Novas regras para produtos orgânicos buscam maior confiabilidade da certificação

Desde a última sexta-feira (28) está em vigor decreto que cria novas regras para a produção e comercialização de produtos orgânicos no Brasil.

Entre as principais mudanças está a criação do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica, que visa a assegurar a confiabilidade da certificação dos produtos orgânicos.

Caberá ao Ministério da Agricultura, juntamente com os secretarias estaduais, fiscalizar entidades responsáveis pela certificação dos produtos.

Cada entidade só vai poder emitir selos de garantia de procedência depois de autorizada pelo sistema e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).

A nova norma ainda permite a produção paralela na mesma propriedade de produtos orgânicos e não-orgânicos. A exigência é que haja uma separação do processo produtivo. Também não poderá haver contato com materiais e substâncias de uso não-autorizado para a produção de orgânicos, como agrotóxicos.

O decreto tem a finalidade de substituir a Instrução Normativa nº 7 de 1999, do Ministério da Agricultura. Segundo o coordenador de Agroecologia do ministério, Rogério Dias, a norma anterior abordava de forma superficial alguns aspectos da produção animal e vegetal.

Em entrevista à Rádio Nacional, Dias afirmou que as novas regras vão garantir a qualidade dos produtos vendidos com o selo de orgânicos. “O consumidor vai poder ter a certeza do que ele está comprando, agora nós vamos ter realmente um quadro em que todos os pontos da produção vão ser tratados”, ressaltou.

O coordenador acrescenta ainda que o consumidor brasileiro ainda não conhece bem os produtos orgânicos. “O consumidor ainda tem uma percepção de que o produto orgânico é aquele sem veneno, sem agrotóxico, e isso é um conceito básico. Mas as pessoas não conseguem ainda saber tudo que está por trás de uma produção orgânica; o que faz a produção orgânica é você ter um sistema de produção orgânico, e para isso você tem que observar uma série de princípios”, explicou.

Exemplos desses princípios são a existência de um solo vivo (conjunto de práticas associadas ao manejo sustentado dos recursos naturais), a presença de uma biodiversidade de culturas no sistema e a questão da eficiência energética. Atualmente existem no mercado diversos tipos de produtos orgânicos, tanto in natura quanto processados. Além de vegetais frescos, tem crescido a oferta de manufaturados como massa de tomate, vinhos, sucos e até mesmo tecidos e cosméticos.

Novas instruções normativas serão editadas para complementar o decreto. A previsão do Ministério da Agricultura é que elas possam ser submetidas à consulta pública a partir de fevereiro. As sugestões poderão ser apresentadas pelo site do ministério, por carta e em audiências públicas.

Brasil pode se tornar o maior exportador de orgânicos em dez anos

A partir das políticas públicas de estímulo à prática da agricultura orgânica, é possível que em uma década o Brasil se torne o maior exportador do mundo. A avaliação foi feita pelo agrônomo José Carlos Polidoro, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Solos).

A concretização dessa estimativa depende de apoio político, principalmente na questão de exportações ligadas ao setor orgânico, com destaque para hortaliças e frutas, observou o especialista. “Esse mercado é extremamente positivo para a entrada de mais agricultores nesse sistema”, disse.

A participação da Embrapa nesse processo se dá através do projeto “Desenvolvimento Tecnológico dos Sistemas Orgânicos de Produção Agropecuária com Base Ecológica”, do qual participam cerca de 250 pesquisadores de 16 unidades da empresa e de 45 instituições parceiras, inclusive privadas. O projeto foi criado em 2000 e é coordenado pela Embrapa Agrobiologia.

Polidoro informou que este é o maior programa mundial de pesquisa e desenvolvimento de agricultura orgânica e está em vias de aprovação para renovação na Embrapa. O projeto se insere nos Desafios Nacionais do Agronegócio, que têm a agricultura orgânica como um grande negócio.

“A idéia desse projeto é desenvolver tecnologia, conhecimento, com participação dos produtores que já atuam historicamente com agricultura, e dar uma base tecnológica segura para que esse negócio atenda à expectativa do mercado, oferecendo produtos de qualidade, com rastreabilidade, tal como ocorre no mercado tradicional, mas com a característica de ser produto orgânico, com todas as vantagens previstas”, disse Polidoro.

O agrônomo destacou que a principal vantagem para a saúde do consumidor é o fato de não se usar agrotóxicos, ou seja, defensivos agrícolas industrializados. “Essa não é uma prática na agricultura orgânica e é a que mais incorre em riscos para o consumidor na agricultura convencional, pelo mau uso desses defensivos. A agricultura orgânica, por não usar (agrotóxico), proporciona maior segurança alimentar”, enfatizou.

“A Embrapa entrou nisso para que se desenvolvam sistemas de produção orgânica com agropecuários. Isso é uma evolução muito grande, porque insere tecnologia à produção de agricultores de todos os portes”, disse. O agrônomo frisou que a posição do Brasil de grande exportador de orgânicos se dará com uma diferença muito grande em relação aos demais países.

“Enquanto nos outros países a produção orgânica decorreu de uma simples substituição de insumos, no Brasil está sendo desenvolvido um sistema participativo, nas condições tropicais, cuja base é a agroecologia. Esta é uma ciência ampla, de atuação no ambiente com vistas à sua conservação, o que dá uma idéia de longevidade. É um sistema que por si só tem uma lógica e pode se ajustar a qualquer ambiente. No caso brasileiro, a sistemas tropicais”, afirmou Polidoro.

Produtores de soja têm dois anos para se adequar a compromisso com importadores

As empresas brasileiras produtoras de soja na Amazônia que ainda estão em situação irregular e desrespeitam o Código Florestal têm prazo de dois anos para se adequar. O prazo foi dado pelo mercado europeu, que ameaça embargar as compras. Na terça-feira (25), multinacionais exportadoras como a Cargill, ADM, Bünge e Maggi assinaram o compromisso de não comprar soja proveniente de plantações onde haja trabalho escravo, uso de grãos transgênicos, desmatamento ilegal, invasão de terras indígenas e públicas, e de áreas comunitárias.

A Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que representam o setor, já informaram estar comprometidas com esses objetivos. Para o diretor-geral da Anec, Sérgio Mendes, "não se pode ficar indiferente a essa questão".

Já o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Rui Prado, afirmou que organizações não-governamentais que vêm pressionando para o cumprimento do Código "defendem muito mais problemas econômicos do que ambientais". E garantiu ter "consciência de produzir de socioambientalmente correta, até porque nós respeitamos a legislação brasileira".

De acordo com Ana Cristina Barros, representante da ONG The Nature Conservancy, o Código exige que o produtor das áreas ribeirinhas cuide das margens na propriedade e evite a erosão. Em cada propriedade, ainda segundo Código, deve ser mantida uma área de vegetação nativa: “Na área de floresta amazônica, esse percentual é de 80%. Na de cerrado, onde se pode plantar soja na região, o índice cai para 20%. E nas áreas de transição, é de 35%. No caso de reserva permanente é necessária autorização do governo para desmatar ou queimar", explicou.

Paulo Adário, coordenador da campanha do Greenpeace para a Amazônia, alertou que o plantio de soja vem provocando desmatamento na região, o que aumentou após a instalação de um porto da empresa Cargill, em Santarém (PA), para exportação. O porto, explicou, atraiu uma grande quantidade de produtores do sul do país e do norte do estado de Mato Grosso. “Eles procuravam por terra barata", lembrou.

Segundo o coordenador, a soja ocupa 45% de toda a área plantada com grãos no Brasil. No entanto, gera apenas 5,5% dos empregos do setor. "É uma indústria altamente mecanizada, de grandes produtores com muito dinheiro. Os rendimentos beneficiam poucas pessoas e causam um enorme impacto social e ambiental”, avalia. Dados do Greenpeace apontam que as multinacionais exportam mais de 60% da soja produzida no país.

Ainda de acordo com o Adário, o processo do embargo do produto está sendo discutido na Europa, com a adesão de outras multinacionais e indústrias de produção de produção e abate de franges. “Nos próximos dois anos haverá um acompanhamento e se os mecanismos de legalização não forem cumpridos por empresas brasileiras, toda a soja produzida na Amazônia pode ser embargada", afirmou.

Regulamentação do setor de orgânicos vai ampliar produção, diz exportador

A regulamentação da Lei 10.831/2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, foi defendida pelo vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, como prioridade para a ampliação da produção brasileira e a conseqüente destinação desses produtos para exportação.

O vice-presidente da AEB informou que ainda não existem no Brasil estatísticas que permitam dizer claramente quanto se exporta de orgânicos no país e qual é a produção interna. “Estima-se que a exportação gire em torno de US$ 100 milhões a US$ 200 milhões atualmente”.

Ele afirmou que o anúncio do governo de que vai permitir que no próprio registro de exportação – feito hoje para qualquer produto manufaturado – tenha a menção de produto orgânico, dará condições de se saber o que o Brasil exporta exatamente em termos de valor e mercado de destino, além de detectar o potencial existente no país.

“São produtos com um potencial fantástico de crescimento e nós temos que aproveitar porque o Brasil tem muita terra. Nós podemos ocupar o espaço de todos no mundo. Assim como o agronegócio foi desenvolvido em economia de escala, nós podemos fazer a mesma coisa nos produtos orgânicos”, avaliou Castro.

Os produtos orgânicos com melhores condições de ganhar mercado no exterior são frutas, legumes e verduras, disse o vice-presidente da AEB. Ele observou que como não se conseguiu até agora quantificar esse mercado, muitas empresas deixam de exportar.

Castro sugere que o Brasil crie uma marca para a exportação de orgânicos. Segundo explicou, essa marca vai definir o produto brasileiro, agregar valor e facilitar a identificação do país como fornecedor de orgânicos. “Na verdade, o problema do mercado internacional de orgânicos não é a procura de consumidor no mercado. Ocorre exatamente o inverso. É o consumidor que procura o fornecedor de orgânicos no mundo, porque hoje a demanda é muito maior do que a oferta”, afirmou.

Ele lembrou que o governo, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário, já vem incentivando a produção de orgânicos na agricultura familiar. “É um tipo de produto que não exige escala de produção, mas sim escala de venda. Ou seja, as empresas podem produzir em escala reduzida, mas na hora de vender devem consolidar o volume de vendas para diminuir os custos”, afirmou.

Castro defende que a operação de venda pode e deve ser feita pelos pequenos produtores brasileiros através de consórcios, porque amplia o poder de negociação externa e dilui os custos financeiros.