Pesquisa aponta contaminação da água em um dos afluentes do rio Xingu

A análise de amostras de água coletadas no Curisevo, um dos afluentes formadores do rio Xingu, no Parque Indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso, confirmou contaminação por dejetos orgânicos. Realizado no ano passado, o estudo – que ainda é preliminar – não comprovou a presença de agrotóxicos e fertilizantes químicos na água, mas afirma que o risco deste tipo de contaminação na região é grande e seria necessário realizar testes mais detalhados sobre o assunto. O Parque Indígena do Xingu abriga mais de cinco mil índios, de 14 diferentes etnias.

O trabalho é de autoria de Thomas Gregor, do Departamento de Antropologia da Universidade de Vanderbilt, dos Estados Unidos, e aponta que “a qualidade da água foi inquestionavelmente afetada”. Gregor fez duas coletas, entre junho e julho de 2005, nas proximidades das aldeias Uyaipyuku e Utanawa, do povo Mehinaku (saiba mais). O pesquisador deve voltar à região nos próximos meses para realizar análises mais aprofundadas para confirmar os resultados dos testes.

A pesquisa identificou um nível acima do normal de Escherichia coli, bactéria cuja presença na água ou na comida indica a contaminação com fezes humanas ou de outros animais. A quantidade do microorganismo por mililitro é uma das principais medidas usadas no controle sanitário da água potável e de alimentos. O relatório fala em uma “contaminação fecal contínua”. Sob certas circunstâncias especiais, a própria E-Coli, como é conhecida, pode causar intoxicação alimentar, infecção urinária e apendicite, entre outras doenças.

Já há algum tempo, populações indígenas da região têm denunciado casos de intoxicação pelo uso da água. Gregor avalia que o problema deve estar sendo causado pelo livre acesso do gado aos cursos d´água locais e por dejetos jogados pelas cidades e por pousadas de pescadores que ficam ao redor do Parque. O antropólogo acredita também que é grande a possibilidade de contaminação por agrotóxicos em virtude do uso intensivo da substância nas fazendas próximas e pelo tipo de inclinação do terreno na região.

“Os Mehinaku já deixaram de consumir a água do rio e estão usando poços artesianos. Outros grupos estão fazendo o mesmo”, adverte Gregor. Segundo o pesquisador, o uso de poços fez baixar os casos de doenças ligadas ao consumo de água imprópria para beber, como diarréias.

O trabalho lembra que a população indígena é extremamente vulnerável a uma possível queda na qualidade da água por consumí-la diretamente, usá-la no preparo da maior parte de seus alimentos e comer muito peixe. Gregor recolheu relatos sobre casos passados de doenças gastrointestinais e mortandade anormal de peixes, sobretudo na época das chuvas.

A pesquisa confirma ainda o impacto do desmatamento e das atividades produtivas na região ao afirmar que, na época da cheia, as águas da chuva vêm jogando grande quantidade de lixo e de terra provenientes de propriedades rurais nos cursos de água, o que vem causando o seu assoreamento. O trabalho menciona ainda que já é possível perceber certa quantidade de lixo acumulado nas margens e nos bancos de areia de alguns rios. Algumas aldeias do Parque Indígena do Xingu já vêm se mobilizando há algum tempo para recolher e enterrar o seu lixo ou encaminhar resíduos especiais com potencial de contaminação, como baterias, por exemplo, para as cidades mais próximas.

Outro estudo aponta precariedade do saneamento na região

Um outro estudo, finalizado pelo Ministério das Cidades (MC), em setembro de 2005, concluiu que a situação do saneamento básico em 14 cidades da Bacia do Xingu no Mato Grosso é precária. Entre outras conclusões, o diagnóstico revelou que só uma cidade, Sinop, possui aterro controlado para lixo e mesmo assim ele é deficiente. Os outros municípios fazem a coleta, mas depositam seus detritos a céu aberto e sem nenhum procedimento especial. Além disso, em apenas três localidades – Gaúcha do Norte, Nova Ubiratã e Ribeirão Cascalheira – está sendo implantado sistema de tratamento de água. Somente em Cláudia existe rede de esgoto, mas a sua manutenção também foi classificada de inadequada. A realização do trabalho foi articulada por organizações que fazem parte da campanha ´Y Ikatu Xingu, que pretende proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do rio Xingu no Mato Grosso.

Líder social no Pará é um dos ativistas a ganhar prêmio internacional de meio ambiente

Um brasileiro, líder social da região de Terra do Meio, no Pará, foi um dos ativistas ambientais de todo o mundo que recebeu o Goldman Environmental Prize (Prêmio Goldman de Meio Ambiente), considerado o maior prêmio mundial para defensores do meio ambiente.

Nascido e criado em Altamira, na região do Xingu, Tarcisio Feitosa integra uma aliança popular para proteger a floresta tropical e as comunidades locais. O prêmio foi entregue nessa segunda-feira (24), em São Francisco, Estados Unidos.

Com 34 anos, Feitosa venceu na categoria Américas do Sul e Central por sua trajetória em defesa dos direitos humanos e pela proteção ambiental e desenvolvimento sustentável na região do Xingu e de Terra do Meio no Pará, na Amazônia.

Ele começou o trabalho aos 15 anos de idade, como voluntário na luta pela demarcação das terras indÍgenas – atividade que desenvolveu até 2000. "Naquela região, temos uma educação muito voltada para as comunidades. Há uma conscientização quanto à situação dos povos indígenas e das populações tradicionais", conta.

Em 2000, Feitosa se engajou em um movimento contra a exploração ilegal de mogno. Ele documentou a atividade ilegal e avisou os órgãos governamentais – a ação resultou no confisco de 6.000 toras de mogno extraídas ilegalmente, vendidas posteriormente em um leilão que arrecadou US$ 1,5 milhão, destinado à criação de um fundo para financiar o desenvolvimento sustentável e os esforços de conservação da região.

Em 2002, Tarcisio Feitosa passou a trabalhar em estudos para a criação de unidades de conservação na bacia do Xingu. Atualmente, é membro da Comissão Pastoral da Terra e um dos coordenadores do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MTDX) – rede de Organizações Não-Governamentais que, segundo ele, tem duas bandeiras de luta: "mostrar que a agricultura familiar e os povos da floresta podem conviver com a floresta e interromper a construção e cinco barragens na região".

Ele destaca que uma das barragens – a de Belomonte -, já está em andamento (a construção foi temporariamente embargada pela Justiça) e outras quatro estão em estudo. "Essas barragens representam a destruição desse grande corredor ecológico, que vai se completar com a criação das unidades de conservação", explica.

Além de Feitosa, também receberam o Goldman Prize deste ano líderes sociais envolvidos com a luta pela preservação do rio Danúbio, pelo armazenamento seguro do lixo produzido por armas químicas nos Estados Unidos, pela defesa das florestas da Libéria, pelo fim do corte ilegal de madeira em Papua Nova Guiné e pelo respeito social durante a construção de barragens na China.

Y Ikatu Xingu reconhece em campo experiências de sucesso na bacia do Xingu

As visitas têm o objetivo de identificar iniciativas inovadoras que possam servir de exemplo para a disseminação de práticas sustentáveis. O trabalho é parte do estudo sobre agricultura familiar que foi articulado por organizações integrantes da campanha e está sendo desenvolvido na região mediante um convênio firmado com a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Fevereiro foi marcado por uma série de novas viagens de campo de técnicos da campanha ‘Y Ikatu Xingu – que pretende proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do rio Xingu no Mato Grosso – para conhecer iniciativas socioambientais de sucesso que estão ocorrendo na bacia. As visitas têm o objetivo de identificar experiências inovadoras que possam servir de exemplo para a disseminação de práticas sustentáveis. O trabalho é parte do estudo sobre agricultura familiar que foi articulado por organizações integrantes da campanha e está sendo desenvolvido na região mediante um convênio firmado com a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

O estudo surgiu da constatação de que, ao contrário do que se pensava, a Bacia do Xingu no norte de Mato Grosso possui um contingente expressivo de agricultores familiares e "chacareiros", como são conhecidos na região, que estão fora dos assentamentos de reforma agrária e, portanto, carecem de programas e políticas públicas específicas para atendê-los. Os objetivos do trabalho são: fazer um diagnóstico sócio-econômico e ambiental da agricultura familiar, identificar boas práticas sociambientais e avaliar a viabilidade econômica de algumas cadeias de produtos agroflorestais.

Nesta etapa, foram visitadas duas microrregiões com forte presença do segmento, abrangendo os municípios de Guarantã do Norte, Nova Santa Helena e Terra Nova do Norte, na região da rodovia BR-163, e Querência, Canarana e Ribeirão Cascalheira, no eixo da BR-158.

Em Guarantã do Norte, onde predomina a pecuária, os integrantes da mobilização conheceram ações de recuperação e manejo sustentável. Foram visitadas duas propriedades que adotaram o sistema de rotação de pastagens, que requer áreas menores do que o utilizado normalmente e, portanto, diminui pressões por novos desmatamentos. Nas mesmas áreas, também é feito o manejo ecológico, no qual é permitida a convivência do capim com algumas espécies nativas.

Ainda em Guarantã do Norte, os assessores da ‘Y Ikatu Xingu travaram contato com o trabalho de um grupo de pequenos agricultores que vem plantando cana-de-açúcar para a produção de açúcar mascavo. Além de ser orgânica, ou seja, sem o uso de agrotóxicos, a produção também está sendo realizada de forma coletiva, há dois anos, por sete agricultores. O grupo cultiva oito alqueires de terra e já conseguiu, inclusive, um financiamento pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) do governo federal.

Em Vila Atlântica, localidade do município de Nova Santa Helena onde a extração de madeira já chegou a ser a principal atividade econômica, os técnicos da campanha visitaram o “condomínio” formado por 19 agricultores familiares que estão cultivando guaraná também com o método orgânico. Eles já conseguiram instalar uma agroindústria que processa o fruto, deixando-o pronto para comercialização.

Em Terra Nova do Norte, foi a vez de conhecer a Cooperativa dos Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia (Cooperagrepa), ganhadora do prêmio Chico Mendes 2005, ofertado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), na categoria Negócios Sustentáveis. A organização foi criada para tentar agregar valor aos produtos da agricultura familiar na região e difundir práticas ambientalmente sustentáveis. A cooperativa vem trabalhando na reorganização dos pequenos agricultores, na identificação e abertura de mercados, na superação de gargalos das cadeias produtivas da região e na articulação de diversas iniciativas. A instituição tem, hoje, 300 famílias de agricultores sócias. Além deles, há extrativistas associados que totalizam 32 núcleos de produção.

Em Querência, integrantes da mobilização estiveram na única Escola Família Agrícola (EFA) existente no Mato Grosso. Difundida em outros Estados do Brasil, a instituição utiliza o método da “pedagogia da alternância” pelo qual o estudante fica 15 dias na escola e 15 dias em casa, aplicando o que aprendeu na propriedade rural da família. “Trata-se de um foco de resistência, um ponto de apoio na tentativa de implantar um novo modelo de desenvolvimento, que identificamos como parceiro prioritário”, explica Rodrigo Junqueira, analista socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações integrantes da ‘Y Ikatu Xingu.

A escola tem 150 alunos de várias localidades das bacias do Xingu e do Araguaia, cursando da 5ª série do ensino básico ao 2º ano do ensino médio. “O principal objetivo do projeto é viabilizar a produção da própria família do aluno. O potencial de disseminação de informações e práticas dos estudantes é enorme, daí o interesse da campanha em firmar uma parceria estratégica”, completa Junqueira.

