Em março deste ano, diante de representantes estrangeiros e jornalistas presentes na Conferência sobre Diversidade Biológica (CDB), em Curitiba, o presidente Lula discursou afirmando que a biodiversidade é o maior tesouro do planeta. Alardeou com pompa e circunstância que o Brasil se orgulha de proteger seu meio ambiente. Passou uma imagem muito diferente da realidade que se apresenta depois que os visitantes dão as costas e vão embora.
Há semanas, o próprio presidente acusou ambientalistas, índios e Ministério Público de atrapalhar o desenvolvimento do país. Num discurso feito para agricultores e tendo como anfitrião o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, Lula criou tremenda saia justa até com a ministra do Meio Ambiente. Deixou claro que o agronegócio é prioridade nacional – mesmo que signifique passar por cima das questões ambientais.
Antes disso, no final de outubro, Lula assinou medida provisória (MP) diminuindo a distância mínima entre as áreas de plantio de transgênicos e as Unidades de Conservação (UCs). Sem consultar a sociedade civil, passou por cima do princípio da precaução e abriu precedente que fragiliza essas áreas não só na questão dos transgênicos, mas em todos os assuntos que possam ter impactos sobre o meio ambiente. Quem saiu ganhando foram as multinacionais de biotecnologia, que vinham plantando ilegalmente no entorno das UCs e não se intimidaram nem depois de pagar multa determinada pelo Ibama.
A MP chegou à Câmara dos Deputados e trancará a pauta a partir do dia 18 de dezembro. A bancada ruralista não perdeu tempo. Quer aproveitar a votação para aprovar o seu "pacote de maldades". A idéia é pegar carona para alterar medidas que garantem a biossegurança no país, promovendo um tratoraço transgênico. No final das contas, a impressão que fica é de que a bancada do agronegócio está sempre insatisfeita e não se cansa de reabrir discussões encerradas.
A Lei de Biossegurança, por exemplo, foi aprovada no início de 2005 depois de meses de discussão. Com ela, vários mecanismos para garantir a biossegurança brasileira foram estipulados e aprovados, inclusive as regras para liberação de novo transgênico no meio ambiente. Essas regras garantem um procedimento formal a ser seguido e protegem o meio ambiente e os consumidores. Porém, como criança mimada que só se satisfaz quando tem tudo o que quer, a bancada ruralista quer mudar as regras do jogo. O mais curioso é que o Congresso que aprovou a Lei de Biossegurança em 2005 é o mesmo que hoje discute as mudanças de última hora.
Uma das propostas ruralistas é retirar a competência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre o registro de agrotóxicos e deixar tudo sob responsabilidade exclusiva do Ministério da Agricultura. Com a proposta absurda, a bancada espera facilitar a liberação de transgênicos – especialmente os resistentes ou tolerantes a agrotóxicos e que apresentam quantidade de resíduo maior que a considerada segura para a saúde humana (como o milho Liberty Link, da Bayer, e o algodão RoundUp Ready, da Monsanto). Excluindo a Anvisa do processo, as questões de saúde deixariam de ser levadas em conta e apenas os aspectos agronômicos seriam considerados.
Outra discussão que os ruralistas querem reabrir é a liberação das sementes "suicidas", a tecnologia conhecida como Terminator. Essas sementes – estéreis – foram proibidas durante a última Reunião das Partes da CDB. O Brasil, além de signatário do acordo, sediou e secretariou a última reunião. Mesmo assim, a bancada insiste em pedir a aprovação dessa tecnologia.
Para completar o tratoraço transgênico, os ruralistas querem mudar o funcionamento da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e diminuir o quórum necessário para as aprovações comerciais. Se isso for aprovado e as regras da Lei de Biossegurança forem mudadas, podemos ter uma situação em que só oito brasileiros serão responsáveis por avaliar a segurança de novo transgênico. Até o presidente Lula disse que essa não é situação razoável. E ainda teríamos excluídos da discussão setores fundamentais representados pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Justiça e Desenvolvimento Agrário, entre outros.
A manobra dos ruralistas é sorrateira. Querem mudar as regras do jogo da biossegurança com a bola rolando e pelas entrelinhas de uma medida provisória que trata de tema específico – as zonas de amortecimento. O Congresso Nacional não pode se deixar levar pelo canto da sereia e jogar fora as discussões e deliberações tomadas em 2005, que garantem a biossegurança brasileira. A derrota não será apenas dos parlamentares. Será do país.
De Marcelo Furtado, Diretor de campanhas do Greenpeace Brasil, e Gabriela Vuolo, Coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil.