelece as três línguas indígenas como idiomas co-oficiais, foi aprovada em 2002.

É a primeira vez no Brasil que idiomas indígenas são considerados co-oficiais – a Constituição Federal estabelece que o português é o idioma oficial do país. São Gabriel da Cachoeira fica na região do Alto Rio Negro, a 847 quilômetros, em linha reta, de Manaus – e a 1,6 mil quilômetros por via fluvial. É o município brasileiro com maior população indígena: 73,31% dos 29,9 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com a regulamentação, todos as repartições públicas em São Gabriel da Cachoeira serão obrigadas a prestar atendimento também em Nheengatu, Tukano e Baniwa, e os documentos públicos e campanhas publicitárias institucionais deverão ter versões nos três idiomas. Além disso, a prefeitura deverá incentivar o aprendizado dessas línguas e uso nas escolas, meios de comunicação e instituições privadas.

“Quando a gente viaja para fora do país, precisa aprender outras línguas. Quem não for indígena e vier para cá, terá que aprender nosso idioma para se comunicar com a gente”, afirmou o diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), Domingos Barretos.

Para ele, o fundamental é fazer o controle social da nova legislação e desenvolver ações de educação e capacitação. “Queremos construir com as instituições públicas um programa de trabalho para aplicar a lei, oferecendo curso de formação para os servidores entenderem a importância dessas línguas”, disse Barretos, em entrevista à Radiobrás.

A Lei 145/2002 surgiu de uma iniciativa da Foirn, uma articulação que reúne 660 entidades indígenas de 22 povos. O projeto de lei que lhe deu origem é de autoria do vereador indígena Camico Baniwa e foi elaborado em parceria com o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (Ipol). O decreto de regulamentação começou a ser esboçado em abril deste ano, em um grande seminário organizado pelas lideranças indígenas.

“Em 1987, quando a Foirn foi criada, falar português era sinal de superioridade. Foi nossa política de valorização da cultura e da tradição que afastou esses idiomas do risco de extinção”, ressaltou Barretos. Segundo ele, a demanda pela co-oficialização das três línguas indígenas mais faladas no município veio do movimento de professores indígenas em 1998, ano em que foi criado o primeiro magistério indígena em São Gabriel da Cachoeira.

De acordo com Barretos, pelo menos 5 mil indígenas têm o Baniwa como idioma principal; 4 mil, o Tukano e 3 mil, o Nheengatu. Ele observou, no entanto, que o número de falantes dos três idiomas é bem maior e difícil de estimar, porque é comum os indígenas da região aprenderem línguas de outros povos.

Apesar de ser hoje considerado língua materna por diversos povos indígenas que habitam a Amazônia, como os Barés, em São Gabriel da Cachoeira, as origens do Nheengatu estão no processo de catequisação. O Nheengatu surgiu a partir do Tupi e foi introduzido pelos jesuítas na região. Muitos povos que perderam sua língua original durante o processo de colonização adotaram o Nheengatu como língua principal.