Ainda em Querência, os participantes da mobilização ‘Y Ikatu Xingu conheceram uma articulação de aproximadamente 500 agricultores familiares que começa a implementar um projeto de produção agroflorestal integrada. Todo o trabalho, desde a coleta de sementes de espécies como a seringueira, o pequi e a pupunha, até o preparo das mudas para posterior enxertia e plantio no campo, é feito de forma coletiva, envolvendo diferentes segmentos da sociedade local. A iniciativa pretende viabilizar alternativas econômicas que conciliem a geração de renda, a conservação e o manejo dos recursos naturais.

Quase metade do Brasil não tem coleta de esgoto

Quase metade do Brasil não tem coleta de esgoto. De acordo com pesquisa do IBGE, de 2002, apresentada no Plano Nacional de Recursos Hídricos, 47,8% dos municípios não coletam nem tratam os esgotos. Entre os 52,2% dos municípios têm o serviço de coleta, 20,2% coletam e tratam o esgoto coletado e 32% só coletam.

"O lançamento de esgotos domésticos nos corpos hídricos é o principal problema de qualidade das águas", afirma a Agência Nacional de Águas (ANA) no Plano Nacional de Recursos Hídricos. A construção de estações de tratamento de esgoto é um dos desafios do Brasil para melhorar a questão hídrica no país.

O Plano ressalta que os maiores poluidores não são aqueles que não têm acesso ao tratamento de esgoto, mas sim na falta de precisão dos tratamentos realizados no país. "A maior fonte de poluição das águas por esgotos não está relacionada à parcela da população sem rede coletora e sim àquela com rede, incluindo parte da que tem tratamento, haja vista as baixas eficiências, associadas à precária operação muitas vezes encontrada".

"Uma vez que a cobertura do serviço de esgotamento sanitário é reduzida e o tratamento do esgoto coletado não é abrangente, o destino final do esgoto sanitário contribui ainda mais para um quadro precário", destaca o texto do Plano.

Entre os distritos que possuem coleta de esgoto sanitário, pouco mais de 1/3 tratam o esgoto sanitário (33,8%). O restante (66,2%) não dão nenhum tipo de tratamento ao esgoto produzido. "Nesses distritos, o esgoto é despejado in natura nos corpos de água ou no solo, comprometendo a qualidade da água utilizada para o abastecimento, irrigação e recreação", destaca o Plano.

Do total de distritos que não tratam o esgoto sanitário coletado, a maioria (84,6%) despeja o esgoto nos rios. Nas regiões Norte e Sudeste, o número sobe para 93,8% e 92,3% respectivamente.

O Plano ressalta que, nas últimas décadas, o Brasil teve "ganhos significativos em relação ao aumento da distribuição de água", mas "não houve avanços expressivos na coleta e tratamento de esgotos. Se hoje 52,2% dos municípios têm o serviço de coleta, onze anos antes, em 1989, esse número era de 47,3%.

Pesquisa mostra que terras indígenas ajudam a prevenir desmatamento

Manaus – As terras indígenas ajudam a prevenir o desmatamento tanto quanto as unidades de conservação de uso indireto, como os parques nacionais, que não admitem a presença de moradores. Esta é a principal conclusão de um estudo que comparou o desmatamento dentro e fora de 121 terras indígenas brasileiras, 15 parques nacionais, dez reservas extrativistas e 18 florestas nacionais, entre 1997 e 2000.

"Existe a idéia de que a presença de pessoas pode ser prejudicial ao meio ambiente. Mas isso nem sempre é verdade", declarou à Radiobrás o pesquisador norte-americano coordenador do estudo, Daniel Nepstad. Ele trabalha há 21 anos no Brasil e atualmente dá aulas como professor visitante no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA), além de fazer parte do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam).

Entre 2002 e 2004, pesquisadores de sete instituições brasileiras e norte-americanas analisaram as imagens de satélite e mediram o desmatamento em uma faixa de dez quilômetros para dentro e para fora das reservas, a partir da linha demarcatória. "Assim a gente consegue comparar parques que estão em áreas isoladas, com praticamente nenhuma pressão, com terras indígenas em áreas disputadas por madereiros e pelo agronegócio", justificou Nepstad. Apesar de ter sido finalizado há meses, a pesquisa ganhou visibilidade apenas neste ano, a partir da publicação na revista especializada Conservation Biology.

"O desmatamento no interior das terras indígenas foi dez vezes menor do que no seu entorno. Nos parques nacionais, esse coeficiente foi de vinte vezes menos desmatamento", informou o pesquisador. "Mas se a gente considerar que o desmatamento ao redor das áreas indígenas é em média o dobro observado às margens dos parques nacionais, veremos que na prática o efeito inibidor é o mesmo".

"Nós somos os verdadeiros ambientalistas e preservadores da natureza. Há mais de 500 anos de invasão do Brasil, estamos aqui. E a gente continua do jeito que sempre foi, sem degradar, sem desmatar", afirmou um dos diretores da Coordernação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jenival dos Santos, da etnia Mayoruna.

A Coiab existe desde 1989 e reúne 75 organizações indígenas representantes de 165 etnias. Há dois anos, a entidade criou um departamento Etno-Ambiental. "Ele é responsável pelo levantamento de dados sobre as terras indígenas ameaçadas. No dia 25 de fevereiro, vamos divulgar um balanço em Brasília", revelou Santos. "Vamos confirmar com detalhes o que essa pesquisa apontou. E também dar uma resposta aos governantes que dizem que o país tem muita terra para pouco índio".

Campanha contra barragens no rio Ribeira ganha novo impulso

O Instituto Socioambiental (ISA) lança, em sua página na internet, uma campanha desenvolvida por entidades e movimentos sociais do Vale do Ribeira (SP/PR) contra a construção de barragens no rio Ribeira de Iguape. A mobilização visa informar quais seriam os impactos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas no Ribeira – atualmente o único grande rio não barrado do estado de São Paulo. Com textos, fotos e mapas interativos, a campanha apresenta a riqueza natural e cultural do Vale do Ribeira e questiona os projetos de hidrelétricas que ameaçam a região, tombada em 1999 como Patrimônio Natural da Humanidade.

Desde a década de 1990, o ISA acompanha a ameaça de projetos de hidrelétricas no Ribeira, tendo hospedado a partir de 2000 uma primeira campanha de mobilização e informação, promovida pelo movimento ambientalista e entidades sociais da região. Agora a nova campanha substitui esse conteúdo para atualizar dados e informações sobre o Vale do Ribeira e sobre o processo de licenciamento ambiental das barragens projetadas para o rio.

Os novos textos na página do ISA na internet descrevem as condições de vida das populações que tradicionalmente habitam o Vale do Ribeira, como as comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas, e conta a história social e econômica da região até os dias atuais. Traz ainda um histórico dos processos de licenciamento ambiental dos projetos de barragem, principalmente o da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, cujo novo Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) está sendo analisado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde outubro passado.

O próprio projeto de Tijuco Alto, também reformulado pela Companhia Brasileira de Alumínio, é descrito e analisado em detalhes, assim como seus possíveis impactos sobre os remanescentes de Mata Atlântica e as populações nativas, suas terras e seus modos de vida.

Ao acessar a campanha, o internauta poderá realizar um “passeio virtual” pelas três micro-regiões chamadas de Baixo, Médio e Alto Ribeira, conhecendo um pouco mais da diversidade socioambiental de todo o vale. Outra ferramenta de interatividade permite localizar os territórios quilombolas na região e simular o alagamento das terras que seria provocado pelo enchimento dos reservatórios das usinas.

O leitor poderá ainda avaliar os custos e benefícios da construção de barragens no Ribeira e saber, por exemplo, que a energia gerada por Tijuco Alto seria toda destinada àprodução de alumínio de uma empresa privada e não para o abastecimento público. Uma seção de perguntas e respostas e outra de notícias, produzidas pelo ISA nos últimos anos, completam o conjunto de informações sobre a campanha. As organizações que encabeçam a mobilização acreditam que a divulgação de informações é fundamental para que a população possa formar suas opiniões e dizer se quer ou não a construção de barragens no rio Ribeira.

A campanha pretende fornecer subsídios para que tanto a população local – que seria diretamente atingida pela construção das hidrelétricas – quanto os cidadãos em geral, preocupados com o futuro de uma região tão rica em sociobiodiversidade, tomem posição em relação ao futuro do Vale do Ribeira. E tenham condições de decidir se aceitam que o Ribeira de Iguape, um bem público seja utilizado para fins privados, em nome de um modelo de desenvolvimento excludente e concentrador de renda, ou se optam por outro caminho, no qual o uso sustentável dos recursos naturais e a permanência das populações tradicionais em suas terras sejam valorizados.

Prêmio Ford para Miriam Prochnow

A Conservação Internacional e a Ford entregaram hoje o "Prêmio Ford Motor Company de Conservação Ambiental". A cerimônia foi no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual de São Paulo.

Os vencedores receberam os prêmios das mãos do governador Geraldo Alckmin, do presidente da Ford América do Sul, Antonio Maciel Neto, do presidente da Ford Brasil Barry Engle, e do vice-presidente de Ciência da Conservação Internacional, José Maria Cardoso. Ambientalistas, jornalistas e convidados também prestigiaram o evento.

Foram cinco os premiados, Miriam Prochnow recebeu o prêmio na categoria "Conquista Individual".

A trajetória ambiental

A trajetória ambiental de Miriam Prochnow, que teve seu primeiro contato com a questão ambiental na infância, fazendo greve de fome quando seu pai trazia carne de caça para casa e ajudando sua mãe a plantar flores no jardim, se confunde com a trajetória das instituições que ela ajudou a criar e nas quais trabalha.

Em 1987, junto com um grupo de pessoas na cidade de Ibirama (SC), entre elas o marido Wigold B. Schaffer, resolveu fundar a Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí – Apremavi. O que dera inicio a tudo, foi a devastação que ocorria na Reserva Indígena de Ibirama. Todo dia, cerca de 350 caminhões carregados de madeira saíam da Terra Indígena Xokleng em direção às serrarias da região. A indignação era grande

Próximo dali, na Serra da Abelha em Vitor Meirelles (SC), 8.000 araucárias nativas haviam sobrevivido à exploração madeireira. Uma fascinante floresta, que igualmente serviu de motor ao movimento ambientalista que iniciava. Mais tarde se descobriu que essas árvores foram salvas graças à morosidade da Justiça: tramitava de longa data um processo pela posse da área. Miriam e a Apremavi se meteram no meio, não perdendo a Serra da Abelha de vista…

No início não se sabia direito o que fazer para impedir a destruição daquelas matas. Começou-se de forma lapidar: "colocamos a boca no trombone", lembra Miriam.

No início, um Manifesto

Fez-se uma nota de imprensa. Denunciou-se o que se considerava como sendo escândalos ambientais a todas as instituições e órgãos competentes. Começou-se ali a firmar alianças, principalmente com outras ongs, pois uma luta solitária não leva a lugar algum.

Em 1988, veio a FEEC (Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses), da qual Miriam foi a primeira Coordenadora Geral. Junto com a FEEC, vieram as discussões à esfera de Estado, as conferências estaduais de meio ambiente, as primeiras audiências públicas de EIA/RIMAs, a participação no Programa Fiscais Voluntários do Meio Ambiente, a organização e profissionalização do movimento ecológico. Miriam pode ser considerada a primeira ecologista profissional de Santa Catarina.

