Cerca de nove milhões de estudantes vão terminar o ensino médio em escolas da rede pública, em 2004. Mas, pelo menos, dois milhões não poderão freqüentar o ensino superior por falta de recursos para pagar a taxa do vestibular ou por saberem que ao passar, não poderão se manter no curso, mesmo que seja numa universidade pública.
Essa é uma realidade que o Movimento dos Sem-Universidade (MSU) quer deixar para trás. O grupo reivindica a democratização do acesso às universidades brasileiras, a isenção das taxas dos vestibulares para alunos de escolas públicas e a criação de mais vagas nas universidades públicas. Em entrevista à Agência Brasil, o coordenador do MSU, Sérgio Custódio, revela que a condição de baixa renda não deve ser motivo de vergonha para nenhum aluno que deseja entrar no ensino superior.
Segundo ele, a maior dificuldade que esses estudantes enfrentam é ter de comprovar a situação de pobreza para conseguir a isenção das taxas. “Onde fica a auto-estima do estudante numa hora dessas? É uma lembrança que ele levará para o resto da vida”, disse Custódio.
Para o coordenador, o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter cursado uma faculdade pode facilitar a adoção de políticas públicas para melhorar o acesso dos mais pobres a educação superior. “Acreditamos no compromisso que ele tem com o povo da periferia”, concluiu.
Agência Brasil: Quem vocês representam?
Sérgio Custódio: Diretamente pelo menos um milhão de pessoas estão sem universidade no Brasil. A gente busca representar esse pessoal, os sem-universidade no Brasil, pessoas que estão às portas de entrar na universidade e não conseguem ter esse direito garantido. Isso é um fato novo na história do Brasil. Por outro lado, a partir dos 20, 30 anos, por conta da necessidade de educação profissional, muita gente tem esperança de ir para universidade, hoje, no Brasil. É um universo de dois milhões de pessoas.
Agência Brasil: O que vocês acham das discussões da Reforma Universitária no Ministério da Educação?
Sérgio Custódio: A gente acredita que pelo fato de o presidente Lula ter vivido na pele a exclusão da universidade e pelos compromissos que ele tem com o povo da periferia, há uma grande esperança, juntamente com o ministro Tarso Genro, de construir políticas de inclusão universitária. A gente encara isso como um momento único na história do Brasil. Pela primeira vez na história recente existem ações para incluir os sem-universidade na universidade brasileira como ela é hoje.
Agência Brasil: Qual a sua opinião sobre o Prouni – o Programa Universidade para Todos?
Sérgio Custódio: A questão das bolsas, da criação de um sistema único de bolsas para o ensino superior, no caso do Programa Universidade para Todos… O MSU vê com bons olhos, porque hoje a bolsa virou uma moeda de troca e se assemelha à cesta básica. Quem precisa da bolsa de estudo, se não tem um padrinho forte, não tem para quem recorrer. A gente vive isso diariamente. Por outro lado, muitas universidades privadas não pagam impostos, como é o caso das filantrópicas. Então, para a gente, a existência de um sistema único de bolsas de estudo de livre acesso, com critérios éticos, que qualquer um em qualquer lugar possa concorrer pela da prova do Enem, a gente vê como um resultado muito grande. Com a expectativa de que sejam geradas 300 mil bolsas, pelo menos 300 mil sem-universidades vão estar tentando, um mundo de oportunidades. Por isso, o MSU apóia as bolsas integrais junto com a UNE, com participação da sociedade civil no gerenciamento desse sistema.
Agência Brasil: E as políticas que o MEC vem traçando para o ensino superior?
Sérgio Custódio: O governo tem atendido a reivindicações do movimento. No caso da universidade do ABC serão criadas 20 mil vagas. Tem o anúncio da universidade do Recôncavo, na Baixada Fluminense, na floresta… A gente entende que estão sendo tomadas medidas objetivas no sentido de criar novas oportunidades para os sem-universidade. A gente espera que a Reforma Universitária seja uma reforma popular, capaz de democratizar a universidade e transformá-la, tirá-la da torre de marfim, para que ela tenha maior interação com a sociedade e, principalmente, que faça parte de um projeto de nação, um projeto de Brasil.
Agência Brasil: Por que os estudantes estão reagindo contra reforma universitária?
Sérgio Custódio: Há vários interesses por trás das reações, pelo menos das que a gente tem visto. O que não se pode é fazer tempestade em copo d’água. Acho que são poucas as pessoas e os setores que estão reagindo, pelo menos as oportunidades que nós tivemos em Manaus (os três fóruns sobre a Reforma Universitária, promovidos pelo MEC). O pessoal do MSU de Tocantins e de Minas Gerais esteve presente. O que a gente vê é um setor pequeno, radicalizado e que já está dentro das universidades e que, a nosso ver, representam partidos e grupos radicalizados, mas não a sociedade. O pior comportamento que esse setor tem demonstrado é o de impedir o diálogo e o debate. Todo mundo tem direito de ter diferenças, agora o problema é não permitir que haja o debate.
Agência Brasil: Quais são as maiores dificuldades que vocês enfrentam no dia a dia?
Sérgio Custódio: Se a universidade é pública, ela tem que ser direito de todo mundo. Não é um favor permitir que os estudantes de escolas públicas freqüentem as universidade públicas. Se você for a uma escola de ensino médio pública e der a oportunidade de três mil alunos tentarem o vestibular, você aumenta a auto-estima desses estudantes. A escola se envolve nesse processo e se torna um incentivo. É muito pior o estudante encontrar uma taxa pela frente que o impeça de fazer o vestibular.