Ampliou-se o leque de atuação, a irreverência do "Prêmio Porco" (concedido pelos ecologistas aos agressores ambientais), mas também o reconhecimento aos benfeitores, através do Prêmio "Qualidade de Vida" são mais do que idéias: marcaram época.

A FEEC conseguiu coletar no final daquela década assinaturas suficientes para protocolar a primeira emenda popular da Constituição Estadual de Santa Catarina. Ainda representando a FEEC, Miriam teve uma participação importante nas reuniões preparatórias da RIO-92 e na construção do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais – FBOMS, fazendo parte de sua coordenação.

Com a criação da RMA (Rede de ONGs da Mata Atlântica), em plena RIO-92, a luta pela Mata Atlântica, o Bioma mais ameaçado do planeta, ganhou uma nova dimensão.
Ameaças

A boca continua no trombone, porque, apesar de reduzida e fragmentada, a floresta ainda não parou de ser derrubada. E iniciou uma parte suja do "jogo": as ameaças de morte. Miriam incomodou muita gente, principalmente madeireiros.

A situação se agravou, Miriam e sua família não se viam mais em segurança: em 1997, Amnistia Internacional lançou uma "Ação Urgente" (Urgent Action).

Tornando a Apremavi uma referência nacional

Na busca da credibilidade, mais do que argumentos, é necessário prática e comprovação de teses. Foi quando a instituição recém-formada decidiu dedicar-se a duas linhas complementares: além das meras denúncias, procurou-se construir argumentos para fundamentar as mesmas. E a oferecer alternativas.

Do que iniciara no fundo do quintal, em 1987, com apenas 18 mudinhas num fundo de quintal da casa da Miriam e do Wigold, evoluiu para um viveiro: o "Jardim das Florestas".

Situado em Atalanta, no Vale do Itajaí (SC), tem capacidade para produzir mais de 600 mil mudas por ano de cerca de 120 espécies nativas diferentes. Graças a este trabalho, a Apremavi se transformou em uma referência nacional na área ambiental. Já ajudou a plantar mais de um milhão mudas nesses 18 anos de trabalho. Não estão nesta conta, outras centenas de milhares de mudas adquiridas e plantadas por terceiros. Plantas usadas principalmente para recuperação de áreas de preservação permanente e enriquecimento de florestas secundárias.

Além do viveiro e da recuperação de áreas, a Apremavi é também uma referência nacional em planejamento de propriedades e paisagens. Neste Programa, são aplicadas as experiências com enriquecimento de florestas secundárias, sistemas agroflorestais, agricultura orgânica e plantios florestais de espécies nativas, com fins econômicos.

Nestes 18 anos mais de 500 proprietários já tem trabalhos implantados nestas áreas. A metodologia de enriquecer florestas secundárias, foi gestada, testada e desenvolvida pela Apremavi e hoje pode ser aplicada em toda a Mata Atlântica.

Ainda em Atalanta, cidade onde Miriam morou durante muito tempo, a Apremavi é responsável por uma experiência muito importante de conservação. No ano de 2000 estimulou o poder público a criar um Parque Natural Municipal: o "Parque Mata Atlântica 2000". Vários projetos de educação ambiental já foram desenvolvidos e recentemente, graças à parceria com uma indústria da região, iniciou-se uma nova etapa na gestão do Parque, em mãos da Apremavi desde 2004.

Dando continuidade

Mas e a reserva indígena? Dezoito anos depois, ela continua na agenda. Na época não foi possível conter a destruição: quase toda a área foi desmatada. Atualmente a Apremavi apóia o desenvolvimento de projetos de recuperação na área.

Já a Serra da Abelha foi transformada numa ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico). Os posseiros que tinham chegado na área para derrubar a mata existente se transformaram em parceiros na preservação da floresta. Hoje lá são desenvolvidos projetos de educação ambiental, desenvolvimento sustentável e turismo ecológico.

O trabalho e as denúncias continuaram. Em 2004, Miriam iniciou a campanha contra a Usina Hidrelétrica de Barra Grande, uma obra construída com base em um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) contendo graves omissões: mais de 5000 ha (50 km²) de Mata Atlântica na divisa entre o RS e SC iriam ser inundados. É muita mata! Tanta, que não se viu: o EIA falava apenas de "árvores esparsas", mostrando fotos de árvores no meio de pastagens, em áreas que nem ao menos iriam ser inundadas (confira). Um crime ambiental que Miriam não se cansou de denunciar. Um livro e um video foram produzidos: "Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta".

Tanto trombone incomoda. Os incomodados trocaram o jogo, as ameaças deram lugar à difamação: Miriam foi alvo de uma matéria tendenciosa numa revista de circulação nacional que a entitulou de "Guerrilheira Verde". Em julho de 2005, foi acusada por deputados do Estado do Paraná
de fazer parte de uma "quadrilha ambiental", por sua intensa luta em prol da criação de Unidades de Conservação na floresta com araucárias. Também coonhecida como Floresta Ombrófila Mista, essa formação florestal está reduzida hoje a menos de 3% de sua área original.

Miriam hoje é coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica, que congrega cerca de 300 ONGs. Juntas, trabalham arduamente para conseguir a aprovação do Projeto de Lei da Mata Atlântica e a implantação de projetos de proteção e recuperação desse Bioma.

Aliás, a produção de material educativo é uma das suas atividades preferidas: ajudou a produzir vários vídeos que enfocam os mais variados temas ambientais, além de cartilhas e livros: "A Mata Atlântica e Você – como preservar, recuperar e se beneficiar da mais ameaçada floresta brasileira", "Floresta com Araucárias – um símbolo da Mata Atlântica a ser salvo da extinção", além de várias cartilhas.

Miriam quase não pára. Mas sempre que pode, ela sabe relaxar: adora música e gosta de dançar. Curte acima de tudo um bom violão. Só então, ela deixa o trombone descansar.

Brasil ainda não conseguiu administrar a Amazônia, diz ex-primeira ministra da Noruega

São Paulo – A criadora do conceito de desenvolvimento sustentável, Gro Harlem Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega, disse hoje (9) que o Brasil ainda não conseguiu administrar a Amazônia e a produção de energia do país de modo sustentável.

"O Brasil tem dificuldades para gerenciar a vida da floresta de maneira sustentável. E a geração de energia no país é uma questão que ainda não está equacionada", afirmou. Ela considerou, no entanto, que a adoção de processos sustentáveis no Brasil é mais problemática que em outros países. Sustentabilidade é a capacidade de um sistema continuar funcionando indefinidamente sem que ele esgote as capacidades do meio de prover matéria e energia.

Para Gro Brundtland, em razão do tamanho do território nacional, as medidas brasileiras afetam também os países vizinhos. "Além de ter que pensar nele próprio, o Brasil tem de pensar também nos vizinhos", afirmou.

A ex-primeira ministra norueguesa foi diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1998 a 2002. E presidiu a Comissão Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente, grupo que liderou a criação dos conceitos políticos, como o de desenvolvimento sustentável, adotados até hoje.

O relatório final da Comissão, publicado em 1987, serviu como base para a realização da conferência Rio 92 e para a criação da Agenda 21 – documento assinado por 179 países com as estratégias que devem ser adotadas para se alcançar a sustentabilidade – pela Organização das Nações Unidas.

Seca na Amazônia: alguma coisa está fora da ordem

A Amazônia vive hoje a pior estiagem dos últimos 50 anos. Fotos estampadas na mídia mostram cenários desoladores na região que detém mais de 20% da água doce da Terra. São igarapés secos, barcos encalhados em bancos de areia de rios, mortandade de peixes, populações isoladas sem ter como se locomover e sem ter o que comer. São mais de 250 mil pessoas atingidas nos estados do Amazonas e do Pará.

Cautelosos, cientistas e pesquisadores falam na possibilidade de que o aumento do calor no planeta, provocado pela emissão de gases de efeito estufa tenha começado a potencializar eventos climáticos extremos, mas avaliam que ainda não é possível estabelecer uma relação direta com o aquecimento global.

Entretanto, as evidências vão se acumulando. Exemplos disso são as enchentes que têm ocorrido com freqüência ao redor do mundo como as que ocorreram na China recentemente, furacões como o Katrina, que devastou a região de Nova Orleans (EUA) em agosto passado, e o Wilma, que ameaça e destrói, neste momento, a região do Golfo do México.

No caso específico da seca que castiga a Amazônia, no entanto, a comunidade acadêmica concorda quanto a algumas ameaças que poderão se concretizar no futuro. Uma delas é a “savanização” da maior floresta tropical do mundo, um processo de perda de biodiversidade causada por alguns graus centígrados a mais no termômetro planetário e pela perda de umidade. Vegetação típica da África Central, a Savana é o outro nome utilizado para definir o Cerrado brasileiro, ambiente mais pobre em diversidade biológica que a floresta amazônica. Também são fortes as evidências de que o desmatamento e as queimadas podem potencializar os efeitos da seca na região.

A maior seca da Amazônia Ocidental em 102 anos

"No oeste da Amazônia, no Acre, por exemplo, pelo menos pelos registros mais confiáveis que temos, esta é a seca mais forte em 50 anos. Já o rio Negro na região de Manaus, esteve tão baixo apenas quatro ou cinco vezes em 102 anos de registros", avalia o pesquisador Carlos Artur Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele explica que a causa principal do fenômeno seria um aumento entre um e dois graus das águas do Atlântico, ao norte da América do Sul, o que acarretaria uma grande concentração de chuvas nesta região. O resultado seria um movimento descendente do ar em regiões próximas, como a Amazônia, e, conseqüentemente, a diminuição da formação de nuvens.

Nobre mantém a cautela em relação a estabelecer neste momento algum tipo de relação direta entre o aquecimento global e a falta de chuvas na região, que usualmente detém os maiores índices pluviométricos e mais de 20% da água doce do planeta. Para o especialista, o fenômeno pode ser considerado uma “variabilidade natural” do clima. Mas admite que o desmatamento e as queimadas também podem contribuir parcialmente para a seca. E lembra que existem trabalhos científicos que indicam que a fumaça das queimadas também pode dificultar a formação das nuvens. "Essas são sugestões teóricas que ainda carecem de uma comprovação, mas também não podem ser eliminadas e têm de ser levadas em conta. [O desmatamento e as queimadas] não são o motivo principal, mas podem ser fatores que intensificaram, na minha opinião, um pouco, a seca".

Para o ecólogo Paulo Moutinho, coordenador de Pesquisa do Programa de Mudanças Climáticas da organização não-governamental Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), "no caso específico da Amazônia e dessa seca, você tem, sim, um agravante que é o desmatamento". Ele aponta que, a grande ameaça para a floresta é a conjunção entre fatores climáticos planetários e os problemas locais, como a derrubada indiscriminada das árvores.

Moutinho explica que quase 50% das chuvas que caem sobre a região vêm da chamada "evapotranspiração" da própria floresta, ou seja, do vapor de água expelido pelas árvores para a atmosfera. "Se você remove a floresta e substitui por pasto, por exemplo, essa capacidade de abastecer a atmosfera com o vapor que alimenta as nuvens é bastante reduzida. Portanto, em eventos globais como este, em uma Amazônia cada vez mais desmatada, estes eventos tornam-se ainda mais intensos".

Estudo do Ipam

O Ipam é uma das organizações responsáveis por um dos maiores estudos já realizados na Amazônia sobre mudanças climáticas. Seus pesquisadores cobriram com painéis um hectare de terra em uma área localizada em Santarém (PA), a 930 quilômetros de Belém, para limitar a oferta de água às árvores no período de chuvas mais acentuadas. Iniciado no ano 2000, o trabalho ainda não está terminado, mas conclusões preliminares permitem afirmar que a resistência da floresta tem limites e que as mudanças climáticas podem causar prejuízos irreversíveis.

Secas prolongadas podem iniciar um ciclo vicioso capaz de fragilizar a floresta até extremos perigosos. O desmatamento e as queimadas diminuem a evapotranspiração, que diminui a intensidade das chuvas, o que, por sua vez, torna a vegetação mais seca e suscetível às queimadas. Novos incêndios florestais produzem fumaça, que dificulta a formação de nuvens. Durante o processo, a taxa de mortalidade das grandes árvores, as principais responsáveis pela manutenção da umidade no interior da floresta, pode aumentar e, com isso, diminuir sua capacidade de regeneração.

A imensa maioria dos grandes e pequenos produtores rurais na Amazônia usa a queimada para preparar a terra. De acordo com o Ipam, quase a metade dos incêndios em florestas na Amazônia são involuntários, causados pela propagação acidental do fogo a partir de uma área já desmatada que estava sendo limpa.

Problema político

"O que aconteceu agora é mais ou menos o que está previsto pelos modelos climáticos. Daí a tentativa de associar esses episódios com as mudanças climáticas. Mas não há comprovação”, avalia Moutinho. Ele considera que, no mínimo, a seca que está ocorrendo na Amazônia é um indício bastante forte e um alerta para o problema do aquecimento global. O pesquisador lembra que, hoje, há 30% mais gás carbônico na atmosfera, o principal causador do efeito estufa, do que existia antes da Revolução Industrial, no século XVIII. Nos últimos cem anos, a temperatura média da Terra aumentou em 1 grau centígrado, o suficiente para causar várias alterações no clima.

Paulo Moutinho é um dos autores, com Márcio Santilli, do ISA, e com Carlos Nobre, do Inpe, de uma proposta para incluir metas de diminuição do desmatamento no Protocolo de Kyoto, o tratado internacional que entrou em vigor, neste ano, e traz metas para a diminuição das emissões de gases poluentes causadores do efeito estufa. Os responsáveis pela proposta consideram que, mesmo sem a comprovação científica de que a ação do homem já esteja influenciando nas mudanças climáticas, é preciso realizar imediatamente todos os esforços possíveis para evitá-las e mitigá-las.

O secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, o físico José Goldemberg, uma das maiores autoridades brasileiras em questões energéticas e nucleares lembra que a Convenção do Clima, de 1992, declara em um de seus artigos que a ausência de uma certeza científica completa não deve impedir medidas de mitigação. "O que ocorre é que apesar da prudência de meus colegas cientistas em afirmar a existência de uma relação de causa e efeito entre o aquecimento global e o Katrina, as enchentes na China, a seca na Amazônia e por aí afora, não há a menor dúvida de que esse eventos climáticos extremos estão aumentando e são interpretados como as primeiras indicações do efeito estufa, as primeiras pegadas. Essas evidências estão se acumulando. Há um grande número de cientistas que acredita nessa correlação. Ela não pode ser demonstrada matematicamente ainda, mas vai nessa dire

ção" (veja entrevista com José Goldemberg abaixo).

Márcio Santilli cita o chamado princípio da precaução, consagrado em vários tratados ambientais internacionais, que afirma que quando não há certeza científica sobre a segurança para o meio ambiente e para os seres humanos de um produto ou de uma atividade, eles devem ser controlados ou mesmo proibidos. O representante do ISA considera que as mudanças climáticas precisam ser encaradas como um problema político e que é preciso uma mobilização planetária para tentar frear o ritmo das emissões de gases poluentes. "Não há prova, mas evidências de sobra, da correlação entre as coisas. E, em legítima defesa da espécie, devemos cobrar providências imediatas”, defende.

As conseqüências da seca

No dia 10 de outubro, o governo estadual decretou estado de calamidade pública em todas as 61 cidades do Amazonas. No Pará, onze municípios já decretaram estado de emergência e dois estão em situação de alerta. Por causa da diminuição do volume dos rios e da contaminação provocada pela morte de toneladas de cardumes de peixes, mais de 167 mil amazonenses e 92 mil paraenses estariam sendo afetados pela falta de água potável, comida e transporte. As informações são do Ministério da Integração Nacional e do governo do Pará. Mais de 25 mil pescadores, cerca de 20% do total, estão sem trabalho e 600 escolas já fecharam as portas no Amazonas.

Na quarta-feira, dia 19 de outubro, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, sobrevoou as comunidades mais afetadas no Estado e anunciou a liberação pelo governo federal de R$ 30 milhões, 50 mil cestas básicas, 130 kits de medicamentos e 18 toneladas de hipoclorito de sódio para tratar a água. O governador amazonense Eduardo Braga (PPS) admitiu à imprensa local estar preocupado com o abastecimento de água para Manaus e disse que os efeitos da seca também deverão chegar ao Baixo Amazonas, sobretudo nos municípios de Maués, Boa Vista do Ramos, Nhamundá e Silves, atingindo mais 87,5 mil moradores nestes locais.

Contribuição do Brasil é reduzir desmatamento

Confira entrevista com o secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, o físico José Goldemberg, uma das maiores autoridades brasileiras em questões energéticas e nucleares.

Como o senhor avalia a posição brasileira em relação às mudanças climáticas?

José Goldemberg – O Brasil, excluindo o que se passa na Amazônia neste momento, é um emissor pouco importante de gases de efeito estufa. Se fizermos uma lista dos maiores emissores de gases que provocam o efeito estufa, o Brasil ocupa a décima oitava posição. E as emissões de gases de efeito estufa são aproximadamente 1% do total mundial, apesar de a população brasileira representar 3% da população mundial. É um emissor pequeno. Isso foi refletido no Protocolo de Kyoto, em que países em desenvolvimento como Brasil, Índia e China foram excluídos das obrigações de reduzir as suas emissões. Assinado em 1997, o protocolo entrou em vigor em 2005, portanto com atraso de 8 anos, e há dúvida se os compromissos assumidos pelos países de primeiro mundo vão ser cumpridos. Ou seja a situação não é boa. E devido ao que está ocorrendo na Amazônia [desmatamento e queimadas], o Brasil passa para o 4º lugar na lista dos maiores emissores de gases de efeito estufa. Assim, a contribuição que o País pode dar para a redução dos problemas globais gerados pelo efeito estufa seria reduzir o desmatamento da Amazônia.

Que outras medidas podem ser tomadas?

José Goldemberg – O Estado de São Paulo, por exemplo, adotou duas medidas que não vão resolver o problema da Amazônia mas vão ajudar. A primeira é que em todas as concorrências públicas exige-se que se a madeira vier da Amazônia, deverá ser certificada. A segunda medida é a decisão de intensificar a fiscalização para combater a entrada de madeira clandestina no Estado por meio de ações da polícia. Mas são coisas pequenas comparadas com o que está acontecendo na Amazônia. Afora isso, o que se pode fazer é tentar melhorar a produção e o consumo de energia. Isso não é o dominante – porque o dominante é o que está ocorrendo na Amazônia –, mas está sendo feito em parte. Há um esforço de usar energia com mais eficiência porque à medida que isso ocorre é preciso construir menos usinas. Quando o sistema brasileiro era basicamente hidrelétrico, a construção das usinas não criava problemas para o efeito estufa. Acontece que agora, o sistema energético brasileiro de produção de eletricidade está se movimentando para fontes térmicas, que são o gás natural e o carvão, que contribuem para o efeito estufa porque emitem gases. Além disso, acho que se pode aumentar a cobertura florestal fora da Amazônia. Não resolve o problema, mas compensaria um pouco a perda da cobertura florestal lá.

O Brasil tem estratégias voltadas para as mudanças climáticas?

José Goldemberg – Não. A estratégia fundamental para isso tem de ser centrada em torno de ações na Amazônia. É a grande contribuinte. O resto do sistema é relativamente adequado. Ocorre que o governo federal jamais aceitou limitações nas emissões brasileiras, se escudando nas resoluções de Kyoto. Em dezembro, haverá a conferência internacional da ONU sobre mudança climática em Montreal, no Canadá, que vai rever o estado da aplicação do protocolo. A proposta que o governo de SP vai levar por meio de seus representantes, e eu serei um deles, será de que apesar de o Brasil não ter obrigações de reduzir suas emissões, que a conferência de Montreal tome a decisão de renegociar o Protocolo de Kyoto. De modo que sejam criados mecanismos pelos quais países como o Brasil, China e Índia adotem medidas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Mesmo que elas não sejam obrigatórias, os países adotariam métodos voluntários. Nossa proposta é de que os grandes bancos internacionais de fomento negociassem com estes países no sentido de adotarem metas voluntárias de redução. Então, essas instituições financeiras estabeleceriam programas de estímulo à realização de outras atividades que, no caso do Brasil, não provocassem o desmatamento da Amazônia. Na nossa proposta, o Brasil se disporia a fazer, voluntariamente, um grande esforço para reduzir o desmatamento, estabelecendo metas. Por exemplo, 10% no ano que vem, 20% no outro. E os bancos internacionais colocariam recursos para programas de desenvolvimento da Amazônia que não envolvessem o desmatamento, encorajando atividades mais industriais. Sob esse ponto de vista, acho que a Zona Franca de Manaus é algo que protege a Amazônia. Atividades industriais em Manaus atraem a força de trabalho para a cidade. De fato, o estado do Amazonas é o que menor índice de desmatamento registra entre todos os outros da região porque a população não está se deslocando para o interior para trabalhar em atividades como as que ocorrem em Mato Grosso e outros estados.

A quem cabe discutir o tema das mudanças climáticas no País?

O Brasil tem uma Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, que é secretariada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. E o que tem feito é apreciar projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Exerce um trabalho basicamente burocrático, que não é ruim, é bom, mas não propôs até agora políticas mais abrangentes.

Manaus e leste do Amazonas sofrem a seca mais severa dos últimos 103 anos, diz pesquisador do Inpe

Brasília – Manaus, capital do Amazonas, e todo leste do estado sofrem a estiagem mais severa dos últimos 103 anos. Esse é o cálculo do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Carlos Nobre. De acordo com ele, a região oeste também apresenta os menores índices pluviométricos dos últimos 60 anos.

"No que concerne ao Rio Negro, em Manaus, esta é uma seca que só tem paralelo nos últimos 103 anos. Ou seja, desde 1902, quando iniciamos registros de nível do Rio Negro. Já no oeste da Amazônia, esta é a estiagem mais severa dos últimos 50, 60 anos", estima.

Nobre explica que a seca ocorre por três fatores: aquecimento do Oceano Atlântico, redução da transpiração das árvores e a fumaça produzida pelas queimadas.

"A principal razão é o aquecimento do Oceano Tropical Norte, que está mais quente que a média em até dois graus. Essa água induz muitas chuvas na região e também um movimento ascendente – comum em locais com muita chuva. E tudo o que sobe tem que descer. Esse ar, que desce sobre a Amazônia, dificulta a formação de chuvas. Isso explica a grande extensão, severidade e duração desta seca bastante atípica", explica.

Os dois outros fatores são menos importantes para determinar a intensidade da seca, segundo o pesquisador. Ele afirma que estiagens prolongadas reduzem a transpiração das plantas, o que diminui a reciclagem da água. Carlos Nobre relata ainda que o desmatamento existe em 17% da Amazônia brasileira "de forma bem distribuída".

No entanto, ele ressalta que há estudos que mostram que a fumaça das queimadas "pode, também, dificultar a formação das chuvas no fim do período seco".